Insucesso Académico no IST



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Transcrição:

Tânia Correia Colaboradores: Dr. Hans Welling Dra. Susana Vasconcelos Dra. Belina Duarte Coordenação: Dra. Isabel Gonçalves (NAP) Dra. Marta Pile (GEP) Setembro 2003

Índice Pág. Introdução 3 I - O (In)Sucesso Escolar 6 II - O Insucesso Escolar no IST 25 2.1. - Causas do Insucesso Escolar 25 2.2. - O Abandono Interno/Externo 29 2.3. - Desempenho Escolar do Aluno Regular 36 2.4. - Grelha de Análise do Desempenho Escolar 39 2.5. - Inquérito aos Alunos 40 III - Medidas de Combate e Prevenção do Insucesso Escolar 43 IV - Fórum de Discussão 52 4.1. - Resultados do Fórum de Discussão 53 V - Considerações Finais 62 Bibliografia 64 ANEXO I - A pessoa do aluno ANEXO II - A realização académica, a pedagogia e a pessoa do docente ANEXO III - A dimensão institucional ANEXO IV - Inquérito ao insucesso escolar do IST (1º ano) ANEXO V - Resultados do Inquérito aos alunos 2

Introdução O ingresso no Ensino Superior é, para muitos jovens, o culminar de uma longa permanência no sistema educativo. As instituições universitárias assumem-se como um local de aquisição de saberes específicos, indispensáveis a uma melhor inserção no mercado de trabalho. Hoje em dia é normalmente aceite que um bom emprego implica necessariamente a obtenção de um nível académico superior. Ora, este facto implica que toda a vida (escolar) dos alunos seja dirigida para este fim. As suas expectativas, os seus projectos futuros, são equacionados tendo em conta a frequência de um curso superior. Desta forma, a entrada na universidade é encarada como um período determinante na vida dos jovens que irá condicionar toda a sua vida futura. Contudo, após esta entrada, acontece frequentemente os jovens não conseguirem obter os resultados que esperavam, o que os leva a experimentar sentimentos de desilusão e frustração que acabam, por vezes, por os impossibilitar de ultrapassar esta situação. As situações de insucesso escolar começam a atingir proporções significativas, preocupando não só os intervenientes mais directos neste insucesso, os alunos, mas também as instituições de Ensino Superior e os próprios governos. O Instituto Superior Técnico (IST) não é alheio a esta situação: apesar da taxa de reprovação no IST ser inferior à média nacional, o insucesso escolar nesta instituição passa por elevadas taxas de reprovação e de desistência e por um tempo de finalização das licenciaturas superior àquele, à partida, definido. Para fazer face a esta situação, torna-se imperativo um conhecimento cada vez maior do contexto desse insucesso, que permita a tomada de um conjunto de medidas que actuem sobretudo de um modo preventivo, evitando, na medida do possível, situações de insucesso. O estudo que se pretende desenvolver, numa cooperação entre o Gabinete de Estudos e Planeamento (GEP) e o Núcleo de Aconselhamento Psicológico (NAP), tem como 3

objectivo analisar o impacto de algumas medidas de combate ao insucesso escolar implementadas no IST, tomando como ponto de partida o estudante. Pretende-se, deste modo, reunir pela primeira vez os esforços de pesquisa de um gabinete (GEP) que tem vindo a realizar macro-estudos orientados para a totalidade da população do IST, e de um gabinete (NAP) que tem vindo a realizar intervenções clínicas e micro-estudos orientados para a população de estudantes que apresentam problemas do foro psicológico, frequentemente com impacto sobre o seu rendimento académico. A ideia é conseguir obter uma visão mais completa do insucesso académico no IST, integrando dados mais quantitativos de pesquisa com dados de natureza mais qualitativa. Assim, numa primeira fase, irá definir-se o que se entende por sucesso/insucesso escolar, de acordo com as perspectivas teóricas da Psicologia e da Sociologia. Numa segunda fase, caracterizar-se-á o insucesso escolar aplicado ao caso concreto do IST, recorrendo a todos os estudos realizados até ao momento sobre esta temática, incluindo, nomeadamente, os resultados de vários relatórios de auto-avaliação das várias licenciaturas do IST, estudos desenvolvidos pelo GAPE 1, GEP, NAP, AEIST 2, Conselho Pedagógico, entre outros, numa tentativa de identificação das principais causas do insucesso no IST e definição de indicadores. Tendo em conta o desempenho pedagógico dos alunos, esta fase deverá terminar com a construção de uma grelha que sintetize os vários graus de sucesso/insucesso escolar no IST. Numa terceira fase, efectuar-se-á a inventariação das medidas/acções desenvolvidas ao longo dos anos no IST, na área do insucesso escolar, organizando-as numa grelha que especifique: destinatários, objectivos, período de tempo em que foram implementados, responsáveis e resultados. A quarta fase do trabalho, posterior à divulgação dos resultados obtidos nas fases dois e três, consiste na elaboração de um painel de participantes "informados" que possam reunir- 1 Gabinete de Apoio ao Estudante. 4

se num fórum de discussão, relativamente restrito, sobre os dados entretanto recolhidos, com o objectivo de definirem, em conjunto com as coordenadoras do estudo, os critérios orientadores das próximas fases do mesmo. Conta-se desde logo com a participação, neste painel, de: - representantes do Conselho Pedagógico - representantes do Conselho Directivo - representantes do Conselho Científico - representantes da Associação de Estudantes - Coordenadores de Licenciatura - representantes do GAPE - representantes do NAP - representantes do GEP - todos os estudantes e docentes que tenham interesse e julguem poder dar um contributo válido para esta questão. Na quinta e última fase do trabalho, o GEP e o NAP propõem-se implementar o estudo nos moldes propostos no âmbito das conclusões finais do "Fórum de discussão sobre o sucesso/insucesso escolar no IST", sendo que no final desta fase de trabalho de campo seria desejável que se conseguissem desenvolver quer metodologias de análise e reflexão consensuais a aplicar a todas as medidas de combate ao insucesso escolar desenvolvidas no IST, quer propostas de medidas a desenvolver futuramente e que possam ter boas possibilidades de promover o sucesso académico. O GEP e o NAP convidam, pois, toda a escola a envolver-se activamente neste estudo, que se pretende eminentemente prático e útil para o desenvolvimento do IST, e particularmente dos seus principais clientes e beneficiários - os estudantes. 2 Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico. 5

I - O (In)Sucesso Escolar O sucesso académico tornou-se, na academia, um tópico de alguma relevância. Assim, ainda que cada vez um maior número de adolescentes tenham acesso a um ensino de nível superior, a taxa de sucesso desses mesmos adolescentes tende a diminuir, o que preocupa, naturalmente, não só as instituições de ensino superior, como os próprios governos (com particular destaque para os ministérios da educação) e a sociedade em geral. (Van Esbroeck, R., 1995). A escola, uma instituição com séculos de existência, abriu recentemente as suas portas a camadas da população a que o saber letrado estava vedado, passando a receber um público muito heterogéneo tanto a nível social, como cultural e económico - fenómeno de massificação da escola. É comummente aceite que todos têm direito à frequência escolar, contudo, é também verdade que a escola, ao funcionar como um filtro selectivo que "assegura simultaneamente uma socialização necessária ao funcionamento das sociedades e uma reprodução social (cf. Benavente, 1988: 23), "legitima as diferenças sociais transformando-as em diferenças escolares, que vão, por sua vez, justificar novas diferenças sociais (cf. Benavente, 1988: 23). Com o fenómeno de massificação da escola intensifica-se um outro fenómeno, o do insucesso escolar. Inicialmente perspectivado como um problema isolado, de um aluno que não consegue transitar de ano, passou a ser visto como um fenómeno social, estando nele implicados não só os intervenientes mais directos, os alunos, mas também todos os outros actores que intervêm no processo educativo: os pais, os docentes e, a um nível macro, a própria instituição e o governo ( o Estado português gasta cerca de meio milhão de contos todos os anos com alunos do Ensino Superior que raramente frequentam as aulas e se eternizam no sistema por muitos mais anos do que os que seriam necessários para a conclusão da sua licenciatura (cf. Ricardo Jorge Pinto, jornal Expresso, Novembro de 1996)). Antigamente, o insucesso era encarado como um sinal de exigência no ensino e, até 6

mesmo, como um sinal de qualidade do sistema educativo. Por sua vez, os casos de abandono escolar eram vistos como a única solução para as situações em que existia uma dissociação entre os alunos e a escola. Com a massificação do ensino estes problemas tenderam a agravar-se e, com a ideia de que o aluno pode (e talvez até deve) ser encarado como um cliente do sistema educativo, apareceu a noção de que era necessário fazer algo para corrigir níveis demasiado elevados de insucesso escolar. Com a percepção do problema, tem vindo a ser desenvolvida uma vasta investigação sobre a temática do insucesso escolar, da qual se destacam três correntes explicativas daquela (temática): 1. Teoria dos dotes individuais Segundo esta teoria, a explicação para o insucesso escolar dos alunos residia nos próprios alunos; a escola mantinha-se neutra, isto é, não era apontada como um dos intervenientes/factores explicativos do insucesso. A inteligência era vista como um dote natural, como algo inato e hereditário e o facto de um aluno ter um fraco aproveitamento escolar devia-se somente à sua falta de capacidade e/ou inteligência. 2. Teoria do handicap socio-cultural A partir dos anos 60, e com base na investigação desenvolvida nas áreas da Psicologia Genética, da Sociologia da Educação e da Psicosociologia, compreende-se que o insucesso escolar não pode ser atribuído somente a causas individuais dos alunos. O facto daquele fenómeno ser considerado massivo, atingindo grandes percentagens de repetências, não pode ser explicado através de características individuais dos alunos. Trata-se de um problema social, aliás, socialmente selectivo, uma vez que a sua distribuição varia de acordo com a origem social dos discentes. Estes teriam, perante a escola, diferenças a nível sócio-cultural que os poderiam colocar em desvantagem perante outros alunos e que os impossibilitariam de obter o chamado sucesso escolar. Nesta teoria, tal como na anterior, é imputada aos alunos a responsabilidade do insucesso. 7

3. Teoria sócio-institucional Se o insucesso escolar é um fenómeno massivo, socialmente selectivo e cumulativo, não se pode ignorar a escola na explicação daquele, tal como as teorias anteriores fizeram. Neste caso, trata-se de considerar a dimensão social e institucional do insucesso escolar. Assim sendo, o insucesso escolar é afinal um fenómeno que envolve factores de natureza política, cultural, institucional, sociopedagógica e psicopedagógica; tem a ver com as relações que a escola estabelece com os alunos que vêm de meios mais afastados dos saberes letrados, tem a ver com as dificuldades que a escola ( ) tem em se relacionar com os alunos social e culturalmente diversos (Benavente, 1988: 24). Tal como Benavente refere, a explicação do insucesso escolar deixou de incidir apenas no aluno: afastada a visão fatalista, quer da teoria dos dotes naturais, quer da do handicap sócio-cultural investe-se na transformação da própria escola, nas suas estruturas, conteúdos e práticas, procurando adaptá-la às necessidades dos diversos públicos que a frequentam (Benavente in Silva, Custódio, Mendes, Lourenço, 2001: 7-8). O insucesso escolar é um fenómeno constante em todos os níveis de ensino e instituições escolares que atinge percentagens muito elevadas. Apresenta um carácter precoce, pois tende a aparecer de uma forma mais intensa nos primeiros anos de escolaridade e é socialmente selectivo, visto o seu grau de incidência variar consoante os meios sociais de origem dos alunos. É, também, considerado como um fenómeno cumulativo, ou seja, um aluno que reprove tem uma maior probabilidade de reprovar novamente, não sendo, por isso, encarado como um acontecimento isolado na vida do aluno. Por definição, o insucesso escolar seria um impedimento ao prosseguimento dos estudos. Assim, definir insucesso escolar parece relativamente fácil, basta fazer alguns cálculos: saber qual o número de alunos inscritos num ano e quantos transitaram para o ano seguinte; quantas disciplinas foram deixadas em atraso; o número de anos, em média, que um aluno leva a completar um curso, etc.. Falar de insucesso, no Ensino Superior, é necessariamente falar de alunos que, ano após ano, não conseguem transitar para o nível 8

seguinte ou que, mesmo que o consigam, têm um aproveitamento baixo, deixando muitas disciplinas em atraso. Esta situação conduz a um prolongamento da sua frequência no Ensino Superior, chegando mesmo a situações extremas de abandono do curso e da escola. De acordo com alguns estudos efectuados em Portugal, sobre as temáticas do insucesso escolar e dos abandonos, é habitual discutir questões como (in Silva, Custódio, Mendes, Lourenço, 2001: 7): Os alunos sofrem um choque na transição do ensino secundário para o ensino universitário; O meio donde provêm alguns dos estudantes não os habilita a lidar da melhor forma com a instituição de acolhimento, sentindo problemas na integração social e académica; Alguns docentes não têm formação pedagógica que os habilite a lidar com situações que requerem conhecimentos específicos de pedagogia; A componente curricular de certas licenciaturas contém deficiências estruturais, está desarticulada e não permite que o aluno desenvolva as suas capacidades da forma mais eficaz. O insucesso e o abandono não têm a mesma definição, não se podendo encontrar no primeiro fenómeno a causa única e explicativa do segundo; o insucesso pode, por vezes, levar o aluno a abandonar a instituição de ensino mas não é o único factor de abandono. O abandono escolar é, actualmente, um fenómeno preocupante, tanto no que diz respeito à extensão que adquire como no que diz respeito às repercussões que tem na sociedade e nos indivíduos que a integram. Este é um fenómeno que tem vindo a crescer, nos últimos anos, devido à massificação do ensino e existem indicadores, a nível europeu, que o consideram como um problema que poderá emperrar o desenvolvimento de um país: todo o atraso em que um país incorra no desenvolvimento dos conhecimentos dos jovens, futuros agentes de produção, coloca esse país em situação muito delicada relativamente aos vizinhos e concorrentes (Ministério da Educação in Silva, Custódio, Mendes, Lourenço, 2001: 8). Logo, não se podem dissociar os aspectos económicos bem como os sociais desta 9

problemática. O abandono revela-se assim como um sinal de insucesso da própria sociedade. Quer quando a decisão resulta de decisões de insucesso, pela impreparação dos alunos que a escola penaliza, quer quando não se consegue motivar para a sequência de estudos mesmo aqueles a quem a escola proporciona sucesso (Ministério da Educação in Silva, Custódio, Mendes, Lourenço, 2001: 8). De referir, que a questão dos abandonos escolares, mais concretamente no IST, será analisada em maior profundidade numa fase posterior do trabalho. Segundo um estudo efectuado na Universidade de Aveiro, para uma melhor compreensão do sucesso/insucesso escolar é necessário agir de forma coerente e fundamentada sobre as condições organizacionais, curriculares e pedagógicas do funcionamento dos primeiros anos do Ensino Superior (Tavares et al. in Silva, Custódio, Mendes, Lourenço, 2001: 8). De acordo com o mesmo trabalho, a explicação destes fenómenos (sucesso/insucesso) não se poderá resumir a uma explicação causal ou linear, tomando como medida de análise apenas um dos agentes em questão: ou a análise intra-individual, atribuindo somente ao indivíduo a responsabilidade cognitiva pelos seus actos, ou a análise macrossocial e intraorganizacional que enfatiza os factores externos de tipo social, organizacional e/ou pedagógicos. Não obstante, actualmente, o termo insucesso/sucesso escolar tem vindo a ser substituído pelo termo insucesso/sucesso académico, uma vez este último ser mais abrangente na sua definição. Este abarca não só as competências académicas e cognitivas mas, também, as variáveis pessoais que se encontram envolvidas no processo de transição e adaptação à universidade (Ferreira e Neto in Santos, 2001: 20). De salientar a contribuição de Tavares e Silva (in Tavares e Silva, 2001: 150) no que concerne à definição de sucesso escolar, levando-a mais longe do que os meros resultados escolares. Segundo os mesmos, o sucesso académico é indicado pelos resultados que o estudante consegue durante o tempo da sua vida na academia e que se traduz pelas competências cognitivas e metacognitivas, comportamentais e de comunicação 10

desenvolvidas durante e no final da sua estada na instituição universitária. O sucesso académico não poderá, na realidade, ser medido apenas pelo rendimento escolar atingido nas diferentes disciplinas do seu plano de estudos e pelo nível mais ou menos elevado das suas classificações. Hoje, conta, sobretudo, o seu desenvolvimento integrado pessoal e social, o seu equilíbrio, o bom senso e maturidade, a sua capacidade de criatividade e de desenvolver relações humanas entre pares e superiores hierárquicos e de ajudar a resolver tensões e conflitos em ambientes de trabalho. E, continuam, acrescentando: sucesso académico integra, por um lado, de alguma forma o sucesso familiar, escolar, educativo e, por outro, possibilita e potencializa o sucesso social, profissional, cultural, axiológico, numa palavra, humano. Como referido anteriormente, o sucesso/insucesso académico não diz somente respeito às qualificações académicas; ele abarca uma multiplicidade de aspectos que envolvem variáveis pessoais, interpessoais e institucionais que afectam a adaptação e a realização académica do estudante no Ensino Superior. As dimensões psico-pedagógicas e afectivorelacionais constituem componentes influentes e responsáveis pelos níveis de êxito e sucesso nos desempenhos escolares e académicos dos estudantes universitários. Segundo Ratingan (in Santos, 2001: 17), a transição do ensino secundário para o Ensino Superior pode ser concebida como potenciadora de crises e vulnerabilidades, bem como fonte de desafios desenvolvimentais. O sucesso académico depende de uma boa adaptação ao Ensino Superior a qual resulta, por sua vez, da interacção entre factores pessoais e variáveis associadas ao campus universitário. De acordo com investigação efectuada acerca da transição ensino secundário/superior, quando os níveis de desafio provocados por esta transição são percepcionados como excessivamente elevados, acabam por gerar problemas ao nível das actividades académicas, ao nível das actividades pessoais e sociais, e relativos à identidade e ao desenvolvimento vocacional do estudante (Fischer in Santos, 2001: 19). Deste modo, a vivência destes problemas tem implicações negativas no rendimento académico dos estudantes, conduzindo, muitas vezes, a situações de abandono escolar e ao aumento dos pedidos de apoio psicossocial (Rickinson e Rutherford in Santos, 2001: 19). 11

O insucesso académico é encarado como um problema de má adaptação do aluno a uma nova realidade escolar: a universidade. Má adaptação essa que poderá advir de variáveis pessoais, tais como o relacionamento com a família, os níveis de autonomia pessoal, o bem-estar físico e psicológico, os níveis de auto-confiança, entre outras. Mas, igualmente, advir de uma má adaptação à própria instituição, ao curso, aos novos métodos de estudo, aos professores, etc.. Poder-se-ão, então, considerar três domínios de sucesso/insucesso: (a) o domínio académico que diz respeito ao desempenho escolar, competências de estudo, avaliação do conteúdo e método de currículo do curso; (b) o domínio social-relacional que tem a ver com a maneira de estar na universidade, a adaptação ao papel de estudante universitário, a inserção no contexto universitário, as oportunidades oferecidas no acolhimento, a satisfação com o ambiente relacional e social; e, por último, (c) o domínio bio-psicológico que se relaciona com a saúde física e psicológica, a qualidade de vida e bem-estar, ou seja, a satisfação com a vida em geral (Tavares et al., 2000: 202-203). Assim, poderão ser consideradas quatro dimensões que, directa ou indirectamente, poderão influenciar o percurso académico dos alunos. São elas a dimensão individual (intrínseca ao aluno), a pedagógica/didáctica (docentes e currículos), a institucional (universidade) e a ambiental externa (envolvente à universidade, visto considerar-se que, por exemplo, o aluno em situação de mudança residencial em termos geográficos tem propensão para sentir mais dificuldades de integração do que os seus colegas que residem na zona da instituição de ensino). De uma forma mais sistemática, apresentam-se, abaixo, as variáveis que cada uma das dimensões abrange. 12

Fig. 1: Dimensões que poderão influenciar o percurso académico dos alunos Individual (intrínseca ao aluno) Percurso Escolar Desempenho escolar Dados Sócio- Económicos Dimensões Pedagógica/Didáctica (docentes e currículos) Interacção Professor- Aluno Nível de Atractividade do curso Ritmos de Trabalho Contactos Pessoais Organização Curricular Factores Psicológicos Transmissão de Conhecimentos Institucional (universidade) Equipamentos e Serviços Condições de Frequência Grau de Integração/ Participação Ambiental Externa (envolvente à universidade) Transição novo espaço de vida (culturais) Transição novo espaço de vida (geográficos) Adapt. de: Silva, Custódio, Mendes, Lourenço (2001) Abandono Universitário: Estudo de caso no IST, Lisboa, Gabinete de Estudos e Planeamento, Instituto Superior Técnico. Uma caracterização psicológica dos alunos bem e mal sucedidos academicamente Em situações de competição, a motivação fundamental para muitos estudantes é evitarem o fracasso e protegerem o seu auto-conceito da percepção de que têm pouca habilidade; o que com alguma frequência leva à adopção de estratégias de evitamento de potenciais situações de fracasso (Alderman, 1999). Porque razão o fracasso é suscitador de emoções negativas como a vergonha e a baixa auto-estima em tantos estudantes, e motivador de maior esforço noutros? Alunos diferentes dão diferentes interpretações aos seus sucessos e fracassos. Não é tão importante a situação do fracasso mas, muito mais, o significado que o aluno atribui a esse fracasso: para alguns, o fracasso é interpretado como sendo o resultado de um esforço insuficiente e, como tal, susceptível de mudança e melhor desempenho na próxima vez; para outros, é a confirmação de uma incompetência há muito suspeitada, nada que o aumento de esforço 13

possa resolver. Com base nesta diferenciação em termos de atribuições de significados, pode agrupar-se a maioria dos estudantes em dois tipos, o estudante orientado para o sucesso e o estudante aceitante do fracasso. Casos típicos de sucesso e insucesso 3 Um estudante orientado para o sucesso tende a atribuir os seus fracassos a factores internos instáveis (como a falta de esforço) e os seus sucessos a factores internos estáveis e instáveis (uma combinação de capacidade e esforço). Encara os desafios como uma oportunidade de demonstrar a sua habilidade intelectual geralmente com entusiasmo; crê que falhou, porque não se esforçou o suficiente ou porque não usou a melhor estratégia; o que não significa incompetência ou falta de capacidade mas, sim, ignorância ou incompreensão, algo que é mutável e solúvel através de um aumento do esforço. As emoções desagradáveis relacionadas com a falta de esforço (a culpa e o remorso) actuam como impulsionadoras de um maior esforço da próxima vez. Ao mesmo tempo, as emoções agradáveis, associadas à manutenção das expectativas de sucesso (o optimismo), influenciam positivamente futuros desempenhos, porque continua a acreditar que é possível ser bem sucedido e move-se nesse sentido, continuando a investir no trabalho escolar (despendendo mais tempo que os alunos pessimistas, os quais, mesmo com as mesmas capacidades, acabam, muitas vezes, por desinvestir do trabalho escolar). 3 Adapt. de: Covington (1992). Motives as thoughts in Making the grade. A self-worth perspective on motivation and school reform. NY: Cambridge University Press. Adapt. de: Alderman (1999). Attributional beliefs and motivation in Motivation for achievement. Possibilities for teaching and learning. NY: Lawrence Felbaurn. 14

Fracasso Fig. 2: Estudante orientado para o sucesso Atribuições Sentimento Desempenho Alta capacidade Culpa Procura melhorar desempenho Baixo esforço Optimismo Sucesso Alta capacidade Alto esforço Orgulho Optimismo Melhoria do desempenho Um estudante aceitante do fracasso (orientado para o fracasso), tende a atribuir os seus fracassos a factores internos estáveis (falta de capacidade) em detrimento da falta de esforço; quanto aos sucessos, caso estes ocorram, são atribuídos a factores externos instáveis que não pode controlar (como a sorte e a ajuda de outros). Vê-se numa situação catastrófica: congratula-se pouco ou nada pelos raros sucessos, porque não se sente merecedor; culpabiliza-se e envergonha-se pelos fracassos pois atribui-os à incapacidade ou à incompetência. Não acredita que possa ser bem sucedido no futuro ou controlar futuros sucessos. A mesma situação de fracasso desencadeia emoções e efeitos diferentes: os sentimentos associados a esta interpretação, podem ser a vergonha e a inferiorização, sentimentos muitas vezes paralisantes. O seu efeito, associado à crença de falta de capacidade ou incompetência é um efeito pessimista. Pior do que isto, mesmo que consiga da próxima vez um desempenho melhor, a sua interpretação continuará a ser contrária à de um estudante orientado para o sucesso, pois continua a duvidar da sua capacidade e a julgar-se um impostor, visto o sucesso não ser devido a si mas, sim, a algum factor externo instável que não pode controlar (sorte, facilidade das perguntas, benefício dos professores). Não existem, para ele, expectativas de sucesso mas uma imprevisibilidade pouco motivadora. 15

Fig. 3: Estudante orientado para o fracasso Atribuições Sentimento Desempenho Vergonha Fracasso Baixa capacidade Baixo desempenho Pessimismo Sucesso Baixa capacidade Sorte Pouco orgulho Pessimismo Baixo desempenho Alunos aceitantes do fracasso mantêm-se, muitas vezes até à entrada na Universidade, num limbo entre a esperança e o desespero causados pelo medo de serem descobertos como impostores. É no contexto do Ensino Superior, com todas as alterações de etapa de vida que lhe estão associadas que, muitas vezes, este medo deixa de ser controlável e causa maiores danos, podendo mesmo levar ao abandono escolar. Os sentimentos associados à interpretação do fracasso como falta de capacidade são dolorosos. Ser ignorante não é o mesmo que ser pouco inteligente; lidar com este tipo de sentimentos é frequentemente difícil. Como resultado, existem também diferentes estratégias desculpabilizantes desse fracasso, estratégias que diminuem a possibilidade do fracasso poder ser interpretado como incapacidade ou incompetência e, ainda, estratégias destinadas a evitar situações de fracasso a todo o custo. Estratégias auto-incapacitantes 4 Envolvem a criação de impedimentos para o desempenho de tarefas e de esforço que possam levar ao sucesso académico. Criam-se desculpas para o potencial fracasso que evitam a exposição da incompetência. Mesmo quando são bem sucedidos a justificar os seus fracassos aos outros, salvaguardando a sua capacidade, não estão livres de sentimentos negativos associados à falta de investimento, como a culpa e a vergonha. É um 16

boicote ao investimento, pois é muito pior encarar o fracasso quando se investiu para o sucesso. Assim, a auto-justificação é a prioridade e a procura do bom desempenho é, muitas vezes, sacrificada, uma vez que o estudante nunca testa as suas capacidades, continuando sempre a duvidar delas e a evitar a todo o custo confrontar-se com a real descoberta de um fracasso pessoal causado por falta de capacidade intelectual. Procrastinação "Deixar para amanhã o que se pode fazer hoje " não tem mal nenhum quando se têm razões para tal ou quando o problema beneficia de um adiamento. O problema real coloca-se quando há adiamentos sistemáticos, sem justificação, tornando-se paralisante; é frequente as razões para o adiamento dos estudos só surgirem em altura dos exames ou da entrega dos trabalhos. É o caso dos alunos que fazem tudo, em altura dos exames, excepto estudar: limpam a casa, tratam de assuntos pendentes há vários meses, etc.. Ao estudar apenas nos últimos dias, o procrastinador não pode culpar-se pelo fracasso, pois esteve demasiado ocupado e com pouco tempo para poder estudar. Se, por acaso, conseguir ser bem sucedido, transmite uma imagem extremamente capaz, porque conseguiu fazer tanto, com tão pouco esforço. Em suma, o procrastinador tem pouco a perder e muito a ganhar. Existe ainda outro tipo de procrastinador que é aquele que está realmente muito ocupado a investir no estudo mas perde demasiado tempo a fazer resumos ou a recolher material para estudar. A desculpa, neste caso, é a falta de tempo: se ao menos tivesse mais uns dias... Objectivos inatingíveis Consiste em definir objectivos tão elevados que o insucesso se torna o mais provável. É o caso dos alunos que aspiram a um 20, inscritos a 5 cadeiras por semestre enquanto trabalham em um ou dois part-times. Do ponto de vista da valorização pessoal faz todo o sentido, uma vez que o insucesso não pode ser interpretado levemente como falta de capacidade mas, sim, porque a tarefa ou o objectivo era quase inatingível. Existe uma espécie de permissão para falhar que é libertadora: por um lado, o indivíduo tem mais 4 Adapt. de: Covington (1992). Self-worth and the fear of failure in Making the grade. A self-worth perspective on motivation and school reform. NY: Cambridge University Press. 17

possibilidades de falhar do que de ser bem sucedido, por outro, se conseguir atingir o seu objectivo, apesar de todas as intempéries, tem sempre a admiração dos outros. Underachievers (os que não se esforçam e ficam aquém do cumprimento dos objectivos) Evitam qualquer teste à sua capacidade, recusando-se a investir. Fazem-no com um certo orgulho, denegrindo o trabalho em si ou fazendo críticas depreciativas, ridicularizando aqueles que trabalham. Recusam como rebeldia, inconformismo e defesa da individualidade mas, no fundo, esta recusa é originada por um medo de inadequação e não por qualquer convicção política ou moral. Não é que não queiram ser bem sucedidos, pelo contrário: julgam é que o sucesso só tem valor se forem atingidos padrões de perfeição. O resultado é, muitas vezes, raiva por não atingirem a perfeição e raiva contra aqueles que insistem nela (muitas vezes contra pais demasiado exigentes e pouco apoiantes). A sua batalha é travada entre o que é na realidade e aquilo que deveria ser (ou aquilo que os pais gostariam que fosse). Em termos de valorização pessoal, não se sentem incapazes quando falham, porque foi essa a sua opção, podendo, também, punir os pais demasiado exigentes e insatisfeitos, nunca atingindo os objectivos colocados por estes. A muleta académica Ansiedade Envolve a utilização de uma qualquer deficiência ou fraqueza pessoal como álibi para o insucesso, algo (de preferência) irrepreensível e vitimizante para o estudante. A ansiedade é a mais frequente por ser bastante real e conhecidos os seus efeitos perturbadores no desempenho académico. Estratégias que garantem o sucesso 5 São estratégias que procuram evitar o sofrimento causado pelo fracasso. Para os alunos que as utilizam, a valorização pessoal depende de nunca fracassarem ou de se esforçarem o máximo possível ou de estabelecerem objectivos muito baixos ou, mesmo, da utilização de 5 Adapt. de: Covington (1992). Self-worth and the fear of failure in Making the grade. A self-worth perspective on motivation and school reform. NY: Cambridge University Press 18

meios menos adequados. Contudo, estes alunos têm um medo profundo de não terem as capacidades que garantam o seu sucesso escolar. Overstrivers (esforçado e abnegado: esforça-se demasiado) Desejo intenso de evitar o fracasso ao ser bem sucedido através de um grande esforço e dedicação às tarefas académicas, muitas vezes, em detrimento das outras áreas de vida, tornando a procura de sucesso num ritual obsessivo. Não há exigências moderadas e perdão para estes estudantes, pois a perfeição é o seu objectivo. Do ponto de vista da valorização pessoal, o risco é elevado, pois quando falham, sofrem o pior dos fracassos, o fracasso após um grande investimento. Estes estudantes situam-se num conflito entre a esperança de sucesso (confirmado pelo seu historial académico) e o medo de não serem realmente inteligentes (porque se esforçam demasiado). É por esta razão que um fracasso isolado pode ser devastador, pois é, para eles, a confirmação do maior dos seus receios, o de serem realmente incompetentes e de não cumprirem as exigências da perfeição. Ironicamente, alguns destes estudantes, ao limite, colocam-se a si próprios numa armadilha, visto ninguém conseguir evitar o fracasso eternamente. As situações de fracasso e insucesso são inevitáveis, assim como a insatisfação é inerente ao Homem, o que o faz tentar ir cada vez mais longe, estabelecendo objectivos cada vez mais difíceis e, por vezes, ainda inatingíveis. Baixos objectivos Outra forma de garantir o sucesso consiste em criar objectivos tão baixos que se torna difícil fracassar. O sucesso é apenas definido como não perder. Em termos de valorização pessoal, há uma ilusão de respeito baseada numa vida de pouco esforço e dedicação: as pessoas medíocres estão sempre no seu melhor. Estes estudantes estabelecem, para si mesmos, um intervalo entre o desempenho mais baixo que podem atingir sem sentir desconforto e o melhor que podem esperar. É o caso do estudante que anuncia antes de fazer o exame que ficará satisfeito apenas com uma nota para passar. Existem desvantagens neste tipo de estratégia: continuação de um desempenho 19

inadequado, pouco esforço e desmotivação. Só fazem o mínimo que é esperado; desta maneira, o sucesso assegurado é previsível e desprovido de valor associado à satisfação de ultrapassar um verdadeiro desafio. Batota Académica Este comportamento há muito que constitui fonte de preocupação no sector académico. Há quem considere que cabular é um sinal de dificuldades a nível de adaptação e pouca tolerância à frustração; outros, que é um sinal de más políticas educativas que encorajam a fraude e a batota. Mais uma vez, a base deste comportamento está no facto do aluno considerar que só tem valor se conseguir um bom desempenho, mesmo que este não seja real, o que suscita o sentimento de imprevisibilidade em situações posteriores. O risco de ser apanhado é compensado pelo enorme medo de ficar para trás em comparação com os colegas. O alívio proporcionado pelo sucesso aparente não é, no entanto, suficiente para reduzir o desconforto ou o sentimento de culpa, pois o aluno sabe que enganou, que o seu sucesso não garante futuros bons desempenhos e que corre o risco de ser descoberto como impostor. O insucesso escolar não pode ser atribuído a uma causa única, estando envolvidas neste processo uma multiplicidade de variáveis/causas. Estas poderão ser arrumadas, para uma melhor compreensão, nas seguintes categorias: a pessoa do aluno (ver Anexo I), a realização académica, a pedagogia e a pessoa do docente (ver Anexo II) e a dimensão institucional (ver Anexo III). Na introdução à proposta de contrato de qualidade elaborada pelas Escolas da Universidade Técnica de Lisboa, no seguimento do despacho 6659/99 de 16 de Março, pretende-se que o combate ao insucesso promova o estudante a níveis de formação de grande qualidade, compatíveis com as exigências do mercado de trabalho e 20