A FELICIDADE PARADOXAL: ENSAIO SOBRE A SOCIEDADE DE HIPERCONSUMO



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Transcrição aula inaugural Professor Irineu Mario Colombo, reitor do Instituto Federal do Paraná Fevereiro de 2013

Transcrição:

A FELICIDADE PARADOXAL: ENSAIO SOBRE A SOCIEDADE DE HIPERCONSUMO Autor: Gilles Lipovetsky Resenhado por: Gilcerlândia Pinheiro Almeida Nunes 81 Enquanto se tem à disposição mais possibilidades de satisfações, mais inacessível parece estar a felicidade do indivíduo hiperconsumidor. Gilles Lipovetsky nasceu em Millau/França, em 24 de setembro de 1944. É filósofo e professor da Universidade de Grenoble na França. Possui uma vasta obra publicada, sempre enfatizando o consumo na pós-modernidade. Dentre elas, Do Luxo Sagrado ao Luxo Democrático; A Era do Vazio: Ensaios Sobre o Individualismo Contemporâneo; A Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo (2006); O Império do Efêmero: a Moda e Seu Destino nas Sociedades Modernas (1989); O Luxo Eterno: da Idade do Sagrado ao Tempo das Marcas (2005); Os Tempos Hipermodernos e a A Terceira Mulher, entre outras. O livro aqui resenhado é A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo, uma obra ensaística, onde o autor discute o consumo na contemporaneidade, a corrida pelo bem-estar individual, através do consumo hedonista, a busca infinda pela felicidade e a consequente sensação de desamparo perante a total responsabilidade pelo seu êxito ou fracasso pessoal. A expressão sociedade de consumo nasceu nos anos 1920 e popularizou-se entre 1950 e1960. Refere-se a um tipo de consumo puramente materialista que põe o apoderamento do dinheiro em um plano superior na vida, portanto, para Lipovetsky, esse momento da história deve ser visto como ultrapassado, não que o consumo tenha sido superado, longe disso, A dinâmica de expansão das necessidades se prolonga, mas carregada de novos significados coletivos e individuais (p 24), ou seja, haveria agora um tipo de hipermaterialismo. Os homens continuam sedentos de consumo, entretanto agora, de forma direcionada a 206 81Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação pela mesma instituição. Bolsista do CNPq e orientada da profa. dra. Maria Lúcia Bastos Alves. Pesquisa: Consumo de moda, vestimenta e mulher. gilcordecanela@hotmail.com

parâmetros mais íntimos. A qualidade de vida, a expressão de si, preocupações referentes ao sentido da vida estão em voga e se sobrepõem ao consumo desenfreado e isento de reflexividade. Tendo em vista a ideia de uma nova fase do consumo, o autor se propõe a descrever, mesmo que sumariamente, as duas primeiras fases para dedicar-se mais detalhadamente à terceira, supondo três momentos. Por volta de 1880, a infraestrutura moderna dá início ao primeiro ciclo da era do consumo que termina, por sua vez, com a Segunda Guerra Mundial. Nessa fase, as técnicas industriais de desenvolvimento de máquinas, padronização das mercadorias, aumento da quantidade de fluxos não foram por si só suficientes para o nascimento do capitalismo de consumo. Mas, concomitante a isso, uma construção cultural e social que requereu a 'educação' dos consumidores ao mesmo tempo que o espírito visionário de empreendedores criativos, a 'mão visível dos gestores' (p 28). Produção de massa (produtos padronizados), marketing de massa e consumidor moderno são inventos da fase I, assim como a dedicação de notáveis orçamentos para reforçar as marcas recém-criadas. Os consumidores perdem sua histórica relação com os varejistas distribuidores e passam a depositar suas expectativas e julgamentos num nome e em um fabricante desconhecido, comprando uma assinatura no lugar de uma coisa (p 30). O consumo-sedução/consumo-distração do qual somos herdeiros e fiéis, fala Lipovetsky, nasceu através dos grandes magazines que se ocuparam em preparar todo um cenário propício à sedução e ao desejo de comprar, servindo ao mesmo tempo para desculpabilizar o ato da compra. Por volta de 1950 o mundo ocidental viu florescer uma nova fase da sociedade de consumo de massa ou real edificação dessa. O consumo se espalha pelas diferentes camadas da sociedade, produtos tidos como emblemáticos (automóvel, televisão, aparelhos eletrodomésticos, entre outros) entram nas possibilidades financeiras de cada vez mais pessoas, permitindo que muitos pudessem se libertar da urgência da necessidade estrita. Esse ciclo se caracteriza pela hibridez que combina a lógica de produção fordista e a lógica-moda que ganha terreno através da possibilidade de resolver os problemas da alta produtividade. Ao mesmo tempo que muitos produtos são ofertados pelo mercado, outros muitos saem de uso, redução do tempo de vida das mercadorias (p 34). 207

As resistências culturais entregam-se às frivolidades da vida material mercantil dos desejos e a sociedade se volta para um imaginário de felicidade depositado no ato do consumo. Esse ciclo provocou uma oscilação do tempo, fazendo passar da orientação futurista para a 'vida no presente' e suas satisfações imediatas (p 36); espalha-se toda uma cultura que convida a apreciar os prazeres do instante, a gozar a felicidade aqui e agora, a viver para si mesmo (p 102). Portanto, esse ciclo prepara os indivíduos para um nova fase que entra em vigor em fins dos anos 1970. Concomitante a isso, ter-se-á também uma reestruturação do sistema capitalista no que diz respeito às técnicas da informação, globalização dos mercados, desenvolvimento de empresas gigantescas com marcas mundiais, novas tecnologias (que permitiram a produção personalizada em massa ), entre outros acontecimentos que fizeram parte desse momento histórico e que desembocou para a formatação do tipo de mercado e consumo que se tem a partir de então. A chamada fase III traz consigo o consumo experiencial. Lipovetsky coloca em questão os críticos dos anos 1960-1970, sobre a lógica de diferenciação social. Para esse autor, as exigências de prestígios estiveram muito bem colocadas para a fase anterior, mas já era hora de se pensar os objetos como desejáveis e atrativos em si mesmos. A banalização do acesso aos bens de mercado e as desregulações de classe trouxeram uma liberdade maior aos indivíduos que não estariam mais presos em habitus de classe e, por isso mesmo, imprevisíveis e intimizados no que concerne ao consumo. O consumo ordena-se cada dia um pouco mais em função de fins, de gostos e de critérios individuais (p 41). Anuncia-se a chegada do hiperconsumo orquestrada por uma lógica mais subjetiva e emocional. O consumo 'para si' suplantou o consumo 'para o outro' (p 42); dessa forma, pavonear-se não seria mais o motivo primordial para a obtenção de bens, mas outros motivos sensoriais e estéticos de satisfação emocional e corporal consumo emocional. O termo hiperconsumo, já mencionado, traduz esse novo momento em que os dispêndios já não significam mais enfrentamentos simbólicos entre grupos e o valor distrativo prevalece sobre o valor honorífico (p 43). Ainda, nesse sentido, o consumo não deixa visível a identidade pelo custo dos produtos adquiridos, mas pelas escolhas individuais (consumo cada vez mais individualizado) e as composições que cada um faz a partir das oportunidades que lhes são oferecidas pelo mercado, o qual não espera mais seu cliente, mas que o surpeende onde quer ele esteja, através de investimentos em não lugares para os consumidosres 208

viajantes. Houve também uma libertação espaço-temporal. Além de encontrar produtos para consumir nos lugares menos esperados outrora, a compra virtual também tem ganhado cada vez mais espaço. A relação com o vendedor se esvaiu completamente e, ao invés de consumidor um ciberconsumidor. Entretanto, esse homo consumericus (termo utilizado por Lipovetsky para designar o consumidor da fase III), mesmo estando emancipado das culturas de classe, carrega consigo preocupações, como o consumo responsável, o meio ambiente, os espetáculos de solidariedade, entre outros; é a era da emergência dos produtos-éticos. O consumidor dessa fase livra-se da submissão ao grupo e adentra uma nova colonização, a do reino monetarizado do consumo ; do consumo-mundo, onde não existem barreiras entre localidades, etnias, religião, faixa etária; todos são parte do fluxo mercantil. Tendo em vista essas transformações dos indivíduos em relação à aquisição de bens, fez-se necessário um novo tipo de publicidade (com estratégias de segmentação ou melhor hipersegmentação) que estivesse realmente adequada para articular as marcas a uma ressignificação, ou seja, atualmente toda a construção do marketing não se liga mais à funcionalidade dos produtos, mas preocupam-se em criar uma alma, um estilo de vida associado àqueles nomes, muitas vezes falando de tudo menos do produto que está sendo vendido. Aliado a isso, uma nova abertura ou democratização do consumo através das massas. Não se ficam mais presos de um lado às necessidades, de outro, ao luxo, mas a todos é permitido voltar os olhos para o que é belo e de qualidade; fiam-se cada vez mais nas marcas graças ao processo de desregulamentação de classes. Os indivíduos parecem desnorteados sem as antigas amarras sociais e precisam assegurar-se em suas desorientações que estão confiando em algo seguro, algo que possa amenizar suas ansiedades frente à desinstucionalização. Lipovetsky coloca ainda os cuidados e exigências com a saúde e o corpo, assim como os dispêndios com lazer, que tem despontado nos últimos tempos como prova de um tipo de consumo hedonista despreocupado com as insígnias distintivas e muito mais preocupado consigo mesmo, com o prazer da experiência pela experiência (p 63). O turismo planejado também é um um exemplo desse tipo de consumo, onde a experiência vivida tem sensações e riscos controlados e cronometrados que levam os indivíduos a experimentatarem momentos de extrema dedicação ao prazer de viver. Poder-se-ia pensar (pelo próprio autor) o consumidor 209

como um colecionador de experiências sensitivas ou estéticas, lúdicas ou comunicacionais, mas, em todo caso, fugazes e de movimentos incessantes, como um jogo que torna-se por si mesmo sua própria recompensa (p 68). Esse neoconsumidor não seria um indivíduo manipulado ou preso a uma estrutura dominante, mas um indivíduo móvel, o indivíduo-órbita zapeando as coisas na esperança, muitas vezes frustrada, de zapear sua própria vida (p 70) ao almejar a juventude eterna, brincando consigo mesmo e com a possibilidade de simular ou representar um outro personagem. Por sua vez, o mercado não mais funciona com a lógica da produção de massa, mas a produção personalizada de massa que exige agora, além de uma rapidez frenética, estratégias de diversificação capazes de suprir às demandas que se apresentam, já que nessa fase nem sempre a produção antecede à venda, mas vendem-se para produzir ou ainda, ao anunciar os produtos com anos atecedentes a sua produção, criam expectativas na espera e ao mesmo tempo consomem-se o que ainda não possue concretização material. O consumidor rei diz o que quer e como quer. Dessa forma, a sedução (através da espetacularização), a inovação, as ofertas de conforto, a variedade, a renovação perpétua conduzem a uma interpretação de radicalização da lógica-moda presente no processo de produção e consumo há séculos. As indústrias culturais também obedecem aos mandamentos desse mercardo incansável. Músicas, livros e vários outros produtos dessa categoria são diariamente oferecidos aos consumidores numa quantidade inacreditável. E para que se consuma cada vez mais, não é a estratégia da má qualidade que lidera (a concorrência estimula a qualidade total e o defeito zero ), mas a da novidade; renovam-se rapidamente os modelos e fazem os clientes sentirem-se desatualizados, fora de moda e o low cost (não é vergonha procurar ofertas e descontos). O descarte dos artigos já não é provocado pela mediocridade da fabricação, mas pela economia da velocidade, por produtos novos, mais eficientes ou que respondam a outras necessidades (p 92). Mas o que se perguntam é que indivíduo se tem agora depois de toda essa transformação social, toda essa invasão do mundo mercantil em suas vidas. E, Lipovetsky é bastante esperançoso em relação a isso. Embora ele aponte algumas ideias que demonstram muitos problemas dos indivíduos com as coisas, consigo mesmos e com o social, por outro lado, fala da sociabilidade ampliada a que se pode ver atualmente, mesmo que 210

seja efêmera, seletiva e emocional ela está mais adequada com o ethos hiperconsumidor. Além disso, ele diz que os indivíduos não abandonaram a negatividade característica humana de querer vencer e superar-se; dessa forma, o mercado e o hedonismo não comandam integralmente a existência humana. A felicidade, por sua vez, a cada dia tem de ser reinventada e ninguém detém as chaves que abrem as portas da Terra Prometida (p 370), pois as satisfações de existência mudam ao longo da vida, ou seja, ela é desunificada e pluralista. Dessa forma, rejeitar o consumismo é pouco sábio, o viável é reajustar e reequilibrar a fim de que a ordem tentacular do hiperconsumo não esmague a multiplicidade dos horizontes da vida (p 370). Esse livro resenhado e toda a obra do autor, embora em alguns momentos tenha que se deparar com algumas críticas a pesquisadores importantes, caros à Sociologia, como Jean Baudrillar e Pierre Bourdieu, acrescenta alguns pontos novos de discussão sobre o mundo do consumo. É um livro fascinante e merece a atenção do caro leitor! 211 REFERÊNCIA LIPOVETSKY, Gilles. A FELICIDADE PARADOXAL: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.