APELAÇÃO COM REVISÃO N º 604.846-0/9 - SANTOS Apelante: Edmar Sérvulo Pereira Apelada : Terracom Engenharia Ltda. COMPETÊNCIA. CONTRATO DE TRABALHO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. O caso concreto trata de culpa contratual e não de acidente do trabalho, em que a responsabilidade civil seria extracontratual. A distinção é relevante porque à Justiça Comum Estadual compete julgar, por exclusão constitucional da esfera de competência da Justiça Federal, a ação de indenização pelo direito comum, em caso de acidente do trabalho. Compete à Justiça do Trabalho julgar ação de indenização onde o fato constitutivo descrito na inicial repouse em alegada culpa contratual. Recurso não conhecido. Remessa determinada. Visto. Voto n º 4.768 EDMAR SÉRVULO PEREIRA ingressou com Ação de Reparação Civil por Perdas e Danos contra TERRACOM ENGENHARIA LTDA. (na inicial consta TERRACOM TRANSPORTES TERRAPLANAGEM E COMÉRCIO LTDA.) qualificação e caracteres das partes nos autos, perseguindo a condenação por danos materiais e morais ocorridos no curso do contrato de trabalho havido entre as partes, que se prolongou com a Reclamação Trabalhista Proc. nº 1.063/93, perante a 3ª Junta de Conciliação e Julgamento de Cubatão entre 13/7/93 a 17/2/98. - 1 -
Formalizada a angularidade a Requerida fez encarte de contestação, que foi impugnada. Seguiu-se a entrega da prestação jurisdicional antecipada e, improcedente a pretensão, a condenação ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios de 15% sobre o valor da causa, pelo Autor, ficaram condicionadas às normas da Assistência Judiciária. EDMAR SÉRVULO PEREIRA interpôs recurso. Persegue a reforma da decisão enfatizando que "... A caracterização do ato ilícito da empregadora consiste na ação indevida de obrigação salarial, durante a vigência do contrato de trabalho e a sua extinção,..." (folha 232). TERRACOM ENGENHARIA LTDA. fez encarte de contra-razões defendendo o acerto da decisão, asseverando que "... A demora na via judiciária, não é causa atribuída as partes, se comprovado como está, que não houve má fé de nenhuma das partes no retardamento do processo..." (folha 241). É o relatório, mantido no mais o da r. sentença. Diz a inicial sobre o objetivo (da ação): "...Esta ação visa recuperar prejuízo sofrido pelo autor durante a vigência do contrato de trabalho entre este e a ré, e é formulada através do pedido de indenização por perdas e danos como conseqüência de atos ilícitos contratuais que, embora praticados aos olhos do autor com aparente concordância tácita, gerou grandes prejuízos..." (folha 3 grifou-se). Acrescenta que o contrato de trabalho iniciouse em 22.2.91 e encerrou-se em 22.12.92. Não tendo a Requerida reconhecido muitas verbas, ingressou com ação de reclamação trabalhista contra ela em 2.7.93, perante a 3ª Junta de Conciliação e Julgamento de Santos Proc. nº 1.063/93 (folha 16). O processo trabalhista teve curso por 4 anos e 8 meses em face da: - 2 -
"... quase perpétua resistência das rés em reconhecer ao autor as verbas que lhe eram devidas (...); as rés, usaram e abusaram do direito ao contraditório..." (folha 19). Julgada a ação "... mais uma vez, fugiu às obrigações contratuais, interpondo RECURSO ORDINÁRIO (...) as empresas procederam ao adimplemento das verbas devidas, fazendo-o tão somente em 19.12.97..." (folha 20). E, daí o fundamento da pretensão: "... AS Rés, EM ATITUDE COMPLETAMENTE REVESTIDA DE MÁ FÉ, CAUSARAM SÉRIOS PREJUÍZOS AO AUTOR, DEIXANDO DE LHE PAGAR VERBAS, QUE SABIAM: ERAM DEVIDAS, EFETUANDO O PAGAMENTO TÃO SOMENTE APÓS LONGO PROCESSO PROCRASTINA- TÓRIO..." (folha 20). O artigo 114 da Constituição Federal dispõe: Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. Essa definição constitucional de competência limita a matéria afeta à Justiça do Trabalho ao âmbito contratual. A infortunística não se insere no campo contratual porque compreende a parte da medicina e do direito em que se estuda a legislação que trata dos riscos comerciais e industriais, acidentais do trabalho e moléstias profissionais. Deriva de infortúnio, que quer dizer desventura, infelicidade, desgraça. Em termos relacionados ao acidente do trabalho ou doença profissional ou do trabalho, o verbete infortunística é adotado pela Medicina Legal, para indicar as normas e os princípios que regem o estudo dos riscos e amparam os segurados vítimas de acidentes do trabalho ou de doenças profissionais ou do trabalho. - 3 -
O artigo 109 da Constituição Federal excluiu da competência da Justiça Federal as ações de acidentes do trabalho, sem distinguir entre as que visam a prevenilos daquelas que têm o propósito de repará-los. À Justiça Comum Estadual, então, compete julgar ação de indenização pelo direito comum, em caso de acidente do trabalho, assegurada pela norma do artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal, independente da reparação obtida pelo seguro acidentário a cargo do INSS. Trata-se de obrigação atinente ao empregador quando incorrer em dolo ou culpa. A culpa comporta dois elementos: um, mais caracterizadamente objetivo, o dever violado; outro, de preferência subjetivo, a imputabilidade ao agente. É, em termos, a explicação dada por Savatier, que acrescenta: "A culpa ( faute ) é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Se efetivamente o conhecia e deliberadamente o violou, ocorre o delito civil ou, em matéria de contrato, o dolo contratual. Se a violação do dever, podendo ser conhecida e evitada, é involuntária, constitui a culpa simples, chamada, fora da matéria contratual, de quase-delito 1 ". Não há como negar que o Código Civil adotou o princípio da culpa como elemento genérico da responsabilidade, mas com concessões à responsabilidade objetiva. Distinguiu, também, entre responsabilidade contratual e extracontratual, regulando-as em seções diferentes do seu texto. "... Em nossa opinião ninguém tratou o assunto com mais felicidade que o erudito Juan José Amézaga. Sua exaustiva lição começa por lembrar que a responsabilidade fundada na culpa é princípio de um gênero: Só as espécies se classificam e se definem - e a definição se faz sempre assinalando o gênero próximo e as diferenças específicas. Como os mesmos objetivos podem ser classificados de muitas maneiras diferentes, conforme ensina Goblot em seu Traité de logique, e o valor da classificação está em função do uso que lhe é atribuído, são deixados de partes os elementos que não 1 - Savatier, Traité de la Responsabilité Civile, Tomo I, n. 4, pág. 5. - 4 -
interessam à finalidade colimada pelo classificador. Conseguintemente, junto à classificação das obrigações com base nas suas fontes, alinham-se as classificações que as consideram em seus efeitos ou as que têm em conta obrigações nascidas de violação de direitos. Lógica e cientificamente, pois, o ideal a conseguir é uma discriminação das obrigações em categorias sem deixar resíduos que interessem ao fim de cada classificação, mantendo entre as incorporadas a cada grupo as semelhanças especificadas. A coexistência de muitas classificações das obrigações não ofende a nenhum princípio lógico. Ora, o mesmo acontece à responsabilidade civil, tradicionalmente bipartida em responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual ou aquiliana, o que não exclui a responsabilidade fundada no risco nem o estabelecimento do princípio da causalidade em oposição ao de culpabilidade. Se, em matéria de classificação, o caráter essencial, como resulta claramente desse raciocínio, é o princípio de um gênero, e se a culpa é o caráter essencial da maioria dos casos de responsabilidade civil, aí se encontra o fundamento e o princípio de um gênero, a responsabilidade fundada na culpa, em que se percebem, nitidamente delineadas, por diferenças características essenciais, as duas espécies: responsabilidade fundada na culpa contratual e responsabilidade fundada na culpa extracontratual. Essas diferenças emanam da natureza do direito violado. Na primeira, é dentro do contrato cuja existência precisa ser demonstrada, que se deve buscar, encontrar e precisar o direito violado pelo devedor. Na culpa extracontratual, essa indagação se dirige ao direito positivo. A identidade genérica da culpa que se apresenta na raiz das duas responsabilidades é indiscutível. Isso, porém não exclui as diferenças específicas proporcionadas pela qualidade do direito violado. Culpa, em sentido amplo, existe em todo ato ilícito que lese o direito alheio, e a culpa se qualifica de contratual e extracontratual, conforme a fonte de que promane esse direito... 2 ". O caso concreto trata de culpa contratual e não de acidente do trabalho, em que a responsabilidade civil seria extracontratual. A competência para apreciação é da Justiça Especializada. Competência. Indenização. Responsabilidade civil. Questão relacionada ao vínculo empregatício. Justiça do 2 - AGUIAR DIAS, in Da Responsabilidade Civil - vol. I - pág. 127-10ª edição. - 5 -
Trabalho. Incompetente a Justiça Estadual para julgar pedido atrelado à culpa contratual do empregador 3. Em face ao exposto, não se conhece do recurso e determina-se a remessa dos autos para a Justiça do Trabalho. IRINEU PEDROTTI Relator 3-2º TACivSP - Ap. c/ Rev. 584.497-10ª Câm. - Rel. Juiz NESTOR DUARTE - J. 8.11.00. - 6 -