AVALIAÇÃO EDUCACIONAL EM LARGA ESCALA: A UTILIZAÇÃO DOS RESULTADOS COMO ORIENTAÇÃO NA ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU Greiciane Pereira 1 Este texto tem por objetivo apresentar elementos do debate orientador da pesquisa sobre as influências das avaliações em larga escala nas políticas educacionais municipais e na organização do currículo escolar e suas relações com a formação do professor, buscando identificar características comparáveis entre Brasil e Argentina. A pesquisa esta vinculada ao Subprojeto Avaliação da Qualidade da Educação Básica: estudo comparativo entre Brasil e Argentina e ao Projeto Indicadores de Qualidade e Gestão Democrática (Núcleo em Rede) financiado pela CAPES 2. Nos anos 90 começa a se fortalecer tanto nacional quanto internacionalmente a temática da avaliação educacional, tendo como seu maior mercado os sistemas que respondem pela educação básica, atingindo várias esferas governamentais. No cenário nacional, a sua relevância é fundamentada na nova LDBEN (1996), que torna obrigatória a avaliação nos diversos níveis do sistema educacional. Para Bonamino (2002), outro indicador desta centralidade é o destaque da avaliação na Declaração Mundial de Educação Todos pela Educação em Conferência realizada em Jomtien, na Tailândia). A preocupação quanto às avaliações em larga escala tornam-se cada vez mais frequentes no âmbito das políticas públicas de educação. Inúmeras iniciativas de avaliação dos sistemas educacionais passaram a ser objeto de atenção de educadores e políticos, tais movimentos resultando em formas mais elaboradas de aplicação e refinamento de diversos instrumentos de aferição. O foco primordial destas ações e 1 Aluna do Curso de Pedagogia da UNIOESTE (Foz do Iguaçu). E-mail: greishow@hotmail.com 2 Pesquisa integrante do subprojeto Avaliação da Qualidade da Educação Básica: estudo comparativo entre Argentina e Brasil, coordenado pelo Profº Drº João Jorge Correa, que por sua vez integra o Projeto Núcleo em Rede OE 146/2011 Projeto Observatório da Educação - Indicadores de Qualidade e Gestão Democrática sob a coordenação geral da Profª Drª Flávia Obino Corrêa Werle (PPGE/UNISINOS). O projeto em rede congrega a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), a Universidade de Passo Fundo (UPF), a Universidade Estadual Paulista, campus de Marília (UNESP) e a Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Foz do Iguaçu (UNIOESTE). Financiamento: CAPES.
projetos está em obter dados para fundamentar e desenvolver políticas educacionais mais eficientes em aplicação de recursos e em rendimento dos alunos. Para Kuenzer, Calazans e Garcia (2003), o atual sistema de avaliação da educação básica vem traçando um novo panorama do planejamento educacional no Brasil, o que provém das metas impostas pelo Banco Mundial e com o intuito de atingir os índices propostos. Da mesma forma, que se consolida como norteador de políticas educacionais. Vale ressaltar que apesar do fortalecimento dos sistemas de avaliação em larga escala ter um aporte nacional, paralelamente as avaliações aplicadas pelo governo federal, representado pelo INEP, as secretarias de educação seja na esfera estadual ou mesmo municipal, organizam-se de forma a realizar também suas aferições, normalmente em parceria com o próprio INEP ou com universidades. As secretarias elaboram e desenvolvem de forma mais local os itens a serem avaliados (alguns itens utilizados são do próprio banco de dados do INEP) e se responsabilizam quanto à forma de aplicação. Há também uma grande preocupação na forma de divulgação destes resultados com o intuito de promover visibilidade das condições em que se encontram as educações em suas respectivas redes escolares. Estes testes normalmente são aplicados em anos alternados aos da aplicação em âmbito nacional e parecem ter o objetivo não só de confrontar os resultados com os apresentados pelo INEP como também de fundamentar políticas educacionais de forma mais específica, mais local. A utilização dos sistemas de avaliação educacional em larga escala como instrumento norteador de políticas públicas educacionais tem motivado diversos estudos e debates, quanto à relevância, a metodologia, os limites e possibilidades, bem como da utilização dos resultados por redes e sistemas educacionais e escolas. O presente estudo analisa as influências diretas e indiretas das avaliações em larga escala em políticas educacionais municipais e nos currículos escolares de forma comparativa entre Brasil e Argentina, tendo por base o estudo de caso de Foz do Iguaçu no período de 2009-2012, fase em que a gestão municipal implantou diversas ações nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e posteriormente da Educação Infantil com o principal intuito de melhorar os resultados no IDEB.
Para tornar mais compreensível o objeto, convém contextualizar o cenário político e educacional de Foz do Iguaçu. A atual gestão está à frente da prefeitura desde 2005, e nos últimos ciclos da Prova Brasil de 2005 e 2007 houve um crescimento de quase 15% nos índices alcançados, mas na campanha eleitoral, foi apresentado como proposta de governo para a reeleição a melhoria na educação de Foz do Iguaçu, e com isso, nesta segunda gestão, algumas medidas nos âmbitos pedagógico, administrativo e financeiro foram tomadas com a finalidade de alavancar estes índices. Estas medidas resultaram num crescente de 30% em relação ao último índice alcançado. (Sistema IDEB. 2009) Para os professores da rede municipal de educação passou a ser oferecido a gratificação do 14º e 15º salários, visando um melhor resultado no IDEB. Esta gratificação somente é dada a professores de escolas que atinjam não a meta do governo federal e sim a meta que é ajustada pela Prefeitura Municipal, cruzados com os índices de reprovação e evasão. Além disso, a escola deve apresentar baixo índice de falta por parte dos professores. Assim, a Secretaria Municipal de Educação estipula metas próprias para cada escola a partir da observação das metas do MEC/INEP. Como as metas e as gratificações são por escola, entre os professores cria-se um ambiente de monitoramento para com seus pares, o resultado individual não se faz suficiente, vemos presente nesta medida de incentivo uma postura fortemente marcada pela visão administrativa de negócio, uma visão meritocrática, entretanto percebe-se entre os professores uma significativa aprovação desta iniciativa. (INEP, 2009). Em relação aos alunos as ações estão voltadas para a oferta de reforço escolar para alunos do 2º ao 5º ano, porém os maiores números de alunos que frequentam são da série avaliada. As aulas de reforço acontecem três vezes por semana no contraturno e as disciplinas português e matemática são ministradas pelos mesmos professores do turno. Assim, os conteúdos do reforço são basicamente de fixação e voltados para as áreas que são avaliadas na Prova Brasil. Com esta prática os professores sofrem aumento na jornada de trabalho, inclusive, não ocorrendo aumento de efetivos no quadro próprio do magistério no município. Trimestralmente os alunos realizam testes para acompanhar a evolução do processo de ensino-aprendizagem. Estas ações indicam a existência de influências das avaliações em larga escala nas políticas educacionais municipais de Foz do Iguaçu. O desafio é qualificar essa
análise buscando perceber em que medida as tomadas de decisões políticas e pedagógicas são influenciadas pelos resultados dos testes padronizados e pelos seus índices na direção de uma melhor qualidade da educação, e até que ponto tais ações reproduzem os efeitos da regulação do sistema de avaliação de forma mecânica e acrítica, transformando o IDEB em um fim para a educação e não um meio de diagnosticar as condições de ensino no município. Na segunda etapa da pesquisa pretende-se realizar um estudo comparativo entre Brasil e Argentina, onde serão analisadas as influencias das avaliações em larga escala comparando características curriculares e políticas educacionais dos dois países, delimitando, futuramente, uma cidade ou região argentina para estudo de caso e posterior cruzamento de informações com Foz do Iguaçu. O estudo comparativo entre as políticas educacionais e avaliações em larga escala dos sistemas educacionais do Brasil e Argentina no âmbito da educação básica, será realizado, num primeiro momento, com a pesquisa bibliográfica para construção do estado da arte e posteriormente, utilizando as informações da base de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Brasil (INEP) e da Dirección Nacional de Información y Evaluación de La Calidad Educativa (DINIECE), e em posse de fundamentação teórica, serão realizadas entrevistas com diretores, professores e alunos com o intuito de aferir como estas ações políticas chegam ao cotidiano e escolar. A investigação tem o propósito de identificar e mensurar as influências no âmbito do currículo escolar. Neste aspecto, ocorrem de forma indireta, tendo como base a Matriz de Referência para os testes padronizados, orientando o trabalho dos professores para o desenvolvimento de habilidades e competências nas áreas de Língua Portuguesa com foco em leitura e na área de Matemática com foco na resolução de problemas. Para a realização de uma avaliação de sistema com a amplitude nacional um aspecto a considerar é a matriz de referência utilizada na elaboração dos testes que nos ajuda a esclarecer os objetivos do processo. A matriz curricular representa uma operacionalização das propostas ou guias curriculares, que não deve ser confundido com procedimentos, estratégias de ensino, orientação metodológica ou conteúdo para o desenvolvimento do trabalho do professor (NERY, 2000).
Segundo o PDE/PROVA Brasil (2011), as matrizes de referência do SAEB e Prova Brasil não englobam todo o currículo escolar. É feito um recorte com base no que é possível aferir por meio do tipo de instrumento de medida utilizado nos testes. Mesmo não sendo conteúdo e englobando apenas parte do currículo as matrizes são importantes instrumentos para análise e problematização nas escolas. A análise indica a origem das questões e que tipos de conhecimento estão sendo cobrado nos testes. Neste sentido, gestores e professores necessitam conhecer e entender o processo de construção da matriz curricular para poderem problematizar a avaliação, levantando críticas e soluções para problemas de aprendizagem em suas escolas e identificar situações que não aparecem nos resultados dos testes. Quando conhecidas as matrizes curriculares torna-se possível analisar os resultados dos testes verificando o que o quanto os alunos apreenderam no percurso desenvolvido até então. Possibilita perceber onde estão as deficiências que atingem a maioria dos alunos. Além das matrizes as avaliações em larga escala destacam competências e habilidades que devem ser desenvolvidas nos alunos. Neste processo SAEB e Prova Brasil buscam associação entre os conteúdos da aprendizagem e as competências utilizadas no processo de construção do conhecimento. Entendendo tal como (PERRENOUD 1999, p. 07), competência é a capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiando-se em conhecimento, mas sem se limitar a eles e assim sendo quase toda a ação mobiliza alguns conhecimentos, algumas vezes elementares e esparsos, outras vezes complexos e organizados em rede. Desta forma competência pode ser entendia como as diferentes modalidades estruturais da inteligência que compreendem determinadas operações que o sujeito utiliza para estabelecer relações com e entre os objetos físicos, conceitos, situações, fenômenos e pessoas. (BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2009). No entanto, os currículos não são conteúdos prontos a serem passados aos alunos. São uma construção e seleção de conhecimentos e práticas produzidas em contextos concretos e em dinâmicas sociais, políticas e culturais, intelectuais e pedagógicas. Conhecimentos e práticas expostos às novas dinâmicas e reinterpretados em cada contexto histórico. As indagações revelam que há entendimento de que os currículos são orientados pela dinâmica da sociedade (FERNANDES, 2007). Assim as
avaliações operam como instrumentos de regulação do currículo por vir se constituindo em importante ferramenta de orientação de políticas educacionais e de diagnostico pedagógico. Os delineamentos adotados pelas iniciativas de avaliação tendem a provocar impactos nos currículos escolares, no sentido de sua uniformização e enrijecimento. Uma vez que, é possível observar, no caso dos exames, seu potencial de condicionar os currículos e, desse modo, intensificar desigualdades escolares e sociais (SOUZA, 2007). Por outro lado, a organização curricular deve refletir as necessidades de habilidades e conhecimentos a serem adquiridas de acordo com a realidade social em que está inserido. O conteúdo, a forma e a ordem estão diretamente relacionadas com os fatores sociais, culturais e regionais, não podendo constituir elementos alienados da sociedade a que a escola, rede ou sistema de ensino pertence. A relevância do estudo encontra-se na análise do quanto às políticas educacionais e as modificações nos currículos têm como objetivo uniformizá-los com a finalidade de obter melhores resultados nas avaliações educacionais, ou se a regulação significa maior equidade e igualdade de oportunidades tendo como objetivo principal a melhoria da qualidade da educação para todos. Neste aspecto a melhoria do processo de ensino-aprendizagem provoca a melhoria dos índices e não o contrário, onde as avaliações perdem o caráter diagnóstico para se tornarem objetivo final da educação. A avaliação em larga escala tem ganhado bastante notoriedade entre as esferas governamentais, porém entre as comunidades envolvidas, alunos e professores, os debates e estudos ainda têm sido pouco difundidos comparando-se à amplitude e complexidade do tema. Como a questão da avaliação, principalmente em larga escala, em si gera bastante controvérsia uma vez que os resultados são tidos como balizadores do sucesso ou insucesso escolar e consequentemente parte deste resultado é atribuído ao professor, provém desta afirmação grande parte da rejeição desta temática entre os professores, o ponto em questão é que não pode-se incorrer na falha reducionista, pois não é benéfico para a sociedade que um tema tão complexo seja debatido de forma parcial, fragmentária, as diversas esferas do governo que orientadas pelo resultado das avaliações alteram e implementam as políticas públicas assim como as comunidades diretamente afetadas com as avaliações, devem considerar que antes de aprovar ou rejeitar ou mesmo fazer ressalvas ao modelo de avaliação vigente há uma obrigação de
apropriação do contexto de como a mesma foi se consolidando historicamente no país e também de forma mais regional/local através das secretarias e principalmente entender sua estrutura, seus objetivos e a forma com que estes resultados são utilizados, somente em posse destes conhecimentos haverá uma discussão pautada no compromisso de uma melhora real do rendimento do aluno, em melhores condições de trabalho para os professores e escola como um todo, assim como considerar as questões sociais que interferem diretamente no aproveitamento do potencial do aluno em sala de aula. No estudo apresentado vimos que a prefeitura de Foz do Iguaçu, fundamentada em princípios administrativos, transferiu estes para a escola, ao implantar a política de incentivo meritocrática e gerar concorrência entre a comunidade escolar, não demonstra estar apropriada de todos os fatores que envolvem o ambiente escolar, não há um plano de formação continuada para os professores, esta gratificação também não é uma política salarial, este bônus pode ser retirado do professor a qualquer momento e o que torna a questão mais crítica é que há uma rejeição quase nula desta política por parte dos professores. Outra questão bastante preocupante é o reforço escolar, que no caso especifico de Foz parece consistir em medida paliativa tendo como objetivo maior elevar os índices alcançados no IDEB, a preocupação com o ensino-aprendizagem nesta situação está em segundo plano, mas a real discussão a ser feita sobre este estudo é como estas medidas resultaram em um crescimento tão significativo nos índices, fazendo com que o município atingisse em 2009 o índice projetado para 2021, e mais de que forma houve a apropriação destas competências e habilidades por parte dos alunos e como as mesmas vêm sendo consolidadas no cotidiano escolar, como os alunos recebem esta obrigatoriedade em frequentar o regime semi-integral, como os pais qualificam as mudanças no contexto escolar, na organização curricular, e principalmente como as questões socioculturais e socioeconômicas são tratadas no intuito de contribuir para a melhora não só dos índices como também do acesso e permanência em um sistema educacional de qualidade. O presente estudo não tem como objetivo reprovar ou aprovar as políticas educacionais aplicadas em Foz do Iguaçu na atual gestão, tem sim o compromisso que em posse de fundamentos teóricos e estatísticos, identificar os limites e possibilidades destas práticas e contribuir para a reflexão quanto às transformações que a educação
vem sofrendo e que os horizontes apontados pela avaliação em larga escala não devem ser apenas ferramentas para as políticas públicas, mas que a comunidade escolar devidamente apropriada da compreensão das medidas educacionais possam reverter os resultados em números para resultados de uma práxis em sala de aula e consequentemente uma melhor prática social por parte dos alunos. Como se trata de uma pesquisa em andamento ressalto que a última etapa da pesquisa será verificar a possível similaridade de políticas educacionais, dos índices de qualidade da educação e modelos de avaliação das regiões estudadas, e que por terem marcas culturais e geográficas semelhantes, faz-nos crer que se torna relevante o estudo enquanto debate crítico e contextualizado. Ao término do referido estudo o seu resultado será amplamente divulgado para fomentar a discussão de forma local no contexto municipal e da tríplice fronteira e com isso contribuir também para os estudos realizados dentro desta temática. Referência bibliográfica BONAMINO, Alicia M. C. Tempos de Avaliação Educacional: O SAEB, seus agentes e tendência. Rio de Janeiro: QUARTET, 2002.192 p. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PDE/PROVA BRASIL: Plano de Desenvolvimento da Educação. INEP: 2009.200 p. FERNANDES, Claudia de Oliveira. FREITAS, Luiz Carlos de. In: Indagações sobre currículo Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. 52 p. KUENZER, Maria Julieta Costa Calazans e Walter Garcia. Planejamento e Educação no Brasil 6. Ed. São Paulo, Cortez, 2003. NERY, A. Parecer sobre a Matriz Curricular de Língua Portuguesa. 3ª Ed. Mimeo Brasília: 2000. PERRENOUD, P. Avaliação: da Excelência à Regulação das Aprendizagens - entre duas lógicas. Trad. Patrícia Chittoni Ramos Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. SOUZA, Sandra M. Zákia L. Possíveis impactos das políticas de avaliação no currículo escolar. Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 20 fev. 2007. Índices do IDEB: Disponível em: http://sistemasideb.inep.gov.br/resultado/. Acesso em: 30 Jun. 2011.