CONCEITO DE VIOLÊNCIA ESCOLAR: desafios e impasses Joice Duarte Batista 1 Resumo: A presente pesquisa trata da violência na sociedade brasileira e, especificamente, procura abordar a temática da violência na escola. A questão central é investigar e discutir o que são práticas violentas nas escolas. Procura no primeiro momento assinalar o conceito de violência escolar, por meio do entendimento do que seja um ato violento. Nesse sentido, o que se busca é elucidar os limites e desafios dos conceitos sobre a violência escolar, a fim de dar sustentação às novas práticas que pretendam enfrentar a violência no contexto escolar. Palavras-chave: violência escolar; conceitos; alunos; professores; práticas. Introdução A violência vem passando por um processo de renovação de seus significados e expressões na sociedade. Wieviorka (1997) aponta para um novo paradigma da violência. Para o autor, as décadas de 1950 e 1960 caracterizavam o fenômeno da violência em torno de seu caráter político e ideológico. Nos anos 70 e 80 a violência política e o terrorismo de extrema esquerda ligados à longa desestruturação das ideologias, dos regimes e dos partidos marcaram o declínio histórico do movimento operário e a perda do lugar central das relações. Nas palavras do autor: Não é mais a luta contra a exploração, a sublevação contra um adversário que mantém com os atores uma relação de dominação, e sim a não-relação social, a ausência de relação conflitual, a exclusão social, eventualmente carregada de desprezo cultural ou racial, que alimentam hoje em toda parte do mundo (WIEVIORKA, 1997, p. 7). Assim, os novos significados permeiam a exclusão social e a falta de reconhecimento do outro enquanto sujeito social. A reestruturação econômica e produtiva desta nova era (sobretudo, a partir de 1990) destacou o espaço social marcado por conflituosidades. A sociedade vivencia um processo de desfiliação da cidadania e da sociabilidade, na qual nem os indivíduos, nem as 1 Cientista Social, mestranda em Sociologia na Universidade Federal de Goiás (UFG), sob a orientação do Prof. Dr. Dijaci David de Oliveira. E-mail: joiceprincess@hotmail.com 1
instituições sociais reconhecem seus valores coletivos. Os laços de interações sociais estão sendo, assim, orientados por modos violentos de sociabilidade. O sistema educacional também se vê neste limiar e, sendo um dos responsáveis pela transmissão dos valores socializadores, se vê fragilizado ante as práticas violentas. A instituição escolar carrega como premissa a formação do ser cidadão, preparando os indivíduos para exercer a plena cidadania e convivência social. Entretanto, o que acontece é a dificuldade que a escola enfrenta de se constituir no locus seguro da interação social, pois a mesma potencializa e reproduz fatos violentos. Como notou Abramovay (2002), em uma pesquisa nacional coordenada pela UNESCO, as consequências da violência na sociedade encontram-se também no ambiente escolar. Trata-se, pois, de um problema que preocupa professores, diretores e alunos e prejudica o bom relacionamento entre os membros da comunidade escolar, ameaçando a qualidade do ensino e o desempenho dos estudantes. O Ministério Público do Estado de Goiás MPU-GO (2008), também adverte para a incidência de fatos violentos nas escolas do município de Goiânia. Segundo os dados revelados, em 2007, foram registrados 396 casos de violência contra professores, dentre estes 284 ataques verbais e 113 ataques físicos. O jornal Diário da Manhã (2008) e o jornal O Popular (2010), os mais destacados veículos da mídia goiana, também retratam a questão da violência escolar. Diante deste quadro, merece destaque a afirmação de Charlot (1997), quando assevera que a violência no espaço da escola vem evidenciando a fragilidade da instituição escolar. Partindo desse reconhecimento da manifestação da violência no âmbito escolar, algumas questões se colocam: o que conceituamos como atitudes violentas, o que estamos chamando de violência escolar? A violência escolar é reflexo da sociedade, ou também produz uma violência específica? Desse modo, o que se busca com este trabalho é uma compreensão mais apurada sobre o problema da violência escolar, por meio de uma análise dos significados e das conceituações dos pesquisadores e estudiosos que vêm se ocupando do tema, levando em conta impasses e desafios que se enfrentam na delimitação do conceito violência escolar. Tipos de violência escolar 2
O fenômeno da violência escolar não é recente, muito embora a produção de pesquisas na área ainda careça de muitas outras investigações. Para Charlot (2007), definir e delimitar fronteiras da violência escolar é difícil, pois o significado de violência não é consensual. Segundo a literatura, são muitos os termos usados a fim de caracterizar o que vem a ser violência escolar. Então o que conceitua ou caracteriza comportamentos violentos? Nos Estados Unidos, diversas pesquisas sobre violência na escola recorrem à expressão delinquência juvenil (HAYDEN e BLAYA, 2001 apud ABRAMOVAY, 2004, p. 72). Na Inglaterra, a expressão violência escolar é empregada no caso de conflito entre estudantes e professores, ou no caso de atividades que levam à suspensão, atos disciplinares e prisão (CURSIO e FIRST, 1993; STEINBERG, 1991; FLANNERY, 1997 apud ABRAMOVAY, 2004, p. 72). Na França, Debarbieux (2002) identificou três tipos de violência escolar após realizar uma pesquisa: a violência penal dos crimes e delitos (extorsão, roubos, agressões, racismo e insulto), as incivilidades e o sentimento de insegurança. Abramovay (2002) e Charlot (1997) consideram que a violência escolar pode ocorrer em três níveis: violência física (golpes, ferimentos, violência sexual, roubos, crimes, vandalismo) incivilidades (humilhações, palavras grosseiras, falta de respeito) violência simbólica ou institucional manifestada na falta de sentido em permanecer na escola por tantos anos, ensino com desprazer que obriga o jovem a aprender matérias e conteúdos alheios a seus interesses, violência na relação de poder. Zaluar (1992), por sua vez, se refere a dois tipos de violência escolar: a violência física e simbólica. No que se refere à violência simbólica, cabe sublinhar os estudos de Bourdieu e Passeron (1970), na perspectiva da ação pedagógica que perpetua a violência simbólica por meio de duas dimensões: o conteúdo da mensagem transmitida e o poder que instaura na relação pedagógica autoritária. Para os autores, a violência simbólica no campo escolar acontece de maneira camuflada e dissimulada pelos agentes pedagógicos, quando se transmite a cultura dominante ante a cultura dos dominados. Assim, para Bourdieu (2002), o conceito de violência simbólica é inserido na escola a fim de desvendar os mecanismos que se apoiam na autoridade legitimada e naturalizada da cultura escolar, caracterizados como métodos, programas e ações pedagógicas que não contemplam os alunos, apenas o sistema econômico, político e social. 3
Na mesma perspectiva, Adorno (1991) e Guimarães (1998) explicitam que a escola, com suas práticas disciplinares controladoras e com seu sistema de ensino excludente, produz práticas de violência contra seus alunos. A instituição escolar torna-se palco do aprendizado da violência por meio de práticas que não refletem o mundo próximo e conhecido dos alunos, ao humilhá-los pelo não saber e pelas origens populares, ao excluir o diálogo e a compreensão das relações sociais. Por isso, Candau (1999) afirma que não podemos perder de vista três pontos de análise acerca da violência escolar. A primeira é que não se pode dissociar a questão da violência na escola da problemática da violência presente na sociedade em geral (miséria, exclusão, corrupção, desemprego, concentração de renda e poder, autoritarismo, desigualdade). Ambas se relacionam. A segunda é que a problemática da violência só pode ser entendida a partir de sua complexidade e multiplicidade. A terceira é que as relações entre violência e escola não podem ser concebidas exclusivamente como processo de fora para dentro, a violência é também gerada no próprio interior da dinâmica escolar. Conceituando violência escolar: revisão teórica Sposito (2001) salienta que a violência escolar expressa aspectos epidêmicos de processos de natureza ampla, ainda insuficientemente conhecidos. Assim, uma primeira dificuldade quando se trata da conceituação da violência é sua grande diversidade, fato que exige uma adequada e precisa delimitação empírica, pois a ambiguidade do conceito comporta uma variedade de comportamentos, tais como indisciplina, assédio moral, entre outros. Assim, os diversos usos de significação da palavra violência levam a alterações expressivas no conjunto das ações escolares. Estudiosos já chamaram a atenção para a complexidade do conceito. Ristum (2004) observa que nos textos acerca do tema, encontra-se um amplo espectro de definições, das mais abrangentes às mais particularizadas, denotando a polissemia do conceito e a controvérsia na delimitação do próprio objeto. Nesse sentido, a ampla definição de conceitos dificulta a definição consensual. Waiselfisz e Maciel (2003) apontam duas questões que dificultam a conceituação da violência. A primeira refere-se ao fato de que os significados do termo violência são socialmente construídos, modificando-se de acordo com o momento histórico ou o contexto social. A 4
segunda está relacionada ao fato de que a palavra violência pode se referir a situações bastante diversificadas, tais como a doméstica, juvenil, bélica, contra a criança, simbólica, que se associam a modos de manifestação e de entendimento diferentes. Apesar das dificuldades de conceituação, a revisão da literatura evidencia algumas perspectivas teóricas que, embora não sejam únicas, têm fundamentado as análises e investigações no campo empírico da violência escolar. Para Ferreira (1986), o conceito da violência significa qualidade de violento; ato violento, ato de violentar; constrangimento físico ou moral, uso de força, coação. Michaud (1989, p.14), por sua vez, enfatiza o caráter cultural que permeia a conceituação da violência: Há violência quando numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses ou em suas participações simbólicas ou culturais. Nessa mesma linha é que se encaminha a leitura de Chauí (2000) ao afirmar que, a violência é entendida como uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser. A violência é violação da integridade física e psíquica, da dignidade humana de alguém. A autora acrescenta que a violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou passivos (CHAUÍ, 2000, p. 337). Minayo e Assis (1994), no estudo da violência escolar no Brasil, confluem para o caráter estrutural e cultural da violência, associada à desigualdade socioeconômica, ao desemprego e à exclusão social. Estes fatores potencializam a violência na sociedade, as precárias condições de moradia, o desemprego, a falta de perspectiva de um futuro melhor são expressões das desigualdades sociais. Guimarães (1992) assinala que a violência urbana invade a escola e deturpa o ritmo de seu funcionamento. Piva e Sayad (2000), por sua vez, investigando a violência urbana em processos de infratores de 12 a 18 anos, identificam que os fatores que levam ao comportamento violento advêm da desagregação familiar e exclusão social. 5
Santos (2001) complementa que a escola é o ponto de explosão econômico, social e político. Camacho (2001) assevera que as instituições escolares vivem um padrão de sociabilidade entre os pares marcados por práticas violentas que são geradas por desigualdades sociais e culturais. Seguindo as categorizações dos aportes teóricos, pode-se concluir que a violência escolar coloca em evidência o sistema social e sua reprodução. A escola como instituição que faz parte da sociedade, sofre os reflexos e reproduz a violência estrutural e institucional no seu cotidiano, na medida em que perpetua padrões alienantes e excludentes. Entretanto, a violência escolar também tem sua gênese na relação direta com o estabelecimento de ensino, no processo educativo e na ação pedagógica sendo, portanto, uma violência específica do campo educacional. Vale a pena lembrar, como já explicitado anteriormente, que as escolas oscilam entre vários tipos de violências, física, simbólica e institucional. Diante do exposto, podemos inferir que a temática da violência nas escolas constitui ponto de confluência de processos sociopolíticos, econômicos, culturais e simbólicos. Conforme Abramovay e Rua (2002), a compreensão do fenômeno requer atenção tanto dos aspetos externos às instituições de ensino (variáveis exógenas) como as questões de gênero, relações sociais, situações familiares, aspectos da experiência do bairro e aspectos internos (variáveis endógenas) como idade, nível de escolaridade, regras, disciplina, autoridade e sistema de punição. Assim, Sposito (2001) salienta que a escola é palco para a análise de perspectivas diferentes quanto à conceituação da violência escolar. A primeira perspectiva decorre das causas internas, ocorrência das práticas escolares inadequadas na e pela escola, em função de formas de atuação que estariam propiciando seu aparecimento e manutenção. Já o segundo reflete a violência da sociedade contemporânea, a representação da violência social dentro dos muros da escola. Dessa maneira, em relação à problemática do conceito, não há consenso entre os pesquisadores quanto às causas que produzem a violência escolar, muito menos quanto ao fenômeno em si. Diante disso, devemos questionar em que medida o conceito de violência escolar ultrapassa o caráter descritivo da realidade e abre espaço para críticas e autocríticas no campo educacional. Considerações finais 6
O levantamento teórico e analítico dos conceitos nos coloca frente a desafios e impasses. Desafios porque os estudos no campo educacional e em especial, o tema da violência escolar têm ganhado destaque entre os pesquisadores. Entretanto os estudos e pesquisas ainda são incipientes, muitas questões nos inquietam, uma delas reflete: o que podemos considerar como comportamento violento no contexto escolar? Porque, se por um lado, ao conceituarmos violência escolar podemos cair na categorização ampla e, assim, todo comportamento negativo (incivilidade, assédio moral, indisciplina, conflito) é enquadrado como violência escolar. Por outro lado, podemos correr o risco de cair na conceituação limitada e simplista que não reflete a totalidade do problema. A violência não é um fenômeno social recente, no entanto é possível afirmar que têm ocorrido mudanças nas condições de percepção e de intervenção referentes às diferentes facetas da violência. Neste sentido, enfatizamos a necessidade de pesquisas empíricas focadas nas práticas violentas que ocorrem no cenário escolar. Referências ABRAMOVAY, Miriam. Escola e violência. Brasília: UNESCO, UCB, 2002. ABRAMOVAY, Miriam et allii. Violência nas escolas. Brasília: UNESCO, Instituto Ayrton Sena, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME, 2004. ADORNO, Sérgio. A socialização incompleta: os jovens delinquentes expulsos da escola. Cadernos de Pesquisa, (79), 76-80, 1991. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 5ªed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean. Claude. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. CANDAU, Vera. Maria et ali. Oficinas pedagógicas de direitos humanos. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2000. CAMACHO, Luiza. Mitiko. Yshiguro. A sutileza das faces da violência nas práticas escolares de adolescentes. In: Educação e pesquisa. São Paulo. Vol 27, nº1, p.123-140, jan/jun.2001. 7
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Looking at first noted the concept of school violence through understanding that the fence is a violent act. The concepts are the north to fight against school violence, it is through them that guide the actions and practices within school. Key words: school violence, concepts, students; teachers. 9