1 Introdução
Introdução 21 A Lei n o 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei n o 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências, perfila-se ao lado das leis ambientais mais relevantes em nosso País, como a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), o Código Florestal (Lei 4.771/1965) e a Lei de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997), entre outras, preenchendo importante lacuna no conjunto de leis nacionais dedicadas à proteção do meio ambiente. A Assembleia Geral das Nações Unidas expressou na Resolução 44/228 que: [...] o manejo ambientalmente saudável dos resíduos se encontrava entre as questões mais importantes para a manutenção da qualidade do meio ambiente na Terra e, principalmente, para alcançar um desenvolvimento sustentável e ambientalmente saudável em todos os países. (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1995 [1992], p. 341) Trata a lei de estabelecer as diretrizes mínimas para que se equacione um dos mais graves problemas ambientais urbanos do Brasil. Embora a situação pareça ter melhorado nos últimos anos, as deficiências ainda são enormes e o caminho para que se chegue a condições ambientalmente sustentáveis, socialmente justas e economicamente viáveis em relação aos resíduos sólidos ainda é bastante longo.
22 Comentários à Lei dos Resíduos Sólidos A primeira deficiência consiste na própria falta de informações confiáveis no setor. Os dados oficiais sobre o assunto são escassos, falhos e conflitantes (JURAS; ARAÚJO, 2006, p. 116) e se resumem, essencialmente, na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), realizada esporadicamente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a partir de questionários e entrevistas com as prefeituras municipais e entidades responsáveis pela prestação dos serviços. Em termos de coleta de resíduos, parece que houve melhora na última década. Conforme a PNSB 2000, apenas 1.814 municípios, dos 5.475 pesquisados, declararam realizar coleta de lixo em 100% dos domicílios, o que corresponde a 33,13% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000) 1. Os demais situavam-se entre as faixas de até 50% dos domicílios (489 municípios) e de 50 a 99% (2.978 municípios), segundo a pesquisa. Já a PNSB 2008 revela que, dos 5.564 municípios pesquisados, 5.540 declararam realizar coleta domiciliar regular de lixo, o que corresponde a 99,57% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRA- FIA E ESTATÍSTICA, 2008) 2, naquele ano. Os indicadores para 2008 obtidos a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (INSTITUTO BRASILEIRO 1 PNSB, 2000. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb/lixo_coletado/lixo_coletado101.shtm. Acesso em: 11 jan. 2011. 2 PNSB, 2008. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb2008/tabelas_pdf/tab086. pdf. Acesso em: 11 jan. 2011.
Introdução 23 DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2009) 3 confirmam ao menos parte dos dados, revelando que, dos 57,557 milhões de domicílios brasileiros, 50,590 milhões eram atendidos por serviço de coleta de lixo, o que corresponde a 87,90% do total. Quanto à destinação dos resíduos sólidos coletados, os chamados lixões ainda predominam em termos de número de municípios. Em 2008, conforme a PNSB 4, o destino do lixo coletado eram vazadouros a céu aberto ou lixões em 2.810 municípios e áreas alagadas ou alagáveis em catorze, o que corresponde a 50,75% do total de municípios pesquisados. Os chamados aterros controlados eram encontrados em 1.254 municípios (22,53%) e os aterros sanitários em apenas 1.540, ou seja, 27,67% do total de municípios brasileiros em 2008. Nesse mesmo ano, o tratamento de resíduos era realizado em apenas 936 municípios. Já em 2000, conforme a PNSB 5, 71,5% dos distritos com serviços de limpeza urbana e coleta de lixo declararam dispor parte de seus resíduos em vazadouros a céu aberto (lixões) e somente 17,3% declararam dispor de aterro sanitário. 3 Indicadores de 2008 e 2009. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/tabelas_pdf/sintese_ind_6_3.pdf. Acesso em: 11 jan. 2011. 4 PNSB, 2008. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/ pnsb2008/tabelas_pdf/tab092.pdf. Acesso em: 11 jan. 2011. 5 PNSB, 2000. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb/lixo_coletado/lixo_coletado109.shtm. Acesso em: 11 jan. 2011.
24 Comentários à Lei dos Resíduos Sólidos Percebe-se a fragilidade dos dados quando a análise recai sobre a quantidade de resíduos sólidos produzidos ou coletados no país. A pesquisa de 2000 aponta, por exemplo, uma produção diária de 228.412 toneladas 6, contra 183.488 toneladas que os municípios declararam coletar por dia em 2008 7, redução essa que não é de esperar, em face do crescimento populacional e do aumento do consumo de bens verificado no período. Além disso, os próprios dados de 2008 são conflitantes entre si, uma vez que, na tabela que mostra a quantidade de resíduos sólidos de acordo com sua destinação, constam 259.547 toneladas por dia 8, das quais 45.756t vão para vazadouros, 40.695t para aterros controlados e 167.636t para aterros sanitários. Nada se pode concluir a respeito da divergência dos dados sobre quantidade de resíduos gerados/coletados, mas algumas ilações podem ser feitas. Uma delas é a de que, embora a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2008 apresente o percentual de 87,90% de domicílios atendidos por coleta de resíduos sólidos, a coleta corresponde a apenas 70,70% da quantidade produzida diariamente. Constata-se, ademais, que, anali- 6 PNSB, 2000. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb/lixo_coletado/lixo_coletado110.shtm. Acesso em: 11 jan. 2011. 7 PNSB, 2008. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb2008/tabelas_pdf/tab090.pdf. Acesso em: 11 jan. 2011. 8 PNSB, 2008. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/ pnsb2008/tabelas_pdf/tab093.pdf. Acesso em: 11 jan. 2011.
Introdução 25 sando os dados de destino dos resíduos sob a perspectiva de quantidade, tem-se um quadro melhor que quando a análise tem por foco o total de municípios com sistemas adequados de destinação final de resíduos sólidos. Deve-se perceber que a disposição inadequada dos resíduos sólidos está associada não apenas a ameaças ao meio ambiente e à saúde pública, mas também a graves mazelas sociais, o que levou à criação da campanha Criança no Lixo Nunca Mais pelo Fórum Lixo & Cidadania, com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e de vários órgãos do governo federal, entre os quais o Ministério do Meio Ambiente, a Fundação Nacional de Saúde, o Ministério das Cidades e a Caixa Econômica Federal, e que tinha por alvo a erradicação do trabalho infanto-juvenil nos lixões (JURAS; ARAÚJO, 2006, p. 120). Não obstante tais ações, a situação persiste. Para exemplificar, a PNSB 2008 revelou que em 1.703 municípios havia a presença de catadores na área de disposição final; em 285, havia moradias improvisadas; em 1.478, havia animais de pequeno e médio porte e, em 1.982, ocorria a queima de resíduos a céu aberto 9. Quanto à coleta seletiva, a PNSB 2008 registra sua presença em 994 municípios 10. Porém, dados do Cempre 9 PNSB, 2008. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb2008/tabelas_pdf/tab091.pdf. Acesso em: 11 jan. 2011. 10 PNSB, 2008. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/ pnsb2008/tabelas_pdf/tab086.pdf. Acesso em: 11 jan. 2011.
26 Comentários à Lei dos Resíduos Sólidos Compromisso Empresarial para a Reciclagem (2010) 11 são bem mais conservadores, mostrando que apenas 443 municípios dispunham de coleta seletiva em 2010. Embora tenha ocorrido aumento no número de municípios com coleta seletiva de 1994 (94 municípios) a 2010, a população atendida caiu de 25 milhões de pessoas em 2006 para 22 milhões em 2010. Diante do quadro apresentado, a demora em aprovar a lei sobre resíduos sólidos não se justifica, apenas pode tentar ser explicada. Conforme Machado (1998, p. 462), os resíduos sólidos têm sido negligenciados tanto pela sociedade quanto pelo poder público, talvez porque seus efeitos poluidores demorem mais a aparecer e sejam menos sentidos que os efluentes líquidos e gasosos. A Lei 12.305/2010 sozinha não transformará, como num passe de mágica, a grave situação atual em modelo ideal de gestão de resíduos sólidos. No entanto, é o primeiro passo indutor desse modelo. De início, a lei já oferece instrumento para atender uma das grandes demandas do setor dados e informações sistematizados, ao instituir o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir). Cabe comentar que a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) consolida o princípio da informação ambiental, de forma articulada com o princípio da participação da população nos pro- 11 Pesquisa Ciclosoft 2010. Disponível em: http://www.cempre.org. br/ciclosoft_2010.php. Acesso em: 7 jan. 2011.
Introdução 27 cessos decisórios, como destaca Teles da Silva (2003, p. 52). Dispõe o princípio 10 do citado documento internacional 12 : A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos. Assim como ocorreu com a Lei de Crimes Ambientais, a nova lei de resíduos sólidos tem a grande vantagem de reunir inúmeros dispositivos legais esparsos em instrumentos normativos diversos, como resoluções e portarias, de forma orgânica e coerente. Além disso, traz para o nível de lei em senso estrito comandos contidos anteriormente em atos infralegais que, por não terem o respaldo de uma lei com normas gerais sobre os resíduos sólidos, tinham sua constitucionalidade questionada por 12 Disponível em português em: http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/documentos/convs/decl_rio92. pdf. Acesso em: 15 jan. 2011.
28 Comentários à Lei dos Resíduos Sólidos alguns analistas. Dadas as limitações de uma lei federal para tratar de assunto afeto, em grande medida, à seara municipal, a lei estabelece os marcos balizadores para a gestão dos resíduos sólidos domiciliares. Teles da Silva (2003, p. 45) ressalta, com propriedade, que as normas constantes na Lei 12.305/2010 são estabelecidas com fundamento da competência da União de legislar concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal sobre a proteção ambiental e o controle da poluição, assim como sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente, proteção e defesa da saúde (art. 24, caput, incisos VI, VIII e XII). Nesse âmbito, as regras estabelecidas pela União devem estar caracterizadas como normas gerais, ou seja, serem aplicáveis a todo o país, sem esgotar a possibilidade de haver legislação estadual suplementar. Por fim, a Lei 12.305/2010 assimila diretriz da Agenda 21 (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMEN- TO, 1995 [1992], p. 341-342), segundo a qual o manejo ambientalmente saudável dos resíduos sólidos deve compreender não apenas o depósito ou aproveitamento, por métodos seguros, dos resíduos gerados, mas, principalmente, a adoção de medidas capazes de mudar os padrões de produção e consumo, o que requer o envolvimento de toda a sociedade do poder público, em todas as esferas, do setor empresarial, dos consumidores etc. Entre os instrumentos nessa linha, figuram com destaque a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto e a logística reversa.