24º Congresso Nacional de Transporte Aquaviário, Construção Naval e Offshore Rio de Janeiro, 15 a 19 de Outubro de 2012 Adequação do mercado ao reaquecimento da Indústria Naval Waneska Lima Magalhães Resumo: O reaquecimento da indústria naval e a necessidade das empresas nacionais e internacionais em atender a taxa de nacionalização, tem gerado uma busca por fornecedores no país cada vez maior e muitas empresas estão correndo contra o tempo para se adequar a essa nova fatia do mercado. O artigo apresenta um estudo de casos em uma fábrica de estruturas metálicas atuante na área de construção civil que buscou tornasse uma fornecedora na área naval na parte de superestruturas. O objetivo foi apresentar uma das mudanças mais significativas de adequação para uma empresa que não é da área naval, a presença constante de uma classificadora em todas as fases do processo de fabricação. Nesse estudo foram levantados todos os ensaios e testes em materiais, análises em procedimentos de soldagem, testes em soldadores, necessidade da rastreabilidade total e mostrando assim as dificuldades e vantagens dessa empreitada, demonstrando que com uma visão empreendedora uma empresa do ramo metalúrgico também consegue atender a essa nova demanda de serviços gerada pela retomada da indústria naval. Esse estudo de casos também nos ajudou a enxergar que quando falamos de indústria naval não estamos falando somente de estaleiros, mas se tratando de superestruturas as empresas de estrutura metálica também podem contemplar esses contratos em suas carteiras desde que estejam dispostas a investir. Palavras-Chaves: Classificadoras, taxa de nacionalização, superestruturas e Indústria naval. 1 Introdução A descoberta do Pré-sal trouxe consigo além de uma grande quantidade de petróleo e seus derivados, a necessidade de novas tecnologias, equipamentos e mão de obra qualificada para extração desse tesouro nacional. E tratando-se de extrações offshore consequentemente também surgiu à necessidade de reativar a indústria naval brasileira que há tempo andava adormecida. Com a nova demanda de embarcações e plataformas os estaleiros nacionais se tornaram pequenos para grande quantidade de trabalho e o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) já prevendo essa equação define no Promef (Programa de Modernização e Expansão da Frota), de responsabilidade da Transpetro, uma forma de garantir aos fornecedores brasileiros condições amplas e equânimes de concorrência com as demais empresas internacionais interessadas na prestação de bens e serviços em todas as áreas envolvidas na extração de petróleo do Pré-sal incluindo a fabricação de embarcações, e assim foi criado o percentual de conteúdo local obrigatório. Sendo assim a indústria brasileira assistiu surgir uma nova modificação no mercado, a 1
busca das empresas internacionais no país por fornecedores que atendam ao requisito imposto pelo governo nas clausulas de contrato, o conteúdo local. Buscando a aplicabilidade prática da influencia dessa demanda do mercado do petróleo por fornecedores aptos a fornecerem os bens e serviços certificados como conteúdo local foi realizado um estudo de caso na filial de uma empresa do ramo da construção civil, fundada em 2007, localizada na cidade do Rio de Janeiro. O objeto do estudo foi o processo de fabricação de perfis soldados para a parte de superestrutura de um FPSO. Ao final, fez-se uma análise das dificuldades encontradas e vantagens em adequar-se a essa nova fatia do mercado, e uma descrição pontual da presença de uma classificadora em cada fase do processo. desse requisito de contrato. O conteúdo local já é exigido pela ANP desde a 5 rodada de licitações, porém a resolução ANP n 36 na 7 rodada que veio definir de forma mais expressiva a questão dos certificados e percentuais, abaixo uma projeção por rodada do conteúdo local. 2 Promef x Conteúdo Local O Programa de Modernização e Expansão da Frota é o principal motivador da indústria naval brasileira no momento, integrante do PAC 2 (Programa de aceleração do crescimento) do governo federal, tem por objetivo a construção de navios no Brasil com índice de nacionalização de 65% na primeira fase e 70% na segunda e nos tornar mundialmente competitivo após a passagem pela curva de aprendizado. Pode-se dizer que esse programa foi desenvolvido baseado nas seguintes necessidades, conforme citado por Ariovaldo Rocha (2012): - o reconhecimento da Petrobras de que a exploração de petróleo em águas cada vez mais profundas criava a demanda por navios de apoio e plataformas, com nova tecnologia, e que os estaleiros internacionais, na época lotados de encomendas, sentiam dificuldades em atender; - a frota de petroleiros para transporte de petróleo e derivados na costa brasileira e no transporte internacional era composta de navios com idade acima dos 20 anos, e precisava de renovação; - a decisão política do governo brasileiro de que as reservas de petróleo descobertas no mar territorial brasileiro deveriam reverter num benefício para a sociedade, com a geração de empregos e o desenvolvimento de um novo setor produtivo. Quanto ao conteúdo local, tratando-se da exploração e construção de plataformas a ANP (Agência Nacional do Petróleo) tem gerenciado de forma exemplar a comprovação Figura 1 Projeção por rodada do CL A ANP tem auditado as certificadoras afim de que as taxas de conteúdo local sejam respeitadas e caso aja alguma discrepância com relação aos percentuais, multas são aplicadas, abaixo um fluxograma de como funciona o processo de certificação do conteúdo local. Figura 2 Fluxograma de CL parte 1 2
- Se o sistema de gestão de qualidade era aplicado em todas as fases do processo de fabricação. Após a aprovação do cliente iniciou-se os preparativos para o cumprimento do contrato. Abaixo um fluxograma com a sequencia de procedimentos a serem cumpridos: Figura 3 Fluxograma de CL parte 2 Conforme mencionado nos parágrafos anteriores essa é a realidade do país. A descoberta do pré-sal trouxe consigo uma grande retomada principalmente na indústria naval, e será demonstrado em um estudo de casos a influencia dessa nova movimentação nas indústrias nacionais, que mesmo tendo um público alvo diferente tem mostrado interesse em partir para esse novo nicho do mercado nacional. 3 Estudo de Casos O mundo naval e offshore tem se tornado um grande atrativo para as empresas nacionais, porém para fazer parte desse mercado há necessidade de fazer adequações em seu processo de fabricação para atender as normas exigidas pelo mesmo. Nesse estudo de caso, estaremos demonstrando a aplicabilidade das normas e a importância que é dada nesse mercado para a presença de uma classificadora em todo o processo de fabricação seja de uma embarcação ou estrutura offshore. Estaremos citando o processo de adequação de uma empresa do ramo da construção civil para atender um contrato de fornecimento de perfis soldados para a fabricação de uma plataforma de produção de Petróleo do tipo FPSO. O processo foi iniciado com a visita do cliente a fábrica para verificar se o sistema de gestão de qualidade era praticado por ela e por seus colaboradores. Os principais tópicos verificados na visita foram: - Se seus colaboradores tinham conhecimento da política de qualidade, meio ambiente da empresa. - Se a empresa aplicava no seu dia-dia as normas de segurança do trabalho. Figura 4 Fluxograma do processo de classificação 3.1 Classificação do Material O material é comprado de acordo com a especificação do contrato e no caso do cliente da dessa empresa o material tem qualidade A572Gr.50. Após a chegada do material na fábrica é solicitada a presença de um representante da sociedade classificadora, com a presença do mesmo são retirados corpos de prova de todos os materiais que serão utilizados na obra. Esses corpos de prova são direcionados para um laboratório de ensaios de materiais onde são realizados feitos ensaios de impacto, ensaios mecânicos e análise química. Mesmo o material sendo enviado para um laboratório fora da fábrica esses ensaios só foram executados com a presença de um vistoriador da sociedade classificadora. Após a aprovação dos ensaios é emitido um relatório por um representante da classificadora e o material está liberado para ser utilizado na fabricação. Com o material devidamente classificado, passamos para o próximo passo que é a classificação do procedimento de soldagem. 3.2 Classificação do Procedimento de Soldagem O cliente dessa empresa especifica no contrato uma sociedade classificadora, da mesma forma que houve a necessidade de um representante da mesma para a classificação do material assim também será para o procedimento de soldagem. Solicita-se a 3
presença do representante da classificadora, monta-se o corpo de prova e o soldador executa a solda na presença do vistoriador, após o término da solda o corpo de prova é levado ao laboratório onde são feitos os ensaios de torção, dobramento e impacto ainda com a presença do vistoriador da classificadora, vale ressaltar que esse corpo de prova deverá ser feito com o material classificado do contrário o procedimento não é aprovado. Figura 6 Corpo de prova para o teste do procedimento de soldagem Figura 5 Testes para Classificação do procedimento de soldagem A empresa gera um documento com o nome de registro da qualificação de procedimentos de soldagem onde algumas informações são descritas como: - Processo de soldagem utilizado; - Tipo de Junta; - Posição da Junta; - Aplicação (somente em chapas, tubos ou os dois juntos); - Croqui da sequência dos passes; - Características dos metais de base; - Características dos metais de adição; - Parâmetros de soldagem (passe, processo, corrente, tensão, velocidade e gás de proteção) e - O registro dos ensaios feitos no laboratório com o corpo de prova soldado. A seguir fotos do corpo de prova e da execução da solda. Figura 7 Soldador executando a solda para o teste do procedimento Após a aprovação nos ensaios do corpo de prova o registro de qualificação do procedimento de soldagem é assinado pelo vistoriador da classificadora e até o final da fabricação não haverá necessidade de outro teste do procedimento, apenas se for usado outro tipo de processo. Caso sim, esse passo a passo será feito novamente para o outro processo. 3.3 Classificação do soldador Conforme foi mencionado anteriormente, todo o processo precisar ser classificado do contrário o cliente não aceitará o produto final, então o próximo passo é a classificação do soldador. Na presença do vistoriador da sociedade classificadora o soldador executa a solda, após a execução o fiscal avalia a mesma, caso seja considerada boa é encaminhada para o laboratório onde é feito apenas o teste de dobramento. Sendo 4
aprovado no teste aquele solador estará apto para trabalhar nessa fabricação, todos os soldadores que forem trabalhar na obra desse cliente deverão ser testados e aprovados pela sociedade classificadora. Para garantir que a solda é classificada o representante da classificadora tem a lista com todos os sinetes dos soldadores que foram testados assim ele consegue verificar se o soldador que soldou o material foi ou não classificado. Figura 8 Exemplo de sinete Já temos o material, o procedimento de soldagem e os soldadores classificados logo se pode iniciar o processo de fabricação. Um procedimento padrão da ISO 9001 é a garantia da qualidade do produto por isso assim que a primeira peça fica pronta a empresa prestadora do serviço executa a inspeção visual e dimensional da peça e emite um relatório com os resultados, esse relatório só é emitido se a peça estiver de acordo com a solicitação do projeto do cliente do contrário os reparos são feitos e uma nova avaliação logo após. Vale ressaltar que o inspetor que fizer essa avaliação precisa ser qualificado por uma entidade reconhecida nacionalmente. Para as inspeções internas também são gerados relatórios para o cliente. Figura 9 Inspeção de líquido penetrante 3.4 Classificação do produto final Após todos os processos acima estamos com um lote de produtos acabados, novamente solicitamos a presença de um vistoriador da sociedade classificadora e o mesmo avalia o produto final e todos os documentos acima. Verifica se as peças foram soldadas por soldadores classificados, se o material utilizado no produto final foi classificado, se foi feita a avaliação visual e dimensional e verifica o relatório, caso esteja ok ele também assina o mesmo e estando todo o lote em conformidade com a classificadora ele emite um relatório de liberação do produto, esse procedimento é feito ao fim de cada lote e somente com esse relatório a carga pode ser liberada para envio ao cliente. Mesmo com a necessidade de adequação em todos os processos acima a empresa do ramo de engenharia civil conseguiu entregar seu produto dentro do prazo desejado pelo cliente e hoje já conta com outros contratos de trabalhos da área offshore 4 Conclusões Pode-se concluir que o objetivo principal da presença de uma classificadora no processo de fabricação de qualquer parte da estrutura de uma embarcação ou unidade offshore é a garantia da qualidade, navegabilidade e salvaguarda da tripulação e passageiros. Apesar dos custos adicionados ao processo de fabricação com a presença de uma classificadora participando de cada etapa, ainda sim foi muito vantajoso, pois a indústria naval brasileira tem passado por um bom momento onde os estaleiros estão com muitos contratos, mas como essa retomada foi alavancada pelas novas descobertas de petróleo no país em um momento que essa indústria estava adormecida não há fornecedores nem mão de obra disponíveis a contento conforme citado em um projeto do Centro Tecnológico da Transpetro: O ponto negativo está associado à pequena cadeia de fornecedores existentes aqui. Isso acontece tanto em termos de equipamentos e partes mais sofisticadas, como em termos de prestadores de serviço. Assim, os estaleiros não conseguem oferecer uma provisão de serviços completa. O problema tem solução muito difícil e provavelmente teria sua solução (isto é, mais disponibilidade de fornecimento) no longo-prazo na medida em que a indústria se desenvolva. (PROJETO: IMPLANTAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DE LABORATÓRIO DE GESTÃO DE OPERAÇÕES E DA CADEIA DE 5
SUPRIMENTOS DA INDÚSTRIA DE CONSTRUÇÃO NAVAL ) O estudo de casos mencionado mostrou alguns procedimentos que as indústrias metálicas devem aderir para se tornarem fornecedores da indústria naval e offshore, a empresa em questão obteve êxito em seu contrato e consequentemente ficou apta a fornecer para outros clientes desse nicho, isso não significa que as classificações mencionadas durante o processo de fabricação dos perfis soldados do FPSO também serão utilizados em um próximo contrato, na verdade já podemos afirmar que não pois cada estaleiro trabalha com uma classificadora e cada contrato tem sua particularidade, seja esse em relação ao tipo de material, solda ou processo de soldagem cada caso é um caso. Porém podemos afirmar que o mito de fornecer estruturas para a área naval foi quebrado e o bom atendimento a esse cliente fez com que seu nome fosse conhecido no mercado e hoje a empresa já está com outro contrato para fornecer o mesmo tipo de estrutura para outro FPSO. Tudo é uma questão de empreendedorismo e investimento, o mercado nacional está sendo favorecido pela obrigatoriedade do conteúdo local. As adequações não são simples, mas com uma boa visão de negócio essa grande oportunidade poderá ser aproveitada por muitos. Resolução ANP n 36; Certificação de Conteúdo Local, DOU, 2007 Baseado em fatos reais. 5 Referências Bibliográficas - Artigo de periódico ROCHA, A.; Construção Naval trajetória e realidade. Rio de Janeiro: Portos e Navios, 2012. - Artigo publicado em anais de congressos CARVALHO, F.; A política de conteúdo local. Rio de Janeiro: Coordenadoria de conteúdo local - ANP, 2011. PINTO, M. (EPUSP-PNV); ANDRADE, B. (EPUSP-PNV); MACHADO, G. (EPUSP- PNV); COLIN, E. (EPUSPPNV); FURTADO, J. (EPUSP PRO); SANTORO, M. (EPUSP PRO); SABBATINI, R. (UNICAMP-NEIT); COUTINHO, L. (UNICAMP-NEIT); PRIMO, M.(EFPE-DEA); WAISS, J. (IPT) E GONÇALVES,N. (TRANSPETRO); Avaliação de nichos de mercado potencialmente atraentes ao Brasil, Gestão Naval, 2011. - Outras Informações 6