Proposta de análise de produção textual de alunos surdos



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Transcrição:

Proposta de análise de produção textual de alunos surdos Resumo O presente artigo faz uma revisão bibliográfica sobre a Educação de Surdos, que servirá para o embasamento teórico do Trabalho de Conclusão do Curso de Letras a ser elaborado no segundo semestre letivo de 2006 na ULBRA Campus Guaíba. Para tanto, abordaremos alguns aspectos da Identidade Surda (ouvintismo e oralismo), bem como suas categorias, a dificuldade de escrita e conhecimentos lingüísticos do indivíduo surdo, correntes filosofias educacionais, que se destacaram na educação de surdos e continuam presentes em maior ou menor intensidade nas instituições e/ou escolas que atendem alunos com deficiência auditiva. Pretende-se com esse trabalho analisar a produção textual de alunos surdos, considerando a capacidade de criatividade, coerência do contexto, vocabulário percepção de espaço e tempo, etc... também, será analisado como se vêem a maioria dos alunos surdos perante a comunidade escolar na qual convivem e como expressam esse sentimento através da escrita. Palavras-chave : Análise de Textos, Educação de Surdos, Ensino da Língua Portuguesa, Escrita, Identidade Surda. Introdução Educação de surdos é um assunto inquietante, principalmente pelas dificuldades que impõe e por suas limitações. As propostas educacionais direcionadas para o sujeito surdo têm como objetivo proporcionar o desenvolvimento pleno de suas capacidades; contudo, não é isso que se observa na prática. Diferentes práticas pedagógicas envolvendo os sujeitos surdos apresentam uma série de limitações, e esses sujeitos, ao final da escolarização básica, não são capazes de ler e escrever satisfatoriamente ou ter um domínio adequado dos conteúdos acadêmicos. Esses problemas têm sido abordados por uma série de autores que, preocupados com a realidade escolar do surdo no Brasil, procuram identificar tais problemas (Fernandes 1990, Skliar 1997, e Dorziat 1997). Nesse sentido, parece oportuno refletir sobre alguns aspectos da educação de surdos ao

longo da história, procurando compreender seus desdobramentos e influências sobre a educação na atualidade. Este artigo, que servirá para o embasamento teórico do Trabalho de Conclusão do Curso de Letras a ser elaborado no segundo semestre letivo de 2006 na ULBRA Campus Guaíba, abordará alguns aspectos da Identidade Surda, segundo Skliar, bem como suas categorias, uma vez que existem diferenças entre os surdos e diferentes graus de surdez. Do ponto de vista educacional, consideram-se dois grupos específicos: o grupo dos parcialmente surdos, que conforme Fernandes (1990) se subdivide em: surdez leve e surdez moderada e o grupo dos surdos que se subdivide em: surdez severa e surdez profunda. Os conhecimentos lingüísticos desses indivíduos (especificamente dos sujeitos com surdez profunda) podem apresentar sérias deficiências no que se refere ao domínio de suas estruturas, sobretudo na produção escrita, caso não sejam mediados adequadamente. Este artigo fará uma breve retomada na história da educação de surdos, a fim de situar as concepções filosóficas que ao longo da história se destacaram na educação de surdos e continuam presentes em maior ou menor intensidade nas instituições e/ou escolas que atendem alunos com deficiência auditiva, sendo elas: Oralismo, Comunicação Total e Bilingüismo de acordo com Dorziat (1997). 1 Identidade Surda: Para melhor entender a indentidade surda, precisa-se antes saber o conceito de ouvintismo e sua diferença com o oralismo. De acordo com Skliar (1998), ouvintismo trata de um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrarse como se fosse ouvinte. Daí decorrem as percepções do ser deficiente, as quais legitimam as práticas terapêuticas habituais. Também para Skliar (1997), oralismo foi e segue sendo hoje, em boa parte do mundo, uma ideologia dominante dentro da educação do surdo. A concepção do sujeito surdo ali presente refere exclusivamente uma dimensão clínica - a surdez como deficiência, os surdos como sujeitos patológicos - numa perspectiva terapêutica.

Surdo não é Deficiente, é apenas Diferente, com signos 1 diferentes de ouvintes. Os surdos têm signos visuais, enquanto os ouvintes têm signos auditivos. As pessoas surdas têm a sua comunicação visual, têm a sua própria língua, a língua de sinais permite que o surdo crie a sua linguagem interior, entender os conceitos da vida e, além disso, também permite que o surdo tenha formação de linguagem e pensamento, tenha orgulho de sua diferença, tornando, por um determinado ponto de vista, a linguagem de sinais mais rica do que a falada. 2 Categorias de Identdades Surdas: Levando em conta os fatores sociais, familiares, o poder ouvintista que determinam na construção da identidade do sujeito surdo, há categorias de identidades surdas, uma vez que existem diferenças entre os surdos: De acordo com o Ministério da Educação e Cultura (1994), é considerado surdo o indivíduo que possui audição não funcional na vida comum, e parcialmente surdo àquele que, mesmo com perda auditiva, possui audição funcional com ou sem prótese. Segundo Fernandes (1990), a deficiência auditiva pode ser congênita ou adquirida. É congênita quando ocorre antes do nascimento ou, em alguns casos, durante o parto, e adquirida quando ocorre após o nascimento. O volume ou intensidade dos sons é medido por unidades chamadas decibéis (db). Podemos verificar, a partir da perda auditiva em decibéis, a existência de diferentes graus de surdez. Do ponto de vista educacional, consideram-se dois grupos específicos que se subdividem, conforme Fernandes (1990) descreve: a) O grupo dos parcialmente surdos engloba os sujeitos com surdez leve e os com surdez moderada. 1 Os signos sugiram espontaneamente da interação entre pessoas. Permitem a expressão de qualquer conceito - descritivo, emotivo, racional, literal, metafórico, concreto, abstrato - enfim, permitem a expressão de qualquer significado decorrente da necessidade comunicativa e expressiva do ser humano.

O aluno com surdez leve apresenta uma perda auditiva de até 40 db. Essa perda impede a percepção perfeita de todos os fonemas da palavra, mas não impede a aquisição normal da linguagem. Pode, no entanto, acusar algum problema articulatório ou dificuldade na leitura e/ou escrita. O aluno com surdez moderada apresenta perda auditiva entre 40 e 70 db. Esses limites se encontram no nível da percepção da palavra, sendo necessário uma voz de certa intensidade para que seja claramente percebida. Esse aluno apresenta maior dificuldade de discriminação auditiva em ambientes ruidosos. Ele identifica as palavras mais significativas, mas tem dificuldade na compreensão de certos termos de relação e/ou frases gramaticais complexas. b) O grupo dos surdos abrange os sujeitos com surdez severa e os com surdez profunda. O aluno com surdez severa apresenta uma perda auditiva entre 70 e 90 db. Essa perda permite a identificação de alguns ruídos familiares e apenas a percepção da voz de timbre mais forte. A compreensão verbal vai depender da utilização da percepção visual e da observação do contexto das situações. O aluno com surdez profunda apresenta perda auditiva superior a 90 db. Essa perda é muito grave e pode privar o indivíduo da percepção e identificação da voz humana, impedindo-o de adquirir naturalmente a linguagem oral. 3 A dificuldade de escrita do indivíduo surdo Os conhecimentos lingüísticos desses indivíduos (especificamente dos sujeitos com surdez profunda) podem apresentar sérias deficiências no que se refere ao domínio de suas estruturas, sobretudo na produção escrita, caso não sejam mediados adequadamente. Segundo Fernandes (1990) essas dificuldades podem ser demonstradas por dificuldades com o léxico, falta de consciência de processos de formação de palavras, desconhecimento da contração de preposição com o artigo; uso inadequado dos verbos em suas conjugações, tempos e modos, uso inadequado das preposições, omissão de conectivos em geral e de verbos de ligação, troca do verbo ser por estar, uso indevido dos verbos estar e ter, colocação inadequada do advérbio na frase, falta de domínio e uso restrito de outras estruturas de subordinação.

4 Correntes Filosóficas Ao longo da história, três filosofias educacionais se destacaram na educação de surdos e continuam presentes em maior ou menor intensidade nas instituições e/ou escolas que atendem alunos com deficiência auditiva. De acordo com Dorziat (1997, p.13), apesar das diferentes opiniões que dividem e subdividem as metodologias específicas ao ensino de surdos, em termos de pressupostos básicos, existem três grandes correntes filosóficas: a do Oralismo, da Comunicação Total e do Bilingüismo. Mediante tal afirmação seria interessante apresentar um breve histórico da educação de surdos, a fim de situar as tais concepções filosóficas citadas. Sacks (1998) conta que até o final do século XV não havia escolas para surdos, estes eram considerados incapazes de aprender. Em meados do século XVI, Girolano Cardamo 2 propôs um conjunto de princípios que prometia uma ajuda educacional e social para os surdos, afirmando que estes podiam ser pensantes, compreender símbolos gráficos ou combinações de símbolos associados a objetos ou figuras que os representassem. Assim, no início de 1555, surgiu a educação oral para crianças surdas. Algumas crianças surdas de famílias nobres aprenderam a falar e a ler para poderem ser reconhecidas como pessoas nos termos da lei e herdar títulos e propriedades de suas famílias. Nos Estados Unidos, em 1817, Thomas Hopkins Gallaudet, com Laurent Clerc 3, fundaram o Asilo Americano para Educação e Instrução dos Surdos Mudos 4. Nessa época houve uma grande valorização e aceitação da língua de sinais, aumentando o número de surdos alfabetizados na França, nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Após esse período, ocorreu o chamado ponto crucial para a história dos surdos, alterando o percurso da história. Começou a surgir um movimento contra o uso de sinais por e para os surdos 5. 2 Médico e Cientista, que utilizava sinais e linguagem escrita. 3 Ouvinte que teve interesse em trabalhar na educação dos surdos, trouxe da Europa, Lament Clerc (surdo-mudo), para fundar uma escola para surdos. 4 Atual Universidade Gallaudet. 5 Skliar (1997)

No ano de 1880, um Congresso Internacional de Educadores de Surdos, no qual foi depreciado o uso da língua de sinais, foi realizado em Milão. Segundo Skliar (1997), esse Congresso não contou com a participação, tampouco com a opinião dos surdos, ao contrário, um grupo de educadores ouvintes impôs a superioridade da língua oral sobre a língua de sinais, sendo, então, decretado que a primeira deveria constituir o único objetivo do ensino de surdos e a partir de então baniu-se completamente o uso dos sinais no ensino de alunos com surdez. Essa concepção de educação, segundo bibliografia especializada, enquadra-se no modelo clínico terapêutico da surdez, impondo uma visão patológica e um déficit biológico, os quais seriam reparados e/ou corrigidos pelas estratégias e recursos educacionais do Oralismo. Dorziat (1997) nos esclarece que a concepção do Oralismo visa à integração dos surdos, na comunidade de ouvintes, condicionando-os ao aprendizado e desenvolvimento da linguagem oral. Considera-se que, para a boa comunicação, a pessoa com surdez deva oralisar bem, sendo o principal objetivo dessa filosofia, como já foi apresentado, fazer uma reabilitação da criança surda em direção à normalidade, à não surdez. As metodologias utilizadas no Oralismo se justificam por pressupostos e práticas diferenciadas, mas se unem no fato de acreditarem que a língua oral é a única forma desejável e efetiva de comunicação do surdo. De acordo com Dorziat (1997, p.13) esse método procura assim reeducar auditivamente a criança surda pela amplificação de sons, juntamente com técnicas específicas de oralidade. Autores e pesquisadores na área de surdez, como Sacks (1998) e Dorziat (1997), dentre outros, avaliam que o Oralismo e a supressão de sinais tiveram como conseqüência a deteriorização das conquistas educacionais dos sujeitos com surdez e do grau de instrução alcançados por esses indivíduos. Alguns oralistas tentam justificar os resultados negativos ou incompreendidos do Oralismo, de forma geral, por aqueles que se contrapõem às suas idéias. Freeman, Carbin e Boese (1999, p. 145) fazem o seguinte comentário acerca dessas justificativas: Em vez de questionar a sabedoria de sua abordagem restritiva, os oralistas argumentam que os resultados de um treinamento oral, reconhecidamente pobres, originam-se do fato de não se ter feito um diagnóstico o quanto antes, de não haver iniciado a amplificação cedo, de não se dispor de um aparelho auditivo corretamente ajustado, de não existir pessoal

adequadamente qualificado, de não se ter conseguido motivar os pais, para que insistissem no uso constante do aparelho auditivo [...] as condições para o sucesso são objetivos ideais pelos quais alguns podem desejar lutar para alcançar, mas, ao mesmo tempo, essas condições são uma desculpa pronta para o que os outros consideram insucessos, na abordagem básica do tratamento da criança surda. Marchesi apud Chaves (s.n.t.), relata que nos anos 60 ocorreu nos Estados Unidos um novo movimento, fruto da insatisfação com os resultados obtidos na educação de surdos, retomando, assim, as concepções que utilizavam a língua de sinais, enfatizando, nesse primeiro momento de transição, a Comunicação Total, sobretudo nas décadas de 70 e 80. Podemos dizer que o grande mérito dessa concepção consiste em deslocar a língua oral como o grande e principal objetivo na educação de sujeitos com surdez, priorizando a comunicação dos mesmos. O sujeito com surdez deixa de ser visto como portador de uma patologia e passa a ser considerado como uma pessoa capaz. O principal objetivo da Comunicação Total consiste na efetivação dos processos de comunicação entre os sujeitos com surdez e entre estes e os demais sujeitos. De acordo com Denton apud Freeman, Carbin, Boese (1999, p. 171), a definição freqüentemente citada é a seguinte: A Comunicação Total implica em que a criança com surdez congênita seja introduzida precocemente em um sistema de símbolos expressivos e receptivos, os quais ela aprenderá a manipular livremente e por meio dos quais poderá abstrair significados ao interagir irrestritamente com outras pessoas. A Comunicação Total inclui todo o espectro dos modos lingüísticos: gestos criados pelas crianças, língua de sinais, fala, leitura oro-facial, alfabeto manual, leitura e escrita. A Comunicação Total incorpora o desenvolvimento de quaisquer restos de audição para a melhoria das habilidades de fala ou de leitura oro-facial, através de uso constante, por um longo período de tempo, de aparelhos auditivos individuais e/ou sistemas de alta fidelidade para amplificação em grupo. Os maiores benefícios da Comunicação Total residem no fato de que esta encoraja a aceitação da criança surda como uma pessoa cuja linguagem precoce pode crescer em resposta às necessidades crescentes, reforçando uma abordagem individualista de acordo com as habilidades de cada criança e de cada tipo ou grau de surdez. Autores como Sanches (1990) e Dorziat (1997), entre outros, dizem que o grande problema dessa filosofia é a mistura de duas línguas (Português + Língua de Sinais), o que resulta numa terceira modalidade que é o Português Sinalizado, onde

ocorre a introdução de elementos gramaticais de uma língua na outra. Essa prática recebe, também, o nome de Bimodalismo e inviabiliza o uso adequado da língua de sinais. Dorziat (1997, p.16) faz a seguinte citação a respeito dessa problemática: Como não existem na língua de sinais componentes da estrutura frasal do Português (preposição, conjunção, etc.), são criados sinais para expressálos. Além disso, utilizam-se marcadores de tempo, de número e de gênero para descrever a língua portuguesa através de sinais. A isto se chama de Português sinalizado. Outra estratégia utilizada pela Comunicação Total é o uso de sinais na ordem do Português, sem, no entanto, usar marcadores, como no Português sinalizado. O que existe em ambos os casos é um ajuste da língua de sinais à estrutura da língua portuguesa. A conclusão que alguns autores tiram do uso da Comunicação Total é que essa concepção, através de seus procedimentos comunicativos, serviu mais aos pais e professores ouvintes do que aos alunos com surdez. 5 Análise dos textos descritivos: O presente artigo tem como principal objetivo analisar a produção textual de alunos surdos de duas turmas da mesma série, porém de escolas distintas6, uma da rede municipal e do município de Guaíba e outra da rede estadual da cidade de Porto Alegre. A análise levará em conta textos descritivos produzidos pelos alunos, em sala de aula, através de uma proposta feita pela pesquisadora, que será desenvolvida em duas partes: 1ª) os alunos deverão ser capazes de elaborar uma apresentação pessoal por escrito, possibilitando à pesquisadora conhecê-los melhor. Será analisado, neste momento, como se vêem a maioria dos alunos surdos perante a comunidade escolar na qual convivem; 2ª) os alunos deverão ser capazes de descrever uma situação fictícia, instigada pela pesquisadora, com a utilização da técnica tela pintada à óleo, retratando um casario em meio a uma bela paisagem. Será analisada, a partir dessa atividade, a capacidade de criatividade, coerência do contexto, vocabulário e percepção de espaço. Os textos serão divididos em categorias, de acordo com suas semelhanças e diferenças, considerando o que foi analisado. 6 Denominadas, respectivamente, Escola I e Escola II.

A pesquisa será aplicada primeiramente na 7ª série do ensino fundamental da Escola I (municipal), situada em um bairro da cidade de Guaíba. Nessa escola os alunos surdos são integrados aos alunos ouvintes. Em seguida, na 7ª série do ensino fundamental, da Escola II (estadual), situada em um bairro da cidade de Porto Alegre e voltada apenas para os alunos surdos 7 e/ou com algum grau de deficiência auditiva 8. Alguns pontos relevantes também serão abordados ao longo da análise proposta: Qual a metodologia didático-pedagógica utilizada pelo professor ouvinte com alunos sudos? Como é avaliado o aluno surdo por um professor ouvinte? Que pensamento o surdo revela com a escrita? - Como é a escrita em português do aluno surdo? 7 Não há alunos ouvintes, apenas os professores. 8 Passaremos a utilizar, a partir de então, a sigla D.A.. Referências Bibliográficas BRASIL/MEC/SEESP. Subsídios para organização e funcionamento de serviços em educação especial. Área de deficiência auditiva. Brasília: MEC/SEESP, 1995.. A educação de surdos. Brasília: MEC/SEESP, 1997. CHAVES, Tânia Afonso. Línguas de sinais. s.n.t. FERNANDES, Eulália. O som, este ilustre desconhecido. s.n.t.. Problemas lingüísticos e cognitivos do surdo. Rio de Janeiro: Agir, 1990. FREMAN, Roger D.; CARBIN, Clifton F.; BOESE, Robert J. Seu filho não escuta? Um guia para todos que lidam com crianças surdas. Brasília: MEC/SEESP, 1999. SACENTI, Doroti Rosa; SILVA, Vilmar. Surdo: um conceito a ser repensado. Integração, n. 18, p. 26-9, 1997. SACKS, Oliver. Vendo vozes. Uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro: Imago, 1998.

SKLIAR, Carlos (org.). Educação e exclusão. Abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997. SKLIAR, C. Uma análise preliminar das variáveis que intervêm no Projeto de Educação Bilíngüe para os Surdos. Espaço Informativo Técnico Científico do INES, Rio de Janeiro, v. 6, p. 49-57, 1997.