EDUCAÇÃO DO CAMPO E MOVIMENTOS SOCIAIS: DIÁLOGO E PERSPECTIVAS COM AS ESCOLAS LOCALIZADAS NO CAMPO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA



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Transcrição:

EDUCAÇÃO DO CAMPO E MOVIMENTOS SOCIAIS: DIÁLOGO E PERSPECTIVAS COM AS ESCOLAS LOCALIZADAS NO CAMPO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA Patrícia Correia de Paula Marcoccia IFCatarinense/UTP Beneficiário de auxílio financeiro CAPES/Brasil Camila Casteliano Pereira Universidade Tuiuti do Paraná- UTP Beneficiário de auxílio financeiro CAPES/Brasil Rosilda Maria Borges Ferreira - Universidade Tuiuti do Paraná - UTP Beneficiário de auxílio financeiro CAPES/Brasil Introdução O objetivo deste texto é discutir a educação do campo cunhada pelos movimentos sociais de trabalhadores do campo no contexto das escolas públicas localizadas no campo na Região Metropolitana de Curitiba e tecer algumas reflexões sobre as possibilidades de diálogo e perspectivas de aproximação desses segmentos. O estudo é oriundo de investigações coletivas em andamento que fazem uso do instrumental de abordagem qualitativa, tendo como técnicas de coleta de dados a entrevista, observação e análise documental. A educação do campo tem conquistado espaço no cenário sociopolítico nacional por meio de movimentos sociais de trabalhadores do campo e outras instituições ligadas a estes movimentos, os quais vêm desencadeando estratégias de mobilização e lutas pela efetivação do direito à educação. Esse movimento tem feito diversas denúncias em relação ao fechamento das escolas públicas localizadas no campo, à precariedade do transporte escolar e da infraestrutura das escolas, bem como à frágil formação de professores e de recursos materiais e pedagógicos. Concomitantemente, as escolas públicas localizadas no campo, na Região Metropolitana de Curitiba, sem vínculo com estes movimentos, vivenciam a mesma precariedade supracitada em relação ao direito à educação dos povos do campo, porém poucos conhecem sobre a educação do campo, sua trajetória, a experiência acumulada dos movimentos sociais de trabalhadores do campo no que diz respeito à educação e sua construção por outro projeto societário de campo e de país. Algumas dessas escolas têm acesso a programas governamentais da educação do campo, os quais chegam para as 1725

Secretarias Municipais de Educação, a exemplo do Programa Nacional da Educação do Campo PRONACAMPO. Também é importante destacar os projetos de educação do campo vinculados às universidades que constituem espaços de formação continuada dos professores que trabalham nas escolas localizadas no campo, na perspectiva da educação do campo cunhada pelos movimentos sociais de trabalhadores do campo. A partir dos dados obtidos em trabalho de campo foi possível verificar que as escolas públicas localizadas no campo na Região Metropolitana de Curitiba vivenciam as mesmas relações apontadas pelos movimentos sociais de trabalhadores do campo quanto à negação do direito à educação dos povos do campo; e convivem com a ideologia da educação rural, contradições históricas do campo brasileiro e com as tensões do projeto de desenvolvimento do agronegócio. Contudo, as escolas localizadas no campo na Região Metropolitana de Curitiba sem vínculo com os movimentos sociais de trabalhadores do campo acabam ficando isoladas das discussões a respeito da educação do campo, da sua dimensão política e das lutas e mobilizações construídas pela educação do campo. Este texto está organizado em duas partes. A primeira apresenta a trajetória histórica da educação do campo cunhada pelos movimentos sociais do campo e suas demandas atuais. A segunda problematiza as escolas públicas localizadas no campo, na Região Metropolitana de Curitiba, que não possuem vínculo com os movimentos sociais do campo e tece algumas reflexões sobre essas escolas e sobre as possibilidades de diálogo e perspectivas de aproximação com os movimentos sociais de trabalhadores do campo que materializaram a educação do campo no cenário histórico brasileiro. Trajetória da Educação do Campo No final da década de 1980 e início da década de 1990, os movimentos sociais da classe trabalhadora camponesa se manifestaram por meio de mobilizações e ações de resistência, como: ocupações de terra contra a estrutura agrária, o agronegócio, a expropriação da terra e a situação de exclusão econômica e social do trabalhador do campo. Esses movimentos começam a reivindicar seus direitos, instituídos ou não nas políticas públicas, e também dão início à construção de um projeto revolucionário do campo, 1726

apresentando seu lugar social no país, ao mesmo tempo em que constroem alternativas de resistência nas esferas da política, da economia e da cultura, que também incluem iniciativas na área da educação (FERNANDES et al., 2004). A luta dos movimentos sociais de trabalhadores do campo tem por objetivo a transformação das condições de vida da população do campo, abordando a reforma agrária, as políticas públicas e a expansão dos direitos humanos. Porém, não é uma transformação que parte das demandas impostas pelas esferas governamentais para os povos do campo, acontece a partir das demandas e necessidades da prática social dos trabalhadores do campo. É dessa concepção que nasce a educação do campo, que tem como meta principal a luta desses trabalhadores para a construção de um modelo de educação que considere a sua realidade e interesses, valorizando os diferentes grupos identitários e a sua produção da existência. Essa concepção começa a ser sistematizada em meados da década de 1990, com o primeiro Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (I ENERA), que trouxe à discussão o alto índice de analfabetismo e a baixa escolaridade das pessoas que vivem em assentamentos, conforme dados revelados pelo primeiro Censo da Reforma Agrária do Brasil (BRASIL, 2004), e em 1998, na primeira Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo. É nesse contexto que emerge a educação do campo no Brasil. Esses eventos foram impulsionados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O objetivo fundamental dos eventos foi resgatar a luta dos povos do campo pelo direito à educação, pensada a partir dos sujeitos do campo em oposição à educação rural, que visa convencer o homem do campo a aceitar as suas condições de vida, sem problematizar as relações de trabalho com a terra e a organização da classe trabalhadora. É a partir das mobilizações e enfrentamentos que foi sendo delineado o conceito de política pública instituída pelos movimentos sociais do campo, impondo ao Estado que garantisse e efetivasse as demandas da população do campo. Uma das primeiras experiências de política pública constituída pelos movimentos sociais do campo foi o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), criado em 1998, que possibilitou a expressão de uma parceria estratégica entre governo, universidades e movimentos sociais do campo, com o objetivo de desencadear um amplo 1727

processo de alternativas educacionais nos assentamentos de Reforma Agrária (BRASIL, 2004). Em 2002, foram aprovadas as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (BRASIL, 2002), que representam a primeira política pública da educação do campo. Em seu bojo, as diretrizes trazem a luta histórica dos movimentos sociais do campo pelo direito à educação, pensada no contexto dos direitos e da identidade dos povos do campo, bem como discussões sobre organização curricular, projeto políticopedagógico diferenciado e participação da comunidade no currículo escolar. Em 2004, os movimentos sociais do campo promoveram a segunda Conferência Nacional por uma Educação do Campo. Além de influenciar as ações do MEC que instituiu, no mesmo ano, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), com o objetivo de atender a diversos programas de educação do campo, a conferência criou dentro da SECADI uma Coordenação específica de educação do campo. A partir disso, o MEC passou efetivamente a coordenar ações voltadas à elaboração de uma política nacional de educação do campo. Conforme o processo avançava, o debate da educação do campo no contexto nacional atingia vários estados brasileiros que, a partir do olhar dos movimentos sociais do campo de alguns Estados, juntamente com os órgãos governamentais, passam a discutir demandas da educação do campo nos sistemas de ensino municipal e estadual. As ações para ampliar as discussões da educação do campo nos vários sistemas estaduais e municipais do país ganharam maior força quando foi estabelecida uma agenda de trabalho ligada à Coordenação do Grupo Permanente de Educação do Campo, no espaço do Ministério da Educação. A partir de então, foram determinados o cumprimento e a ampla divulgação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, Estados e Municípios mediante articulação com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), e Conselhos Estaduais de Educação que teriam que tomar medidas para implementar essa política nas escolas públicas do campo. 1728

A educação do campo só iria incorporar-se institucionalmente ao Sistema Nacional de Ensino se houvesse uma parceria entre os órgãos governamentais, os sistemas de ensino e os sujeitos sociais envolvidos nessa prática. Considerando o exposto, foi possível perceber que as redes e sistemas de ensino não estavam se articulando para garantir essas políticas. Dessa forma, em 2007, a SECADI encaminhou ao Conselho Nacional de Educação (CNE) uma consulta com orientações e proposições para o atendimento da educação do campo, principalmente sobre as questões do transporte escolar e nucleação. O documento culminou na aprovação das diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo (BRASIL, 2008), isto é, diretrizes complementares da educação do campo. Além de trazer as questões do transporte escolar, o documento estabelecia que, para as séries iniciais do Ensino Fundamental, o deslocamento poderia ser intracampo, quando necessário, para evitar a locomoção dos estudantes por longos trajetos. Também demonstrava preocupação com a educação infantil e o acesso dos alunos da educação especial à educação básica nas escolas públicas do campo. Em 2010, foi aprovado o Decreto do Presidente da República, de 4 de novembro de 2010, estabelecendo a política da educação do campo e do PRONERA. Ainda em 2010, foi criado o Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC), por autoconvocação dos movimentos e organizações sociais e sindicais do campo, universidades e institutos federais de educação. Para dar continuidade ao FONEC, foi criada uma Comissão Provisória com o papel de construir uma agenda de trabalho, divulgar as ações realizadas e ampliar a articulação que constitui o Fórum. O FONEC se caracteriza uma articulação dos sujeitos sociais coletivos que o compõem, pautados pelo princípio da autonomia em relação ao Estado. Seu objetivo é realizar constante análise crítica a respeito das políticas públicas de educação do campo, bem como sua implantação, consolidação e, também, propor políticas de educação do campo (CARTA DE CRIAÇÃO DO FONEC, 2010, p. 1). As entidades integrantes do FONEC constituíram em 2012, uma análise coletiva do conjunto de ações da política de educação do campo no formato de programas governamentais, bem como investigaram a situação atual da educação, no contexto da vida social dos trabalhadores do campo. O foco desse Fórum foi discutir o papel do Estado no estabelecimento do projeto dominante de educação, do desenvolvimento do país e da 1729

agricultura, a partir das contradições presentes na realidade. O papel do FONEC é um espaço fundamental para garantir o fortalecimento da educação do campo a partir da sua materialidade de origem, o qual não permitirá que o conceito de educação do campo seja deslocado e apropriado pelo agronegócio e pela ideologia da educação rural, devidamente (re)configurada pelas novas demandas de reprodução do capital no campo. A inserção dessas políticas nas esferas públicas, a partir do final da década de 1990, promoveu que o debate em torno da educação do campo fosse se propagando em alguns estados brasileiros, porém, em diferentes intensidades, conforme a disposição e o interesse dos governos estaduais e municipais. Do mesmo modo, essa discussão também chegou a algumas universidades brasileiras, dando início a estudos, pesquisas e extensões voltadas à relação entre educação e movimentos sociais do campo. Conforme Munarim (2008, p. 1), a educação do campo tem conteúdo político, gnosiológico e pedagógico pelo fato de aparecerem, como sujeitos dessa prática social, movimentos sociais do campo, organizações, centros de pesquisa e pessoas de instituições públicas, como universidades, que utilizam, em benefício de suas intenções e dos projetos políticos a que se agregam a estrutura do próprio Estado. É nesse cenário que as discussões sobre a educação do campo brasileiro se fortaleceram e se constituíram em muitas conquistas nas políticas educacionais para os povos do campo, à medida que ocorriam os diálogos com outros segmentos da sociedade vinculados à educação. A luta dos povos do campo pelo direito à educação se manifestou na conquista de programas educacionais, entre os quais se destacam o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), o Programa Saberes da Terra, o Programa de Apoio às Licenciaturas em Educação do Campo (PROCAMPO) e o Programa de Iniciação à Docência PIBID Diversidade/CAPES, entre outros. Esses programas foram avaliados pelo FONEC e considerados insuficientes diante do papel do Estado, o qual deveria garantir uma política pública que de fato estabelecesse mudanças estruturais na vida dos povos do campo, todavia esses programas foram passos importantes no cumprimento do direito à educação dos povos do campo, e o FONEC não só defende sua permanência no escopo do Governo enquanto for necessário por existir demanda potencial como também reivindica o alargamento para atender toda a demanda existente no menor tempo possível (FONEC, 2012, p. 16). 1730

Em 2012, o governo federal lançou o Programa Nacional de Educação do Campo (PRONACAMPO), com o objetivo de ofertar apoio técnico e financeiro aos estados e municípios e implementar uma política nacional de educação do campo. Porém, segundo o FONEC (2012), essa política representa de alguma forma um retrocesso em relação ao que está proposto no Decreto de 2010. O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (PRONATEC) para o campo também foi visto pelo FONEC como um retrocesso, pois a política de educação profissional no país caminha numa concepção pragmática da instrução que serve ao mercado, por outro lado, os cursos do PRONATEC representam possibilidades de capacitação técnica para os agricultores da classe popular. É fundamental perceber as contradições nesse programa e os projetos da agricultura capitalista e da agricultura familiar, os quais são opostos e integram lógicas muito distintas (FONEC, 2012, p. 19). Embora alguns programas supracitados não atendam à materialidade de origem da educação do campo, e estejam profundamente comprometidos com o fortalecimento do capital, os movimentos e organizações sociais de trabalhadores do campo trabalham na e com a contradição, num movimento dinâmico e dialético, o qual pressupõe manter-se na luta, resistindo e, ao mesmo tempo, organizando estratégias coletivas para superar os desafios colocados à educação do campo por meio do agronegócio e do ataque do capital. Na conjuntura atual, são diversos os desafios e compromissos da educação do campo. No que diz respeito às escolas públicas do campo, o FONEC (2012) aponta no documento Notas para análise do momento atual da Educação do Campo algumas demandas, tais como: a) envolver instituições de ensino superior no debate e na superação das metas da formação de educadores do campo (FONEC, 2012, p. 25); b) apoiar e ampliar iniciativas de formação continuada realizadas pelas organizações sociais do campo; c) lutar contra o fechamento de escolas e a favor de sua construção; d) participar do debate sobre o projeto político-pedagógico das escolas do campo; e) discutir os temas e focos dos cursos de Especialização em Educação do Campo; f) estabelecer com o MEC metas e valores para pesquisa na educação do campo, por meio do Observatório da Educação, bem como fortalecer a articulação entre os Observatórios; g) incentivar e participar da construção de materiais didático-pedagógicos e por fim, h) fiscalizar a implementação do PRONACAMPO. Todavia, essas relações são contraditórias e expressam as lutas e as forças sociais em movimento, isto é, a ideologia da educação rural e a concepção de educação do campo. 1731

Ainda que o Estado em sua estrutura jurídica, legislativa e executiva esteja subordinado à classe dominante que detém o capital, a educação do campo trabalha no vácuo das transições e desse modo vai construindo o que Frigotto (2011, p. 11) denomina germe novo, o qual implica a existência de forças sociais organizadas e com consciência e identidade de classe, que disputam outra sociedade. Nos espaços em que não há a presença de movimentos sociais do campo, pouco avança a luta social organizada e com identidade de classe. O que se observa é que as escolas públicas localizadas no campo sem vínculo com esses movimentos, embora marcadas pelas mesmas contradições do capitalismo, estas desconhecem as demandas da educação do campo. Esse desconhecimento ajuda a enfraquecer e fragmentar as lutas da educação do campo. Escolas públicas localizadas no campo na Região Metropolitana de Curitiba Ao problematizar os caminhos, visibilidades e conquistas que os movimentos sociais do campo expressaram e expressam, parte-se do indício que uma das problemáticas centrais dos sujeitos é a luta por uma escola pública de qualidade. Escola como mais um espaço para produção de conhecimento, discussão e organização dos coletivos, um espaço formal que contribua para a construção política emancipatória firmada em outros espaços, também formativos como nos movimentos sociais. Contudo a escola em vários momentos ainda se expressa como uma instituição conservadora, que resiste a incorporação dos movimentos sociais de trabalhadores do campo, a organização de coletivos e de vínculos com as lutas sociais. Quando a escola pública localizada no campo está articulada com os movimentos sociais de trabalhadores do campo, ocorre um comprometimento com os processos educativos, os quais se pautam em uma formação humana emancipatória que problematiza as contradições do campo brasileiro e busca ao mesmo tempo construir propostas e estratégias a partir do movimento coletivo. A escola pública do campo representa a conquista da classe trabalhadora, por direito de acesso e permanência a ela. Direito este, que ao longo do tempo foi negado e hoje permeia com o paradigma de um projeto de educação emancipador onde o acesso e a permanência 1732

tem como determinante a articulação entre educação e trabalho, qualidade social, dignidade, respeito e valorização do sujeito no sentido que o conhecimento incorporado dialogue com a realidade para permitir condições de transformação. Souza (2010) aponta que: É necessário recuperar a escola pública como categoria histórica para compreensão da formação escolar da classe trabalhadora, e, com isso, recuperar a ideia de que é na escola, também, que as pessoas podem aprimorar os seus conhecimentos e apropriar-se de novos conceitos; público com caráter de efetiva participação dos trabalhadores e não com a conotação de público estatal (SOUZA, 2010, p.54). A escola pública do campo neste sentido será concebida e incorporada na sua esfera coletiva, à medida que as construções sejam problematizadas com os trabalhadores, assim a escola rompe com as categorias que determinam o espaço escolar como sendo isolado da realidade. A escola não é mais um espaço, é a própria sociedade, com intencionalidades formativas que deve contribuir para a sistematização de um saber construído da prática social do aluno, colocando-o na sua condição de sujeito histórico para que o conhecimento seja o mecanismo para formação/transformação humana. Segundo Caldart (2004), a Educação do Campo talvez possa ser considerada uma das realizações práticas da pedagogia do oprimido, à medida que afirma os pobres do campo como sujeitos legítimos de um projeto emancipatório e, por isso mesmo, educativo (CALDART, 2004, p.14). Arroyo considera que o trabalho é o eixo da própria existência humana, o homem ser pensante, transforma a natureza em função das suas necessidades básicas com um trabalho intencional e planejado, traz essa relação dialogando com Marx, e entende que é necessário superar a visão idealista ingênua de que ao falar sobre a exploração o sujeito responderá à exploração (ARROYO, 2010). A pesquisa realizada, contempla 6 escolas localizadas em 5 municípios da Região Metropolitana de Curitiba a saber: Araucária, Campo Magro, Quitandinha, Tijucas do Sul e Fazenda Rio Grande. Está sendo construída a partir de um projeto aprovado pelo edital 038/2010 da CAPES que faz a análise da condição de letramento do professor do campo sob diversos olhares acerca da realidade do campo. A Região Metropolitana de Curitiba é constituída por 29 municípios, sendo considerada a oitava mais populosa do país e a segunda maior em extensão. Possui 216 escolas municipais localizadas no campo e 44 escolas estaduais nos territórios rurais. 1733

As escolas públicas localizadas no campo nos municípios supracitados revelaram inicialmente ausência de vínculo com os movimentos sociais de trabalhadores do campo e desconhecimento do debate da educação do campo, das políticas e da luta do Movimento Nacional da Educação do Campo pelo direito à educação. Através do trabalho de campo com as Secretarias Municipais de Educação, diretores, coordenadores e professores das escolas do campo, nos municípios da Região Metropolitana de Curitiba, verificou-se a fragilidade de ações governamentais no direito à educação dos povos do campo, no que diz respeito à infraestrutura física, tecnológica, transporte escolar, práticas pedagógicas, gestão escolar e formação inicial e continuada na perspectiva da classe trabalhadora, bem como fluxo contínuo de fechamento de escolas. Quanto à infraestrutura, verificou-se que algumas escolas ainda não possuem água encanada, ausência de manutenção, pois estão com os vidros quebrados e portas emperradas. Na questão pedagógica, os dados demonstram que essa é efetivada segundo as orientações das escolas urbanas, embora tenham recebido livros voltados à educação do campo, esse material didático não garante práticas pedagógicas consonantes com o movimento da educação do campo. Em relação à formação continuada dos professores, a maioria relatou que não participou de reuniões ou debates sobre educação do campo ofertados pelas Secretarias Municipais de Educação. Esse cenário também revela as contradições históricas do campo brasileiro que estão presentes nas escolas mencionadas e em todas as escolas localizadas nos territórios rurais do país, sobre um novo ciclo de acumulação do capital, um movimento de caráter internacional puxado pelas fortes emergências das commodities, que são produtos homogêneos, organizados em escala mundial, em imensos domínios territoriais para atender as demandas do setor externo. Nesse sentido, mesmo que as escolas localizadas no campo na Região Metropolitana de Curitiba não tenham contato com os movimentos sociais do campo e desconheçam o debate da educação do campo segundo sua materialidade de origem, elas estão vivendo sob o mesmo projeto de desenvolvimento destinado para o campo, para a agricultura e para a educação. Esse projeto vem sendo confrontado pelos movimentos sociais de trabalhadores do campo, porém nos territórios em que não há vínculo com essas movimentos a (re)configuração da educação rural tem se constituído por meio de parcerias entre escola e 1734

agronegócio, através de materiais didáticos, cartilhas de orientações a respeito do cuidado com o meio ambiente e com a doação de recursos e aparelhos eletrônicos às instituições escolares localizadas no campo. Esse processo sinaliza para o fortalecimento do projeto histórico da educação rural, sob nova configuração de acumulação do capital. No quadro 1, apresenta-se algumas informações sobre os municípios da Região Metropolitana de Curitiba como: densidade demográfica, grau de urbanização, atividades agrícolas e o Ideb dos municípios. Considera-se que essas informações são relevantes para compreender o aspecto real, o qual é demarcado por ações que intensificam ou não o fomento ao campesinato. Município Densidade Demográfica hab/km² QUADRO 1 DADOS DOS MUNICÍPIOS Grau de Urbanização Araucária 274,13 92,51 Campo Magro 96,16 78,68 Quitandinha 40,52 28,60 Tijucas do Sul 23,18 15,72 Fazenda Rio Grande 771,70 92,96 Atividades Agrícolas Milho, batata inglesa, soja, bovinos, equinos, galináceos, ovinos e suínos. Milho, feijão, cebola, bovinos, equinos, galináceos, ovinos e suínos. Feijão, milho, fumo, bovinos, equinos, galináceos, ovinos e suínos. Feijão, milho, fumo, bovinos, equinos, galináceos, cogumelos, ovinos e suínos. Milho, morango, soja, bovinos, equinos, galináceos, ovinos e suínos. Fonte: IPARDES (2013) e MEC (2014). Elaborado pelas autoras, 2014. IDEB/Município 4º e 5º anos 5.1 5.3 6.1 5.1 5.8 Quanto à densidade demográfica é possível verificar que a maioria dos municípios possui baixíssima ocupação, geralmente estão nas áreas rurais e em decorrência, as pessoas que residem nessas áreas ficam distantes das políticas sociais, ou seja, dos serviços públicos, porque a atenção acaba sendo direcionada para as áreas que tem maior número de habitantes. De acordo com o Censo (2010) uma parte das áreas de densidades demográficas mais baixas está sendo utilizada para a produção de commodities agrícolas. 1735

As atividades agrícolas na Região Metropolitana de Curitiba nos municípios mencionados expressam a diversidade de produtos, contudo, a situação desses camponeses (as) tem sido marcada por muitas desigualdades, seja no âmbito dos serviços públicos, como na comercialização e transformação da produção para agregar mais valor aos produtos. Embora esta região tenha algumas particularidades, as relações de trabalho e de classe social são as mesmas no rural e no urbano (SOUZA, 2010, p. 55). A característica marcante desses municípios é a ruralidade, entretanto, os dados apontam aspectos de urbanização maior do que o contexto rural. É preciso recuperar o conceito que se emprega à utilização de urbanização, pois o vínculo com a terra, a identidade e as características gerais apresentam-se invisíveis aos números apontados. O desconhecimento da discussão do campo infere na descaracterização de uma educação problematizadora e transformadora, e algumas vezes contribui para o fechamento das escolas rurais e transferência (ou não), dos alunos para as escolas urbanas. Essa prática nega aos sujeitos o direito de acesso e permanência à escola, pois muitas vezes os pais não têm condições de enviar seus filhos a outras localidades, sem falar das intempéries climáticas que prejudicam o acesso do transporte escolar (quando há transporte escolar). O IDEB por sua vez é marcado pela forte ideologia do contexto urbano, as três categorias que compreendem a nota final: prova brasil evasão reprovação, atendem a uma estatística de um contexto seriado. Porém, algumas vezes, a realidade do campo é marcada pela organização multissérie que garante o não fechamento e acesso à escola. O resultado do IDEB é de cunho externo, padrão e pautado no sistema macro, que não representa aspectos qualitativos e peculiares que realmente acontecem na escola. Por meio de entrevistas com professores que trabalham nas escolas localizadas no campo, nos municípios mencionados, foi possível conhecer o envolvimento deles nas organizações coletivas das comunidades rurais e as categorias que contribuem para a sua formação, as quais interferem de forma direta e indireta no fazer pedagógico e, em decorrência, na formação política do aluno. Para tanto, foi feita aos professores a seguinte pergunta: Você participa de alguma organização ou grupo social na sua comunidade/município que interfere/interferiu na sua constituição pessoal ou profissional? No quadro 2, pode-se observar os índices de respostas por município. 1736

QUADRO 2 PARTICIPAÇÃO DOS PROFESSORES EM ORGANIZAÇÕES COLETIVAS Município Sim Não Araucária 9 8 Campo Magro 8 4 Quitandinha 6 6 Tijucas do Sul 6 4 Fazenda Rio Grande 2 0 Fonte: Instrumental 2013, OBEDUC 038/2010. Organizado pelas autoras, 2014. Sobre a organização dos professores que responderam à pesquisa, pode-se apontar que em Araucária os professores utilizam: Associação de moradores, Grupo de jovens, Grupo de mães, sindicatos, conselho escolar, associação de pais e professores (APP), catequese, movimentos sociais (não informados). Já em Campo Magro apontaram que participam de: grupo de jovens, conselho escolar, associação de pais e professores (APP), catequese e movimentos sociais (não informados). Em Quitandinha pode-se dizer que os professores organizam-se em: Associação de moradores, Grupo de jovens, conselho escolar, associação de pais e professores (APP), catequese, e grupos ligados à igreja. Em Tijucas do Sul, a participação coletiva se dá por meio de: partidos políticos, associação de moradores, grupo de terceira idade, grupo de jovens, conselho escolar, associação de pais e professores, catequese. E por fim em Fazenda Rio Grande os professores participam do conselho escolar, associação de pais e professores (APP) e catequese. Esses dados revelam que cerca da metade dos professores estão participando de diversas manifestações sociais, as quais acontecem por meio de diálogos em coletivos organizados pela igreja, pela comunidade e pela escola. As reivindicações advindas destas instituições, por vezes têm interesses antagônicos ao projeto emancipatório de uma educação transformadora, por contemplar características de raízes conservadoras (como a igreja). Nesse cenário, não há construção na perspectiva dos movimentos sociais de trabalhadores do campo e da educação do campo, isto é, de luta e enfrentamento para a conquista de outro projeto societário de campo, de país, de educação, de reforma agrária a partir dos movimentos sociais etc. De modo geral, constata-se pouca articulação da educação do campo com o trabalho, que são as condições materiais para construir uma educação pautada na emancipação humana. A pouca organização desses coletivos a partir da materialidade de origem da 1737

educação do campo, desempodera a base e contribui de forma significativa para que as intencionalidades se voltem para um projeto de expansão do agronegócio em detrimento à agricultura camponesa e para o enfraquecimento das escolas públicas localizadas no campo. Entretanto, é de se vislumbrar algumas práticas coletivas, engrenando na Região Metropolitana de Curitiba, com a percepção de que objetivos comuns devem ser conquistados no coletivo. A escola tem relações intrínsecas com essa construção e é por meio dela que se tornará concreto, à medida que cada conquista permeada pelos sujeitos tenha significado às suas vidas, caracterizando-as como transformações da prática social, advinda de um projeto igualitário e justo pautado na formação humana a priori. Neste sentido defende-se que a contribuição dos movimentos sociais de trabalhadores do campo, na Região Metropolitana de Curitiba daria visibilidade à contradição que os camponeses convivem, daria sentido à intencionalidade e necessidade de educação do campo no campo, pois há ruralidades visíveis neste contexto. Segundo Caldart (2009): O vínculo de origem da educação do campo é com os trabalhadores pobres do campo, trabalhadores sem-terra, sem trabalho, mas primeiro com aqueles já dispostos a reagir, a lutar, a se organizar contra o estado da coisa, para aos poucos buscar ampliar o olhar para o conjunto dos trabalhadores do campo (CALDART, 2009, p. 41). Quando se trata de coletivos do campo, possibilita um projeto de empoderamento dos trabalhadores do campo, o trabalhador pobre do campo é uma classe, independente da sua região e deve se organizar em uma categoria que dimensione, legitime e fortaleça a luta pela reforma agrária. Considerações finais O propósito deste texto foi discutir a educação do campo cunhada pelos movimentos sociais de trabalhadores do campo no contexto das escolas públicas localizadas no campo, na Região Metropolitana de Curitiba e tecer algumas reflexões sobre as possibilidades de diálogo e perspectivas de aproximação desses segmentos. E, a partir dos dados obtidos em trabalho de campo, foi possível constatar que as escolas públicas localizadas no campo na Região Metropolitana de Curitiba e a educação do campo materializada pelos movimentos 1738

sociais de trabalhadores do campo vivenciam as mesmas relações quanto à negação do direito à educação dos povos do campo; e convivem com a ideologia da educação rural, contradições históricas do campo brasileiro e com as tensões do projeto de desenvolvimento do agronegócio. Embora essas relações sejam semelhantes para esses dois segmentos sociais, as escolas públicas localizadas no campo na Região Metropolitana de Curitiba sem vínculo com os movimentos sociais do campo desconhecem a trajetória, as experiências e as lutas da educação do campo. Em algumas escolas, verifica-se que está ocorrendo uma aproximação com essas discussões, mas é por meio de projetos das universidades na perspectiva da educação do campo. Algumas dessas escolas têm acesso a programas governamentais da educação do campo, os quais chegam para as Secretarias Municipais de Educação, a exemplo do Programa Nacional da Educação do Campo PRONACAMPO. Esses programas geralmente chegam prontos para as escolas, sem debate, sem diálogo para compreender a real necessidade dos alunos do campo e do seu direito à educação. Dessa forma, fortalecem as práticas e a ideologia da educação rural. De modo geral, constata-se que as escolas localizadas no campo, sem vínculo com os movimentos sociais do campo, acabam ficando isoladas das discussões a respeito da educação do campo, da sua dimensão política e das lutas e mobilizações construídas pela educação do campo. Tal situação contribui para a manutenção da negação do direito à educação dos povos do campo e o fortalecimento da ideologia da educação rural. Considerase importante ampliar os espaços de diálogo e de participação dessas instituições escolares nos movimentos sociais de trabalhadores do campo que se materializaram e materializam a educação do campo, a partir do enfrentamento do capitalismo agrário e de uma educação desarticulada do trabalho com a terra. Nesse sentido, a educação do campo visa construir processos emancipatórios de formação que problematizem as contradições e tensões históricas do campo brasileiro, o projeto de desenvolvimento do agronegócio e sua relação com a educação dos trabalhadores do campo. Considera-se que as experiências que as escolas públicas localizadas no campo nos municípios mencionados na Região Metropolitana de Curitiba são insuficientes e limitadas porque não estão unificadas com os movimentos sociais de trabalhadores do campo que materializaram a educação do campo, mas elas estão abrindo novas possibilidades nessas 1739

escolas e municípios, isto é, estão em ligação com outras realidades mesmo que a dinâmica do capitalismo agrário seja a mesma em todo país. Os movimentos sociais de trabalhadores do campo avançam na formação social de reconhecimento da contradição como categoria da superação das fragilidades no campo, deste modo a articulação da Região Metropolitana de Curitiba na base dos movimentos sociais dos trabalhadores do campo fortaleceria essa luta por objetivos comuns e romperia com o movimento fragmentado indicando um peso maior na cobrança emergente por escola pública de qualidade no campo dentro da agenda do Estado. Às relações na Região Metropolitana de Curitiba deixariam de ter um cunho conservador, para ter como determinante a luta de classes, o acesso e permanência à escola pública de qualidade e o vislumbramento da reforma agrária. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel Gonzalez. A escola do campo e a pesquisa do campo: metas. In: MOLINA, Mônica Castagna. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Educação do Campo e Pesquisa: questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006. p. 103-116.. As matrizes pedagógicas da educação do campo na perspectiva da luta de classes. In: Educação do Campo em Movimento. MIRANDA, Sônia Guariza; SCHWENDLER, Sônia Fátima (Org.), 2. ed. Curitiba, PR: UFPR, 2010. BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB nº 1, de 3 de abril de 2002. Institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 9 abr. 2002. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ceb012002.pdf>. Acesso em: 2 ago. 2011. BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária PRONERA. Brasília, DF, 2004. Disponível em: http://www.incra.gov.br/portal/arquivos/projetos_programas/0127102302.pdf. Acesso em: 28 de jul. 2011. BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº 2, de 28 de abril de 2008. Estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 29 abr. 2008. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2008/rceb002_08.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2011. 1740

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