Palavras-Chave: masculinidades, corporeidades, usina hidrelétrica, construção civil.



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Transcrição:

Tipo da Atividade: Grupo de Trabalho Temático Área: Gênero, sexualidade, raça e idade Título: CORPOS MASCULINOS CONSTRUÍDOS NA/ PELA CONSTRUÇÃO DE UMA HIDRELÉTRICA Priscila Pavan Detoni - UFRGS. Henrique Caetano Nardi - UFRGS. Daiane Maus Marques - UFRGS. Eliana Teresinha Quartiero - UFRGS. Izaque Machado Ribeiro - UFRGS. Lissandra Vieria Soares - UFRGS. Manoela Carpenedo Rodrigues - UFRGS. Endereço eletrônico: pridetoni@yahoo.com.br Palavras-Chave: masculinidades, corporeidades, usina hidrelétrica, construção civil. Introdução A temática do corpo enquanto construção cultural será discutida neste trabalho a partir de uma pesquisa em curso que aborda os processos de construção das masculinidades. Esta pesquisa inscreve-se em uma dissertação de mestrado que está sendo produzida no Programa de Pós Graduação de Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS; a mesma busca compreender a(s) performatividade(s) da(s) construção(ões) da(s) masculinidade(s) num lugar de homens trabalhadores que permanecem alojados no canteiro de obras de uma hidrelétrica situada no oeste catarinense, na região Sul do Brasil. O espaço de interação neste lugar é predominante masculino, ele é ocupado por cerca de 2000 homens que habitam uma cidade temporária montada para a construção da hidrelétrica. O tempo médio para uma construção de uma barragem de pequeno porte como esta dura cerca de 4 anos, contudo uma parcela destes trabalhadores são contratados por um período menor que este para dar conta de demanda específicas e depois costumam ser indicados ou transferidos para outra obra. Além dos trabalhadores alojados, esta construção conta no total 4000 trabalhadores/as (incluindo os que não estão alojadas/os), somente 10% deste contingente é composta por mulheres. A maior parte destes(as) trabalhadores(as) exerce atividades no ramo da construção civil, eles/as costumam ser denominados barrageiros, em especial na região sul, pois estes trabalhadores percorrem um itinerário de seguir as construções destas obras pelo país. Para entender como são performadas as masculinidades neste lugar, o corpo configura-se como elemento revelador da constituição dos atributos de virilidade. Por meio de gestos, posturas e adereços, foi possível identificar condições de possibilidades destes sujeitos construtores de hidrelétricas construírem bioidentidades que os identifiquem como barrageiros. Esta identificação é possível pelas inscrições advindas de marcadores sociais que remetem à origem regional destes corpos e o uso de vestimentas de trabalho que associadas ao uso dos Equipamentos de Proteção Individual EPI vão constituindo a identificação em postos de trabalho e as relações nesta cidade temporária.

Estes corpos masculinos são atravessados pela cor, região de origem, idade, orientação sexual e classe social a maioria destes trabalhadores é de origem nordestina e a eles cabe o trabalho mais pesado e arriscado da construção civil. Os mais novos são valorizados pelo vigor e disposição e os mais velhos pelo cargo que ocupam, uma vez que não dispõem mais de força física, ficam então encarregados de postos de comando. Estas são algumas lógicas sociais que dividem estes homens e seus corpos nos postos de trabalho. Hierarquias dentro da construção civil e nos alojamentos, pois eles costumam se organizar não somente conforme a afinidade e por se conhecerem de outras obras, mas principalmente de acordo com seus estados de origem. Corpos masculinos construídos e construtores? (...) o corpo é básico para entender a construção social da masculinidade. (CECCHETTO, 2004, p.73) A primeira pergunta que nos fazemos diante de um corpo é se ele é masculino ou feminino, como se este corpo não fosse possível fora desta denominação (BUTLER, 2001). Isto ocorre por que culturalmente estamos inscritos dentro de um sexo, de um gênero, de uma identidade, de uma sexualidade, de um desejo e de um corpo. E mesmo que não necessariamente ocorra uma relação linear entre sexo, gênero, identidade, sexualidade, desejo e corpo; a norma nos impõe uma coerência que nos subjetiva. Afinal como afirma Foucault (2006) só podemos existir dentro da norma, algo que nos objetive para nos construir enquanto sujeitos. Para Butler (2001): (...) o sexo não apenas funciona como uma norma, mas é parte de uma prática regulatória que produz os corpos que governa, isto é, toda força regulatória manifesta-se como uma espécie de poder produtivo, o poder de produzir demarcar, fazer circular, diferenciar os corpos que ela controla. (BUTLER, 2001, p.154) A partir desta afirmação, indagamos quais seriam as regulamentações dos corpos masculinos neste canteiro de obras. Pensamos as construções das masculinidades retomando o conceito de dispositivo da sexualidade (FOUCAULT, 2006a), bem como as relações de gênero. Tomando o gênero como performativo, i. e., só podemos existir dentro de uma lei que performamos de acordo com uma época e seus significados. Entendemos, então, que o corpo e a sua materialidade também são produtos sociais (BUTLER, 1997, 2001). Assim, ao mesmo tempo em que estes trabalhadores constroem esta usina hidrelétrica, os seus corpos vão se construindo tanto através das suas atividades de trabalho bem como no habitar o canteiro de obras. Existem diferenças e hierarquias entre estes corpos masculinos, construtores e construídos. Afinal, que corpos possuem maior reconhecimento? Aqueles que produzem - agüentam como jegue (a descrição do peão trabalhador - ideal para o encaminhamento à avaliação psicológica), os corpos que arriscam não têm medo como cabaço (referência debochada aos trabalhadores que tem medo e seguem todas as instruções de segurança). Nestes dois exemplos acima emergem atributos referentes à virilidade, uma vez que é preciso suportar o trabalho duro e isto exige comparação com um animal que possuí a força braçal e ter medo de se submeter ao risco no trabalho pressupõe um lugar de mulher, uma vez que cabaço se liga à virgindade feminina. Cabaço seria coisa de mulher, portanto uma injúria que pode ferir a virilidade.

Há de um lado uma comparação que exalta este lugar da virilidade no trabalho e outro que coloca num lugar inferior os sujeitos que não conseguem ocupar este lugar hegemônico. Dejours (2007) aborda a virilidade como uma estratégia de defesa coletiva utilizada para dar conta do trabalho que exige constante exposição ao risco e/ou cargos de comando que pressupõe uma autoridade em relação aos demais. Welzer-Lang (2001) retoma esta atribuição da virilidade como componente da relação da construção hegemônica da masculinidade como concebida na cultura ocidental. O que coloca a construção do masculino não só como uma oposição diante das mulheres, mas diante de uma submissão que divide os homens em mais machos e menos machos, tanto que um homem só pode se legitimar homem frente a outro homem, tanto que em lugares circunscritos pelas masculinidades como dominantes há uma imersão homossocial, na qual se aprende a ser homem (WELZER-LANG, 2001, 2004). O canteiro de obras apresenta-se circunscrito pelas masculinidades como dominantes e neste espaço também se aprende a ser homem com outros homens e na diferenciação com as mulheres. A socialização permite atribuir valores aos homens, afinal destacam-se aqueles que não se perdem diante da perdição (menções à prostituição e ao uso de bebidas alcoólicas), mas conseguem aproveitar e desfrutar destas perdições, também chamadas de lazeres, provando que são mais machos (os mais machos seriam aqueles que controlam o risco e não se perdem). Além disso, os mais machos agüentam o trabalho duro, conseguem prover e controlar uma família que geralmente está distante e ainda tem a disposição de se impor diante de outros homens nos seus espaços de sociabilidade; seja nos alojamentos, nas áreas comuns do canteiro de obras ou até mesmo nas casas de prostituição oferecidas no entorno da obra. Faz-se necessário destacar que nem todos os trabalhadores que foram entrevistados, bem como as observações de campo, não colocam todos os homens num mesmo patamar de virilidade, mas são destacados e ao mesmo tempo contestados, os homens que seriam considerados os mais machos pelos demais homens. A construção destes corpos pressupõe resistência e preparação física, tanto que no refeitório do canteiro de obras se organizam quatro buffets - dois com comidas lights e outros com comidas mais reforçadas - o que explicita uma divisão nutricional destes corpos. O canteiro conta também com áreas esportivas e durante os treinamentos são incentivadas a prática de esportes e a alimentação saudável. Ou seja, estes corpos masculinos, e esta massa muscular que agüenta, carrega, se equilibra, se desafia, anda em alturas, é preparada, desenvolvida para o bom desempenho das atividades laborais. A partir disto, tornam-se visíveis os processos de naturalização e desnaturalização destes corpos. Não pretendemos promover uma desconsideração da existência de concepções instaladas nas teorias biológicas, evolucionistas ou genéticas, mas destacamos o caráter social da produção destes corpos. Além disso, na performance sexual masculina é esperada a relação com a atividade, conforme mencionou Leal (1995) a penetração está para os homens da mesma maneira que a reprodução está para as mulheres. E, portanto, um homem viril precisa mostrar-se ativo, e a forma como os movimentos, gestos e posturas aparecem revelam a idéia de construção corporificada do masculino: (...) a virilidade (...) é entendida tanto na capacidade reprodutiva e sexual, quanto na aptidão para o embate e o exercício da violência (...). (CECCHETTO, 2004, p. 75-76). Aprende-se a ser homem, a desempenhar atributos que tornem este corpo identificável enquanto masculino. Aprender a ser homem é aprender a ser diferente do outro da mulher para assim poder ocupar uma posição superior na relação com ela

(WELZER- LANG, 2001, 2004). Assim, o gênero situa e performa os corpos (BUTLER, 1997, 2001; LOURO, 2001). Para Butler (2004) só existimos dentro de uma norma, o gênero é performativo. A performatividade é entendida como uma prática produzida pela nomeação discursiva, a qual materializa as diferenças sexuais a serviço da manutenção da heteronormatividade (BUTLER, 2001). E mesmo que os corpos não se conformem complemente, eles são subjetivados pela norma e pela materialidade. Na obra os homens devem dar conta dos os atributos de um corpo viril, ou seja : suportar o trabalho duro, manter atividades sexuais regulares, não mostrar medo frente os riscos que o trabalho oferece, prover uma família - ou mais de uma - e estar sempre disposto para os lazeres (casas de prostituição, festas, esportes, jogos com os colegas de trabalho). Cabe, mencionar que dificilmente estes homens trabalhadores conseguem dar conta de todos estes requisitos para os corpos masculinos construídos e construtores, mas eles assumem este modelo ideal de masculinidade como o legitimo. Adereços de virilidade - O uso de Equipamentos de Proteção Individual EPIs Ao visualizar os corpos destes trabalhadores em atividade dentro do canteiro de obras percebe-se que estão cercados por prescrições para prevenir acidentes e doenças. São treinamentos, placas de recomendações para o uso dos Equipamentos de Proteção Individual EPIs. Equipamentos estes (em especial capacetes, óculos de proteção, botas de borracha, luvas e cintos de segurança para altura) que alguns trabalhadores circulam com eles fora de atividade, como se fosse extensão do seu corpo e indicação de sua virilidade. Pensar o corpo masculino dos trabalhadores da construção civil ligado ao uso dos Equipamentos de Proteção Individual - EPIs mostrou-se um ponto importante nas observações de campo. Na construção do corpo surge o mestre, o pedagogo; que vai ordenando as relações e produzindo verdades, e especialmente no canteiro de obras os(as) técnicos(as) de segurança do trabalho e os(as) psicólogos(as) ocupam-se deste sujeito para reforçar as regulamentações e os usos destas proteções, bem como fazem o gerenciamento destes corpos para sua preservação e produtividade. Contudo, na responsabilidade pelo cuidado, como diz Fraga (2000), espera-se que o sujeito exerça uma espécie de autovigilância sanitária, ou seja, controlar comportamentos considerados de risco - como a atividade sexual - e acrescentaríamos aqui a obrigatoriedade e prescrição dos EPIs, como se estes equipamentos isoladamente- pudessem dar conta da segurança no trabalho. Os usos destes equipamentos tomam outro lugar, que não é apenas da proteção frente aos riscos do trabalho na construção civil, aparecem como adereços da virilidade, em especial quando são utilizados fora do contexto e da precisão de trabalho, como nos locais de lazer, de refeição e fora do canteiro de obras (conforme observações feitas na cidade mais próxima do campo de pesquisa). Afinal, qual é o sentido de andar de capacete, botas de borracha, óculos de proteção e cinto de proteção para altura pendurado no corpo, quando isto não tem necessariamente uma utilidade prática? Estes corpos devem se afirmar másculos, mostrando para as pessoas de fora do seu campo de trabalho, o risco ao qual se

submetem, bem como suas capacidades para exercer e se reconhecer nesta atividade laboral, que tem no seu script subir andaimes e guindastes, trabalhar com o concreto. Trabalhar com o concreto não é só o concreto do cimento, mas também o sentido dado aos materiais de construção, em especial se tratando da construção no caso de uma usina hidrelétrica. Em uma entrevista, um dos trabalhadores justifica estar neste lugar por se tratar de uma obra faraônica, o que implica numa série de modificações locais frente à dimensão desta construção. Ao mesmo tempo em que estes acessórios de proteção ocupam um lugar de fetiche desta virilidade, também quando são burlados - desafiando a prescrição de segurança revelam assim um homem mais macho, mais experiente, que não é cabaço (inexperiente e receoso do risco) naquela atividade. Utilizamos os estudos de Dejours (1992; 2007) para pensar a burla nos contextos de trabalho, em que a burla é uma das estratégias de defesa coletiva utilizada no trabalho para dar conta de determinada atividade, como no caso dos trabalhadores da construção civil em questão que se utilizam dos Equipamentos de Proteção Individual EPIs não seguindo todas as prescrições, pois criam estratégias inclusive corporais para adequar este corpo ao ritmo da produtividade esperada, bem como da performance que necessitam apresentar frente as questões laborais e de gênero. Conforme Sant Anna (2001) a sociedade atual valoriza o risco, portanto só pode ser mais macho aquele que evidencia de alguma maneira este risco. A partir destes acessórios EPIs - que se acoplam ao corpo destes sujeitos e dizem sobre a sua identidade ligada ao lugar que ocupam e que se reconhecem pela sua atividade laboral, pelo seu lugar de homem dentro de uma lógica heteronormativa. Ainda, poderia se dizer que estes equipamentos criam uma biodentidade para estes trabalhadores o que os permite ser reconhecidos e interpelados como barrageiros. Os EPIs são também signos das hierarquias dentro do canteiro de obras (peão, encarregado, supervisor) ligadas às atividades laborais (operadores de máquinas, soldadores, pedreiros, motoristas, sinaleiros, encanadores, eletricistas, engenheiros, auxiliares entre outras). Elas são visíveis no tipo da bota, na cor do capacete, no material da confecção dos cintos de proteção e no tipo de óculos de proteção que utilizam, bem como em suas vestimentas. As bioidentidades são atributos construídos por um grupo, o que os identifica por gestos, atitudes e performances corporais (Fraga, 2000). Corpos Itinerantes A construção civil tem uma identidade ligada aos homens, da mesma forma que as engenharias. Na construção de uma usina hidrelétrica não poderia ser diferente. Por estar dentro do ramo da construção civil e das engenharias, os homens que habitam este lugar vão inscrevendo em seus corpos marcas do trabalho que vão dos músculos às cicatrizes; eles vestem este corpo não só com o uniforme da construtora da obra e de seus equipamentos de proteção, mas com a história itinerante que se dá a cada mobilização e desmobilização dos canteiros de obras e das relações que ali se estabelecem, as quais constroem possibilidades de ser homem. A condição de possibilidade do sujeito se construir como homem neste canteiro de obras, atribui uma identidade comum a estes trabalhadores ser barrageiro. Ser barrageiro implica não só em trabalhar no canteiro de obras de usinas hidrelétricas, mas

seguir esta condição de vida na instabilidade da mudança constante de cidade, estado e até pais. Impõe uma adaptação corporal devido às diferenças climáticas, culturais e sociais que estes trabalhadores encontram. Esta adaptação configura o vestuário e a mobilidade destes corpos, o que faz com que os homens do sul ensinem as estratégias de vestimenta diante do frio para os trabalhadores que enfrentam o primeiro inverno. A vida destes trabalhadores é marcada pela instabilidade de localização, mas produz estabilidade em relação à seqüência do trabalho em outras obras e aos laços de amizade. Esta estabilidade mantém os trabalhadores conectados e organizados nos alojamentos. A identidade da denominação barrageiro, entretanto, produz um lugar marginal fora do grupo, pois traz um sentido pejorativo na interpelação desta itinerância pelos habitantes das cidades por onde passam. A barragem se constitui também como um estigma, como que se todos tivessem as mesmas características. Considerações finais Buscamos aqui compreender a construção da(s) masculinidade(s) em um canteiro de obras de uma construção de hidroelétrica. Neste momento apenas foi possível ensaiar algumas análises que indicam a complexidade da tarefa e as relações que ali se estabelecem. Apontamos para relações de poder que instituem hierarquias e formas dominantes/ideais de ser homem. Trata-se de uma análise inicial que buscou pensar a rede que conecta a construção conjunta de um masculino específico que se sustenta na associação trabalho/sexualidade/família/corpo/itinerância. Referências Bibliográficas: BUTLER, Judith. Corpos que pensam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, Guacira Lopes. (org.) O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte, Autêntica, 2001.. Subjetion, resitance, resignification: between Freud and Foucault. In: The Psychic Life of Power. Stanford University Press. Stanford CA, 1997. (p.83-105).. Undoing Gender. New York, Routedge, 2004. CECCHETTO, Fátima Regina. Violência e estilos de masculinidade. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004 DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho: estudos de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez, 1992.. A Banalização da Injustiça Social. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2007.

FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade. Curso no Collège de France (1976-1977). São Paulo: Martins Fontes, 2002.. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 2006. FRAGA, Alex Branco. Anatomias de consumo: investimentos na musculatura masculina. In.:Educação & Realidade, v. 25 nº 2 Julho Dezembro 2000, p. 135-150 LEAL, Ondina Fachel. Corpo e significado: ensaios de antropologia social. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 1995. LOURO, Guacira Lopes. (org.) O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte, Autêntica, 2001. SANT ANNA, Dense Bernuzzi de. Corpos de passagem. São Paulo, Estação Liberdade, 2001. WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Estudos feministas Pagu, v. 2, 2001. Os homens e o masculino numa perspestiva de relações sociais de sexo. In: Sechupum, Mônica Raísa. Masculinidades. São Paulo: Boitempo Editorial: Santa Cruz do Sul, Edunisc, 2004.