Responsabilidade civil e poluição por resíduos sólidos



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Transcrição:

Responsabilidade civil e poluição por resíduos sólidos de acordo com a Lei 12.305 e Decreto 7.404/ 2010

Paula Marcilio Tonani de Carvalho Responsabilidade civil e poluição por resíduos sólidos de acordo com a Lei 12.305 e Decreto 7.404/ 2010 3ª Edição POD KBR Petrópolis 2015

Coordenação editorial Noga Sklar Editoração KBR Capa KBR Copyright 2013 Paula Marcilio Tonani de Carvalho Todos os direitos reservados à autora. ISBN 978-85-8180-345-6 KBR Editora Digital Ltda. www.kbrdigital.com.br www.facebook.com/kbrdigital atendimento@kbrdigital.com.br 55 24 2222.3491 LAW009000 - Direito Econômico

Paula Marcilio Tonani de Carvalho é Doutora em Direito Econômico e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC.SP e professora universitária nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Associada do IASP, Instituto dos Advogados de São Paulo, é advogada militante, sócia de escritório de advocacia desde 1997. E-mail da autora: paula@tonaniadvogados.com.br

Sumário Introdução 13 Capítulo I - Enfoque constitucional da proteção ao meio ambiente 25 1.1 - Meio ambiente: conceituação 27 1.2 - Proteção constitucional ao meio ambiente 29 1.3 - Da recepção pela Constituição Federal de 1988 da legislação infraconstitucional sobre resíduos sólidos 34 1.4 - Competência para legislar sobre o controle ambiental na Constituição Federal de 1988 38 1.5 - Aplicabilidade da norma contida no artigo 225 da CF 46 Capítulo II - Resíduos sólidos 49 2.1 - Conceituação e classificação do resíduo sólido 52 2.2 - Da classificação dos resíduos sólidos 55 2.3 - Dos resíduos perigosos 59 2.4 - Formas de tratamento e destinação dos resíduos sólidos 61 2.5 - Das proibições em matéria de tratamento de resíduo sólido 76 9

Paula Marcilio Tonani de Carvalho Capítulo III - Logística reversa 77 3.1 - Instrumentos para implantação da logística reversa 78 3.2 - Do rol de produtos sujeitos à logística reversa 84 3.3 - A funcionalidade da logística reversa 90 Capítulo IV - Danos causados pela poluição por resíduos sólidos 95 4.1 - Conceito de dano 96 4.2 - Classificação de dano 98 4.3 - Poluição por resíduos sólidos 102 4.4 Impossibilidade de presunção do dano ambiental para efeitos de responsabilidade civil 109 Capítulo V - Reparação do dano ambiental causado por resíduos sólidos 113 5.1 - Formas de reparação do dano ambiental causado por resíduos sólidos 114 Capítulo VI - Da responsabilidade civil pelos danos causados pela poluição por resíduos sólidos 119 6.1 - Elementos da responsabilidade civil 121 6.2 - Classificação de responsabilidade civil 123 6.3 - Responsabilidade civil objetiva por dano ambiental 124 6.4 - Da responsabilidade compartilhada dos geradores e do poder público e a logística reversa 131 6.5 - Princípio constitucional do poluidor-pagador no direito brasileiro 134 6.6 - Causas excludentes de responsabilidade civil em matéria de dano ambiental 137 6.7 - Do agente ativo e passivo 139 6.8 - Do abuso de direito 151 10

Responsabilidade civil e poluição por resíduos sólidos Capítulo VII - Eficácia da responsabilização 155 7.1 - Aplicação cumulativa das sanções de natureza civil com a penal e administrativa 158 7.2 - Da imprescritibilidade da reparação dos danos ambientais 160 Conclusões e sugestões 163 Bibliografia 169 Anexos 193 Anexo I - Lei Nº 12.305, de 2 de Agosto de 2010 195 Anexo II - Decreto Nº 7.404, de 23 de Dezembro de 2010 231 Anexo III - Lei Nº 9.605, de 12 de Fevereiro de 1998 269 11

Aos meus filhos Julia e Gustavo, mais uma vez e sempre.

Introdução O aumento da quantidade e toxicidade do lixo produzido nos grandes centros, principalmente após a revolução industrial, bem como a necessidade de destinação e tratamento adequado dos resíduos sólidos são questões cada vez mais relevantes para se atingir o desenvolvimento sustentado. Nesse sentido, a definição e classificação legal de resíduo sólido, inclusive na modalidade doméstica ou domiciliar, bem como a distinção entre as expressões lixo e resíduo sólido tornam-se relevantes. E mais, diante da constatação da ineficácia de alguns dos sistemas de tratamento e destinação dos resíduos sólidos, o dano ambiental daí decorrente, muitas vezes, torna-se certo. Com efeito, existem diversas formas de poluição e reparação civil desse dano eventualmente causado, como, por exemplo, a condenação em obrigação de fazer restaurar o que foi poluído e/ou educar para evitar a reincidência, ou mesmo a condenação em obrigação de não fazer abstenção da conduta no futuro, assim como o pagamento de indenização pelos prejuízos causados. Destacam-se, ainda, alguns Fundos de Defesa dos Direitos Difusos, para os quais são destinados os recursos das indenizações, quando os danos são difusos. As formas de reparação, mediante efetividade da responsabilização em todos os seus níveis e, principalmente, no 15

Paula Marcilio Tonani de Carvalho âmbito civil, devem ser eficazes, sob pena de se negar vigência ao desenvolvimento sustentado. Nesse contexto, foi promulgada a Lei 12.305, de 02.08.2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, alterando parcialmente a Lei 9.605/1998. A Política Nacional de Resíduos Sólidos reúne o conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações adotados pelo Governo Federal, isoladamente ou em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal, Municípios ou particulares, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos, bem como integra a Política Nacional do Meio Ambiente e articula-se com a Política Nacional de Educação Ambiental e com a Política Federal de Saneamento Básico. 1 Com efeito, o acelerado processo de industrialização, ocorrido no Brasil nos anos de 1950 e 1960, implicou o crescimento desordenado dos grandes centros urbanos, aumentando a produção e a toxicidade do lixo, seja aquele produzido pelas indústrias, pelos hospitais, ou mesmo o lixo domiciliar orgânico e inorgânico. Isso é reflexo do fenômeno de urbanização mundial e da Revolução Industrial, quando as populações migravam para as cidades em busca de melhores condições de vida. Na verdade, quando as concentrações populacionais eram menores, o lixo era simplesmente enterrado, controlando os vetores e fertilizando o solo. O homem, vivendo nos grandes centros, passou a utilizar, em maior quantidade, embalagens e eletroeletrônicos; passou a descartar mais pneus, pilhas, aparelhos eletrônicos, plásticos materiais que podem levar até 450 anos para se decompor na natureza. Por outro lado, não houve só aumento da quantidade 1 Artigos 4º e 5º da Lei 12.305/ 2010. 16

Responsabilidade civil e poluição por resíduos sólidos de lixo produzido, mas, também, um incremento da sua toxicidade. Ademais, houve acréscimo na utilização de pesticidas no campo, que também teve suas atividades automatizadas, aumentando as áreas em que são usados agrotóxicos. Jean Dorst afirma: Pode-se constatar cada vez mais nitidamente que as atividades humanas estão prejudicando nossa própria espécie. O homem intoxica-se envenenando, no sentido literal do termo, o ar que respira, a água dos rios e o solo de suas culturas. Práticas agrícolas deploráveis empobrecem a terra de forma por vezes irrecuperável, e uma exploração excessiva dos mares está reduzindo os recursos que deles poderiam ser extraídos. 2 E com o aumento da quantidade e toxicidade de lixo produzido no Planeta, mais suscetível está o homem à sua má destinação e à poluição por resíduos sólidos. Dados da ABRELPE Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, divulgados através de seu estudo titulado Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, 2012, Edição Especial 10 anos, 3 embasado no resultado obtido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) quando da realização do PNAD Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios, 4 revelam que entre 2011 e 2012 a produção de resíduos sólidos no país cresceu em torno de 1,3%, majorando-se em proporção superior à disposta no índice de crescimento populacional urbano brasileiro. O Brasil, assim, gerou em 2012 perto de 62.730.096 toneladas de resíduos sólidos urbanos, dado que representa um crescimento de 0,4% no índice de geração de RSU (Resíduos Sólidos Urbanos) per capita (383 kg/ habitantes/ ano). Por outro lado, os mesmos elementos estatísticos re- 2 Antes que a natureza morra, citado por Vladimir Passos de Freitas (Crimes contra a natureza, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p, 19). 3 http://www.abrelpe.org.br/panorama/panorama2012.pdf 4 Abarcando 51,3% do total da população urbana brasileira em 2012. 17

Paula Marcilio Tonani de Carvalho velam que entre 2011 e 2012 o índice de coleta de resíduos sólidos urbanos teria majorado em 1,9%, o que significaria informar que mais de 90% de todo o resíduo sólido urbano produzido no Brasil seria objeto de coleta. Em 2012, conforme o estudo em comento, aproximadamente 60% dos municípios brasileiros realizou ou promoveu a coleta seletiva dos resíduos sólidos urbanos, destacando-se os dados referentes às regiões sudeste e sul onde, respectivamente, atingiu-se o percentual de 80,5% e 79,5% das municipalidades analisadas. Da totalidade dos resíduos sólidos urbanos coletados, aproximadamente 58% receberiam destinação adequada, indicando, no entanto, retrocesso nesse quesito entre os anos 2011 e 2012. Esse dado é relevante, indicando que, ao menos 42% do total de resíduos sólidos urbanos produzido no Brasil, simplesmente é descartado após coletado, em lixões ou aterros controlados, que certamente não dispõem do conjunto de sistemas e medidas necessários à efetiva proteção do meio ambiente contrariamente a danos e degradações. Isso, porque, mesmo após o advento da Lei Federal n.º 12.305/ 2010, mais de 60% dos municípios brasileiros ainda faz uso de locais impróprios ao descarte final dos resíduos sólidos urbanos. Os dados dispostos no estudo utilizado como parâmetro para a apreciação do tema em comento revelam que a composição dos resíduos sólidos urbanos no Brasil se apresenta da seguinte forma: 52% é composto por lixo orgânico, 26% de papel e papelão, 3% plástico, 2% vidro, 2% metais (ferro e alumínio, por exemplo) e 15% outros. 5 Segundo a ABRELPE, entidade já referida, a com- 5 http://www.cetem.gov.br/sustentavel/sustentabilidade/pdf/coleta_seletiva/ LIXO-dados_sobre_o_lixo_no_Brasil.pdf 18

Responsabilidade civil e poluição por resíduos sólidos posição gravimétrica do lixo no Brasil se ofertaria da seguinte forma: 57% de sobras de alimentos, 17% plásticos, 13% papel, 2,5% vidro, 2% metais, 0,5% matéria inerte. No Brasil, conforme estudo do IBGE divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente, a geração de lixo per capita varia de acordo com o porte populacional do Município a ser analisado. Em conformidade com os dados conquistados pela Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), esse índice varia entre 450 (quatrocentos e cinquenta) e 700 (setecentos) gramas/ dia nas municipalidades com menos de 200 mil habitantes, e entre 700 (setecentos) e 1.200 (mil e duzentos) gramas/ dia nas municipalidades com mais de 200 mil habitantes. 6 Comparativamente, segundo dados estatísticos divulgados pela AFP Agência France Press, a produção média per capita na América Latina atingiria 230 quilogramas/ ano de produção de lixo. 7 O gráfico abaixo, extraído do estudo Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil e no mundo, ofertado pela ABRELPE, mostra como se ofertaria a situação global comparativa da produção de resíduos sólidos urbanos no mundo (Figura 1). 8 Vale também relevar a realidade que emerge quando apreciada a capacidade dos países referidos no citado estudo em termos de coleta dos resíduos sólidos urbanos produzidos (Figura 2). Um dos pontos de maior relevo nesses dados guarda relação com a recuperação energética daí decorrente, através de sua incineração. Nesse aspecto, oferece-se ainda como relevante o grá- 6 http://www.mma.gov.br/estruturas/secex_consumo/_arquivos/8%20-%20 mcs_lixo.pdf 7 Em estudo realizado no âmbito do Chile: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/06/chile-lidera-geracao-de-lixo-na-america-latina-mas-recicla-pouco. html 8 Dados referentes ao biênio 2006/2007: http://www.plastivida.org.br/2009/ pdfs/carlos-r-v-silva-filho.pdf 19

Paula Marcilio Tonani de Carvalho fico extraído da mesma análise, evidenciando como a produção de energia através da incineração dos resíduos sólidos urbanos é realidade em vários países, inclusive perante as economias mais desenvolvidas (Figura 3). Figura 1 - Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil e no mundo Figura 2 - Capacidade dos países referidos no citado estudo em termos de coleta dos resíduos sólidos urbanos No Japão, por exemplo, mais de 74% do total dos resíduos sólidos urbanos produzidos são destinados à incinera- 20

Responsabilidade civil e poluição por resíduos sólidos ção para obtenção de várias matrizes de energia, que atendem ao conjunto da sociedade, sem distinções. Figura 3 - Produção de energia através da incineração dos resíduos sólidos urbanos A disposição irregular de todo esse lixo, na grande maioria composto por resíduos, gera a proliferação de animais como roedores, baratas e moscas, responsáveis por diversas doenças. 9 Neste passo, a coleta regular, o tratamento e a destinação final dos resíduos sólidos atividades tipicamente estatais tornaram-se essenciais, inclusive sob pena de se negar vigência ao desenvolvimento sustentável. A Constituição Federal de 1988 não faz menção à expressão desenvolvimento sustentável. No entanto, o Capítulo da Ordem Econômica e Financeira, especialmente o artigo 170, VI, prevê que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VI defesa do meio ambiente. 9 A Organização Mundial de Saúde estima que a prática de lançamento de lixo em aterros mal controlados ou em lixões é responsável por 90% das moscas e 60% dos ratos nos centros urbanos (PEREIRA NETO, João Tinoco, op. cit.). 21

Paula Marcilio Tonani de Carvalho Por sua vez, o artigo 225, caput, da Constituição estatui que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Outrossim, o tema foi amplamente debatido na Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro de 3 a 14.06.1992, 10 quando foram consagrados vinte e sete princípios para cooperação entre os Estados, visando ao desenvolvimento sustentável. O vocábulo desenvolvimento tem o sentido de crescimento, adiantamento, aumento, progresso, expansão que pode ser econômica, tecnológica, intelectual, dentre outras, o que não se consegue sem a extração dos recursos ambientais disponíveis e a consequente produção de lixo. Por outro lado, o vocábulo sustentável tem o sentido de conservar, manter, impedir, equilibrar. Assim, a Teoria do Desenvolvimento Sustentável 11 prevê a utilização moderada dos recursos ambientais, de forma a preservá-los para as gerações futuras, ou seja, implica incentivar o desenvolvimento 10 A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento aprimorou os princípios e ditames da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em 16.06.1972. 11 As principais contribuições dessa teoria podem ser sintetizadas nas seguintes postulações: a) a ética da solidariedade diacrônica; b) os limites da capacidade de suporte do planeta; c) a questão da irreversibilidade das ações; d) a necessidade de desenvolvimento; e) a importância da Contabilidade Ambiental como instrumento para introduzir o valor do meio ambiente e o consumo do capital natural como fator integrante das medições do produto das nações (cf. CALDERONI, Sabetai. Os bilhões perdidos do lixo. São Paulo: Humanitas, 1998, p. 58). 22

Responsabilidade civil e poluição por resíduos sólidos socioeconômico, 12 tecnológico e intelectual, preservando o meio ambiente. Outro ponto essencial na concretização do desenvolvimento sustentável e na destinação eficaz dos resíduos sólidos é a educação ambiental. Com esse propósito, a Lei 9.795/1999 regulamentou o artigo 225 da Constituição Federal, definindo educação ambiental no artigo 1º como os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. E, mais, dispõe o artigo 10 da referida lei que a educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal. Importante destacar que a Lei 12.305/ 2010 recepcionou a Lei 9.795/1999 ao dispor no artigo 5º que a Política Nacional de Resíduos Sólidos integra a Política Nacional do Meio Ambiente e articula-se com a Política Nacional de Educação Ambiental, regulada pela Lei 9.795, de 27 de abril de 1999, com a Política Federal de Saneamento Básico, regulada pela Lei 11.445, de 2007, e com a Lei 11.107, de 6 de abril de 2005. A educação ambiental é um dos meios mais eficazes para prevenir a quantidade excessiva de lixo produzida nos grandes centros, bem como para conscientizar a população sobre a necessidade de destinação regular, ou seja, que polua menos. 12 José Afonso da Silva (Direito ambiental constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 6) defende que o desenvolvimento econômico tem consistido, para a cultura ocidental, na aplicação direta de toda a tecnologia gerada pelo homem no sentido de criar formas de substituir o que é oferecido pela natureza, com vista, no mais das vezes, à obtenção de lucro em forma de dinheiro, e ter mais ou menos dinheiro é muitas vezes confundido com melhor ou pior qualidade de vida (...). 23

Paula Marcilio Tonani de Carvalho O desenvolvimento sustentável está diretamente relacionado à liberação de resíduos (sólidos, líquidos e gasosos) inúteis e que poluem o Planeta. Não seria possível impedir a produção desses resíduos, sob pena de se negar vigência à própria sobrevivência do ser humano. No entanto, é possível efetuar seu controle, desestimulando o consumo de bens que produzam resíduos prejudiciais ao Planeta. Além da necessidade de tratamento e destinação regular dos resíduos sólidos, é importante desestimular o consumo daqueles que, mesmo tratados, poluem. Nota-se, da narrativa acima, que é imprescindível o gerenciamento dos resíduos sólidos, sob pena de inviabilizar o crescimento econômico, o desenvolvimento sustentável e trazer prejuízos à sadia qualidade de vida da população. A poluição causada por resíduos sólidos pode causar riscos graves ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável, como a contaminação do lençol freático, a diminuição da água do Planeta, poluição do ar atmosférico, contaminação de alimentos, enfim, o comprometimento de recursos ambientais que, em alguns casos, não são renováveis. Com o propósito de promover o desenvolvimento sustentável, foi instituída a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/ 2010), que dispõe sobre seus princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. Da mesma forma, estão sujeitas à observância da Lei 12.305/ 2010 as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos (artigo 1º), excluindo-se os rejeitos radioativos, que têm regulação específica. São fundamentos da Política de Gestão de Resíduos 24

Responsabilidade civil e poluição por resíduos sólidos Sólidos: (i) a descentralização político-administrativa; (ii) a integração das ações nas áreas de saneamento, meio ambiente, saúde pública e ação social; (iii) a participação da sociedade; (iv) a responsabilização dos geradores no gerenciamento dos seus resíduos sólidos; (v) a cooperação entre o Poder Público, o setor produtivo e a sociedade civil; (vi) o uso de matérias-primas e insumos, bem como o desenvolvimento de novos produtos, tecnologias e processos em consonância com os objetivos legais. No entanto, a produção desgovernada de resíduos sólidos, o não tratamento e a destinação incorreta têm causado danos à sociedade, na maioria das vezes, irreparáveis. Assim, é mister o estudo da responsabilização civil pela má destinação do lixo, ou melhor, a responsabilização civil decorrente da poluição por resíduos sólidos. Não menos relevante é o estudo da responsabilização do Estado diante dos lixões clandestinos, dos aterros sanitários impróprios ou mesmo pela falta de fiscalização dos poluidores. Por fim, é imprescindível que as modalidades de responsabilização, no âmbito civil, traduzam a efetividade do direito, sempre visando a atender os ditames do desenvolvimento sustentável e a Política de Gestão dos Resíduos Sólidos. 25