DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL ORIGEM: 41ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0091045-34.2010.8.19.0001 APELANTE: AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL LTDA APELADA: ARACY MONTE RELATOR: DES. DENISE LEVY TREDLER Direito do Consumidor. Ação de obrigação de fazer. Administradora de plano de saúde, que nega cobertura a serviço de home care. Alegação, desacolhida, de inexistência desta cobertura, por tratar-se de contrato celebrado antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor e da Lei nº. 9.656, de 1998. Contrato de trato sucessivo. Eficácia imediata da lei nova. Aplicação das normas previstas na Lei nº. 8.078, de 1990. Responsabilidade objetiva da empresa. Manutenção da sentença, com a negativa de seguimento do recurso, na forma do caput do artigo 557, do Código de Processo Civil. Decisão Trata-se de apelação interposta contra sentença proferida em ação de obrigação de fazer ajuizada por ARACY MONTE, em face AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL LTDA, em cuja peça inicial pleiteia a autora a condenação da ré ao fornecimento do serviço de home care, em razão da séria e fundada necessidade deste tratamento, considerados o acidente vascular cerebral sofrido, do qual resultaram diversas sequelas, assim como a sua idade, atualmente com 84 anos, além de indicação médica.
A fl. 21, decisão que defere a medida antecipatória dos efeitos da tutela, para o fim de a ré fornecer tratamento médico à autora, no sistema home care, de forma permanente e por período ininterrupto de 24 (vinte e quatro) horas diárias, observadas as especificações médicas. Adoto, na forma regimental, o relatório da sentença de fls. 101/105, que ao julgar procedente o pedido inicial confirmou e tornou definitiva a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida, e condenou a ré ao pagamento das verbas próprias da sucumbência (despesas processuais e honorários advocatícios, estes últimos fixados em 20% do valor da causa). Apela a sucumbente a fls. 106/125. Postula a reforma da sentença, para o fim de julgar-se improcedente o pedido inicial, invertendose os ônus da sucumbência. Apela a autora, a fls. 159/171. Requer a reforma do julgado, para o fim de condenar-se a ré ao pagamento de indenização pelos danos materiais e morais a que teria dado causa. Contrarrazões a fls. 128/132, que prestigiam o julgado. É o relatório. Com efeito, inobstante as razões expostas, no sentido de que a Lei nº. 9.656, de 1998, não pode atingir situações fáticas pretéritas em razão de sua irretroatividade, a relação existente entre as partes possui, nitidamente, caráter de obrigação de trato sucessivo, cuja execução é continuada ou diferida. Dessa forma, o contrato vigora por prazo indeterminado, renovando-se ano a ano, incidindo a nova lei nas renovações posteriores a sua edição. Cuida-se, portanto, de eficácia imediata da lei e não de retroatividade desta. Assim, a lide versa sobre típica relação de consumo, enquadrando-se a autora e a ré na qualidade de consumidora e prestadora 2
de serviços, respectivamente. Sujeitam-se, portanto, às disposições da Lei nº. 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor CDC). Releva consignar, ab initio, que acorde à norma do artigo 14, do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. É o que se denomina responsabilidade objetiva pelo fato do serviço, fundada na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade de fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independente de culpa. Trata-se de obrigação inerente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, decorrendo a responsabilidade do simples fato de dispor-se alguém a tal atividade. Em suma, os riscos do empreendimento correm por conta do fornecedor de produtos e serviços e não do consumidor. Ademais, é dever dos planos de saúde o amparo aos segurados nos momentos de maior necessidade médica, sendo o direito à vida garantia fundamental amparada pelo caput do art. 5º, da Constituição da República de 1988. segue. No mesmo sentido é a orientação desta e. Corte Estadual, como APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA QUANTO AO SERVIÇO DE HOME CARE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO DA FORNECEDORA DE SERVIÇO. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA LIMITATIVA DE COBERTURA. INTERPRETAÇÃO DE MANEIRA FAVORÁVEL À CONSUMIDORA QUE SE IMPÕE. NEGATIVA INJUSTIFICÁVEL DE OFERECIMENTO DO SERVIÇO DANO MORAL INEQUIVOCAMENTE CARACTERIZADO. VALOR EXCESSIVO, QUE MERECE REDUÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. Apelação Cível nº. 0211195-10.2011.8.19.0001, Des. Norma Suely, julg: 17/07/2012, 8ª Câmara Cível. 3
Apelação Cível. Ação de obrigação de fazer. Relação de consumo. Plano de saúde que se nega a prestar assistência home care. Recomendação médica. Suposta vedação contratual. Serviço de home care que apresenta menos custo em relação à internação hospitalar, revelando-se mais benéfico à recuperação da saúde do autor. O prestador de serviços não pode se desonerar da responsabilidade de permitir ao consumidor/paciente acesso aos tratamentos, procedimentos e tudo o mais que se revele necessário à preservação ou recuperação de sua saúde. A exclusão da cobertura de determinado procedimento médico/hospitalar, quando essencial para garantia da saúde e vida do segurado, vulnera a fidelidade básica do contrato, ostentando natureza abusiva a cláusula neste sentido. Interpretação das cláusulas contratuais mais favoráveis ao consumidor. Manutenção da sentença alvejada. Apelo improvido. Apelação Cível nº. 0000807-24.2011.8.19.0036, Des. Celso Peres, julg: 13/07/2012, 14ª Câmara Cível. APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO DE PROCEDIMENTO ORDINÁRIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE SEGURO SAÚDE. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE EXCLUI A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS INERENTES A PRÓPRIA NATUREZA DO CONTRATO. PACIENTE RENAL CRÔNICA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE HEMODIÁLISE TRÊS VEZES POR SEMANA. HOME CARE REQUERIDO PELO MÉDICO ASSISTENTE EM RAZÃO DA ELEVADA IDADE DA AUTORA QUE JÁ APRESENTA DÉFICT INTELECTUAL E DE MEMÓRIA E MORANDO APENAS COM UMA IRMÃ AINDA MAIS IDOSA. DANO MORAL QUE MERECE SER MANTIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA, NOS TERMOS DO DISPOSTO CAPUT DO ART. 557 DO CPC NEGANDO SEGUIMENTO AO RECURSO. Apelação Cível nº. 0002533-19.2010.8.19.0052, Des. Paulo Sérgio Prestes, julg: 03/03/2011, 19ª Câmara Cível. Imperioso ressaltar que ao pugnar a autora pelo fornecimento de seu tratamento domiciliar (home care) está clamando pela manutenção da sua vida, em virtude de sua idade avançada (84 anos), com o que se presume a grande possibilidade de uma infecção hospitalar poder agravar seu estado clínico, já debilitado. 4
Releva salientar que, além do direito à vida, o que se persegue é o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado como direito fundamental, no inciso III, do art. 1º, da Carta Maior. Certo é que a autora é titular de plano de saúde devidamente quitado, há mais de vinte anos, e que, no momento mais crítico de sua vida, em que clama por sua manutenção, não obtém a necessária autorização para, adequadamente, dar prosseguimento ao seu tratamento, que, segundo relatório médico, deve ser o domiciliar. Conforme leciona o Prof. Alexandre de Moraes: A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, que constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparecem como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (...) A idéia de dignidade da pessoa humana encontra no novo texto constitucional total aplicabilidade (...) e apresenta-se uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece-se verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever-ser configura-se pela existência do indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. (...) Ressalte-se, por fim, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução n. 217A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10-12-1948, e assinada pelo Brasil na mesma data, reconhece a dignidade como inerente a todos os membros da família humana e como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. (MORAES, Alexandre de. Direito humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da 5
Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003) Assim, conclui-se que o tratamento domiciliar (home care) é essencial à preservação da vida da autora em condições dignas. Por essas razões, nego liminar seguimento ao recurso, na forma do caput do artigo 557, do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2012 Denise Levy Tredler Desembargador Relator 6 Certificado por DES. DENISE LEVY TREDLER A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br. Data: 10/09/2012 21:10:44Local: - Processo: 0091045-34.2010.8.19.0001 - Tot. Pag.: 6