TRABALHOS TÉCNICOS Divisão Jurídica



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Transcrição:

TRABALHOS TÉCNICOS Divisão Jurídica AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) Nº 4.376 PARECER FAVORÁVEL DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA (PGR) INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (IPVA) Orlando Spinetti Advogado Este trabalho técnico pretende fazer considerações sobre o Parecer da Procuradoria-Geral da República que acatou a tese de inconstitucionalidade da Lei nº 13.296, de 23 de dezembro de 2008, do Estado de São Paulo (SP), objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.376, proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) na defesa dos interesses das categorias que representa. Isso porque, no afã de aumentar as suas receitas tributárias, que já é a maior do Brasil, o governo do Estado de São Paulo editou a Lei nº 13.296, publicada em 24/12/2008, que estabeleceu novas regras quanto ao recolhimento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores em São Paulo, com o indisfarçável intuito de beneficiar aquele ente federativo. A Lei nº 13.296/2008 desconsiderou o fato de os veículos terem sido adquiridos e registrados pela sede da empresa fora do Estado de São Paulo. Dessa forma, acabou alterando o conceito de domicílio adotado pelo Direito Civil e acolhido pela Constituição Federal (CF), com o objetivo de fazer incidir o IPVA sobre todos os veículos de locação em operação no Estado, independentemente do local da sede da empresa ou do registro do veículo. O foco principal dessa desordenada ação legislativa paulista são as transportadoras e as locadoras de veículos, que, usufruindo do benefício tributário da alíquota reduzida de IPVA oferecido por outros estados, como por exemplo, Paraná e Tocantins, estabelecem suas sedes nestes estados, onde compram os veículos utilizados na realização de suas atividades econômicas e, nestes estados, os registram em conformidade com o mandamento do Art. 120 do Código de Trânsito determinando que o veículo deve ser registrado no órgão executivo Departamento de Trânsito (Detran) do Estado de domicílio ou residência de seu proprietário. Por sua vez, o Código Civil, em seu Art. 75, prevê a possibilidade de pluralidade de domicílios para a pessoa jurídica, situação típica das empresas que possuem diversas filiais no território nacional. Abril de 2011

22 Ora, não nos é possível vislumbrar qualquer irregularidade no fato de uma empresa registrar os veículos de sua propriedade no domicílio de uma ou de mais de uma de suas filiais. Estando o veículo devidamente registrado e licenciado não há qualquer restrição que circule por todo território nacional e até internacional. Em momento algum defendemos a fraude de endereços, ou até empréstimo de endereços, para gozar de qualquer benefício, mas entendemos que é plenamente lícita a prática de elisão fiscal dentro do mais justo e legal planejamento tributário. Pela simples leitura da Lei Paulista, é fácil observar que o Estado de São Paulo quer criar e enfrentar uma guerra fiscal com imposição e não com competência. Melhor seria se o Poder Legislativo do Estado criasse alíquotas competitivas para o IPVA, de forma a fomentar que as empresas colocassem suas sedes sob seu território e não fazendo uma pirotécnica legislativa tributária. O episódio não está causando desconforto apenas nas empresas transportadoras e locadoras, mas também em seus respectivos locatários; em qualquer cidadão que esteja circulando por outra Unidade da Federação distinta da de registro de seu veículo, uma vez que se vê ameaçado. Ademais, a indevida exigência vem causando graves prejuízos às locadoras de automóveis, afetando sua liquidez e comprometendo todo o seu planejamento na medida em que, para locar seus veículos a clientes localizados dentro do Estado de São Paulo, estão sendo obrigadas a registrá-los junto ao Departamento de Trânsito deste Estado, despendendo com isso elevadas quantias com despachantes, taxas, etc., além de serem obrigadas a recolher o IPVA para São Paulo, mesmo que o respectivo tributo já tenha sido recolhido ao estado onde se localiza a sede da empresa locadora e onde está registrado o veículo. Por outro lado, caso as empresas locadoras de automóveis não se sujeitem à indevida exigência, tornar-se-ão devedoras de tal tributo, sofrerão lavratura de autos de infração e imposição de multa, ficando, ainda, impossibilitadas de obter Certidão Negativa de Débitos, o que lhes causará sérias restrições em relação à consecução de seus objetivos sociais, impossibilitando, inclusive, a participação em licitações e obtenção de financiamento em Instituições Financeiras. Em razão desses fatos, o poder tributante paulista fez tábula rasa de diversos preceitos constitucionais, pois a pretexto de legislar sobre matéria tributária, mais especificamente sobre o IPVA, o Estado de São Paulo, ao dispor sobre responsabilidade civil solidária e benefício de ordem, bem como ao definir o domicílio de pessoas jurídicas, tratou de tema pertinente ao direito civil, invadindo a competência atribuída privativamente à União pelo Art. 22, I, da Constituição Federal. Trabalhos Técnicos Abril de 2011

23 Da mesma forma, ao prever a simples circulação do veículo no Estado de São Paulo como critério espacial para a incidência do IPVA, o complexo normativo questionado desrespeitou a estrutura constitucional do referido tributo (Arts. 155, III, e 24, 1º e 3º, CF), segundo o qual o critério espacial da regra matriz de incidência tributária seria o local de registro na sede ou domicílio da pessoa jurídica. (grifo nosso) De mais a mais, o Art. 3º, X, b, tributaria duas vezes o mesmo veículo em um mesmo ano calendário ao cobrar o IPVA, ainda que o imposto já tenha sido pago em outro Estado. (grifo nosso) Além disso, a requerente assevera que, juntamente com o Art. 4º, o referido Art. 3º, quando tributa por meio do IPVA os veículos registrados em outros Estados, mas que circulam no Estado de São Paulo, está, da mesma forma, transgredindo o preceito consagrado pelo Art. 150, inciso V, da Constituição Federal, que trata do princípio da liberdade de tráfego. Por fim, o Art. 9º da lei questionada, ao prever a redução de 50% na alíquota do IPVA incidente sobre veículos registrados no Estado de São Paulo, viola o princípio da isonomia tributária (Art. 150, CF). Resumido os argumentos expostos na ADI, a Procuradoria-Geral da União, que nesse processo funciona de forma imparcial como fiscal da lei, embora não tenha acatado todos os argumentos expostos pela CNC, acatou o que se refere à proibição de bitributação, o que é suficiente para que a tese, por nós levantada, seja julgada vitoriosa. A seguir, passaremos a analisar os argumentos do parecer da PGR. A PGR entende que o Art. 155, III, da Constituição Federal, confere aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o imposto sobre propriedade de veículos automotores pois ante a ausência de lei federal que estabeleça normas gerais sobre o referido tributo, com base no Art. 24, 3º, da CF, e no Art. 34, 3º, do ADCT, os Estados e o Distrito Federal estão legitimados a estabelecer o regramento do IPVA. Sustenta que a Lei nº 13.296/2008 insere-se justamente na competência atribuída ao Estado de São Paulo, não havendo que se falar em violação à disciplina constitucional do IPVA nem de usurpação da competência da União para legislar sobre direito civil (Art. 22, I, CF). Data vênia, não concordamos com o parecer da PGR nesse ponto uma vez que, de forma sutil e subjetiva, para que não fosse de início percebido, a lei paulista, contrariando todo arcabouço constitucional do IPVA, disciplinou que a simples circulação do automóvel no território paulista configura elemento espacial do IPVA e a mera disponibilização do Abril de 2011 Trabalhos Técnicos

24 automóvel para locação configura o elemento temporal, sem levar em consideração qualquer critério de estruturação sistêmica dos tributos nacionais, especialmente quanto ao IPVA. A prova disso está na violação do Art. 24, 3º, da CF, que permite ao ente federativo estadual legislar sobre normas gerais, mas com uma limitação, qual seja: para atender interesses peculiares da aplicação da Lei do IPVA no Estado de São Paulo. (grifo nosso) Ora, alterar o conceito de domicílio da pessoa jurídica e revogar a solidariedade e benefício de ordem instituídos no Código Civil não traz qualquer relação com os interesses peculiares do Estado de São Paulo que, frise-se, estão fora de sintonia com o IPVA de todos os demais Estados da Federação, e no entender da CNC não há dúvidas de que a Lei Paulista nos seus Arts. 3º, inciso X, alíneas a, b e c e único bem como Art. 4º 1º, nº 2, alíneas a, b, e c, 6º e 7º laboraram em desvirtuamento do fato gerador do IPVA, razão pela qual é inconstitucional contrariando o Art. 155, inciso III e 24, 1º e 3º da CF. (grifo nosso) A PGR também entende que não procede a alegação de que, ao instituir a tributação do IPVA em relação a veículos registrados em outros Estados e que circulam pelo Estado de São Paulo, não estabeleceria limitação ao tráfego (Art. 150, V, CF). Para comprovar seu entendimento se vale da lição de Hugo de Britto Machado nos seguintes termos: É importante esclarecer que essa regra não impede a cobrança de impostos sobre a circulação em operações interestaduais ou intermunicipais. O que ela proíbe é a instituição de tributo em cuja hipótese de incidência seja elemento essencial à transposição de fronteira interestadual ou intermunicipal (...). No inciso V do Art. 150, a circunstância que pode tornar um tributo inconstitucional é a interestadualidade, se tomada como essencial para o nascimento do dever jurídico de pagar o tributo, ou como critério para o seu agravamento. Todavia, a PGR acata a tese da CNC quanto ao argumento da bitributação em relação ao disposto no Art. 3º, X, b, da lei impugnada. Ao considerar como fato gerador do IPVA a data em que o veículo usado, registrado anteriormente em outro Estado, for locado ou colocado à disposição para locação no Estado de São Paulo, referido dispositivo pode acarretar a dupla tributação de um mesmo veículo em um mesmo ano calendário no próprio entender da PGR. Segundo a lição do insuperável Alberto Xavier, em seu Curso de Direito Financeiro, a dupla tributação é verificada a partir da regra das quatro identidades: 1) identidade de objeto; 2) identidade de sujeito; 3) identidade do período tributário; e 4) identidade do imposto. Assim, como salientou a CNC na peça inicial, a regra do Art. 3º, X, b, permite, claramente, a incidência do IPVA (imposto) sobre o mesmo veículo (objeto), pertencente à Trabalhos Técnicos Abril de 2011

25 mesma pessoa jurídica (sujeito), no mesmo ano (período tributário). Trata-se de concurso real de normas ou, nas palavras de Alberto Xavier, de dupla tributação efetiva 1, pois não há mecanismos que paralisem a eficácia de uma das regras aplicáveis. A Constituição de 1988, ao contrário da ordem constitucional anterior, optou por conferir aos entes federados competências tributárias exclusivas, de modo a evitar a dupla tributação vertical 2, que ocorria frequentemente em razão das competências tributárias concorrentes. (grifo nosso) E, a partir da atribuição à União da competência para estabelecer normas gerais em matéria tributária (Art. 24, I e 1º, CF), buscou-se evitar também a dupla tributação horizontal. A vedação à dupla tributação é, portanto, decorrente da lógica do sistema tributário constitucional. No caso do IPVA, ante a ausência de lei federal que discipline normas gerais, cabe aos Estados, no exercício da competência plena, estabelecer o regramento sobre o imposto. Como a Constituição, em seu Art. 155, III, define apenas o critério material de incidência do IPVA, cabe a cada unidade da Federação estabelecer os critérios temporal e espacial. Nesse contexto, o Estado de São Paulo, respeitado o critério material fixado pela Constituição, definiu como uma das hipóteses de ocorrência do fato gerador do IPVA a data em que o veículo usado, registrado anteriormente em outro Estado, for locado ou colocado à disposição em seu território. Com base nessa regra, sempre que o referido veículo for procedente de Estado cujo fato gerador do IPVA incidente sobre veículos usados seja o dia 1º de janeiro de cada ano, haverá a dupla tributação. Essa é apenas uma entre as diversas situações em que haverá o conflito real de normas. Evidente, portanto, a contrariedade entre o Art. 3º, X, b, e a Constituição. Entretanto, a simples declaração de nulidade do referido dispositivo não é adequada para solucionar a questão, pois pode haver situações em que, no momento em que o veículo usado for colocado à disposição para locação no Estado de São Paulo, não tenha ocorrido, ainda, o fato gerador do IPVA perante o Estado de origem. Em tais hipóteses, a regra é constitucional. 1 Ibidem, p. 41. 2 Segundo Alberto Xavier, a dupla tributação vertical ocorre quando a pluralidade de pretensões decorre da exigência simultânea de impostos iguais ou da mesma natureza por diversos entes colocados em 'distintos níveis de governo', todos com jurisdição sobre o mesmo território assim, por exemplo, se a União e o Estado exigissem, ambos, tributo idêntico sobre o mesmo fato. (XAVIER, Alberto. Direito Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 39) Abril de 2011 Trabalhos Técnicos

26 Em vista do exposto, a PGR sugeriu a adoção da declaração de nulidade parcial da Lei, sem redução de texto da aplicação do Art. 3º, X, b, aos casos em que o contribuinte já tenha efetuado o pagamento do IPVA perante a unidade da Federação em que o veículo usado está registrado, desde que o recolhimento seja referente ao ano em que o veículo venha a ser locado ou colocado à disposição para locação no Estado de São Paulo. Por fim, concluiu o parecer pela procedência parcial da ação para que seja declarada a nulidade parcial sem redução de texto da aplicação do Art. 3º, X, b, aos casos em que o contribuinte já tenha efetuado o pagamento do IPVA perante a unidade da Federação em que o veículo está registrado, desde que o recolhimento seja referente ao ano em que o veículo usado venha a ser locado ou colocado à disposição para locação no Estado de São Paulo. Na prática, entendemos que a tese foi acatada e reconhecida pela PGR, cabendo, agora, esperar a decisão da ADI pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), quando voltaremos ao assunto. Trabalhos Técnicos Abril de 2011