RESUMO. PALAVRAS-CHAVE: Cisticercose bovina, Rio de Janeiro, matadouro-frigorífico. ABSTRACT



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Transcrição:

83 PREVALÊNCIA DA CISTICERCOSE EM CARCAÇAS DE BOVINOS ABATIDOS EM MATADOUROS-FRIGORÍFICOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, SUBMETIDOS AO CONTROLE DO SERVIÇO DE INSPEÇÃO FEDERAL (SIF-RJ), NO PERÍODO DE 1997 A 2003* M.A.V. da C. Pereira 1, V.S. Schwanz 1, C.G. Barbosa 2 1 Universidade Estadual do Norte Fluminense, Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias, Laboratório de Sanidade Animal, Av. Alberto Lamego, 2000, CEP 28013-600, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. E-mail: angel@uenf.br RESUMO A Cisticercose é uma doença parasitária, considerada zoonose, provocada pela presença das formas larvárias intermediárias das Taenia saginata Goeze, 1782 (= Cysticercus bovis) e Taenia solium Lineu, 1758 (= Cysticercus cellulosae ), nos tecidos bovinos, suínos ou do homem. A Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 50.000.000 de pessoas possuem Cisticercose, e que 50.000 morrem a cada ano. O homem é o único hospedeiro definitivo da forma adulta tanto da T. saginata quanto da T.solium, as adquirindo pela ingestão das carnes suína ou bovina, mal cozidas, água e alimentos contaminados. O bovino e o suíno são os hospedeiros intermediários que adquirem a Cisticercose ingerindo os ovos provenientes das fezes humanas infectadas, que contaminam pastos, verduras, legumes e principalmente a água. A ocorrência desta manifestação clínica está diretamente relacionada com a precariedade das condições sanitárias e o baixo nível sócio-econômico-cultural da população. Sob o ponto de vista da saúde pública, o serviço de inspeção sanitária de carnes, é uma condição fundamental para a proteção da população frente ao complexo teníase-cisticercose e uma importante fonte de monitoramento da incidência de cisticercose em animais. O impacto da ocorrência da cisticercose está relacionado a perdas econômicas associadas à produção de alimentos, sendo esta perda da ordem de U$ 420.000.000,00 anuais na América do Sul (OPAS, 1994). No Brasil, apesar do conhecimento de vários estados com elevada freqüência da doença, não houve até o momento um estudo detalhado da zoonose em toda federação. Em bovinos, a cisticercose é a zoonose parasitária mais freqüentemente diagnosticada em matadouros frigoríficos, sendo a principal causa de condenações, seqüestros e aproveitamentos condicionais de carcaças. Este trabalho tem como objetivo determinar a prevalência da cisticercose em carcaças de bovinos abatidos em matadouros-frigoríficos, sob inspeção federal, no estado do Rio de Janeiro, no período de 1999 a 2003. PALAVRAS-CHAVE: Cisticercose bovina, Rio de Janeiro, matadouro-frigorífico. ABSTRACT PREVALENCE OF CISTICERCOSIS IN SLAUGHTERED BOVINE CARCASSES IN SLAUGHTERHOUSES AND COLD STORES IN RIO DE JANEIRO STATE BRAZIL, SUBMITTED UNDER THE FEDERAL SURVEILLANCE SERVICE (SIF-RJ) FROM 1997 TO 2003. Cysticercosis is a parasitic disease considered as a zoonosis, caused by the presence of intermediate larvae from Taenia saginata Goeze, 1782 (= Cysticercus bovis) and Taenia solium Lineu, 1758 (= Cysticercus cellulosae) on bovine, swine and human tissues. The World Health Organization has evaluated that around 50,000,000 people are carriers and 50,000 die, worldwide, every year. Human being has been the single definitive host of the adult phase for both T. saginata and T. solium, by the consumption of uncooked bovine and swine meat, water and contaminated food. Bovine and swine have been the intermediate hosts of these parasites, ingesting the eggs from infected human faeces contaminating 2 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Departamento de Matemática, Instituto de Ciências Exatas, Seropédica, RJ, Brasil. *Trabalho é originário de um Projeto intitulado: "Diagnóstico e Controle de Zoonoses na Cominudade Matadouro, Campos dos Goytacazes-RJ" com apoio da Fundação Carlos Chagas de Apoio à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro (APQ1- FAPERJ-projeto individual).

84 M.V.A. da C. Pereira et al. pastures, vegetables, legumes and mainly fresh water. The occurrence of this disease has directly been related to the poor sanitary conditions and the low social-economic and cultural level of the human population. Under the point of view of Public Health the meat sanitary inspection service has been a fundamental condition for protecting people in regard to the teniasis-cysticercosis complex and our important monitoring source of the disease incidence on animals. The impact of cysticercosis occurrence has been linked to economic losses associated to food production, meaning losses of US$ 420,000,000 per year in South America (OPAS, 1994). In Brazil, despite the background of many states with high incidence of the disease, a detailed study of this zoonosis all over the country has not occurred until the present. In bovine cattle, cisticercosis has been the most diagnosed parasitic zoonosis in slaughter houses-cold stores and the main reason for meat condemnations and conditional carcass utilizations. The present study was aimed to determine the prevalence of cysticercosis in animal carcasses from slaughter houses under federal surveillance in Rio de Janeiro State, from 1999 to 2003. KEY WORDS: Bovine cisticercosis, Rio de Janeiro, slaughter houses-cold stores. INTRODUÇÃO O Estado do Rio de Janeiro não apresenta uma economia tradicional voltada para a pecuária, principalmente a de corte, mas seu rebanho vem apresentando um aumento considerável, nesta última década. A escolha de raças bovinas melhoradas geneticamente, voltadas para o ganho de peso mais rápido e com vistas às necessidades do mercado externo, destaca a qualidade da pecuária deste Estado. O Brasil possui situação privilegiada no cenário da bovinocultura, apresentando-se como detentor do maior rebanho comercial do mundo, possuindo todas as condições para o setor das indústrias de carne e derivados alcançar uma maior participação no mercado internacional (ALVES, 2001). É de suma importância o desenvolvimento de um programa de sanidade animal, para o controle de enfermidades que causam perda de produção e produtividade à pecuária nacional e oferecem riscos à saúde do homem (LYRA & SILVA, 2002). A cisticercose é uma enfermidade parasitária provocada pela ingestão de ovos de Taenia sp., os quais após serem ingeridos pelos bovinos, irão desenvolver no organismo do animal o Cysticercus sp., vulgarmente denominado cisto, o homem ao ingerir a carne bovina, mal cozida, pode-se infecta. A prevenção da teníase humana apóia-se em um conjunto de medidas, que visam impedir a infecção do homem pela Taenia sp., bloqueando o ciclo de transmissão deste parasita. Entre essas medidas, a inspeção sanitária de carnes realizada em matadouros-frigoríficos, representa um importante método preventivo, impedindo que carcaças imprópias para consumo humano sejam comercializadas (CORRÊA et al., 1997). O matadouro vem sendo utilizado desde sua introdução em Roma, por Galeno, até os dias atuais, como um instrumento de profilaxia das doenças transmissíveis e de vigilância epidemiológica (FUKUDA et al., 2003). A cisticercose bovina passa imperceptível aos olhos do criador e do veterinário, que só dá conta da importância do controle desta enfermidade, quando do momento do abate, pois durante a vida do animal, esta nunca lhe causou qualquer sinal ou sintoma que justificasse tratamento medicamentoso, medidas preventivas ou profiláticas. As carcaças ou órgãos parasitados com o Cisticercus bovis (GOEZE, 1782) podem ter destinos variados, dependendo do grau de acometimento, seguindo para a salga, conserva, congelamento até a condenação total, causando graves prejuízos a quem cria, recria e/ou engorda o gado para abate. O preço da carcaça estaria na faixa de R$ 850,00 a R$ 1.000,00 e os prejuízos são estimados em casos de cisticercose viva numa queda de até 30% no preço do bovino abatido, é o que relata GUIRRA (2002). Outro problema importante é a clandestinidade do abate, que atinge elevados percentuais, como as próprias autoridades federais o declaram, acarretando sério problema à saúde pública e gravíssimos danos à indústria idônea e organizada. Vale ressaltar, que as principais causas do abate clandestino estão relacionadas desde a falta de fiscalização (número reduzido de profissionais), punição rígida aos infratores, a sonegação de taxas e impostos, baixo custo operacional e reduzido investimento em instalações, facilidade de colocação do produto no mercado varejista local, desinformação do consumidor, além do poder sócio-enotificação compulsória da doença (FUNDAÇÃO NACIONAL DA S AÚDE, 1996). Exceto em Ribeirão Preto, São Paulo, o coeficiente de prevalência, baseado na notificação compulsória, é de 67 casos/100.000 habitantes (RIBEIRÃO PRETO, 1998). O complexo teníase-cisticercose determinado pela Taenia saginata (GOEZE, 1782) apresenta distribuição cosmopolita, estando amplamente difundido na maioria dos países em que há criação bovina. O conhecimento da prevalência da doença, tanto no homem quanto nos animais, é deficiente devido à falta de dados sistemáticos, fidedignos e comparáveis (SOULSBY, 1975; PAWLOWSKI, 1982).

85 A prevalência da cisticercose bovina provém de dados dos serviços de inspeção veterinária em matadouros. A inspeção de carnes é realizada em vários países do mundo, porém os métodos de diagnóstico post-mortem utilizados geralmente possuem diferenças, com taxas de prevalência variáveis nas diferentes áreas geográficas do mundo, de acordo com fatores sociais e culturais (OPAS, 1994). A Divisão de Inspeção de Carnes de Brasília (DICAR), recomendou através da circular de número 054/88, de 19 de maio de 1988, a implantação do método de exame do diafragma, criado por SANTOS (1984), como norma rotineira na inspeção post-mortem, em todos os estabelecimentos de abate do país sob Inspeção Federal, fato este que até o momento, ainda não se concretizou (FUKUDA et al., 2003). No Estado de São Paulo, a prevalência de cisticercose bovina foi detalhadamente pesquisada por UNGAR (1992), que verificou que de um total de 896.654 de animais abatidos no ano de 1986, 48.957 foram registrados com cisticercose, o que correspondeu a uma prevalência de 5,46%. O objetivo deste trabalho foi fazer um levantamento da cisticercose em carcaças bovinas do Estado do Rio de Janeiro, abatidas em matadouros-frigoríficos, submetidos ao Serviço de Inspeção Federal, no período de 1999 a 2003 (BRASIL, 2004), e detectar a prevalência no referido Estado. MATERIAL E MÉTODOS A inspeção do post-mortem realizada pelo SIF fornece inúmeros dados, todos registrados em mapas de abate diário, semanal e relatórios mensais e anuais, que são preenchidos pelo médico veterinário responsável e enviados ao Ministério da Agricultura. Neste trabalho utilizou-se dados referentes aos abates de 494.620 bovinos, realizados no período de 1997 a 2003, originários de 38 Municípios do Estado do Rio de Janeiro: Araruama, Bom Jardim, Bom Jesus de Itabapoana, Cabo Frio, Cachoeiras de Macacu, Cambuci, Campos dos Goytacazes, Cantagalo, Cardoso Moreira, Carmo, Casimiro de Abreu, Cordeiro, Duas Barras, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Italva, Itaocara, Itaperuna, Laje do Muriaé, Macaé, Macuco, Miracema, Natividade, Porciúncula, Quissamã, Rio Bonito, Rio das Ostras, Santa Maria Madalena, Santo Antônio de Pádua, São Fidelis, São Francisco de Itabapoana, São José de Ubá, São Sebastião do Alto, Saquarema, Silva Jardim, Sumidouro e Três Rios. A rastreabilidade foi realizada com as análises das Guias de Trânsito de Animais (GTAs), pertencentes aos arquivos de órgãos responsáveis, visando o conhecer a procedência do rebanho e o mapeamento das regiões endêmicas. A inspeção de carnes, realizada em matadourosfrigoríficos, possibilitou o diagnóstico da cisticercose bovina, através do exame post-mortem. Neste exame, foram realizadas incisões na musculatura esquelética e em órgãos onde os cistos são encontrados com maior freqüência e o diagnóstico se fez através da sua visualização macroscópica. No presente trabalho, foi computado o total de ocorrência de cistos, sem especificar a sua localização. A cisticercose pode ser classificada como viva ou calcificada/mineralizada. A análise estatística foi realizada com vistas ao cálculo da prevalência e possíveis associações entre a variável dependente cisticercose e as variáveis independentes sob estudo. RESULTADOS Num total de 494.620 animais abatidos pertencentes a 38 municípios do Estado do Rio de Janeiro, 9.656 (1,95%) apresentaram o parasitismo por Cisticercus sp., possuindo cisticercose viva (0,8 a 1%) e calcificada (99,0%), no período de 1997 a 2003 (Tabela 1). O município que apresentou o maior índice no período estudado, foi o município de Duas Barras com uma média total de 118 animais abatidos/ano e uma média de 4,29% de acometimento por cisticercose. A contagem no matadouro foi feita da seguinte forma: carcaça, cabeça, língua, coração, diafragma e esôfago, estes são os chamados "sítios de predileção". Tabela 1 - Prevalência de cisticercose bovina em animais abatidos de 38 municípios do Estado do Rio de Janeiro, sob o controle do SIF, no período de 1997 a 2003. Ano Animais abatidos Cisticercose N o de casos % 1997 61.337 972 1,58 1998 95.100 1.277 1,34 1999 103.980 1.662 1,59 2000 69.412 1.842 2,65 2001 81.399 1.911 2,34 2002 41.334 1.110 2,68 2003 42.058 882 2,09 Total 494.620 9.656 1,95 DISCUSSÃO Com referência aos resultados da prevalência de cisticercose bovina obtidos no presente levantamento, torna-se difícil estabelecer comparações com resultados de outros trabalhos, devido ao fato de não se ter

86 M.V.A. da C. Pereira et al. encontrado publicações que contivessem a distribuição espacial e temporal da doença no Estado do Rio de Janeiro. O Município de Duas Barras apresentou o maior percentual (4,29%) de animais abatidos com cisticercose no ano de 2003, possivelmente, relacionadas às condições precárias, ou mesmo inexistentes de saneamento básico local. A ocorrência de cisticercose pode ser interpretada como duplo indicador: da situação sanitária deste tipo de exploração e da ocorrência de cisticercose humana, pois os animais se infectam com ovos de Taenia sp. originários de fezes do homem, seu hospedeiro definitivo. Considerando os dados da Tabela 1, a média total foi de 1,95%, nos anos de 2000 a 2002 a média da porcentagem de animais foi de 2,5%, a faixa aceitável para um país em desenvolvimento gira em torno de 1% até 3% e quando esta faixa é ultrapassada, seria necessário tomar medidas preventivas urgentes para controlar tal fato, mas nem sempre isto ocorre (FAO, 1986). O comércio bovino apresenta as seguintes características: animais podem ser criados em uma propriedade e engordados na mesma ou nascerem em uma propriedade e logo após os primeiros meses de vida são vendidos, indo para outra propriedade para a engorda e esta segunda pode ser em outro município ou até mesmo em um segundo estado. O animal poderia ter se infectado em qualquer uma dessas fases de sua vida. Seria necessário estudos detalhados, rastreando a origem do problema. O abate clandestino é uma realidade em vários países, inclui o combate a este procedimento entre as medidas prioritárias de um programa de controle do Complexo Teníase-Cisticercose. Esse tipo de abate é um problema de grande relevância e tem como um dos principais motivos a estrutura tributária do país, e enquanto não houver uma reforma tributária o problema persistirá, é o que afirmou MÜLLER (1997), Presidente da Federação de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul, em entrevista a RNC. Segundo os dados da RNC (1993-1996) a prevalência de cisticercose poderia ser maior, se contássemos com os dados originários do abate clandestino (MIRANDA, 2002). De frente com este fato, propõe-se a hipótese neste trabalho que, se 50% (247.310) do total do abate, ocorrido neste período, fosse o número correspondente ao abate clandestino, teríamos que acrescentar ao total, e o resultado da prevalência seria de 2,92% carcaças bovinas parasitadas pelo Cisticercus sp. no período de 1997 a 2003 no Rio de Janeiro. Obviamente o efetivo de bovinos abatidos desta forma não é computado nos levantamentos estatísticos oficiais, fato este que pode até a conduzir resultados contraditórios que não espelham a realidade. Os prejuízos advindos da cisticercose bovina, como já foi citado, ocorrem na fase final da exploração de corte, ou seja, após o abate, realizado em matadourofrigorífico sob fiscalização estadual ou federal. A Legislação Brasileira (BRASIL, 1980) prevê basicamente 3 destinos: liberação, condenação e aproveitamento condicional, através do frio, salga e pelo calor, sendo que os maiores prejuízos econômicos ocorrem nos dois últimos tipos de destinações. De uma maneira geral, a condenação total é indicada para casos de infestações generalizadas. A liberação da carcaça in natura é prevista quando for encontrado um único cisto calcificado, após a sua excisão. Nos casos de infecção moderada ou localizada, as carcaças e órgãos afetados podem ser aproveitados, após serem submetidos a um dos seguintes tratamentos: pelo frio (-10 C por 10-14 dias), pelo calor (à temperatura mínima de 60 C) e pela salga (à temperatura de 10 C) (ORNANIZACION MUNDIAL DE LA SALUD, 1979). No Brasil, é difícil quantificar, com precisão, os valores decorrentes destas perdas, devido ao fato das publicações a este respeito serem esporádicas e não atualizadas, ainda são poucos os estados na federação que conhecem a taxa de prevalência de cisticercose bovina em seu rebanho. Aliando-se ao fato de que a cisticercose bovina não é exclusivamente um problema de ordem econômica, mas também constitui um sério risco para a saúde pública. Muitos casos positivos, mesmo no serviço de inspeção, podem passar despercebidos, principalmente onde a infecção é moderada. Há também restrições, em termos comerciais, pois não é permitida incisões em carnes nobres, isto depreciaria seu valor de mercado, mas não excluiria a possibilidade de se encontrarem infectadas, expondo o consumidor ao risco. Outros fatores, apesar de serem de caráter genérico, podem limitar a eficiência diagnóstica da cisticercose bovina. São representados pelas características do estabelecimento, como por exemplo, a má iluminação e o excesso de trabalho decorrente de um grande número de animais abatidos, a pouca experiência do pessoal envolvido podendo, até, resultar em diferentes índices de detecção da enfermidade dentro de um mesmo estabelecimento. O SIF funciona não somente como um órgão de inspeção, mas também como um centro detentor de dados, sobre patologias de grande importância na Saúde Pública, sua contribuição epidemiológica é fundamental, mas por não processar devidamente, estes dados inexplorados podem se perder, enquanto poderiam ser utilizados em mapeamentos epidemiológicos estaduais das enfermidades mais freqüentes, auxiliando a elaboração de programas de controle e profilaxia de zoonoses mais freqüentes no país, associando-se a outros órgãos de saúde municipais, estaduais ou federais. É papel do médi-

87 co-veterinário inspetor interagir neste processo e reverter esta situação, tornando mais dinâmica a sua atuação. REFERÊNCIAS ALVES, D.A. As dificuldades na inspeção de frigoríficos brasileiros no mercado internacional: Um estudo sobre a comercialização da carne bovina in natura. Revista Nacional da Carne, v.25, n.291, p.96-114, 2001. BRASIL. Ministério da Agricultura. Regulamento de inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Brasília: Ministério da Agricultura, 1980.116p. BRASIL. Ministério da Agricultura. Serviço de Inspeção Federal - SIF. Relação de abate de doença por procedência e município. Disponível em: <http://extranet. agricultura.gov.br>. Acesso em: 15 set. 2004. CENTER FOR DISEASE CONTROL. Recommendations of the International Task Force for Disease. Morbidity and Mortality Weekly Reports, v.42, p.1-25, 1993. CORRÊA, G.L.B.; A DAMS, N.A.; ANGNES, F.A.; GRIGOLETTO,D.S. Prevalência de cisticercose em bovinos abatidos em Santo Antônio das Missões, RS, Brasil. Revista da Faculdade de Zootecnia, Veterinária e Agronomia, v.4, n.1, p.43-45, 1997. FAO. Animal health yearbook 1986. Rome: FAO, 1986. 51p. (Animal Production and Health Series, 26). FERTIG, D.L. & DORN, C.R. Taenia saginata cysticercosis in an Ohio cattle feeding operation. Journal of the American Veterinary Medical Association, v.186, p.1281-1285, 1985. FUKUDA, R.T.; S ANTOS, I.F.; ANDRADE, C.R. Estudo comparativo entre técnicas de inspeção do diafragma para o diagnóstico da cisticercose bovina. Disponível em: <http://www.bichoonline.com.br/artigos/ha0003. htm>. Acesso em: 6 abr. 2003. FUNDAÇÃO NACIONAL DA SAÚDE (Brasil). Projeto para o controle do complexo teníase/cisticercose no Brasil. Brasília: FUNASA, 1996. 53p. GERMANO, P.M.L. Zoonoses e saúde pública. Higiene Alimentar, v.1, n.2, p.73-79, 1982. GUIRRA, F. Cisticercose ainda provoca queda de 30% no preço do boi. Disponível em: < http://www.revistasafra. com. br/2002-03/cisticercose_ainda_provoca.htm>. Acesso em: 6 abr. 2002. IBGE. Anuário estatístico do Brasil - 1987/1988. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1988. v.48. LYRA, T.M.P. & SILVA, J.A. O componente social e sua importância na planificação em saúde animal. Revista CFMV, v.8, n.26, p.11-20, 2002. MIRANDA, Z.B. Inspeção de produtos de origem animal. Revista CFMV, v.8 n.26, p.21-26, 2002. MÜLLER, G. A ganância tributária favorece o abate clandestino. Revista Nacional da Carne, v.21, n.240, p.6-10, 1997. ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Zoonosis parasitárias: informe de un Comité de Expertos de la OMS, con la participación de la FAO. Ginebra: OPS, 1979. 135p. ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. Epidemiologia y control da la teniasis/cisticercosis en America Latina. New York: OPS, 1994. 1 CD. PAWLOWSKI, Z. Taeniasis and cysticercosis. In: JACOBS, L. & ARAMBULO, P. (Eds.). Parasitic zoonosis. Boca Raton: CRC Press, 1982. p.313-348. REY, L. Bases da parasitologia médica. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 2002. 379p. RODRIGUES, R.R. Acabar com a matança clandestina é meta prioritária. Revista Nacional da Carne, v.18, n.201, p.3-5, 1993. SANTOS, I.F. Diagnóstico da cisticercose bovina em matadouros: novas técnicas de exame de esôfagos e diafragmas. 1984. 127p. Tese (Doutorado) Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984. RIBEIRÃO PRETO (SP). Informativo epidemiológico de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto: SMSRP, 1998. v.2., n.2. SILVA, L.J. A ocupação do espaço e a ocorrência de endemias. In: BARATA, R.B. & BRICEÑO-LEÓN, R. (Eds.) Doenças endêmicas: abordagens sociais, culturais e comportamentais. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2000. p.139-150. SOULSBY, E.J.L. Teniasis y cysticercosis: el problema en el viejo mundo. In: REUNION INTERAMERICANA SOBRE EL CONTROL DE LA FIEBRE AFTOSA Y OTRAS ZOONOSIS, 7., 1975, Puerto España. Resumos. Puerto España: Organización Panamericana de la Salud, 1975. p.136-142. TAKAYANAGUI, O.M.; C ASTRO E SILVA, A.A.C.; S ANTIAGO, R.C.; ODASHIMA, N.S.; TERRA, V.C.; TAKAYANAGUI, A.M.M. Notificação compulsória da cisticercose em Ribeirão Preto-SP. Arquivo Neuropsiquiatria, v.54. p.557-564, 1996. UNGAR, M.L. Prevalência da cisticercose bovina no estado de São Paulo (Brasil). Revista de Saúde Pública, v.26, n.3, p.1-12, 1992. Recebido em 24/7/05 Aceito em 31/3/06