ENERGIA XXI O FUTURO DO SETOR ELÉTRICO



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SEMINÁRIO ENERGIA XXI O FUTURO DO SETOR ELÉTRICO 5 de novembro de 2015 DISCURSO DE ABERTURA Prof. Vítor Santos Gostaria de começar por agradecer a presença de todos e o interesse por esta iniciativa da ERSE, sobre a análise prospetiva do setor elétrico. Permitam-me que faça uma saudação muito especial aos oradores convidados. É muito gratificante e um grande privilégio podermos contar com a presença dos nossos oradores convidados que representam diferentes sensibilidades e têm, naturalmente, olhares distintos sobre o sector energético. Permitam-me que faça uma saudação especial a Garrett Blainey, presidente do regulador irlandês para os serviços de energia e da água e que aqui representa o Conselho de Reguladores Europeus de Energia, O setor da energia atravessa um período de mudanças estruturais que apontam para uma visão de futuro bastante diferente do cenário atual quer para os operadores e agentes do setor quer para os consumidores. A energia tem sido um dos desígnios centrais da União Europeia através da criação de um mercado interno, e até de uma união energética, apontando-se para uma globalização europeia dos mercados grossistas de energia. São disso exemplo, o surgimento de entidades europeias com competências na gestão e regulação desse mercado, como a Agência de Cooperação de Reguladores de Energia, ou ainda o surgimento de plataformas de mercado e de negociação de produtos relacionados com a energia de âmbito regional ou europeu. Muitos dos procedimentos tendem para uma harmonização de regras que facilitam a participação dos agentes nos mercados dos vários países da UE. As diretivas europeias impuseram também o modelo da desverticalização do setor (com a separação dos operadores de redes face à produção e comercialização) e da liberalização dos segmentos da produção e comercialização (de que é exemplo o fim das tarifas reguladas para clientes finais). 1

Por outro lado, a política energética tem sido das mais influenciadas pelo objetivo de combate às alterações climáticas, promovendo-se o aproveitamento dos recursos endógenos e renováveis, a redução das emissões de CO2 ou a eficiência energética e a inovação tecnológica. A inovação tecnológica ao nível da produção de energia elétrica aponta para uma redução significativa da escala económica dos projetos, viabilizando a produção local de energia a partir de fontes renováveis como a energia fotovoltaica ou eólica. Em Portugal passámos de pouco mais de 200 produtores há poucos anos para cerca de 20 000 em virtude de iniciativas como a microprodução de energia. Enquanto os projetos anteriores apareceram ao abrigo de programas governamentais de incentivo às renováveis, com atribuição de subsídios essencialmente pagos pelas tarifas do setor, os novos investimentos já começam a ser auto sustentáveis sem subsídios, potenciando largamente o seu aparecimento. As redes de energia incorporam cada vez mais inovação sendo mais automatizadas e permitindo melhores níveis de qualidade de serviço. Essas redes têm que se adaptar ao novo paradigma de mercado, mais dinâmico e com mais agentes ativos. A inovação afeta também a forma de consumir energia. São exemplos os novos usos de energia elétrica e de gás natural em desenvolvimento na área da mobilidade de pessoas e mercadorias ou os sistemas inteligentes de monitorização de consumos e de produção, com gestão integrada de recursos de energia (microgrids, smart homes). Essa inovação traz também novos serviços aos consumidores, que podem ser associados ao fornecimento de energia ou ser fornecidos em separado. Em consequência desta mudança de paradigma do setor elétrico, as responsabilidades e os desafios dos vários agentes e operadores da cadeia de valor do setor estão sob pressão de mudança. Aos agentes de mercado é solicitada a participação em mercados de âmbito mais alargado do que o nacional, de que o MIBEL é um exemplo concreto, assim como a intervenção nas discussões no plano regional/europeu. Os consumidores poderão ser mais ativos no mercado, utilizando as suas próprias instalações de consumo e produção para prestar serviços ao sistema e às redes. Esta participação será fomentada através do acesso a mais informação sobre o consumo e produção e sobre os preços no mercado. A tomada de decisões eficientes pelos consumidores poderá ser fonte de grandes poupanças de recursos pelo sistema energético e de contenção de custos. 2

Com a liberalização do mercado, os comercializadores passaram a beneficiar de um ambiente propicio à apresentação de ofertas inovadoras de serviços e produtos. Observa-se uma tendência para o aparecimento de serviços integrados, como a venda de eletricidade e gás natural ou combustíveis, prestação de serviços de energia, sistemas de miniprodução ou mobilidade elétrica. A prestação de serviços de energia aos consumidores residenciais e às empresas é assegurada por uma nova camada de empresas no setor, que podem atuar em conjunto com os comercializadores ou autonomamente. Estes serviços poderão vir a incluir a agregação de pequenos produtores ou consumidores na relação com os operadores de redes com vista à prestação de serviços à rede e ao sistema. Alguns dos novos negócios da internet e dos serviços estão a estender-se à área da energia, associando a gestão da energia a um serviço mais amplo de gestão de informação em casa ou nas empresas. A maior complexidade que se anuncia no mercado de energia traz novos problemas aos consumidores. As empresas do setor são por isso chamadas a atuar como intermediárias dessa complexidade, assegurando a satisfação do consumidor e minimizando o esforço pedido a este para participar no mercado. O planeamento e operação das redes e das infraestruturas de eletricidade incorporam um contexto de maior incerteza neste período de mudanças estruturais no setor energético. A complementaridade e cooperação entre os gestores de sistema regionais e também entre os diferentes operadores de rede, quer de transporte quer de distribuição, é um desafio que assume mais importância face aos desenvolvimentos do setor. O setor elétrico está cada vez mais interrelacionado com o setor do gás natural e até com o setor financeiro, com a sofisticação dos instrumentos de mercado utilizados na contratação de produtos e serviços de energia, além do problema mais tradicional do acesso a financiamento. Os reguladores europeus de energia, através do CEER (Conselho de Reguladores Europeus de Energia) e da ACER (Agência de Cooperação de Reguladores de Energia), lançaram um processo de reflexão e consulta dos stakeholders sobre esta visão do futuro e as suas consequências para a definição de prioridades dos agentes envolvidos no setor da energia, a que chamaram A Bridge to 2025. O CEER concluiu ainda em 2015 um processo de consulta sobre o novo papel dos operadores das redes de distribuição, face aos novos desafios que o setor energético coloca sobre estes operadores, sobre os agentes do mercado e sobre os consumidores. 3

A própria Comissão Europeia, lançou uma consulta pública no verão de 2015 sobre o novo desenho do mercado de energia, assente também no pressuposto de que as mudanças estruturais aconselham a uma revisão da organização do mercado e das suas políticas orientadoras. Estas tendências de âmbito europeu têm reflexos muito concretos em Portugal e na Península Ibérica, nalguns casos até com maior acuidade no nosso país. Por isso, a ERSE considera importante dinamizar a discussão no plano nacional e motivar os stakeholders nacionais para os desenvolvimentos a que estamos a assistir e para o papel que cabe a cada um como agente da mudança. Importa alcançar formas eficazes de participação dos consumidores, dos agentes e das instituições do setor nos locais e momentos onde as decisões são tomadas, cada vez mais no plano supra nacional, quer ao nível de projetos e iniciativas regionais de países quer ao nível europeu. Importa perceber de que formas pode ser reforçado o nível de coordenação da ação e das posições dos stakeholders nacionais e europeus. O desenho do mercado elétrico, e dos instrumentos e mecanismos nele previstos, deve ser revisto de modo a proporcionar o ambiente favorável à concretização dos desenvolvimentos do mercado e à incorporação de nova tecnologia e inovação. É necessário colocar permanentemente a questão essencial, sobre se o mercado está a proporcionar os resultados esperados pelos consumidores, em termos de nível e qualidade de serviços e de preços. Importa encontrar meios adequados para incorporar mais energia renovável nas redes, promovendo simultaneamente a eficiência económica global do sistema elétrico e a segurança de abastecimento de médio prazo. A inovação nas tecnologias e nos serviços é uma característica constante do setor energético. No entanto, interessa refletir sobre o modelo regulatório e de organização do setor no sentido da sua capacidade de promover e lidar com essa inovação, em benefício dos consumidores do presente e do futuro. 4

Num modelo liberalizado e desverticalizado como o do setor elétrico, as decisões finais dos consumidores e dos agentes do mercado dependem da consistência e do alinhamento dos sinais económicos que são transmitidos nos vários segmentos da cadeia de valor. A regulação setorial e os operadores das redes e gestores do sistema são centrais na definição destes sinais económicos a que o mercado e os consumidores são expostos, pelo que importa procurar que os sinais induzam comportamentos adequados no sentido da concretização dos objetivos da política energética (descarbonização, eficiência e racionalidade no uso da energia). Importa perceber se, na visão apresentada sobre o futuro do setor elétrico, a inovação e a tecnologia vão promover a inclusão dos consumidores, sobretudo os menos capacitados, ou se se vão constituir como novas barreiras à perceção e à participação no mercado de energia. O setor elétrico deve avaliar quais os novos agentes que pretendem entrar no negócio e os novos serviços que se prevê aparecerem no mercado. Estas novas realidades têm que ser incluídas no diálogo presente no processo de decisão regulatória, atraindo estes novos agentes para a discussão do futuro do setor. É deste modo que surge a oportunidade para a realização deste Seminário Energia XXI com o objetivo de contribuir para uma reflexão sobre o futuro do setor elétrico em Portugal. Deste modo, teremos de seguida uma intervenção de Garrett Blainey, presidente do regulador irlandês para os serviços de energia e da água e co-presidente do Distribution System Working Group do CEER, que nos irá fazer uma intervenção sobre Energy Regulation: A Bridge to 2025 De seguida teremos intervenções dos restantes 4 oradores convidados, cada um sobre questões específicas que identificamos como importantes, que permitirão lançar o debate, em que esperamos que a participação de todos contribua para ajudar a esclarecer os melhores caminhos para responder aos muitos desafios que o setor elétrico tem pela frente. 5