Raloxifene effects on endometrium AT U A L I Z A Ç Ã O Abstract Resumo O raloxifeno é uma droga relativamente nova quando consideramos seus efeitos colaterais. Efeitos adversos podem se manifestar muito tempo após o início do uso ou ter uma incidência tão pequena, que somente anos de acompanhamento permitiriam sua identificação. O raloxifeno tem sido associado com a redução da incidência de câncer de mama após 2 a 3 anos de tratamento, além de mostrar um efeito positivo na densidade óssea e no perfil lipídico. Os principais inconvenientes ao seu uso são uma maior incidência de fogachos e de tromboembolismo venoso, embora haja meios de diminuir a incidência do primeiro. A grande maioria dos estudos em humanos mostrou uma grande segurança em nível endometrial, mesmo quando o raloxifeno foi usado em doses acima da comumente recomendada, que é de 60 mg/dia. Poucos são os estudos que mostram algum efeito negativo do raloxifeno no útero, sendo geralmente com pequeno número de participantes e com baixo nível de evidência. Nota-se que o raloxifeno é seguro em pacientes na pós-menopausa e sem patologias uterinas, fazendo parte do arsenal terapêutico contra a osteoporose. Porém, devemos estar atentos para possíveis efeitos negativos no endométrio, principalmente em longo prazo. Raloxifene is a new drug with side effects. Not fully known. Adverse effects may appear long time after the use of a drug and the very low incidence need many years of followup to be identified. Raloxifene has been associated with reduction of breast cancer after 2 to 3 years of treatment and also shows positive effects in bone density and lipid profile. The main drawbacks of its use are a greater incidence of hot flashes and venous thromboembolism, but the first one may be minimized. Most studies in humans showed endometrial safety even with doses above the recommended 60 mg/d. Some studies show negative uterine effects, usually with few subjects and low evidence level. It is clear that raloxifene is safe in post-menopause patients without uterine pathology and is an option for the treatment of osteoporosis. However, we must be cautious for the possibility of negative effects on endometrium, especially in long term use. Raphael Câmara Medeiros Parente 1,2 e 3 Marco Aurelio Pinho de Oliveira 1e3 Claudio Peixoto Crispi 4 Paula de Holanda Mendes 1 Palavras-chave Raloxifeno Endométrio Modulador seletivo do receptor de estrogênio Keywords Endometrium Raloxifene Selective estrogen receptor modulator 1 Disciplina de Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro 2 Hospital dos Servidores do Estado 3 Coordenação da Pós-graduação de Videohisteroscopia do Instituto Fernandes Figueira 4 Hospital Público Municipal de Macaé FEMINA Julho 2007 vol 35 nº 7 429
Introdução Com as incertezas advindas em relação ao uso da terapia hormonal (TH) na pós-menopausa, causadas pelos possíveis riscos de câncer de mama e eventos negativos cardiovasculares mostrados pelos últimos estudos (WHI e HERS), vem crescendo em importância uma classe de substâncias que mimetizam o efeito do estrogênio em alguns tecidos-alvo e agem como antagonistas em outros. São os moduladores seletivos de receptores estrogênicos (SERM), da qual fazem parte o tamoxifeno e o raloxifeno. Este último tem como grande vantagem em relação ao tamoxifeno, a segurança endometrial. O raloxifeno e os bifosfonados são medicações de primeira linha na prevenção e tratamento da osteoporose, mostrando uma redução na incidência de fraturas vertebrais. O raloxifeno é o único SERM aprovado pelo FDA para a prevenção da osteoporose. O raloxifeno tem sido associado com a redução da incidência de câncer de mama após 2 a 3 anos de tratamento (Delmas et al., 2002), além de mostrar um efeito positivo na densidade óssea e no perfil lipídico. Os principais inconvenientes ao seu uso são uma maior incidência de fogachos e de tromboembolismo venoso, embora haja meios de diminuir a incidência do primeiro. Cada SERM tem seu próprio padrão específico de ação em cada tecido, o que se deve principalmente à existência de dois tipos de receptores estrogênicos (RE-α e RE-β) em quantidades diferentes de acordo com o local. Além disto, também contribuem para esta resposta diferenciada: a quantidade de elementos de resposta e promotores estrogênicos no tecido, a dose do SERM utilizada, a proporção de proteínas co-ativadoras e co-repressoras celulares, as propriedades do complexo ligante-receptor, a modulação por fatores de crescimento e a ação dos agentes que afetam as proteínas quinases. O objetivo do nosso estudo é descrever a ação do raloxifeno no endométrio, avaliando sua segurança quanto ao aparecimento de lesões pré-neoplásicas ou neoplásicas, como a hiperplasia endometrial e o adenocarcinoma do corpo uterino. Bioquímica Os dois tipos de receptores estrogênicos são codificados por diferentes genes, o RE-α é derivado de um gene no braço longo do crossomo 6 e o RE-β advém do cromossomo 14. Há um terceiro tipo de receptor, que seria o gamma, que ainda não está bem individualizado (Ariazi et al., 2003). Os receptores estrogênicos são divididos em 6 regiões (mas apenas 5 domínios diferentes), ordenados de A a F, que são transcritos por 8 éxons. Os domínios A/B são os reguladores e contêm o fator ativador da transcrição (TAF-1), que pode estimular transcrição na ausência de agonista ligado. A região C (domínio de ligação do DNA) consiste de dois locus com zinco. A região D é o local de rotação e a região E, que inclui o domínio ligante-ligador (LBD), onde o raloxifeno se fixa, impede os efeitos estrogênicos por complexos mecanismos (Cano et al., 2000). A LBD contém o TAF-2 (domínio de dimerização) e a proteína heat-shock 90 (local de ligação). O RE-β é 96% homólogo com o RE-α na seqüência de aminoácidos relativa ao domínio de ligação do DNA, decaindo para 53% quando se compara o domínio de ligação do hormônio, chegando a somente 18% de homologia no domínio regulador e na região F. Essa similaridade quanto ao domínio de ligação leva a crer que eles respondem de maneira parecida ao estrógeno, por terem afinidade próxima. As diferenças na ação dos hormônios nos diferentes receptores podem ocorrer não só por diferenças nos domínios de ligação, como também por causa da conformação e do contexto celular. A ação dos hormônios esteróides, de uma forma geral, tem como seqüência: ligação ao domínio de ligação hormonal (que era deixado em estado inativo devido às proteínas heat-shock); ativação de complexos receptor-hormônio por mudanças conformacionais; dimerização do complexo; ligação do dímero do elemento de resposta hormonal ao DNA (pela área que contém zinco no domínio ligador de DNA) e estimulação da transcrição. A concentração destes receptores é diferente nas diversas partes do corpo. As células da granulosa somente têm receptores β, já o útero e a mama possuem os dois tipos. O RE-α se liga aos estrógenos com alta afinidade e com baixa capacidade e o RE-β tem características opostas. (Speroff, 2005). Os SERM têm uma característica fundamental que os diferencia de outras moléculas: o padrão conformacional produzido após a ligação destes ao receptor estrogênico resulta em uma ação modificada, influenciada pelo contexto celular das proteínas reguladoras e como estas proteínas são selecionadas. Em tecidos que respondem principalmente à transcrição do gene TAF-2 (parte do receptor que ativa a transcrição do gene após a ligação ao DNA), haverá uma falta de atividade estrogênica, já em tecidos com contexto apropriado de proteínas, a transcrição estrogênica de genes pode ocorrer pelo TAF-1, ocorrendo, então, uma atividade estrogênica. Em tecidos que respondem principalmente ao 430 FEMINA Julho 2007 vol 35 nº 7
RE-β, que têm uma diminuição de TAF-1, estes agentes serão antagonistas puros. O raloxifeno é um derivado do benzotiofeno (Figura 1), diferindo da classe dos trifeniletilenos, da qual faz parte o tamoxifeno, por não ter efeito estimulador do endométrio. Estudos cristalográficos mostram que a grande diferença com o tamoxifeno está na interação do alquilaminoetoxi na cadeia com o aspartato na posição 351. Além disso, mudanças conformacionais induzidas no complexo ligante-receptor, no TAF-2 ou em outro domínio também podem ser responsáveis pelas diferenças nas ações desses dois compostos. A ação do raloxifeno é atenuada com o aumento na concentração de estrógenos, daí seu pouco efeito nos miomas na prémenopausa, por exemplo. Um estudo piloto que usou 60 e 180 mg de raloxifeno não mostrou diminuição do tamanho dos miomas em pacientes na pré-menopausa (Palomba et al., 2002), tendo como resultado somente um não crescimento dos mesmos. O SERM ideal deve apresentar efeitos positivos nos ossos e no sistema cardiovascular e ausência de efeitos ou efeitos positivos no útero e na mama, além da ausência de efeitos colaterais significativos. Esse composto ainda não existe, portanto devemos usar o que mais se aproxima desta noção do ideal. Ação do raloxifeno no endométrio Numerosos estudos têm sido publicados desde a produção industrial do raloxifeno em 1998 pela Lilly, que adotou o nome comercial de Evista. O estudo mais conhecido por ter sido o primeiro que usou um grande número de pacientes e de caráter prospectivo, foi o MORE (Multiples Outcomes of Raloxifene Evaluation). Este estudo foi patrocinado pela Lilly e foi seguido pelo CORE (Continuing Outcomes Relevants to Evista). A grande maioria dos estudos em humanos mostrou uma grande segurança em nível endometrial, mesmo quando o raloxifeno foi usado em doses acima da comumente recomendada, que é de 60 mg/dia. Poucos estudos realizados em animais e em seres humanos (sempre com pequeno número de participantes e com baixo nível de evidência) mostraram um efeito estimulador do endométrio por parte do raloxifeno. O MORE foi um estudo randomizado com grupo placebo, de caráter prospectivo, duplo-cego, que tinha como objetivo primário avaliar a redução de fraturas vertebrais e de aumento na densidade mineral óssea usando doses diárias de raloxifeno de 60 e 120 mg por um período inicial de 3 anos, que foi prorrogado por mais 1 ano no curso do estudo (Grady et al, 2005).. Foram acompanhadas 7.705 mulheres na pós-menopausa, com osteoporose estabelecida e que não faziam uso de terapia hormonal. Destas, 5.129 foram alocadas no grupo experimental e 2.576 no grupo-placebo. Houve redução significativa de fraturas vertebrais com um risco-relativo ao término dos 4 anos de 0,64 para o grupo que usou 60 mg e de 0,57 para o grupo que fez uso de 120 mg de raloxifeno quando comparados ao placebo. A redução nas fraturas não-vertebrais não foi significativa (Uusi et al., 2006). A eficácia do raloxifeno na osteoporose foi definida após o término deste estudo. Não foi notada qualquer diferença significativamente estatística quando comparado com o placebo em relação à espessura endometrial, sangramento vaginal, hiperplasia endometrial e câncer de corpo do útero (0,3% no grupo-placebo e 0,2% no grupo do raloxifeno). Somente foi notado um aumento significativo estatisticamente do fluido endometrial nas pacientes que fizeram uso de raloxifeno (9,6% no grupoplacebo, 12,7% no grupo que fez uso de 60 mg/dia e 14% no grupo de 120 mg), o que carece de importância clínica. O aumento da espessura endometrial e do volume uterino reflete um aumento na estrogenicidade, que poderia ser um marcador de risco para lesões neoplásicas. Importante ressaltar que houve uma redução de 76% na incidência de câncer de mama no grupo tratado com o raloxifeno, o que motivou vários estudos em relação à sua eficácia na prevenção deste tipo de câncer. O MORE provocou tanto entusiasmo na comunidade científica que foi proposto sua continuação por um período total de 8 anos, surgindo então o CORE, que foi publicado em 2005. Permaneceram no estudo 4.011 mulheres (destas 3.193 tinham útero, perfazendo 79,6%), que foram alocadas em grupo-placebo (n = 1.286) e experimental (n = 2.725). A segurança determinada no MORE foi ratificada por este ensaio clínico, atestando a tranqüilidade em relação à prescrição do raloxifeno no que se refere ao aparelho genital da mulher. Os principais efeitos ginecológicos adversos encontram-se na tabela 1 (Martino, 2005). Não houve diferença significativamente estatística na avaliação da incidência de câncer endometrial, hiperplasia endometrial ou sangramento vaginal. Houve somente um caso de sarcoma uterino que ocorreu no grupo que fez uso de 120 mg/dia. Foram encontrados 89 pólipos, sendo que 79 eram relativos ao período do MORE (3,2% versus 1,9% nos grupos placebo e experimental, respectivamente). Todos os pólipos do grupo experimental eram benignos e um pólipo do grupo placebo teve diagnóstico confirmado de câncer de corpo uterino. Houve mais biópsias de endométrio no grupo que fez uso FEMINA Julho 2007 vol 35 nº 7 431
de raloxifeno que no grupo placebo (6,8% versus 3,9% com p < 0,001) (Tabela 1). Vários estudos compararam o raloxifeno com a terapia hormonal (diversos agentes) em relação à segurança endometrial, havendo uma nítida vantagem do raloxifeno sobre estes. Uma grande desvantagem do raloxifeno é a maior incidência de fogachos devido ao seu efeito anti-estrogênico no sistema nervoso central. Formas de tentar minimizar este efeito é fazer uso de pequenas doses de estrógenos, mas que por outro lado, podem provocar os efeitos negativos típicos deste hormônio. Além disto, o raloxifeno está associado com maior risco de espasmos musculares e de eventos tromboembólicos quando comparados com um grupo placebo. O raloxifeno freqüentemente é comparado com outros SERM. Um estudo com 118 mulheres na pós-menopausa avaliou a segurança do raloxifeno quando comparado com o ospemifeno em relação à espessura endometrial e à biópsia do endométrio (Komi et al., 2005). A biópsia endometrial mostrou atrofia na maioria dos casos, não mostrando nenhum efeito no epitélio vaginal. Este efeito é benéfico, pois já que possui uma ação anti-estrogênica no aparelho genital, poder-se-ia esperar uma maior incidência de ressecamento vaginal. No grupo do raloxifeno houve uma melhora no colesterol total e uma diminuição do LDL. A média da espessura endometrial quando medida pelo ultra-som transvaginal foi de 2,78 mm (+/- 0,83 mm) antes do uso e de 2,69 mm (+/- 1,64 mm) após o término do estudo, que durou 3 meses. O ospemifeno mostrou efeito estimulante na vagina. É muito discutida a opção de adicionar pequenas doses de combinação estrogênica-progestínica para o alívio dos fogachos provocados pela droga e para potencializar uma possível melhora na osteoporose sem um risco concomitante de estimulação endometrial. Outra tentativa é a de fazer uma transição entre a TH (para pacientes que a utilizam como prevenção ou tratamento da osteoporose) e o raloxifeno de forma segura e sem sintomas negativos. Este experimento foi realizado por Davis et al., 2004, com 60 mulheres que faziam uso de TH e queriam passar a usar o raloxifeno. A conversão foi feita gradualmente em 8 semanas e se mostrou segura e com poucos efeitos colaterais. Um estudo randomizado e duplo-cego acompanhou, por 6 meses, 1.008 mulheres na pós-menopausa com fatores de risco para osteoporose (420 resolveram ficar por mais seis meses). Neste estudo foi feita uma comparação entre o raloxifeno na dose de 60 mg associado com estradiol 2 mg mais 1 mg de noretisterona versus placebo (Neven et al., 2003). Os resultados mostraram que o raloxifeno provocou uma diminuição do tamanho uterino, diminuição do sangramento vaginal e não esteve associado com aumento da espessura endometrial (Lunde, 2003). A porcentagem de sangramento vaginal no estudo foi a mesma encontrada no grupo que fez uso de placebo (3%). Resultado parecido foi encontrado em estudo que comparou 150 mg de raloxifeno com associação de estrogênios conjugados mais acetato de medroxiprogesterona em 139 mulheres na pós-menopausa (Jolly et al., 1997). Christodoulakos et al., 2005, realizaram um estudo randomizado com 133 mulheres na pós-menopausa que fizeram uso de 2 mg de 17-beta-estradiol associado com 1 mg de noretisterona no grupo da TH (n = 90) e de 60 mg no grupo do raloxifeno (n = 43). As mulheres foram avaliadas pela ultra-sonografia transvaginal antes do início do estudo e com 6, 12 e 18 meses de seguimento. Encontraram diferenças significativas em relação à espessura endometrial, sendo maior no grupo da TH (embora todas tenham retornado aos valores basais após a interrupção do tratamento) e na incidência de sangramento vaginal (48,6% versus 7,7%, sendo maior no grupo da TH). A comparação com a tibolona foi feita por alguns grupos, já que esta também tem um efeito protetor endometrial pela sua ação progestogênica. Botsis et al., 2005, avaliaram 62 mulheres na pós-menopausa (31 para tibolona 2,5 mg/dia e 31 com raloxifeno 60 mg/dia) por um período de 6 meses. Não foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos quanto aos achados ultra-sonográficos, como a espessura endometrial e o índice de resistência das artérias uterinas. Em metanálise que avaliou diversos estudos que tinham ao todo 722 mulheres (em uso de diversas doses de raloxifeno), Cohen et al., 2000, chegaram ao resultado de que o raloxifeno é seguro em relação ao sangramento uterino e à espessura endometrial, já que não houve diferenças significativas quando comparado com o placebo. Existem amplas evidências de que o raloxifeno não estimula o endométrio, tanto em modelos animais quanto em seres humanos. Para corroborar esta afirmativa, existe um estudo de 2003 (Jolly et al.) que teve uma duração de 3 anos, no qual foi feita a comparação entre o raloxifeno e o placebo (n = 185 versus n = 143). Não foi encontrada hiperplasia endometrial e/ou câncer de corpo uterino nos dois grupos. As pacientes foram avaliadas com ultra-sonografia transvaginal, a cada 6 meses, pesquisando-se aumento da espessura endometrial, que teve como ponto de corte o valor de 5 mm (nos dois grupos foi encontrada uma incidência de 22,9%). Em relação ao sangramento vaginal, houve uma incidência de 3,2% no grupo placebo e de 3,7% no grupo do raloxifeno. 432 FEMINA Julho 2007 vol 35 nº 7
Poucos são os estudos que mostram algum efeito negativo do raloxifeno no útero, sendo geralmente com pequeno número de participantes e com baixo nível de evidência. Alguns outros são realizados em modelos animais, o que nem sempre é perfeitamente válido para a espécie humana. Entre estes estudos, podemos citar o estudo de Boostanfer et al., 2003, com células de Ishikawa. Estas células são derivadas do câncer de corpo uterino do tipo adenocarcinoma bem diferenciado, as quais são cultivadas em meio de cultura específico. Foi avaliado o grau de crescimento destas células quando expostas comparativamente ao raloxifeno e ao estradiol e, surpreendentemente, foi maior o crescimento quando elas foram expostas ao raloxifeno. Pode ter ocorrido devido a um modesto efeito estimulante do raloxifeno em células cancerosas ou por uma ativação parcial do receptor de estrogênio nestas células. Pode ser um risco usar raloxifeno em pacientes sabidamente com câncer de corpo de útero. Resultados iguais foram encontrados por Hibner (2004). Para explicar este paradoxo, ele aventou a hipótese de que a célula endometrial após sofrer uma transformação cancerosa, poder ter mudanças em propriedades do receptor de estrogênio e de outras partes da célula endometrial. Desta maneira o raloxifeno produziria efeitos diferentes daqueles que ocorrem em uma célula sadia. Estudos com estas células também foram realizados em ratos (Barsalou et al., 2002) e mostraram resultados semelhantes aos já descritos. Pelo menos dois outros estudos com animais aventaram a hipótese de possíveis efeitos estimulatórios uterinos por parte do raloxifeno. Tsalikis et al., 2005, publicaram dois casos de mulheres na pós-menopausa com 43 e 44 anos, que faziam uso de raloxifeno 60 mg/dia por 10,5 e 11,5 meses, respectivamente. Elas tiveram efeitos uterinos adversos associados ao sangramento vaginal. A primeira paciente apresentou hiperplasia endometrial simples sem atipia e a segunda surgiu com um pólipo endometrial de caráter benigno. O pequeno número de casos e a falta de grupo placebo nos impedem de fazer qualquer projeção para outras mulheres que façam uso desta medicação. Goldman em 2005 publicou um caso de uma paciente de 64 anos que, após início da terapia com raloxifeno, apresentou um tumor mesodérmico mulleriano misto maligno, com endométrio adjacente mostrando atividade estrogênica. O autor sugeriu que o raloxifeno foi o responsável pelo aumento da atividade endometrial. Temos poucos estudos que avaliaram o uso do raloxifeno em pacientes na pré-menopausa. O estudo de Prenkumar et al., 2003, avaliou 30 mulheres neste período de vida através da ultra-sonografia transvaginal durante todo o período de uso da droga (por mais de 2 anos), usando uma dose fixa de 60 mg de raloxifeno. Houve crescimento de pólipos benignos em três mulheres das sete que já haviam sido submetidas a polipectomia prévia. Por todas as evidências acima mostradas, nota-se que o raloxifeno é seguro em pacientes na pós-menopausa, sem patologias uterinas, com o intuito de prevenir ou mesmo fazendo parte do arsenal terapêutico contra a osteoporose (Cranney e Adachi, 2005), a qual assume uma importância cada vez maior no cenário mundial devido ao envelhecimento global da população. Porém, devemos estar atentos para possíveis efeitos negativos no endométrio, principalmente em longo prazo. Figura 1 - Estruturas moleculares do tamoxifeno e raloxifeno, os mais importantes compostos das famílias dos trifeniletilenos e benzotiofenos, respectivamente. A estrutura do 17 β-estradiol foi incluído para comparação (Cano & Hermenegido, 2000). Tabela 1 - Porcentagem (n) de efeitos ginecológicos adversos entre 4.011 participantes do MORE-CORE ao longo de 8 anos (Martino, 2005). Placebo Raloxifeno (n = 1.286) (n = 2.725) p-valor Câncer de corpo uterino 0,39 (4) 0,32 (7) 0,75 Hiperplasia endometrial 0,29 (3) 0,37 (8) 0,99 Câncer ovário 0,16 (2) 0,11 (3) 0,66 Sangramento 5,4 (55) 5,5 (120) 0,87 pós-menopausa Pólipo uterino 1,9 (19) 3,2 (70) 0,028* Sintomas vulvovaginais 5,8 (75) 5,0 (135) 0,26 *p < 0,05 FEMINA Julho 2007 vol 35 nº 7 433
Leituras suplementares 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. Ariazi EA, Clark GM, Mertz JE et al. Estrogen-related receptor alpha and estrogen-related receptor gamma associate with unfavorable and favorable biomarkers respectively in human breast cancer. Cancer Res 2003; 62: 6510-8. Barsalou A, Dayan G, Anghel SI et al. Growth-stimulatory and transcriptional activation properties of raloxifene in human endometrial Ishikawa cells. Mollec and Cell Endoc 2002; 190: 65-73. Boostanfar R. Growth effects of raloxifene, estradiol, medroxyprogesterone acetate and progesterone on human endometrial adenocarcinoma cells. Fertility and Sterility 2003; 79: 223-5. Botsis D, Christodoulacos G, Papagianni V et al. The effect of raloxifene and tibolone on the uterine blood flow and endometrial thickness. A transvaginal doppler study. Maturitas 2005; 10: set (no prelo). Cano A, Hermenegildo C. The endometrial effect of SERMs. Human reproduction 2000; 6: 244-54. Christodoulakos G, Panoulis C, Botsis D et al. Transvaginal sonographic monitoring of the uterine effects of raloxifene and continuous combined replacement therapy in postmenopausal women. Maturitas 2002; 42: 77-84. Christodoulakos G, Botsis D, Lambrinoudaki IV et al. A 5 year study on the effects of estradiol, hormone therapy, tibolone and raloxifene on vaginal bleeding and endometrial thickness. Maturitas 2005; set 1 (no prelo). Cohen FJ, Watts S, Shah A, et al. Uterine effects of 3-year raloxifene therapy in postmenopausal women younger than age 60. Obstet Gynecol. 2000; 95:104-10 Cranney A, Adachi JD. Benefit risk assessment of raloxifene in postmenopausal osteoporosis. Drug safety 2005; 28: 721-30. Davis RS, Neill SM, Eden J et al. Transition from estrogen therapy to raloxifene in postmenopausal women: effects on treatment satisfaction and the endometrium- a pilot study. Menopause 2004; 2: 167-75. Delmas DP, Ensrud KE, Adachi JD. Efficacy of raloxifene on vertebral fracture risk reduction in postmenopausal women with osteoporosis: 4 years results from a randomized clinical trial. J Clin Endocrinol Metab 2002; 87: 3609-17. Goldman NA. Malignant mixed mullerian tumor of the uterus in a patient taking raloxifene. American College of Obstetrics and Gynecology 2005; 105: 1277-80. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. Grady D. Safety and adverse effects associated with raloxifene: Multiple Outcomes of Raloxifene Evaluation. American College of Obstetrics and Gynecology 2005; 104: 837-44. Hibner M, Magrina JF, Leffler SR et al. Effects of raloxifene hydrochloride on endometrial cancer cells in vitro. Gynec Oncol 2004; 93: 642-6. Jolly EE, Bjarnason NH, Neven P et al. Prevention of osteoporosis and uterine efects in postmenopausal women taking raloxifene for 5 years. Menopause 2003; 10: 337-44. Komi J, Lankinen KS, Harkonen P et al. Effect of ospemifene and raloxifene on hormonal status, lipids, genital tract and tolerability in postmenopausal women. Menopause 2005; 12: 202-9. Lunde NP. Raloxifene: better uterine safety profile than estradiol/norethisterone. Reactions Weekly 2003; 946: 4. Martino S, Disch D, Dowset SA. Safety assessment of raloxifene over 8 years in a clinical trial setting. Current Med Research and Opin 2005; 21: 1441-52. Neven P, Lunde T, Pania PB et al. A multicentre randomized trial to compare uterine safety of raloxifene with a continuous combined hormone replacement therapy containing oestradiol and norethisterone acetate. BJOG 2003; 110: 157-67. Palomba S, Orio F, Morelli M et al. Raloxifene administration in premenopausal women with uterine leiomyomas: a pilot-study. J Clin Endocral & Metab 2002; 87: 3603-8. Prenkumar A, Sratton P, Johnson D et al. Long-term effects of raloxifene on the ovary and uterus in premenopausal women at high-risk for developing breastcancer. Ultrasound in Obstetrics & Gynecology 2003; 225: 44-5. Speroff L. Clinical Gynecologic Endocrinology and Infertility. 7 th ed., Oregon: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. Tsalikis T, Zeperidis L, Zafrakas M, Bontis J. Endometrial lesions causing uterine bleeding in postmenopausal women receiving raloxifene. Maturitas 2005, 51(2): 215-8. 24. Uusi RK, Bech TJ, Semanick LM et al. Structural effects of raloxifene on the proximal femur: results from the Multiple Outcomes of Raloxifene Evaluation Trial. Osteoporos Int 2006; 4: 1-12. 434 FEMINA Julho 2007 vol 35 nº 7