Capítulo 20 MALARIA EM SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA, AM: FATORES ENTOMOLÓGICOS GENÉTICOS, DINÂMICA DE TRANSMISSÃO E CONTROLE



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Capítulo 20 MALARIA EM SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA, AM: FATORES ENTOMOLÓGICOS GENÉTICOS, DINÂMICA DE TRANSMISSÃO E CONTROLE

CAPÍTULO 20 19 MALARIA EM SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA, AM: FATORES ENTOMOLÓGICOS genéticos, DINÂMICA DE TRANSMISSÃO E CONTROLE Wanderli Pedro Tadei¹, Joselita Maria Mendes dos Santos¹, Iléa Brandão Rodrigues¹, Miriam Silva Rafael¹, Oneron de Abreu Pithan² ¹Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Laboratório de Malária e Dengue. C.P. 478, CEP 69011-970, Manaus, AM, tadei@inpa.gov.br, brandão@inpa.gov.br; ²Distrito Sanitário Yanomami/SESAI Atualmente a ocorrência da malária no Brasil está praticamente restrita à Bacia Amazônica (SIVEP/Malária/MS). Esta região abrange cerca de 6 milhões de km², apresenta clima quente e úmido com predomínio de floresta tropical densa em quase toda a sua extensão. A malária é uma doença registrada tanto em condições urbanas como rurais, e sua permanência mostra relação direta com o ambiente que favorece a reprodução do principal anofelino transmissor, o Anopheles darlingi Root, 1926, onde esta fonte de infecção vetorial (implementa-se pelo contato o homem portador de formas de Plasmodium no sangue) incrementa-se a partir do contato com a fonte humana nestes locais, situação exacerbada pelo fluxo regional relacionado a fatores de ordem econômica e sócio-cultural e aos portadores oligossomáticos da doença. Devido à complexidade ecológica do bioma amazônico, os habitats possuem características especiais que possibilitam a reprodução dos anofelinos, originando localidades com alta densidade desses insetos. Adicionalmente, as mudanças anuais do pulso das enchentes e da vazante dos rios resultam em alterações da densidade de anofelinos, de forma sazonal, interferindo na transmissão da malária em função do aumento do contato homem/vetor. Outro parâmetro relevante na manutenção da malária na Amazônia trata-se das alterações ambientais, decorrentes de ações antrópicas. Este fator contribui para que a malária seja uma doença focal ocorrendo diferencialmente em conformidade com as áreas endêmicas. Desta forma, tornam-se obrigatórias mudanças constantes de estratégias, em conformidade com os pontos vulneráveis ou de risco de cada área endêmica. Outro parâmetro relevante no controle da malária na Amazônia, atualmente, trata-se das espécies de anofelinos que ocorrem na área urbana e peri-urbana das cidades. A presença do Anopheles darlingi é registrada em praticamente todas as cidades da Amazônia. Esta espécie é o principal vetor, porém outras espécies também coabitam e os estudos mostram que podem ter papel diferenciado na transmissão da malária, considerando suas frequên- 349

Desvendando as fronteiras do conhecimento na região amazônica do alto Rio Negro cias, padrões de atividade hematofágica, variações na estrutura etária, conforme o horário da atividade de picar, ocorrências em áreas ecologicamente modificadas, entre outras. Dentre estas espécies relacionam-se Anopheles nuneztovari, A. aquasalis, A. albitarsis, A. triannulatus, A. deanorum, A. oswaldoi, A. marajoara, A. rondoni, entre outras, em menores freqüências. Estas espécies podem estar infectadas, tanto por Plasmodium falciparum como por Plasmodium vivax, ambos agentes causais da malária. Um aspecto relevante no contexto da transmissão da malária trata-se das características da atividade hematofágica e da estrutura etária das populações associadas aos hábitos sócio-culturais humanos e condições de moradia regionais. Paralelamente ao padrão bimodal do comportamento do Anopheles darlingi, os estudos mostram que as fêmeas apresentam diferentes graus de importância na transmissão. Há um número elevado de fêmeas nulíparas em ambos os picos de maior atividade do Anopheles darlingi, sendo mais freqüentes as fêmeas oníparas, nos horários tardios Estas últimas são as mais relevantes pela sua importância epidemiológica, uma vez que podem estar na cadeia de transmissão, por estarem infectadas por Plasmodium spp. O controle da malária torna-se cada vez mais complexo, em função de múltiplos fatores. Dentre estes, destaca-se a resistência dos parasitos aos anti-maláricos, o que demanda a necessidade de drogas alternativas, tendo conseqüências econômicas, em função da necessidade de múltiplas dosagens para superar a resistência. Outro aspecto de relevância no contexto da malária na Amazônia, trata-se da malária urbana e peri-urbana. Além disso, a migração das populações do interior para os centros urbanos, decorrente de fatores sócio-econômicos, leva à formação de faixas de pobreza nas periferias das cidades, cujas habitações são precárias. Nestas localidades, a grande maioria surge de locais de invasões e situadas próximas à mata periférica, formando locais de intensa transmissão da malária. Em função da proximidade com a mata, o contato homem/vetor - Anopheles darlingi, nas periferias das cidades é intenso, originando grandes surtos epidêmicos. Registra-se também a alta morbidade que atinge todas as faixas etárias das populações das periferias. Além do nível sócio-econômico muito reduzido destas populações, são elas as mais atingidas nas cidades da Amazônia pela transmissão da malária urbana e peri-urbana. No município de São Gabriel da Cachoeira-AM, registra-se a transmissão de malária urbana e a cidade mostra todas estas características descritas, reproduzindo o padrão observado em outros municípios da Amazônia, com localização em áreas de rios de água preta. Considerando estas peculiaridades do município, a sua localização geográfica estratégica e o objetivo geral do Projeto Fronteiras de originar um núcleo de pesquisa na região, os estudos abordaram a dinâmica de transmissão da malária, juntamente com a Secretaria Municipal de Saúde, interligando as ações com o Setor de Endemias e a singularidade dos Distritos Sanitários Indígenas Yanomami e do Alto Rio Negro. Neste contexto, levando-se em conta a transmissão da malária em São Gabriel da Cachoeira, tornam-se importantes os estudos epidemiológicos humanos e os que envolvam os aspectos biológicos do Anopheles darlingi, considerando sua estrutura genética, variabilidade e evolução cromossômica, objetivando o conhecimento específico do comportamento de genes, relevantes nas ações de controle da doença. Somam-se a isso, os dados entomológicos 350

CAPÍTULO 20 19 que permitem o mapeamento da ocorrência do A. darlingi na cidade e áreas periféricas. Estes dados possibilitaram entender as variações sazonais, tanto de larvas como de adultos, e indicar o momento mais apropriado das aplicações aero espacial e de outras medidas de controle, necessárias para reduzir a transmissão da malária. O MUNICÍPIO DE SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA O município de São Gabriel da Cachoeira está situado na Bacia do Alto Rio Negro, na área do extremo noroeste do Estado do Amazonas, ao norte o município limita-se com a Venezuela e a Colômbia, ao leste com o município de Santa Isabel do Rio Negro e ao sul com o Rio Japurá e com a Colômbia.Segundo os dados IBGE de 2010, o clima da região é quente úmido e a floresta é do tipo tropical densa. A população do município é de 37.896 habitantes, com a área territorial de 109.185 km², representando 6,95 % do Estado e a densidade demográfica de 0,35 hab/km². O município é considerado ponto estratégico do país, em função da sua localização geográfica, e por essa razão a cidade tornou-se área de segurança nacional, pela lei federal nº 5.449/68. Considerando a composição étnica dos habitantes, verifica-se que, nove de cada dez habitantes são indígenas. É o município com maior número de indígenas no país, sendo o primeiro município brasileiro a escolher prefeito e vice-prefeito indígenas, respectivamente, das etnias Tariana e Baniwa. Outra característica especial e única no país, é o reconhecimento como línguas oficiais, ao lado do português, mais três idiomas que foram aprovados por lei municipal: o Nheengatu, o Tukano e o Baniwa, línguas tradicionais faladas pela maioria dos habitantes, dos quais 85% são indígenas. A ANÁLISE GENÉTICA DO MOSQUITO DA MALÁRIA DIFERENCIAÇÃO GENÉTICA O mosquito da malária Anopheles darlingi apresenta ampla distribuição na América do Sul, ocorrendo desde a Colômbia ao norte da Argentina. Na América do Norte, somente há registros de sua ocorrência no México. Na América Central, ele ocorre em Honduras, Guatemala, Belize e ocasionalmente, em El Salvador. No entanto, esta espécie ainda não foi encontrada no Panamá, na Costa Rica e na Nicarágua, demonstrando certa descontinuidade na sua distribuição entre a América do Sul e Central. Com base nessas evidências, vários geneticistas têm intensificado seus estudos sobre a biologia e genética dessa espécie de mosquito, na tentativa de conhecer melhor o status taxonômico da mesma e verificar se nesse táxon há espécies crípticas. Os primeiros estudos genéticos de Anopheles darlingi foram baseados no polimorfismo dos cromossomos politênicos. Os estudos em populações da Amazônia reforçaram a hipótese de que populações centrais na área de distribuição geográfica de uma espécie são mais polimórficas que as populações marginais. 351

Desvendando as fronteiras do conhecimento na região amazônica do alto Rio Negro Os estudos com marcadores isoenzimáticos, em populações de Anopheles darlingi da Amazônia, mostraram elevado polimorfismo. Para a maioria dos locos, os dados revelaram um desvio do equilíbrio genético, com excesso de homozigotos, diferindo da variabilidade cromossômica que mostrou excesso de heterozigotos. Os dados permitem verificar que a variabilidade genética é de origem intrapopulacional. No entanto, os dados de distância e similaridade genética separam apenas a população de Manaus. A taxonomia de Anopheles darlingi tem sido bastante controvertida, mesmo sendo esta uma eficiente transmissora da malária em toda área de distribuição. Os estudos utilizando caracteres morfológicos, isoenzimas, RAPD e DNA ribossômico (ITS2), em populações de sete países mostraram monotipia para esta espécie, embora divergência genética tenha sido observada para algumas populações. Com base em dados de trabalhos, as populações da América Central revelaram menor polimorfismo do que as da América do Sul. Provavelmente, isso é decorrente da menor heterogeneidade ambiental, devido ao ambiente isolado e restrito, de modo que o fluxo gênico ocorre numa área mais reduzida do que na América do Sul. Outros estudos com 8 locos microssatélites em populações da Amazônia brasileira mostraram diferenciação significante entre o norte e sul da Amazônia, sugerindo um grau de isolamento genético entre elas, atribuindo assim, ao isolamento por distância (IBD). Estes resultados foram confirmados analisando-se também genes COI DNA mitocondrial e White Nuclear. Estudos com marcadores RAPD, em quatro populações do Estado do Amazonas, revelaram pequena estruturação genética e grande polimorfismo e similaridade genética elevada Segundo os autores, a alta porcentagem de locos polimórficos encontrada nas populações desse mosquito pode indicar uma adaptação maior, face às características ambientais da região. Assim, é possível sugerir que estes altos índices de polimorfismo estejam relacionados com a heterogeneidade ambiental da região amazônica e as alterações decorrentes do avanço da fronteira agrícola e modificação das paisagens originais. A variabilidade genética mais elevada encontrada na população de São Gabriel da Cachoeira pode estar relacionada, principalmente, com os efeitos da Seleção Natural, que favorece populações altamente variáveis. Recentemente, foi construída uma biblioteca genômica a partir de amostras de Anopheles darlingi enriquecida de DNA, procedentes de Coari (AM), para obter marcadores que possam ser utilizados em análises de estrutura genética populacional dessa espécie. Foram genotipados e caracterizados 24 locos polimórficos, com número de alelos variando de 4 a 11 e heterozigosidade observada de 0,227 a 0,580 (Lima et al., 2010). A análise de 12 locos polimórficos de microssatélites quanto à variabilidade genética de populações A. darlingi de Coari e de São Gabriel da Cachoeira mostraram variabilidade genética elevada nas duas populações, com valores maiores em Coari. O índice de endogamia foi maior em São Gabriel da Cachoeira, mesmo assim os dados não mostraram nenhuma estrutura genética entre as duas populações analisadas, indicando serem geneticamente homogêneas. Com base nos dados sobre a biologia, comportamento e variabilidade genética, obtidos em populações de Anopheles darlingi situadas nas áreas de sua distribuição geográfica, 352

CAPÍTULO 20 19 vários autores vêm tentando explicar a origem, dispersão e o tempo de divergência dessa espécie. Foram sugeridas três hipóteses: 1. Incursão marinha; 2. Barreira fluvial; e 3 Refúgio, mas nenhuma apresenta um forte suporte. Uma das hipóteses sugere que nem as populações do Escudo Brasileiro, nem das Guianas estejam em clados monofiléticos. Provavelmente, Anopheles darlingi tenha sido originado na América do Sul e depois se estabeleceu em populações da América Central, sendo as do sul do Brasil e da Bolívia as mais antigas. A hipótese de barreira dos rios não foi especificamente testada, mas as populações de Anopheles darlingi localizadas ao norte do rio Amazonas (Estado do Amapá) foram diferenciadas daquelas do sul do rio Amazonas (Pará), utilizando dados da seqüência do mtdna, e isso não foi devido ao isolamento por distância (Mirabello & Conn, 2006a). Foi detectada uma significante divisão entre as populações da América Central e Colômbia (genótipo 1), e entre as do sudeste do Brasil e da Amazônia (genótipo 2), usando sequências do gene COI e confirmada pelo gene White nuclear. VARIABILIDADE E EVOLUÇÃO CROMOSSÔMICA Os estudos citogenéticos sobre a evolução de mosquitos de importância epidemiológica, como as espécies dos gêneros Anopheles e Aedes, têm auxiliado na compreensão da sua variabilidade e evolução cromossômica. Quanto à determinação cariotípica de espécies dos gêneros Anopheles e Aedes da Europa, Ásia e das Américas, estes se apresentam conservados com 2n = 6 cromossomos, exceto Chagasia bathana (subfamília Anophelinae), que possui 2n = 8 cromossomos. Esses cariótipos têm dois pares de autossomos (II e III) e um par sexual. A morfologia dos autossomos II e III varia de meta a submetacêntrico e o par sexual heteromórfico XX (fêmeas) e XY (machos). Os anofelinos do subgênero Nyssorhynchus, da América do Sul, como o Anopheles aquasalis, A. noroestensis, A. argyritarsis, A. strodei e A. albimanus, A. darlingi e A. nuneztovari, A. albitarsis, A. oswaldoi, A. triannulatus e A. (Kerstezia) cruzii, apresentam variação cromossômica na morfologia do cromossomo X (acrocêntrico a submetacêntrico), enquanto que o Y é puntiforme. O estudo de amostras de Anopheles darlingi da localidade de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, corroborou o seu complemento cariotípico (2n = 6 cromossomos), apresentando dois pares de autossomos (II e III metacêntrico e submetacêntrico, respectivamente) e o par sexual XX (acrocêntrico) e o Y (puntiforme). Os estudos do padrão de heterocromatina constitutiva em cariótipos de Anopheles darlingi, A. nuneztovari e A. albitarsis de Manaus (AM) e de Macapá (AP) revelaram variação no tamanho dos blocos de heterocromatina constitutiva nos autossomos e do par sexual, com apenas variação intraespecífica. Esses resultados foram confirmados por meio do método de hibridização in situ fluorescente, por mapeamento físico de DNA repetitivo (sonda pdm 238 Drosophila melanogaster) em regiões pericentroméricas do par sexual (XX/XY) e coincidiu com a localização da heterocromatina constitutiva centromérica previamente revelada pelo método de banda C. Estas descobertas citogenéticas nas populações de Anopheles darlingi, A. nuneztovari e A. albitarsis sustentam a hipótese de que a estabilidade de Regiões Organizadoras 353

Desvendando as fronteiras do conhecimento na região amazônica do alto Rio Negro Nucleolares (RONs) são caracterizadas pela presença de cístrons de RNA ribossomais agrupados e conservados em um único par de cromossomos (XX, XY), como em A. albitarsis (Figura 1). Esses dados são importantes para compreender a estrutura, evolução e a variabilidade cromossômica desses anofelinos. Figura 1. Mapeamento físico da sonda pdm 238 na região pericentromérica do par sexual de cromossomos de neuroblastos de larvas de Anopheles albitarsis. A (macho). B (fêmea). Barra 10 mm. Considerando o complemento politênico salivar de Anopheles darlingi, este apresenta um cromossomo X com um braço (acrocêntrico) e dois pares de autossomos II (submetacêntrico) e III (metacêntrico). Esses cromossomos têm sido estudados quanto à variabilidade do polimorfismo cromossômico de inversões, fotomapa e mapeamento físico de genes expressos como gene de choque térmico ao calor, HSP70 e DNA repetitivo. Quanto ao polimorfismo de inversões em Anopheles darlingi, foram identificadas nove inversões independentes e um arranjo complexo, da população da localidade de Itacoatiara - AM, e outra do sudeste brasileiro, onde foi proposto um mapa de referência do complemento politênico de Anopheles. Esse estudo auxiliou na análise do polimorfismo cromossômico da localidade de Itacoatiara, que foi maior do que aquele encontrado na população de Araraquara, SP. Posteriormente, foram descritas duas novas inversões em Anopheles darlingi da Amazônia, e os dados indicaram que as populações desse mosquito de áreas geográficas centrais são mais polimórficas que as populações marginais. Posteriormente, nos estudos em uma população de Anopheles darlingi de Guajará-Mirim, RO, foi descrita mais uma inversão, chamada 3Lc, totalizando 14 inversões nos braços desse complemento cromossômico. A análise dos cromossomos politênicos da população de Anopheles darlingi de São Gabriel da Cachoeira, corroborou o complemento cromossômico da espécie com um X acrocêntrico e dois pares de autossomos II (submetacêntrico) e III (metacêntrico). O fotomapa de Anopheles darlingi foi preparado, reestruturado o número de seções e as subseções, sendo uma ferramenta importante para a localização de seqüências de genes expressos (Figura 2). 354

CAPÍTULO 20 19 Figura 2. Mapeamento físico do gene actina no braço cromossômico 2L, seção 23B. Fonte: Bridi, 2009. Além disso, o estudo do fotomapa permitiu a análise comparativa do braço direito do cromossomo II de A. darlingi com A. gambiae e A. funestus, transmissores da malária na África e o A. stephensi, vetor principal nas regiões Indonésia-Paquistão e Oriente Médio, revelando grandes diferenças no arranjo das bandas dos cromossomos politênicos dessas espécies, o que confirma a divergência filogenética existente entre esses anofelinos. Esses estudos citogenéticos clássicos e moleculares têm contribuído para a compreensão da evolução e variabilidade cromossômica, organização e estrutura do genoma de Anopheles darlingi. EVOLUÇÃO DOS CASOS DE MALÁRIA EM SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA, AM Os dados da Tabela 1 mostram a evolução dos casos de malária no município de São Gabriel da Cachoeira no período de 2005 a 2011 e as informações estão representadas graficamente na Figura 3. Observa-se que a malária está presente todos os meses do ano, com valores mais baixos, geralmente nos meses de junho e julho, e uma tendência de pico entre os meses de agosto a outubro. Os casos de malária mostram tendência de aumento a partir de 2005, mostrando que em 2007 o número de casos praticamente duplicou. Em 2010 os valores atingiram índices muito altos, registrando-se 9.443 casos, o que indica que a malária é um dos principais problemas de saúde pública no município de São Gabriel da Cachoeira, o que demanda estratégias especificas de controle. 355

Desvendando as fronteiras do conhecimento na região amazônica do alto Rio Negro Tabela 1. Registros confirmados de malária mês a mês no município de São Gabriel da Cachoeira, AM, para o período de 2005 a 2011*1 *1Fonte: SIVEP Malária, modificado. Figura 3. Evolução mensal dos casos de malária no município de São Gabriel da Cachoeira, AM, no período de 2007 a 2011. Fonte: SIVEP Malária, modificado. 356

CAPÍTULO 20 19 DISTRIBUIÇÃO E OCORRÊNCIA DE ANOPHELES DARLINGI EM SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA E SUAS RELAÇÕES COM A TRANSMISSÃO DA MALÁRIA Nos estudos do inquérito entomológico realizado na área urbana e periurbana de São Gabriel da Cachoeira, para conhecer a incidência e distribuição das espécies de Anopheles e de outros Culicídeos, foram realizadas coletas das formas imaturas e aladas, ao longo de toda a área da cidade. Esta atividade ocorreu conjuntamente com o Setor de Endemias da Secretaria Municipal de Saúde de São Gabriel da Cachoeira. Nas coletas dos alados, as capturas foram feitas entre 18 e 22 h, com aspiradores manuais e elétricos, tanto no intra como no peridomicílio, sendo o maior número neste último (Figura 4). Nas coletas das formas imaturas, foram selecionados criadouros na área urbana, na periferia e em tanques (viveiros) de piscicultura situados, geralmente, em pontos mais distantes da área urbana (Figuras 5 e 6). Figura 4. (A) Captura de Anofelinos no intradomicílio por aspiração elétrica. (B) Captura com aspirador manual na Estrada do Aeroporto em São Gabriel da Cachoeira, AM. Figura 5. Coleta de Anofelinos na forma imatura. A: Em criadouro de água preta situado no Assentamento Teotônio Ferreira. B: Em criadouro de água preta situado na Avenida Calha Norte, no Bairro Esperança, ambos em São Gabriel da Cachoeira, AM. 357

Desvendando as fronteiras do conhecimento na região amazônica do alto Rio Negro Figura 6. Coleta de Anofelinos na forma imatura. A: Em criadouro de água preta situado na área urbana à margem do Rio Negro. B: Em tanque de piscicultura situado na Avenida Calha Norte no Bairro Esperança, ambos em São Gabriel da Cachoeira, AM. A Figura 7 mostra a espacialização dos pontos em que Anopheles darlingi, principal vetor da malária, foi registrado e os pontos negativos para esta espécie. Observa-se que os pontos foram positivos em praticamente todas as áreas inspecionadas, tanto urbana como periurbana, excetuando-se apenas alguns pontos no centro da cidade. Figura 7. Localização dos pontos positivos e negativos para Anopheles darlingi e outras espécies de anofelinos e culicídeos, nas formas aladas e imaturas, capturados em São Gabriel da Cachoeira, AM. Na Tabela 2 são apresentadas informações sobre a relação das espécies capturadas. Considerando todas as coletas realizadas nas cinco campanhas, foi capturado um total de 7.631 exemplares, sendo 1.349 na forma alada e 6282 na imatura (Tabela 2). Nesta amostragem foram registradas 15 espécies, sendo cinco do gênero Anopheles, três do gênero Culex e uma de cada um dos gêneros Mansonia, Coquillettidia, Aedes, Uranotaenia, Psorophora, Aedeomyia e Trichoprosopon. 358

CAPÍTULO 20 19 Tabela 2. Relação das espécies de Anofelinos e outros Culicídeos, capturados em São Gabriel da Cachoeira/AM. Ainda em relação aos dados da Tabela 3, verifica-se que dentre os alados, Anopheles darlingi foi capturado em todas as campanhas e mostrou o maior número de espécimes - 822. O número menor de exemplares foi registrado em julho de 2010. Contudo, já em outubro deste mesmo ano, foi capturado o maior número de espécimes - 271. Considerando os de- 359

Desvendando as fronteiras do conhecimento na região amazônica do alto Rio Negro mais espécimes de anofelinos e outros Culicídeos, observa-se que a quantidade de exemplares é muito baixa para todos, exceto para Culex quinquefasciatus, que ocorreu em todas as campanhas, totalizando 436 espécimes, cerca de 50% do valor observado para Anopheles darlingi. Considerando-se as cinco campanhas, 1.349 exemplares foram obtidos na forma alada. Tabela 3. Incidência de espécies de Anofelinos, nas formas aladas e imaturas, capturadas em São Gabriel da Cachoeira-AM. Os dados da Figura 8 expressam os Índices de Atração por Homem/Hora IAHH. Observa-se que o índice para Anopheles darlingi é elevado em todas as amostragens, exceto para o mês de julho de 2010, quando se registrou o índice de apenas 1,13, correspondendo a cerca de 50% do valor mais baixo observado em junho de 2009. Porém, em outubro de 2010 registra-se o maior valor de IAHH para Anopheles darlingi 4,84, valor este acima 1,2 unidades do maior registro observado em julho/agosto de 2008. Considerando a espécie Culex quinque- 360

CAPÍTULO 20 19 fasciatus verifica-se que o valor de IAHH é elevado em 2008 e em fevereiro/março de 2009. Os valores foram menores em junho de 2009 e nas duas campanhas de 2010 realizadas em julho e outubro. Figura 8. Valores do Índice de Atração por Homem/Hora IAHH das espécies de Anofelinos e outros Culicídeos observados para os alados, durante as campanhas efetuadas em São Gabriel da Cachoeira, AM. Foi verificado que o número de espécimes capturados na forma imatura (Tabela 3) foi muito mais elevado 6.282 exemplares, um número 4,7 vezes maior em relação aos alados. Também na forma imatura, os espécimes de Anopheles darlingi foram mais freqüentes 4.861 exemplares, correspondendo a 77% da amostra total (6.282). A segunda espécie mais freqüente foi Culex (mel) sp., com 909 exemplares e a terceiro foi Culex coronator, com 187 exemplares. As demais espécies mostraram freqüências menores que 100 exemplares e as duas menos freqüentes três exemplares cada, foram Aedeomyia squamipennis e Psorophora sp. Os valores expressos na Figura 9 retratam os Índices de Larvas por Homem/Hora ILHH. Estes dados refletem os valores de densidade larvária verificados durante as coletas das formas imaturas. Observa-se que a densidade de larvas de Anopheles darlingi é a maior, em valores próximos, para as amostragens de julho/agosto de 2008, fevereiro/março de 2009 e junho de 2009, sendo esta última a menor. Porém, quando se considera as amostras de julho 361

Desvendando as fronteiras do conhecimento na região amazônica do alto Rio Negro e outubro de 2010, os valores são acentuadamente maiores que os observados nas campanhas anteriores, ou seja, 3,2 e 4,4 vezes maiores, respectivamente, em relação ao índice 3,24 observado em julho/agosto de 2008. Figura 9. Valores de Índice Larvário por Homem/Hora - ILHH das espécies de Anofelinos e outros Culicídeos observados para os imaturos, durante as campanhas efetuadas em São Gabriel da Cachoeira, AM. Os dados da Tabela 4 referem-se a todas as coletas realizadas no peridomicílio em São Gabriel da Cachoeira e são apresentados os resultados obtidos em cada ponto individualmente. Observa-se que Anopheles darlingi é a espécie registrada na maioria dos pontos e a mais frequente nas coletas, o que possivelmente está relacionado com o aumento da incidência de casos de malária no município. O mosquito transmissor está presente em todos os pontos da cidade e exceto em uma pequena parte do centro. Na Figura 2 esta situação é evidente pela espacialização dos pontos de coleta. É elevada também a frequência de Culex quinquefasciatus, que igualmente a Anopheles darlingi, mostra uma ampla distribuição ao longo da cidade. A maior frequência desta espécie foi registrada em julho/agosto de 2008 (223 exemplares). As demais espécies de anofelinos, como a de outros Culicídeos, ocorreram em frequências baixas, muitas delas com o registro de apenas um exemplar durante as cinco campanhas. 362

CAPÍTULO 20 19 Tabela 4. Incidência das espécies de Anofelinos e outros Culicídeos no peridomicílio, na forma alada, durante coletas em São Gabriel da Cachoeira, AM. 363

Desvendando as fronteiras do conhecimento na região amazônica do alto Rio Negro Os registros das capturas no intradomicílio estão representados na Tabela 5. Observa-se que o número de capturas foi menor nesta modalidade, mas suficiente para mostrar o caráter endófilo do Anopheles darlingi, sendo registrados 11 exemplares no intradomicílio. Foram registrados também quatro exemplares de Anopheles mediopunctatus. O maior número de espécimes no intradomicílio - 20, foi observado para Culex (Mel) sp. Tabela 5. Incidência das espécies de Anofelinos e outros Culicídeos no intradomicílio, na forma alada, durante coletas em São Gabriel da Cachoeira, AM. Na Figura 10 estão representados os dados relativos à frequência horária de captura dos exemplares. Observa-se que tanto para os anofelinos, como para o gênero Culex, os dois primeiros foram os mais frequentes, sendo o horário das 19 h às 20 h, o de maior incidência. A frequência de espécimes decresce a partir deste horário, para ambos os gêneros. 364

CAPÍTULO 20 19 Figura 10. Valores de captura por horário das espécies de Anofelinos e Culex, durante as campanhas em São Gabriel da Cachoeira, AM. Os dados da Tabela 6 mostram as frequências com que ocorreram as formas imaturas. Observa-se que as larvas de Anopheles darlingi estão presentes em todas as coletas. Há um número elevado em todas as campanhas, mas chama atenção a quantidade de larvas coletadas na campanha de 2010. Foram capturados 3.447 exemplares de Anopheles darlingi, sendo que em todas as campanhas juntas capturou-se um total de 4.861 imaturos. Ou seja, em outubro de 2010 foram coletados 71% dos exemplares de imaturos de Anopheles darlingi, em São Gabriel da Cachoeira. Considerando-se os outros Culicídeos (Tabela 5), observa-se que o grupo mais freqüente foi Culex (Mel.) sp., com 909 exemplares representando 72% do total de larvas coletadas - 1.272 espécimes. A segunda espécie mais freqüente foi Culex coronator 187 espécimes, correspondendo a 15% da amostragem total. Para as demais espécies, tanto de anofelinos como de outros Culicídeos, os registros foram menores que 100 exemplares. 365

Desvendando as fronteiras do conhecimento na região amazônica do alto Rio Negro Tabela 6. Incidência das espécies de Anofelinos e outros Culicídeos, na forma imatura, durante coletas efetuadas em São Gabriel da Cachoeira-AM. 366

CAPÍTULO 20 19 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS RESULTADOS OBJETIVANDO O CONTROLE Com base nas evidências dos resultados entomológicos e epidemiológicos, obtidos no município de São Gabriel da Cachoeira, constata-se que a malária é uma doença na região que interfere na qualidade de vida da população, tendo sérias conseqüências nas condições sócio-econômicas. O primeiro aspecto que chama a atenção quanto aos dados obtidos sobre o inquérito entomológico, é a área de distribuição e a alta densidade com que o Anopheles darlingi foi observado, tanto na área urbana como na periurbana. A Figura 7, que mostra a espacialização dos locais de coletas e com o respectivo registro do vetor, evidencia claramente que há um risco muito alto para a expansão da malária na área urbana e na periferia da cidade. Os espécimes de Anopheles darlingi estão presentes em todos os lugares, incluindo o intradomicílio. Além disso, o Anopheles darlingi é capturado durante os doze meses do ano, mesmo no período das águas baixas, entre julho a outubro. Os dados da atividade horária dos anofelinos permitiram constatar que os espécimes picam com maior frequência no horário das 19 às 20 h, porém também são frequentes até as 22 h. Os dados epidemiológicos de ocorrência dos casos, entre 2005 a 2011, mostram que a malária é registrada em todos os meses do ano. Contudo, é possível verificar que há uma tendência de pequeno aumento no início do ano entre os meses de fevereiro - março, redução até julho e tendência de aumento pico maior, geralmente entre agosto a outubro, reduzindo nos meses subsequentes. No entanto, este possível padrão registrado estará sujeito a alterações proporcionais às medidas de controle que forem executadas na cidade. A análise do gráfico relativo à distribuição da malária, nas diferentes faixas etária, permite verificar que 32% dos casos concentram-se em adultos jovens, com maior mobilidade espacial, constatando-se entretanto, sua ocorrência em todas as classes de idade que são atingidas. Este fato decorre da observação de que Anopheles darlingi está presente em todos os pontos da cidade. O risco de contrair malária, portanto, é significativo para todas as faixas de idade. Também se observa que a maioria dos casos é tratada em até 48 hs dos primeiros sintomas, conforme mostra a Figura 11. Entretanto, ao analisar o nível de parasitemia dos casos, verifica-se que a maioria estava sendo diagnosticada com mais de uma cruz, indicando disseminação da fonte humana de infecção por prováveis portadores oligossintomáticos, que representam a maioria dos casos detectados pela modalidade busca ativa (32%), a qual foi incrementada nos dois últimos meses do ano e associada a significativa redução da transmissão neste período, conforme observa-se nos gráficos abaixo. Figura 11. A: Casos positivos de malária por Faixa Etária. B: Casos positivos por nível de Parasitemia e início do tratamento dos pacientes, ambas em São Gabriel da Cachoeira, AM, no ano de 2010. 367

Desvendando as fronteiras do conhecimento na região amazônica do alto Rio Negro Foram identificadas e estratificadas sete regiões epidemiológicas no município, cujo grupo de localidades mantêm maior vínculo de transmissão entre si. As regiões de Buburi Acima e Buburi Abaixo, localizadas no outro lado do rio, são comunidades indígenas que mantem vínculo de transmissão com a zona urbana e juntas concentraram mais da metade dos casos registrados. Esta estratificação deve orientar a abordagem prioritária comum e execução concomitante das modalidades de esgotamento da fonte humana e vetorial, de forma a propiciar efetivo controle integrado da malária (Tabela 7). Tabela 7. Estratificação epidemiológica de malária no município de São Gabriel da Cachoeira. Os dados entomológicos, associados aos epidemiológicos, indicam que o controle da malária em São Gabriel da Cachoeira deve ser contínuo, com uma vigilância dos casos para cada grupo das localidade. Este procedimento objetiva intensificar as ações dependendo da densidade do Anopheles darlingi, observada em cada ponto, bem como da concentração de portadores da doença, de modo a propiciar, pelo esgotamento concomitante das duas fontes de infecção, a interrupção do ciclo de transmissão no local. As aplicações aeroespaciais devem ser realizadas em locais de alta densidade de alados. Paralelamente à vigilância da densidade do vetor, as ações devem demandar limpeza dos locais que estão servindo de criadouros dos anofelinos, com base na densidade das formas imaturas. O reordenamento do fluxo da água é de fundamental importância para desfazer sítios de reprodução do vetor. Considerando que os biolarvicidas são extremamente eficazes para o controle das formas imaturas, reduzindo a densidade dos alados, esta medida deve ser priorizada em São Gabriel, considerando a dispersão do mosquito em áreas centrais da cidade. Pode alternar o uso de formulações a base de Bacillus sphaericus e B. thuringiensis, hoje presentes no mercado nacional. 368

CAPÍTULO 20 19 Outro aspecto que deve ser considerado no controle da malária no município, com base nos resultados obtidos, trata-se das condições de moradias da população. Situadas bem próximas a linha do equador onde altas temperaturas e umidades relativas do ar são registradas, as casas são abertas e o Anopheles darlingi adentra ao intradomicílio, conforme mostram os dados de coletas nesta modalidade. Nestas condições, torna-se urgente que haja um grande programa de telagem das casas para assegurar a redução do contato homem/vetor. Além disso, a distribuição dos mosquiteiros impregnados é de fundamental importância neste processo. Deve-se considerar nesta prática de controle, as áreas de ocorrência dos casos de malária e dos registros do Anopheles darlingi nos locais já mapeados. O Setor de Endemias da Secretaria Municipal de Saúde deve manter a equipe de Entomologia de São Gabriel atualizada, com técnicos de alta experiência e proporcionar cursos de treinamento e atualização, para que os serviços do Setor tenham a melhor qualidade possível. Este procedimento é fundamental para a execução das ações de controle. Além disso, deve haver um programa de acompanhamento para avaliar as ações executadas, de acordo com as normas do Ministério da Saúde. Finalmente, os dados de malária disponibilizados das áreas indígenas indicam que há um processo muito intenso de transmissão no interior do município. Estes dados sugerem que o levantamento entomológico deve também ser estendido para estas áreas, objetivando formular ações para conter o contato com vetor, destas populações do interior. Nestes estudos, que são complexos, considerando o comportamento de cada grupo indígena, estratégias adequadas necessitam ser executadas para conter a disseminação do plasmódio. A aplicação aeroespacial é uma medida indicada para reduzir de imediato a transmissão. Mas, esta ação isoladamente, não resolve o problema, se não forem equacionados os demais parâmetros envolvidos, como a localização dos sítios de reprodução do vetor, o controle do homem doente com ou sem sintomas, para interromper o processo de infecção e disseminação dos mosquitos transmissores da área, além de implantar os mosquiteiros para estes grupos especiais, entre outros. As evidencias são de que para controlar a malária nas áreas indígenas, será necessário um programa especial para conter a disseminação do plasmódio, com tratamento muito intenso nestas áreas, associando as aplicações aeroespaciais para quebrar o contato homem / vetor. A estratégia de atuação, portanto, centra-se na vigilância entomológica e epidemiológica, como base orientadora ao esgotamento da fonte de infecção humana e vetorial em nível local, buscando-se a atuação concomitante em localidades com vínculo entomológico e epidemiológico comum da doença. RECOMENDAÇÕES: Considerando os resultados obtidos recomenda-se: 1. O monitoramento entomológico sistemático, tanto da área urbana como periurbana, considerando a extensão de ocorrência de Anopheles darlingi, que abrange toda essas áreas. 2. A manutenção das atividades de controle vetorial de forma contínua considerando os 369

Desvendando as fronteiras do conhecimento na região amazônica do alto Rio Negro resultados entomológicos, que mostram a presença constante de Anopheles darlingi, ao longo do ano. 3. Considerando-se a presença de Anopheles darlingi no intradomicílio, indica-se a nebulização espacial prioritária para eliminar vetores infectados e a importância do uso de Telas e Mosquiteiros Impregnados de Longa Duração para conter o contato homem/vetor. 4. As atividades de controle da malária devem ser contínuas, citam-se incrementos de casos de malária que, na série histórica apresentada, indicam que a transmissão ocorre todos os meses do ano, chamando atenção aos prováveis portadores oligossosintomáticos, importantes fonte humana de dispersão da malária, que podem ser diagnósticados e tratados precocemente pela modalidade de busca ativa. 5. A realização de treinamentos para a equipe de entomologia objetivando capacitar o grupo para avaliar as ações de controle vetorial dentre elas: (1) Uso de inseticidas priorizando- -se a borrifação intradomiciliar, as aplicações aeroespaciais, formulações microencapsulada e o uso de mosquiteiros impregnados; (2) Controle biológico empregando novas formulações de biolarvicidas, e (3) Manejo ambiental especialmente reduzindo os criadouros seja com ações na modalidade de simples intervenção, ou com ações na modalidade de intervenção definitiva. 6. A realização de ações de educação em saúde nas escolas, em comunidades e em centros de assistência às populações indígenas, abordando informações sobre o mosquito da malária, sua biologia reprodutiva e a importância do controle integrado de medidas de proteção individual e coletiva, para alcançar a meta de controle efetivo desta doença de transmissão vetorial. AGRADECIMENTOS Aos financiadores do projeto INPA, FINEP e CNPq/FAPEAM/REDE MALÄRIA. Aos Técnicos do Laboratório de Malária e Dengue do INPA pelo empenho no projeto. Ao setor de endemias da Secretaria de Saúde de São Gabriel da Cachoeira pelo apoio logístico. A UIFAM/ UEA pelo apoio aos treinamentos. Ao assessor do Fundo Global/MS e FVS pela parceria constante na rotina de trabalho. Ao Exercito Brasileiro/São Gabriel da Cachoeira por todo apoio. 370

CAPÍTULO 20 19 SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS Rodrigues, I.B.;Tadei,W.P.; Dias, J.M.S.C.S. Controle da malária: Uso de formulações de Bacillus sphaericus 2362 contra vetores em área de colonização recente na Amazônia.In: Entomologia na Amazônia Brasileira, Eloy G. Castellón, B. Ronchi-Teles, R. Aleo-Rocha p.169-181, Manaus:INPA, 2010. Rodrigues, I.B.; Tadei, W.P.; Santos, R.L.C.; Santos, S.; Baggio, J.B. Controle da malária: Eficácia de formulados de Bacillus sphaericus 2362 contra larvas de espécies de Anopheles em criadouros artificiais-tanques de piscicultura e criadouros de olaria. Rev. Pat. Tropical vol.37:161-176, 2008. Santos, J.M.M.; Tadei, W.P.; Maia, J.F.; Silva, A.P.B. e Rafael, M.S. Padrões comportamentais e dinâmica da diferenciação genética em populações de Anopheles darlingi. In: Entomologia na Amazônia Brasileira, Eloy G. Castellón, B. Ronchi-Teles, R. Aleo-Rocha p.233-246, Manaus:INPA, 2010. Santos, J. M. M.; Lobo, J. A.; Tadei, W P; Contel, E P B. Intrapopulational genetic differentiation in Anopheles (N.) darlingi Root, 1926 (Diptera: Culicidae) in the amazon region.. Genetics and Molecular Biology, Ribeirão Preto, v. 22, n. 3, p. 325-331, 1999. Lima, G. N. ; Batista, J. S. ; Formiga, K. M. ; Cidade, F. W. ; Rafael, M. S. ; Tadei, W. P.; Santos, J. M. M. New 24 polymorphic DNA microsatellite loci for the major malaria vector Anopheles darlingi and transpecies amplification with another anophelines. Conservation Genetics Resources, p. 9237, 2010. Pithan, O A. O Modelo Hekura para Interromper a Transmissão da Malária: Uma Experiência de Ações Integradas de Controle com os Indígenas Yanomami na Virada do Século XX. Dissertação de Mestrado em Ciências na área Saúde Pública. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz/MS, maio de 2005. Rafael, M.S.; Nunes Silva, C.G.; Astolfi Filho, S.; Tadei, W.P. Biblioteca de cdna de Anopheles darlingi (Diptera: Culicidae). In: 51º Congresso Brasileiro de Genética. Águas de Lindóia/ São Paulo: Zeppelini Editorial & Comunicação. v.cd. pp. 145-145. Rafael, M.S., Santos-Junior, I.P., Tadei, W.P., Sallum, M.A.M., Forattini, O.P. 2006. Cytogenetic study of Anopheles albitarsis (Diptera: Culicidae) by C-banding and in situ hybridization. Hereditas (Lund), 143: 62-67, 2005b. Rafael MS, Rohde C, Bridi LC, Valente Gaiesky VL, Tadei WP. 2010. Salivary polytene chromosome map of Anopheles darlingi, the main vector of neotropical malarian. Am J Trop Med Hyg 83: 241-249. Tadei, W.P.; Thatcher, B.D.; Santos, J.M.M.; Scarpassa, V.M.; Rodrigues, I.B., Rafael, M.S. Ecologic observations on Anopheline vectors of malaria in the Brazilian Amazon. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene., v.59, p.325-335, 1998. Tadei, W. P., Thatcher, B. D. Malaria Vectors in the Brazilian Amazon: Anopheles of the subgenus Nyssorhynchus.. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo., v.43, p.86-97, 2000. Tadei W.P.; Rodrigues I.B.; Santos J.M.M.; Rafael M.S.; Passos R.A.; Costa F.M.; Pinto R.C.; Oliveira A.E.M. Entomologia e controle de vetores: o papel da entomologia no controle da malaria. Revista Brasileira de Medicina Tropical. 40 (II suppl): 23-26, 2007. 371