Prezado Coordenador: Gostaria de saber se constitui crime a reprodução de músicas, sem autorização do autor, pelos candidatos ao Legislativo Municipal ou pelas empresas que realizam a reprodução. Aqui em Jaguarão, os candidatos estão contratando empresas para a adaptação de músicas conhecidas, possivelmente sem autorização do autor. É possível enquadrar o candidato no art. 184 caput ou no 1º e a empresa no 1º? Ou em outro crime? Promotoria de Justiça de Jaguarão. A questão da tipificação penal da conduta narrada na solicitação é bastante tormentosa. Não foi encontrado julgado tratando da hipótese como crime, até porque, no Brasil, as questões relacionadas a violação de direitos autorais são basicamente resolvidas na esfera cível (já que o delito, ao menos em sua forma fundamental, é de ação penal privada). Assim, a partir de uma verificação dos dispositivos legais que tratam do tema (o próprio Código Penal, a Lei 9.610/98 e mesmo o Código Eleitoral), pensamos que, em tese, é possível sustentar a configuração do crime previsto no art. 184, 1º, do Código Penal (e, por consequência, do próprio caput, quando ausente o intuito de lucro, já que aquele nada mais é do que uma forma qualificada da forma fundamental do crime em virtude da finalidade da conduta).
Pois bem. Dispõe o art. 184 do Código Penal: Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. 1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. 2º Na mesma pena do 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. 3º Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. 4.º O disposto nos 1º, 2º e 3º não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o
previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. Da leitura do dispositivo, percebe-se que seu âmbito de proteção são os direitos do autor e os que lhe são conexos, porém não aponta no que consistem tais direitos. Diante disso, conclui-se que o referido artigo de lei é uma norma penal em branco, cuja complementação é realizada a partir da sua combinação com a Lei 9.610/98, conforme se retira do disposto no seu 4º ( 4.º O disposto nos 1º, 2º e 3º não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto). Pois bem. A referida Lei reconhece os direitos de autor como uma espécie do gênero direitos autorais (art. 1º da Lei 9.610), do qual também fazem parte os direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão (os chamados direitos conexos). No tocante aos direitos de autor, a Lei 9.610/98 os reconhece como um complexo de direitos de duas ordens, a dos direitos morais (estabelecidos no rol do art. 24 e art. 25) e a dos patrimoniais (constantes no art. 28 e art. 29). Dentre os referidos direitos pinçaremos os que se encontram dispostos nos incisos IV e V do art. 24, art. 25, bem como no art. 28 e nos incisos I, II, III, V, VIII (alíneas b, c, d, e e f ) do art. 29:
Art. 24. São direitos morais do autor: (...) IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; Art. 25. Cabe exclusivamente ao diretor o exercício dos direitos morais sobre a obra audiovisual. Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica. Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; (...) V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; (...) VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: (...) b) execução musical; c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;
d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva; f) sonorização ambiental; Como se vê, o ordenamento jurídico reconhece como direito exclusivo do autor o de utilizar, fruir e dispor da obra artística, sendo vedado a terceiros, sem a sua prévia autorização, modificá-la, reproduzi-la (integral ou parcialmente), entre outras condutas. No que diz respeito à hipótese descrita na solicitação, poder-se-ia sustentar, como já concluído pela colega, a incidência do 1º do art. 184 do Código Penal, pois as ditas empresas oferecem seus serviços aos candidatos para adaptar (alterar) músicas conhecidas para assim promover o candidato, apoiando-se em criação artística reconhecida e introjetada no dia a dia dos eleitores, caracterizando hipótese de violação de direito autoral, consistente em reprodução parcial (em virtude da modificação operada) de obra artística (que é protegida pela Lei 9.610/98 - art. 7º, inciso V 1 ), sem autorização expressa do autor, com o intuito de obter lucro, já que a empresa é paga para executar a conduta violadora (deve-se frisar que a pessoa jurídica não pode ser responsabilizada pela violação, mas apenas as pessoas físicas que praticaram as condutas violadoras: a modificação, a reprodução, etc.). Nesse sentido, o professor Carlos Alberto Bittar 2, ao tratar da proteção penal aos direitos autorais, traz, como hipótese que se subsume ao delito do art. 184 do CP, situação muito próxima da que é aqui tratada. Diz o autor: 1 Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: V - as composições musicais, tenham ou não letra; 2 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005; p. 149.
Na contrafração, há representação ou reprodução de obra alheia sem autorização autoral, podendo ser total ou parcial. Inclui-se em seu âmbito, a derivação sem consentimento (a adaptação, ou a tradução, ou a variação de tema), eis que sempre se visa o aproveitamento econômico indevido da obra (atentado contra o aspecto patrimonial, ou contra a obra em si). (sem grifos no original). Em relação ao candidato seria possível cogitar hipótese de coautoria (já que as elementares do crime sempre comunicam, art. 30 do CP), porém seria necessário provar que foi ele quem contratou a empresa (o que já configuraria hipótese de propaganda irregular, uma vez que somente o partido político pode arcar com tal custo, conforme art. 241 do Código Eleitoral 3 ), o que na prática é deveras complicado. Além disso, a prova da ausência de autorização para utilização da obra intelectual é indispensável para a configuração do crime em apreço, pois constitui elementar do delito (até porque, se a disposição do direito é prerrogativa do autor ele pode autorizar outrem a utilizar sua obra, modificá-la, etc.) Problemática que não pode ser esquecida é a referente à autorização constante no art. 47 da Lei 9.610/98. Tal dispositivo permite as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito, sendo o referido dispositivo o escudo utilizado pelos acusados de violação de direito autoral, tanto que o nome dado às condutas por eles praticadas é Jingles políticos paródias.
Segundo define o Aurélio, a paráfrase consiste no modo diverso de expressar frase ou texto, sem que se altere o significado da primeira versão, enquanto a paródia consiste na imitação cômica de uma composição literária. Como se percebe, em verdade, a autorização trazida pelo art. 47 da Lei 9.610/98 não protege aquele que se utiliza de obra artística, inclusive a modificando, sem autorização do autor, para fins de promoção pessoal (de publicidade), conforme ocorre no caso dos candidatos. Autoriza a Lei, falando-se especificamente da paródia, a manifestação que tenha cunho humorístico, cômico, jocoso, ou seja, aqueles famosos quadros de programas de humor como, por exemplo, o protagonizados pelos humoristas do Casseta & Planeta, o que, por óbvio, difere e muito da situação aqui analisada. Sendo assim, demonstrada a inexistência de autorização para utilização da obra artística, bem como a modificação operada na obra e a sua reprodução desautorizada (concretizadoras da violação aos direitos do autor), e que a conduta tinha como finalidade a obtenção de lucro (já que a empresa viola o direito do autor mediante o pagamento de certa remuneração), em tese, seria possível a caracterização do art. 184, 1º, do Código Penal. De toda forma, cumpre consignar que, apesar da verificação formal de tipicidade, há o problema da verificação do aspecto material do fato típico ante a pequena dimensão do dano ao bem jurídico protegido. Aliás, poder-se-ia trabalhar até mesmo com o princípio da adequação social 3 Art. 241. Toda propaganda eleitoral será realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga, imputando-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos.
face a prática comum de tal conduta em períodos eleitorais (apesar de o STJ entender que tal princípio é inaplicável ao nosso ordenamento jurídico 4 ). Como dito anteriormente, a proteção penal à propriedade intelectual, apesar de existente, na prática não é muito eficaz (na verdade, o direito penal tem incidido apenas na chamada pirataria e, mesmo nesses casos, o resultado não se revela expressivo), pois a questão acaba sendo resolvida em sede administrativa (a partir das sanções aplicadas pelo ECAD) e na esfera cível (a partir das ações indenizatórias ajuizadas pelos titulares dos direitos), não obstante o disposto no art. 105 da Lei 9.610/98: Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo 4 RECURSO ESPECIAL. PENAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TIPICIDADE. EVENTUAL LENIÊNCIA SOCIAL OU MESMO DAS AUTORIDADES PÚBLICAS E POLICIAIS NÃO DESCRIMINALIZA A CONDUTA DELITUOSA LEGALMENTE PREVISTA. PARECER DO MPF PELO PROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO PROVIDO PARA, RECONHECENDO COMO TÍPICA A CONDUTA PRATICADA PELOS RECORRIDOS, DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS AO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU PARA QUE ANALISE A ACUSAÇÃO, COMO ENTENDER DE DIREITO. 1. O art. 229 do CPB tipifica a conduta do recorrido, ora submetida a julgamento, como sendo penalmente ilícita e a eventual leniência social ou mesmo das autoridades públicas e policiais não descriminaliza a conduta delituosa. 2. A Lei Penal só perde sua força sancionadora pelo advento de outra Lei Penal que a revogue; a indiferença social não é excludente da ilicitude ou mesmo da culpabilidade, razão pela qual não pode ela elidir a disposição legal. 3. O MPF manifestou-se pelo provimento do recurso. 4. Recurso provido para, reconhecendo como típica a conduta praticada pelos recorridos, determinar o retorno dos autos ao Juiz de primeiro grau para que analise a acusação, como entender de direito. (STJ - REsp 820.406/RS; Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima; Relator p/ Acórdão Ministro Napoleão Nunes Maia Filho; Órgão Julgador: T5 - Quinta Turma; Data do Julgamento: 05/03/2009; Data da Publicação/Fonte: DJe 20/04/2009; RJTJRS vol. 273 p. 35).
descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro. Por fim, ressalta-se que a resolução 23.370 do TSE (que trata da propaganda eleitoral e das condutas ilícitas em campanha eleitoral nas eleições de 2012) traz em seu art. 79 mecanismos para coibir a propaganda eleitoral violadora de direito autoral: Art. 79. A requerimento do interessado, a Justiça Eleitoral adotará as providências necessárias para coibir, no horário eleitoral gratuito, a propaganda que se utilize de criação intelectual sem autorização do respectivo autor ou titular. Parágrafo único. A indenização pela violação do direito autoral deverá ser pleiteada perante a Justiça Comum. Além disso, para impedir abusos, o Tribunal Superior Eleitoral reconhece a legitimidade ativa do próprio autor para representar contra a propaganda eleitoral que viole direito autoral: Propaganda partidária. Utilização de imagens de propriedade de emissora de televisão. Legitimidade ativa. Violação a direito autoral. (...) Tem legitimidade o titular de direito autoral para representar à Justiça Eleitoral, visando coibir prática ilegal em espaço de propaganda partidária ou eleitoral. (TSE - Ac. no 678, de 18.11.2004, rel. Min. Peçanha Martins.) Portanto, em tese, seria possível enquadrar, no art. 184, 1º, do CP, a conduta referida no segundo parágrafo da solicitação, porém o sucesso da ação, ao que se percebe do panorama traçado acima, possui pouca probabilidade de verificação.
Atenciosamente, Equipe CAOCrim.