Criminalidade e indicadores socioeconômicos Em uma abordagem contextual



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Transcrição:

Criminalidade e indicadores socioeconômicos Em uma abordagem contextual Luciana Conceição de Lima Valéria Cristina de Oliveira Palavras-chave: Crime Contra o Patrimônio; Indicadores Sócioeconômicos; Análise Contextual. Resumo Nos países em desenvolvimento, com rápida expansão urbana, onde ainda são grandes as barreiras impostas pela desigualdade é praticamente inevitável a elaboração de análises relacionando aspectos econômicos a inúmeros fenômenos sociais. Ao tratar o tema da criminalidade não poderia ser diferente, sendo essa a principal razão pela qual este trabalho procura discutir o efeito de elementos contextuais de natureza econômica sobre um indicador de criminalidade, a saber, o conhecimento de eventos de crimes contra o patrimônio nas vizinhanças. O texto sugere, assim, que a distribuição de características como renda e atividade em área urbana pode estar relacionada à incidência de delitos (e ao conhecimento deles), retomando o debate sobre a complexa ligação entre privação econômica e crime. Para a construção dessa análise contamos com os dados da Pesquisa de Vitimização em Belo Horizonte e Região Metropolitana, realizada no ano de 2005 pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (CRISP/UFMG) em parceria com a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS). O caráter coletivo do problema orientou a escolha de um modelo hierárquico logístico que possibilita captar com maior rigor a participação de fatores individuais e ecológicas sobre a probabilidade de que os moradores da RMBH disponham de mais informações sobre o crime. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. Mestranda em Demografia do CEDEPLAR/UFMG Bolsista de Mestrado do CNPq. Mestranda em Sociologia da FAFICH/UFMG Bolsista de Mestrado da Capes

Criminalidade e indicadores socioeconômicos Em uma abordagem contextual Luciana Conceição de Lima Valéria Cristina de Oliveira Introdução O fenômeno da criminalidade em suas mais variadas manifestações mantém ligações com todas as esferas da vida social, atuando sobre o indivíduo e o contexto no qual está inserido. No meio acadêmico tem sido grande o esforço de identificar os moldes em que se dá a relação entre indicadores de desenvolvimento econômico e diferentes padrões de criminalidade, sem incorrer no erro de reforçar as imagens míticas que associam de maneira perversa pobres a marginais. Contudo, e talvez, em decorrência disso, esse tipo de interface não é simples, multiplicando as possibilidades de teorização e modelos empíricos a oferecer respostas para problemas de pesquisa dessa natureza. Nesse intuito, este trabalho procura contribuir para a discussão sobre as relações entre fatores socioeconômicos e o fluxo de informações sobre crimes (especificamente, contra o patrimônio) através de técnica hierárquica de análise de dados quantitativos, a qual é sensível ao efeito do contexto sobre o comportamento ou fenômenos que a percepção individual. Assim, a criminalidade será tratada pelo viés do conhecimento de eventos de crime, ou seja, buscamos estimar as chances de que um indivíduo presencie ou tenha conhecimento de crimes contra o patrimônio na sua vizinhança segundo informações sociodemográficas e socioeconômicas da sua região de moradia. Na verdade, são contrapostas duas principais correntes teóricas e analíticas: uma que enfatiza o caráter atrativo de áreas de maior riqueza e outras que valorizam a questão da função de utilidade realizada pelo indivíduo na opção pelo crime. Essa proposição favoreceria a idéia de que em regiões mais pobres os atores possuem mais vantagens com o crime. A primeira parte do trabalho consiste em uma revisão da bibliográfica investigando a relação entre criminalidade a indicadores econômicos, seguida da apresentação da metodologia utilizada e a apresentação dos resultados do modelo ajustado com dados da Pesquisa de Vitimização em Belo Horizonte e Região Metropolitana. Marco Teórico A relação entre vitimização e variáveis socioeconômicas remete ao tema da participação do contexto social condicionando o ato criminoso, uma vez que mesmo não mantendo o foco sobre o agente, reconhecemos que sua participação é um dos elementos que caracteriza uma vizinhança como violenta ou não. Seguindo essa tendência, revisamos algumas das principais vertentes teóricas que buscam elucidar tal associação e serviram como base para este trabalho. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. Mestranda em Demografia do CEDEPLAR/UFMG Bolsista de Mestrado do CNPq. Mestranda em Sociologia da FAFICH/UFMG Bolsista de Mestrado da Capes. 2

Na economia, identifica-se o modelo neoclássico como um dos mais acionados na discussão sobre as condições que favorecem o delito. De forma mais detalhada, principalmente através dos trabalhos de Gary Becker (1976), um de seus principais representantes, reconhece os indivíduos na sociedade como dotados de gostos e preferências exógenas não consideradas no modelo teórico proposto. Dessa estabilidade decorre a premissa de que, em geral, os atores são orientados por uma lógica maximizadora de utilidade, que mesmo não sendo necessariamente econômica, tem no lucro sua dimensão mais popular. A ação é empreendida a partir do cálculo racional das possibilidades que gerariam maior retorno mediante a capacidade do indivíduo analisar as informações disponíveis (Becker, 1976). Essa abordagem econômica seria passível de aplicação a qualquer fenômeno social, inclusive ao crime, para o qual Becker constrói um modelo orientado para o trabalho de gestores, apresentando os elementos envolvidos no cálculo da criminalidade, para que assim o crime pudesse ser enfrentado pelo poder público (Becker, 1968 apud Resende, 2007). O agente escolheria racionalmente o crime tomando como referência os riscos aí embutidos. Assim, os principais aspectos considerados seriam o retorno do crime, as chances de sucesso no desenvolvimento da ação, bem como o rigor e a probabilidade das penalidades. O crime seria resultado de uma função de utilidade construída com base no conhecimento dos retornos de infringir a norma, ou seja, quão atrativo seria o resultado do delito quando comparado, por exemplo, à inserção e permanência no mercado de trabalho formal controlado pela probabilidade de punição. As propostas de Becker inspiraram muitos outros trabalhos em tentativas variadas de identificar a referida associação entre criminalidade e indicadores econômicos. Assim, pesquisadores buscam explicações alternativas ou complementares, relacionando questões socioeconômicas aos padrões de distribuição dos crimes sob suas diversas manifestações em diferentes contextos políticos, sociais e econômicos. No Brasil, os avanços a melhoria dos indicadores sociais e das condições de vida entre as décadas de 70 e 80 apresentou relação inversa ao desenvolvimento do crime (Beato e Reis, 2000). A urbanização, e o enfraquecimento das relações tradicionais são apontados como alguns dos responsáveis pela criação de ambiente favorável ao crescimento de atividades delituosas (Resende, 2007). Contudo, ao nível local, nos bairros e vizinhanças das cidades, essa relação é complexa, marcada por paradoxos e variáveis intervenientes. A participação no mercado de trabalho é um desses elementos que podem condicionar a dinâmica da criminalidade urbana. O desempenho de atividade remunerada seria fator de controle do crime através da redução do lucro com o desvio. Por outro lado, localmente, a menor participação na PEA pode ser considerada meio de elevação da vigilância natural das ruas, reduzindo as oportunidades de delito. Tanto as teorias quanto os resultados empíricos são contraditórios e ainda que não haja muita concordância com relação ao sentido da associação, pesquisadores destacam que é maior a participação desses indicadores na definição de crimes contra o patrimônio. Aparentemente a privação econômica gera resultados mais robustos quando se apresenta como condicionante de crimes envolvendo a possibilidade de aquisição de recursos materiais. Considerando os municípios de Minas Gerais e a distribuição dos crimes contra o patrimônio, Beato e Reis (2000) identificaram correlação positiva e negativa, respectivamente, entre roubo e crimes contra a pessoa. Tais resultados corroboram a idéia de que diferentes tipos de criminalidade são condicionados por variáveis também diversas. Outro importante trabalho tomado como referência nessa é aquele em que Freeman investiga se a desigualdade nos Estados Unidos eleva a taxa de crime e se há incentivos econômicos para cometê-lo. O autor destaca que na década de 80 o maior rigor no cumprimento da norma (crescimento das taxas de aprisionamento) não foi suficiente para 3

reduzir os números do crime. Segundo ele, esse descompasso que contraria a teoria neoclássica, é decorrente da permanência dos problemas sociais enfrentados pelo país naquele período. A empregabilidade é apresentada como variável chave para explicar a incidência de atos criminosos, em que pese o fato de que existem poucas evidências da relação entre desemprego e crime e que esta relação se manifesta em maior grau quando tomados os crimes contra a propriedade. O autor discute onde seria mais alto o nível de crime: se em áreas onde há grande desigualdade de renda ou se em áreas homogêneas no que diz respeito à pobreza. Freeman (1994) utiliza como proxy dos custos de oportunidade do crime a renda disponível aos pobres em um índice muito similar ao Índice de Gini, verificando que os crimes contra o patrimônio são positivamente relacionados com áreas mais desiguais do ponto de vista da renda e que de acordo com a natureza do crime haverá diferentes associações com variáveis socioeconômicas. (Freeman, 1994). Com relação aos padrões de rendimento, poderíamos supor um tipo de duplo efeito quanto ao papel desempenhado na dinâmica da criminalidade. Segundo esse formato, não contemplado pela teoria econômica, indicadores de renda podem ser utilizados como medida de custo de oportunidade do delito para o agente, apresentando correlação negativa com a criminalidade, ou poderia ser tomado como forma de mensuração do lucro do delito, mantendo aí associação positiva com o crime. No primeiro caso, a elevação do rendimento (ou das oportunidades para sua aquisição) reduziria a lucratividade do crime e sua ocorrência. Por outro lado, regiões com maior renda média podem tornar-se mais atrativas pela quantidade de riqueza e bens acessíveis ao criminoso. Mais uma vez, a ênfase na diferenciação quanto aos tipos de crime é pertinente, posto que ao considerar rendimento como indicador de lucro estimado verifica-se que ele se adapta melhor à explicação de crimes contra o patrimônio. Tal como o tipo de crime, a unidade de análise também favorece a falta de consenso a respeito da participação dos indicadores socioeconômicos. Se por um lado, ao considerá-los no âmbito municipal existe uma tendência à identificação de correlações positivas entre as variáveis, o mesmo nem sempre é encontrado nas análises mais específicas (Beato e Reis, 2000). Sabendo disso, é possível recorrer à teoria da desorganização social como auxílio à pesquisa a fim de esclarecer essas relações. Impulsionada pelo trabalho de Shaw e MacKay a teoria da desorganização social relaciona à delinqüência juvenil nos Estados Unidos três principais características estruturais: privação econômica, heterogeneidade étnica e instabilidade residencial (Shaw e MacKay, 1942 apud Shoemaker, 1996) 1. Como desdobramentos da discussão sobre desorganização destacam-se as interfaces entre essas variáveis econômicas e sociais criando certa dificuldade à difusão de códigos morais entre os jovens, impedindo o exercício do controle social e aumentando as oportunidades de ações criminosas (Beato e Reis, 2000). A discussão sobre desorganização social tem como abordagem complementar as teorias de controle, as quais empregadas em estudos relacionados ao crime ou à percepção de risco apontam a importância de mecanismos aptos a cercear ações delinqüentes, diminuindo de tal maneira o crime e o medo. O desvio é considerado elemento normal da organização social, sendo necessárias forças coercitivas capazes de limitar tais impulsos (Shoemaker,1996). Da mesma forma que esse tal controle pode ser exercido formalmente por instituições sociais como a escola, entidades religiosas ou a polícia, também é indispensável a existência do chamado controle social informal associado à capacidade de uma vizinhança, ou de seus moradores, estabelecer redes de comunicação e vigilância, interferindo em casos de ações violentas e delinqüentes cometidas por moradores ou não moradores. 1 Ver Juvenile Delinquency and Urban Areas, 1942 4

Teorias sociológicas como a desorganização e controle social contribuem para problematizar a relação entre elementos socioeconômicos e criminalidade agregando outros elementos além do cálculo racional primordialmente econômico. Características contextuais podem criar condições favoráveis, mesmo quando o saldo do cálculo racional não é positivo. A racionalidade é limitada, e aqui o conceito de Simon originalmente aplicado ao contexto organizacional é absolutamente adequado. A racionalidade é falível pela insuficiência de informações quanto às possibilidades de ação, sobre resultados previstos para cada uma das tais possibilidades ou mesmo pela simples incapacidade de agir segundo os critérios da racionalidade objetiva mesmo diante de grande quantidade de informações (March e Simon, 1970). Entre os trabalhos que buscam reformular a teoria econômica, identificam-se alguns como Mendonça et al., (2003) que procura evidências empíricas para o desenho teórico neoclássico, oferecendo argumentos e ferramentas teórico-metodológicas para ampliar a discussão através do enfoque nas desigualdades. Segundo eles a análise do rendimento financeiro da criminalidade contraposto aos riscos não são elementos suficientes para esclarecer a permanência de altas taxas de criminalidade em regiões onde por diversos fatores esse cálculo não seja positivo. A perspectiva relacional que transforma a experiência individual do ator tornando mais atrativo delito pela possibilidade de aproximação aos padrões de consumos de grupos mais abastados, por exemplo. Evidentemente, a desigualdade social é tema pertinente à análise de qualquer fenômeno social no Brasil, país marcado distribuição desigual de renda e oportunidades de educação, trabalho, entre outros. Utilizando principalmente o índice de Gini, a literatura sinaliza no sentido de associação positiva entre desigualdade e criminalidade, reforçando argumentos como o mencionado acima (Mendonça, Loureiro e Sachsida, 2003; Resende, 2007). Problema de Pesquisa Considerando essa discussão apresentada acima procuramos através deste exercício, contribuir para a análise da relação entre crime e indicadores socioeconômicos segundo uma outra perspectiva metodológica. Assim, o trabalho representa um primeiro esforço de estimar a probabilidade de conhecimento de crimes contra o patrimônio (ou percepção de vitimização) em áreas vizinhas segundo modelo hierárquico de análise. A opção por esse modelo se deve ao conhecimento, primeiramente, da importância de elementos sociodemográficos de natureza individual condicionando as chances de vitimização (ou conhecimento de), principalmente pelos distintos padrões de exposição ao risco. Contudo, buscamos comparar a esse conjunto de variáveis (raça, sexo e status socioeconômico), outro bloco de informações agregadas em um nível hierárquico superior, o setor censitário definido pelo IBGE 2, utilizado como referência espacial para as questões sobre vitimização (média de rendimento do entrevistado, proporção da População Economicamente Ativa (PEA), disponibilidade de equipamentos urbanos e um indicador de desorganização social). 2 O setor censitário é utilizado aqui como unidade que mais se adequada à definição de vizinhança utiliza na concepção das questões. 5

Hipóteses Considerando os argumentos apresentados acima formulamos algumas hipóteses a nortear este trabalho: Variáveis contextuais mantêm efeito significativo sobre o conhecimento de vitimização por crimes contra o patrimônio; Indicadores socioeconômicos de nível individual e agregado contribuem para a elevação da probabilidade de percepção de vitimização, confirmando teorias que reconhecem a elaboração do cálculo racional interferindo sobre a opção pelo delito em crimes contra o patrimônio. Dados e Metodologia Os dados são da segunda rodada da Pesquisa de Vitimização em Belo Horizonte e Região Metropolitana realizada na capital mineira e nove cidades limítrofes 3 ao longo do segundo semestre do ano de 2005. O survey é composto de uma amostra probabilística estratificada de múltiplas etapas de aproximadamente 6000 respondentes com idade superior a 15 anos. Assim, nosso objetivo é verificar se há diferença significativa entre a probabilidade de perceber vitimização entre os diferentes setores censitários de Belo Horizonte e municípios limítrofes conforme a caracterização dos mesmos segundo os elementos socioeconômicos. JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA DO MODELO Utilizaremos um modelo de regressão hierárquico de dois níveis para testar as hipóteses de pesquisa propostas. Se considerarmos que é diferenciada a percepção individual e do grupo sobre a vitimização sofrida pelo local de residência, precisamos recorrer a uma metodologia que faça distinção desses dois efeitos controlando-os por variáveis que caracterizam os indivíduos e os grupos. Utilizando o modelo hierárquico levamos em consideração a heterogeneidade da população em estudo, além de garantir maior eficiência na estimação do comportamento de grupos minoritários visto que o modelo estima uma equação para cada unidade de nível dois utilizando toda a informação disponível na amostra. Nesse trabalho o nível dois é representado pelos setores censitários que são compostos por domicílios cujas características socioeconômicas são aproximadamente homogêneas, segundo critérios definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Supomos que há um perfil diferenciado na percepção de vitimização entre essas unidades, e que a aplicação de um modelo de regressão convencional poderia ignorar ou pelo menos estimar insatisfatoriamente os efeitos desses grupos. A distinção entre o efeito do indivíduo e o efeito do ambiente sobre a variável resposta, também representa uma vantagem oportuna para fins desse artigo. Conforme predito pelas análises ecológicas do crime, as taxas de criminalidade e por extensão a 3 No desenho da pesquisa Região Metropolitana correspondente à cidade de Belo Horizonte e nove municípios limítrofes: Contagem, Betim, Ribeirão das Neves, Vespasiano, Santa Luzia, Sabará, Ibirité, Nova Lima e Lagoa Santa. 6

percepção de ocorrência das mesmas pelo cidadão comum se diferenciam de acordo com o nível de agregação, portanto, justifica-se a adoção de um modelo hierárquico para separar os efeitos de um nível e outro. Além do mais, é possível verificar como as variáveis medidas no nível individual afetam o comportamento das variáveis medidas no nível mais agregado, e vice-versa. A partição da variância em componentes, auxilia na compreensão da importância dos níveis um e dois para explicar a variabilidade subjacente aos dados, ou seja, poderemos testar se são as variâncias individuais ou entre setores censitários que explicam mais a variação na percepção de vitimização no ambiente de residência. APRESENTAÇÃO DO MODELO O modelo de regressão hierárquico considera que existe uma estrutura complexa na parte aleatória, abandonando assim, o suposto de independência entre os termos estocásticos subjacente aos modelos clássicos de regressão. Ao se tentar explicar a percepção dos indivíduos sobre a vitimização sofrida em sua vizinhança, ainda resta uma variação residual que não pode ser explicada pelo modelo e que está associada ao indivíduo, assim como também existe uma variação residual na tentativa de explicar a variável resposta por um conjunto de variáveis aplicáveis em nível de setores censitários, e que, portanto, está associada a esse segundo nível de agregação. O modelo inicial de estimação volta-se para captar essas variabilidades produzidas para cada nível e também para a variabilidade total do modelo, propiciando assim observar qual nível contribui mais para a variação na variável resposta. Esse modelo é denominado One-Way ANOVA com um fator (indivíduo) de efeito aleatório, em que: Nessa etapa as covariáveis não são incluídas modelo incondicional e o modelo prediz o resultado para cada indivíduo através de um único parâmetro de nível dois que é representado pelo intercepto β 0j, que representa o resultado médio da j-ésima unidade. Uma estatística auxiliar para as componentes da variância, é a correlação intraclasse que capta que proporção da variância em Y é devida aos setores censitários: Onde: τ 00 = variância de nível dois. σ 2 = variância de nível um. ρ= τ 00 τ 00 +σ 2 Os modelos hierárquicos também permitem que não apenas o intercepto β 0j varie, mas que a inclinação β 1j também seja aleatória. No Modelo de Regressão de Coeficientes Aleatórios são introduzidas variáveis de nível um e de nível dois, sendo que o intercepto e as inclinações de nível um variam aleatoriamente nas unidades de nível dois, ou seja, a variável resposta pode ser explicada tanto por variáveis relacionadas ao indivíduo quanto por variáveis relacionadas aos setores censitários, ainda que os efeitos de inclinação sejam uniformes para todos os grupos de nível dois. O modelo apresenta-se como: 7

Y ij = 0j + 1j X + ij (1) 0j = 00 + u 0j (2) j u 1j (3) 00 = intercepto médio consideradas as unidades de nível dois. = inclinação média das unidades de nível dois. u 0j = incremento no intercepto da j-ésima unidade de nível dois. u 1j = incremento na inclinação da j-ésima unidade de nível dois. Ampliando o modelo supracitado para um nível maior de complexidade, temos o modelo de Intercepto e Inclinação como Respostas apresentado abaixo, em que a inclinação j varia entre os grupos, mas de forma não-aleatória e como uma a função de W j. Nesse caso, somente o intercepto j varia aleatoriamente nas unidades de nível dois. Y ij = γ 00 + γ 01 W j + γ 10 ( X ij X. j ) + γ11w j ( X ij X. j ) +u0j +u1j (X ij X. j )+ rij Para fins desse artigo, utilizaremos um modelo logístico binário considerando o intercepto e a inclinação como respostas. OPERACIONALIZAÇÃO DA TEORIA Na Pesquisa de Vitimização em Belo Horizonte e Região Metropolitana de 2005 há uma série de baterias que perguntam ao indivíduo se ele foi ou não vítima de crimes contra a vida ou contra o patrimônio no período de referência. Todavia, devido ao pequeno número de casos de indivíduos que se declararam vitimizados e pela imprecisão do local de ocorrência desses eventos, optou-se por trabalhar com a percepção do indivíduo de vitimização ocorrida em sua vizinhança, dado que há um número mais robusto de informações e também a garantia de que estamos tratando de percepções de fatos ocorridos na região circunvizinhas á residência dos respondentes. Pela disponibilidade dos dados, trabalharemos apenas com vitimização percebida de crimes contra o patrimônio. Na impossibilidade de demarcar geograficamente a vizinhança a qual o responde se refere ao responder o questionário, utilizaremos como proxy os setores censitários pelo fato de que esses agregam unidades domiciliares com características socioeconômicas afins, e que, portanto, se diferenciam umas em relação às outras. As características socioeconômicas que supostamente estão relacionadas à percepção de vitimização por crimes contra o patrimônio serão mensuradas através do status socioeconômico que combina educação e renda, os rendimentos do trabalho principal, do índice de posse de equipamentos urbanos básicos, do índice de desordem das áreas vizinhas, e a proporção de indivíduos economicamente ativos sobre a população em idade ativa. Serão incluídas também as variáveis demográficas idade, sexo, raça e escolaridade do respondente como importantes características do indivíduo. ESPECIFICAÇÃO DAS VARIÁVEIS Variável-resposta As variáveis mensuradas acima ficam assim especificadas: 8

Se nos últimos 12 meses, o respondente viu/presenciou, ouviu falar ou não viu e nem ouviu falar na vizinhança de crimes contra o patrimônio 4. 1 - Sim, viu/presenciou ou ouviu falar na vizinhança de crimes contra o patrimônio. 0 - Não, não viu e nem ouviu falar na vizinhança de crimes contra o patrimônio. Variáveis Explicativas Nível 01 Indivíduo X 1 Sexo 1- Homem 0 - Mulher X 2 Raça 1- Brancos 0 - Negros (Pretos e Pardos) X 3 W 1 W 2 W 3 W 4 W 5 Anos de Estudo Nível 02 Setor Censitário Taxa de atividade (Proporção da PEA) Índice de acesso de equipamentos urbanos básicos 5 (centralizado na média do setor censitário). Índice de desordem das áreas vizinhas 6 (centralizado na média do setor censitário). Rendimento do trabalho principal (centralizado na média do setor censitário). Status socioeconômico (Análise fatorial entre rendimento do trabalho principal e anos de estudo. Centralizado na média do setor censitário). 4 As categorias sim e não resultam de agregações de modalidades de crimes contra o patrimônio que podem ser consultadas no anexo 1. 5 Vide anexo 2 6 Vide anexo 3 9

ANÁLISE DESCRITIVA % Variáveis Categóricas Gráfico 1 Se nos últimos 12 meses, o respondente viu/presenciou, ouviu falar ou não viu e nem ouviu falar na vizinhança de crimes contra o patrimônio 100 81,35 80 60 40 18,65 20 0 Sim Não Gráfico 2 Sexo do Respondente 100 % 80 60 40 55,55 44,45 20 0 Feminino Masculino Gráfico 3 Autodeclaração de cor/raça % 100 80 60 40 20 0 61,26 Não brancos 38,74 Brancos 10

Variáveis Contínuas Gráfico 4 Anos de estudo do respondente,5,52,54,56,58 0 5 10 15 20 Gráfico 5 População economicamente ativa (PEA) Gráfico 6 Índice de desordem das áreas vizinhas centralizado na média do setor censitário -20-10 0 10 20 11

Gráfico 7 Índice de avaliação de equipamentos urbanos centralizado na média do setor censitário -6-4 -2 0 2-10 0 10 20 30 Gráfico 8 Índice de Status sócio-econômico centralizado na média do setor censitário 12

-10.000 0 10.000 20.000 30.000 Gráfico 9 Renda do trabalho principal centralizado na média do setor censitário Dada a distribuição assimétrica da variável renda do trabalho principal, realizou-se uma transformação logarítmica e obtemos uma distribuição mais simétrica: Gráfico 10 Logaritmo da renda do trabalho principal centralizado na média do setor censitário 0 2 4 6 8 10 13

Resultados Para a construção da variável de Percepção de Vtimização em crime contra o patrimônio na vizinhança foram considerados casos em que o entrevistado presenciou ou teve informações sobre eventos dessa natureza na vizinhança, contabilizando um total de 1.090 pessoas (81,35% do total da amostra). Assim, após a definição da variável dependente foi alcançado um universo de 870 entrevistados (nível 01) em 288 setores censitários (nível 02). O primeiro passo para a elaboração do modelo hierárquico de regressão foi o ajuste do modelo nulo de análise de variância que possibilita a comparação entre os efeitos dos níveis individuais e agregados. O modelo nulo de análise de variância apresentou os seguintes resultados: Tabela 1 Resultados do Modelo Hierárquico de One Way ANOVA - RMBH, 2005 τ 00 =0,01661079 2 σ =0,13526207 ρ =0,11 O coeficiente de correlação intraclasse indica que uma proporção de 0,11 (ou 11%) da variância total da probabilidade de percepção de crimes contra o patrimônio é decorrente de características do setor censitário, unidade de nível 02. Considerando a distribuição da variável dependente e a pequena proporção dos que afirmaram ter sido vítimas, presenciado ou ouvido falar de algum crime contra o patrimônio acreditamos que a proporção explicada pelo contexto justifica o uso do modelo de regressão logística hierárquica. Entre as variáveis do primeiro nível, apenas os anos de estudo apresentaram efeito estatisticamente significativo sobre a probabilidade de perceber crimes contra o patrimônio. Ou seja, um ano a mais de estudo representa incremento de 7,87% na probabilidade de perceber crimes contra o patrimônio. Ao nível do setor censitário, a melhor avaliação dos equipamentos urbanos na vizinhança corresponde a uma redução de 3,46% na probabilidade de que o indivíduo perceba vitimização contra o patrimônio, controlando-se pelas outras variáveis de nível um e dois incluídas no modelo. Sob as mesmas condições, a tabela 02 ainda informa que residir em setores censitários onde é maior a percepção de desordem social representa uma redução de 6,59% nas chances de presenciar ou saber de crimes contra o patrimônio. 14

Tabela 2 Resultados do Modelo de Regressão Logística Hierárquica da Inclinação como resultado - RMBH, 2005 Coeficiente Valor - p Intercepto -0,6794369 0,878 Sexo 1= Masculino Variáveis de Nível Um Razão de Chance (%) a Valor-p 0,8722915-12,77 0.528 Raça 1,0539380 5,39 0.798 1= Branco Anos de Estudo 1,0786770 7,87 0,021* Variáveis de Nível Dois Taxa de Atividade (PEA) 0,1259350-87,41 0.614 Índice de avaliação dos equipamentos urbanos 0,9654138-3,46 0,052* básicos Índice de desordem das áreas vizinhas 7 0,9340932-6,59 0,007** Logaritmo da Renda do trabalho principal 1,1994570 19,95 0,013* Índice de status socioeconômico 0,8583231-14,17 0.117 a Incremento percentual dado por (exp. b 1) *100 Finalmente, observa-se que a probabilidade de perceber vitimização também é maior em vizinhanças cujo rendimento médio do trabalho principal dos entrevistados é superior: o incremento de R$ 1,00 na renda média do setor está associado a um crescimento de 19,95% na probabilidade de percepção de crime contra o patrimônio. Considerações Finais Com respeito ao resultado obtido pelo modelo ANOVA, pode-se dizer que a abordagem da percepção de vitimização pode ser mais bem explorada utilizando-se modelos hierárquicos para contemplar as diferenças entre percepções individuais e coletivas desse fenômeno. Encontramos que 11% da variação em Y é devido à variação no nível dois, ou seja, as diferenças ambientais oferecem uma resposta que não deve ser desprezada. A utilização de percepção de vitimização por crimes de outras naturezas, como os crimes contra a pessoa homicídio, agressões físicas, agressões sexuais pode suscitar importantes achados em trabalhos futuros. Dentre as variáveis de nível, um apenas anos de estudo foi significativa e demonstrou que a escolaridade eleva as chances de um indivíduo ter visto ou ouvido falar de crimes contra o patrimônio em sua vizinhança. Seguindo essa linha em que a maior posse de recursos individuais e ambientais elevam a percepção de vitimização dos indivíduos, encontramos para variáveis de nível dois que quanto menor a desordem percebida na 7 Vide anexo 3 15

vizinhança, maior a chance de um morador perceber a ocorrência de crimes contra o patrimônio em sua área circunvizinha. No entanto, encontramos também que quanto melhor a avaliação no índice de equipamentos urbanos, menor a percepção de vitimização, o que pode ser explicado pelo fato de que, nesse caso, a desordem do entorno é mais sensível à percepção de vitimização por crimes contra a propriedade do que a boa avaliação de equipamentos urbanos como a oferta de energia elétrica e pavimentação das ruas: o próprio coeficiente e a significância da primeira foi bem maior do que os da segunda, o que pode corroborar com esse raciocínio. A variável também apresentou o sinal positivo esperado, em que, quanto maiores os rendimentos do grupo, maior a percepção de crimes contra o patrimônio. Concluindo, podemos dizer que os dados se ajustaram bem ao modelo diante das limitações impostas pelo banco de dados, e que estimativas melhores podem ser feitas com dados de ocorrências registradas pelos órgãos oficiais de crime, pois teríamos com maior precisão o registro desse evento. Referências Bibliográficas Beato, C. C.; Reis, I. A. Desigualdade, Desenvolvimento Socioeconômico e Crime. In: HENRIQUES, R. (Org.). Desigualdade e Pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2000. p. 385-403. Becker, Gary S. The Economic Approach to Human Behavior. Chicago: The University of Chicago Press, 1976 Figueiredo, Bráulio A.S. Coesão social, desordem percebida e vitimização em Belo Horizonte, Minas gerais, Brasil. Dissertação de Mestrado em Sociologia, FAFICH - UFMG, dezembro de 2004. Freeman, Richard B., "Crime and the Job Market" (October 1994). NBER Working Paper No. W4910. March, J e Simon H.. Limites cognitivos da Racionalidade In Teoria das Organizações. FGV, RJ, 1970. Mendonça, M.; Loureiro, P.; Sachsida, A. Criminalidade e desigualdade social no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA Texto para Discussão nº 967, jul. 2003. Queiroz, Bernardo Lanza. Diferencias Regionais de Salários nas Microrregiões de Minas. Dissertação de Mestrado em Demografia, CEDEPLAR UFMG, maio 2001. Resende, João Paulo de., Crime Social, Castigo Social: O Efeito da Desigualdade de Renda sobre as Taxas de Criminalidade nos Grandes Municípios Brasileiros, CEDEPLAR UFMG, 2007. Sampson, Robert J., Stephen S. Raudenbush and Felton Earls (1997). Neighborhoods and Violent Crime: A multilevel study of Collective Efficacy. Science 277:918-24. Shoemaker, Donald J. (1996), Theories of delinquency: an examination of explanations of delinquent behavior. Ed. 3, New York, Oxford University Press. 16

Anexos Anexo 1 C.1) Nos últimos 12 meses, você viu/presenciou ou ouviu falar, na sua vizinhança, de... [CR Página 36] C.1.1) Roubos ou assaltos a moradores da vizinhança C.1.2) Roubos ou assaltos a residências da vizinhança C.1.3) Roubos ou assaltos a transportes coletivos da vizinhança C.1.4) Roubos ou assaltos a casa lotéricas da vizinhança C.1.5) Roubos ou assaltos a Farmácias, padarias, ou outros comércios da vizinhança C.1.6) Roubos ou arrombamento de veículos na vizinhança (1) Viu ou presenciou (2) Apenas ouviu falar (3) Não viu nem ouviu falar (8) NS (9) NR 1 2 3 8 9 1 2 3 8 9 1 2 3 8 9 1 2 3 8 9 1 2 3 8 9 1 2 3 8 9 17

Anexo 2 V.14) Como você avalia o seguintes serviços em sua vizinhança ou proximidades? [CR Página 22] 3 5 (9) (0) (8) 1 MB 2 B RE 4 R M N N NS G. R R T V.14.1) A iluminação das ruas e passeios públicos. 1 2 3 4 5 8 9 0 V.14.2) A pavimentação e manutenção das ruas, calçadas, etc. 1 2 3 4 5 8 9 0 V.14.3) Os locais públicos de esporte e lazer 1 2 3 4 5 8 9 0 V.14.4) Os equipamentos coletivos (guaritas, orelhões, lixeiras, 1 2 3 4 5 8 9 0 passarelas, etc.) V.14.5) A oferta de transportes públicos (ônibus, metrô, etc.) 1 2 3 4 5 8 9 0 V.14.7) A oferta de policiamento ostensivo (a pé, viatura, moto, cavalo) 1 2 3 4 5 8 9 0 18

Anexo 3 V.6) Em uma escala de 1 a 5, onde 1 quer dizer poucos e 5 muitos, quantos prédios, casas ou galpões abandonados você diria que existem na sua vizinhança? [CR Página 19] V.7) Em uma escala de 1 a 5, onde 1 quer dizer pouca e 5 muita, qual a quantidade de lixo ou entulho você diria que existe nas ruas e passeios públicos na sua vizinhança? [CR Página 19] V.8) Em uma escala de 1 a 5, onde 1 quer dizer poucos e 5 muitos, quantos lotes vagos cheios de lixo e entulho ou com mato alto você diria que existem na sua vizinhança? [CR Página 19] V.9) Pensando em uma escala de 1 a 5, onde 1 quer dizer de vez em quando e 5 freqüentemente, com que freqüência seus vizinhos costumam ouvir música alta, discutem alto ou dão festas até tarde da noite? [CR Página 19] V.10) Pensando em uma escala de 1 a 5, onde 1 quer dizer de vez em quando e 5 freqüentemente, com que freqüência você costuma ver pessoas armadas pela sua vizinhança (sem ser policiais)? [CR Página 19] V.11) Pensando em uma escala de 1 a 5, onde 1 quer dizer de vez em quando e 5 freqüentemente, com que freqüência você costuma ouvir barulho de tiros na sua vizinhança? [CR Página 19] 19