REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO BÁSICA RBEB

Documentos relacionados
OFERTA DA EDUCAÇÃO EM CACHOEIRA DO SUL: UM OLHAR SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS

CARTA DE GOIÂNIA - GO

Gestão e prática educacional democrática

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTRIBUIÇÕES PARA O TRABALHO PEDAGÓGICO EM ESPAÇOS COLETIVOS

EDUCAÇÃO INFANTIL: DOS MARCOS REGULATÓRIOS À POLÍTICA PÚBLICA DE FORMAÇÃO DOCENTE

Associação civil, sem fins lucrativos, fundada em 10 de outubro de Sede: Brasília/ DF 26 Seccionais

Inclusão e Educação Infantil: perspectivas curriculares

CARTA COMPROMISSO DO MIEIB

EIXO V GESTÃO DEMOCRÁTICA, PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL DOCUMENTO REFERÊNCIA

MINUTA. PROJETO DE LEI Nº, DE DE DE 2013 (Autor do Projeto: Governador do Distrito Federal)

A POLÍTICA DO FINACIAMENTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA 1

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - MEC CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CNE UNIÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO UNDIME BASE NACIONAL COMUM:

III Encontro Estadual do Proinfância Bahia (MEC UFBA) A Educação Infantil no Estado da Bahia: os desafios estão postos! E o que estamos fazendo?

PROJETO DE LEI MUNICIPAL N 053/2017

Resumo. Palavras chave: identidade docente, autoreconhecimento, políticas educacionais. (83)

CARTA DE FORTALEZA. Adota-se este limite de idade, em defesa das crianças que completam seis anos após o dia 31 de março.

Prefeitura Municipal de Cardeal da Silva publica:

DIREITO EDUCACIONAL: Diálogo em Defesa da Gestão Democrática

AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER PARA AS ESCOLAS MUNICIPAIS DO RECIFE: SUAS PROBLEMÁTICAS E POSSIBILIDADES

A Undime e o novo cenário educacional após a homologação da BNCC. Rosa Maria Melo dos Santos Coordenadora Estadual de Currículo em Alagoas

EIXO I O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E O SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ORGANIZAÇÃO E REGULAÇÃO. x1 1 x x x. x1 x x x

EIXO I O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E O SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ORGANIZAÇÃO E REGULAÇÃO

Construção coletiva. Infantil Currículo da Educação Infantil. Diretrizes Municipais da Educação. Municípios pertencentes - AMOSC

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9394/96. Prof. Carlinhos Costa

Direito Constitucional

Art O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

Prefeitura Municipal de Santo Antônio de Jesus publica:

PROPOSTA DOS FÓRUNS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO BRASIL EIXO V. Gestão Democrática, Participação Popular e Controle Social

AULA 03 ROTEIRO CONSTITUIÇÃO FEDERAL ART. 5º; 37-41; ; LEI DE 13/07/1990 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E C A PARTE 03

A Conferência Nacional da Educação (Conae), realizada no período de 28 de março a 1º de abril de 2010, em Brasília-DF, constituiu-se num

Estado do Rio Grande do Sul Conselho Municipal de Educação - CME Venâncio Aires

PRIMEIRA INFÂNCIA E DIREITO À EDUCAÇÃO

Disciplina: ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM GESTÃO ESCOLAR E NÃO-ESCOLAR - PRÁTICA. Código:... Série: 3ª A Turno: noturno. Teórica: Prática: 140

Associação civil, sem fins lucrativos, fundada em 10 de outubro de Sede: Brasília/ DF 26 Seccionais

CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORAS(ES) ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA EDUCAÇÃO II. Professor Edson Aula 5

Maratona SEDF Gran Online. Prof. Carlinhos Costa

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM ESTUDO DE CASO DOS INDICADORES DE GESTÃO DEMOCRÁTICA EM UMA CRECHE MUNICIPAL DE CAMPINA GRANDE/PB

XII CONGRESO IBEROAMERICANO DE EXTENSIÓN UNIVERSITARIA de Noviembre 2013 Quito Ecuador

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO PROPOSTA DE MINUTA PARA INSTITUIR A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS DO IFES

Política pública de Educação

BNCC e a Educação Infantil

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO CAMPO NAS PESQUISAS ACADÊMICAS

A CAPACITAÇÃO DOS TÉCNICOS MUNICIPAIS COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL.

LDB Introdução. Conceito de Educação 12/07/2017

Carta-compromisso dos Candidatos ao Governo do Estado com a Educação Básica Pública

LEI N. 434, DE 18 DEDEZEMBRODE 2018

POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL FRENTE AOS DESAFIOS DA BNCCEI. Rita Coelho

Minicurrículo. Maria Helena Pelizon

Art A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

Coordenadoria de Graduação na Área da Saúde

COORDENAÇÃO DE GRADUAÇÃO. Coordenadora de Graduação - Diurno. Prof.ª Dr.ª Livia Barbosa Pereira.

RELATO DE EXPERIENCIA DO ESTAGIO SUPERVISIONADO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

OTÁVIO CALILE LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL - LDB

LEI Nº DE 30 DE DEZEMBRO DE 2009 TÍTULO I PRINCIPAIS BASES DE ORDEM LEGAL TÍTULO II CONCEITUAÇÃO E ÓRGÃOS DO SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO

RESOLUÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR Nº 202/2016, DE 9 DE DEZEMBRO DE 2016

problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.

A BNCC E SUA APLICAÇÃO. Ghisleine Trigo Silveira 23/11/ 2017

DATA CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Aula/data Ficha-Resumo % Questões Revisão Prefeitura de Limeira - Prova 02/07/2017

ETAPAS DE ENSINO DICIONÁRIO

ATIVIDADES E PLANEJAMENTO DA UNCME NACIONAL

XII CONGRESO IBEROAMERICANO DE EXTENSIÓN UNIVERSITARIA de Noviembre 2013 Quito Ecuador

II) Experiências Matemáticas:

Avaliação e Monitoramento do PME. Professora Marcia Adriana de Carvalho

O Projeto Político-Pedagógico da Escola Cabana é uma experiência na área de educação, iniciada em 1997, na primeira das duas gestões consecutivas do

POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS NACIONAIS E SUA DETERMINAÇÃO PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Democratização da Gestão e Qualidade Social da Educação

Organização dos Estados Ibero-americanos Para a Educação, a Ciência e a Cultura MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO

Cód. Disciplina Período Créditos Carga Horária V ORG. DE CURRÍCULO E O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

PERCURSO LEGAL PARA A IMPLANTAÇÃO DA CLASSE HOSPITALAR NO BRASIL

TERMO DE REFERÊNCIA PARA REVISÃO DO PLANO DIRETOR SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Acesse o Marco Legal de São Miguel dos Campos em:

CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: algumas questões para o debate sobre a Base Nacional Comum para Educação Infantil

Referencial Curricular do Paraná: Princípios, Direitos e Orientações

Bolsista Pibic: Patrícia de Moraes Fontenele Orientadora: Profª Drª. Maria Emilia de Castro Rodrigues

REGULAMENTO DE ESTÁGIO OBRIGATÓRIO SUPERVISIONADO DO CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Universidade Federal de São Paulo. Reitoria Núcleo de Educação Infantil - Escola Paulistinha de Educação. Candidata: Adriana Oliveira Paz

CURSO DE PEDAGOGIA REGULAMENTO

SALA DE AULA EM SITUAÇÃO DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES ALFABETIZADORES EM FOCO

PLANO DE ENSINO DISCIPLINA: Experiência de aprendizagem em espaços educativos escolares e nãoescolares

Projeto de Prática como Componente Curricular PCC 2018 Formação leitora em literaturas africanas de língua portuguesa: proposta e realização

CARTA COMPROMISSO DO MIEIB

No espelho da avaliação externa: o ensino público municipal de Aracaju

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

REGIMENTO INTERNO. Art. 2º - A Rede de Gestores de Política Públicas de Economia Solidária se constitui para cumprir os seguintes objetivos:

LITERATURA POPULAR: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA CULTURA E DIVERSIDADE DOS SUJEITOS DO CAMPO DE TIJUCAS DO SUL

ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PROF MARIA DA GRAÇA BRANCO

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO MUNICIPIO DE MINEIROS GO: SISTEMA ESTADUAL E MUNICIPAL

TERMO DE REFERÊNCIA Para contratação de pessoa física. Assistente local

ORGANIZAÇÃO E GESTÃO ESCOLAR: REFLEXÕES A PARTIR DE UM CENTRO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL DA CIDADE DE NATAL/RN

COMUNICADO nº 040/2017

RELATO DE EXPERIÊNCIA. Políticas públicas de educação de surdos em Santa Catarina. Breve histórico da educação de surdos em SC

REGULAMENTAÇÃO DA HORA-ATIVIDADE NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE JAGUAQUARA

Política Nacional de Educação Infantil

A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO DIREITO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SEU FINANCIAMENTO EM TEMPOS DE FUNDEB

Tema - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Perspectivas e Desafios à Luz da BNCC

RESUMO DO DIÁRIO PUBLICAMOS NESTA EDIÇÃO OS SEGUINTES DOCUMENTOS:

Transcrição:

CONTEXTOS DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Contextos del proyecto político-pedagógico en la educación infantil Otavio Henrique Ferreira da Silva Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Educação de Minas Gerais e na Rede Municipal de Educação de Ibirité/ Mestre em Educação e Docência (UFMG) hota_otavio_om@hotmail.com Ademilson de Sousa Soares Professor Doutor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG profpaco@gmail.com Resumo: Este artigo teve como objetivo apresentar uma análise geral do Projeto Político-Pedagógico (PPP) na Educação Infantil e dados de pesquisa a seu respeito no município de Betim, Minas Gerais. A metodologia utilizada para a coleta de dados da pesquisa foi fazer análises documentais em documentos oficiais, legislações, e-mails, entre outras fontes de registros históricos. A partir das análises, aponta-se que apesar do município possuir uma legislação avançada voltada para a gestão democrática na Educação Infantil, historicamente há uma desvalorização do PPP pelos diversos governos que passaram pela cidade. Palavras-chave: Projeto Político-Pedagógico. Gestão Democrática. Educação Infantil em Betim. Participação. Resumen: Este artículo tuvo como objectivo presentar un análisis general del Proyecto Político Pedagógico (PPP) en la Educación Infantil y datos de investigación a su respecto en el municipio de Betim, Minas Gerais, Brasil. La metodología utilizada para la recolección de datos de la investigación fue hacer análisis documentales en documentos oficiales, legislaciones, correos electrónicos, entre otras fuentes de registros históricos. A partir del análisis, se apunta que además del municipio poseer una legislación avanzada para la gestión democrática en la Educación Infatil, historicamente hay una desvaloración del PPP por los diversos gobiernos que passaron por la ciudad. Palabras clave: Proyecto Político-Pedagógico. Gestión Democrática. Educación Infatil en Betim. Participación. Introdução A gestão democrática é assegurada como um dos princípios e finalidades da educação amparada pela Constituição Federal de 1988, art. 206, inciso VI (BRASIL, 1988), e também pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases (LDB), art. 3º, inciso VIII (Id., 2014). Esse princípio constitucional somente foi assegurado Revista Brasileira de Educação Básica Ano 2 Nº 4 Maio Junho 2017 Página 1

pela grande luta travada pelos movimentos sociais em defesa da democratização da gestão educacional, sobretudo pela atuação e organização do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), que surgiu durante a década de 1980 para defender a educação pública e gratuita durante o processo constituinte, iniciado em 1987. A gestão democrática é apresentada da seguinte forma na Constituição Federal: Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [ ] VI gestão democrática do ensino público, na forma da lei (Id., 1988). Com a aprovação da LDB em 1996, ficou definido que são os sistemas de ensino que definirão as normas de gestão democrática da educação tendo como princípio o Art. 14. [ ] I participação dos profissionais da educação na elaboração do Projeto Político Pedagógico [PPP] da escola; II participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (Id., 2014, p. 15). Desse modo, compreende-se que o PPP está no centro da gestão democrática porque, mesmo que haja um conselho escolar, não tem sentido pensar na atuação democrática de um conselho sem que a instituição tenha um projeto com uma proposta políticapedagógica. A participação das famílias, dos profissionais e da comunidade nesse tipo de gestão, centrada apenas na agenda do conselho escolar, poderia se resumir em apenas ouvir a direção e assinar documentos. Este artigo teve como objetivo apresentar uma análise geral do PPP na educação infantil e dados de pesquisa observados no município de Betim, Minas Gerais, a partir do projeto. A metodologia utilizada para coleta de dados da pesquisa foi realizar análises documentais em documentos oficiais, legislações, e-mails, entre outras fontes de registros históricos. Estruturamos este texto partindo desta introdução, para depois indicar uma seção analítica sobre o PPP na educação infantil, apresentação dos dados, considerações finais e, por fim, referências. Projeto Político-Pedagógico e educação infantil Até determinado tempo atrás, quando ouvíamos falar de Projeto Político-Pedagógico ou PPP, como popularmente costuma ser chamado, logo nos vinha em mente a ideia de um documento composto por muitas de folhas de papel impresso. Na verdade, esse imaginário, Revista Brasileira de Educação Básica Ano 2 Nº 4 Maio Junho 2017 Página 2

que também faz parte do imaginário comum de várias pessoas, foi socialmente construído. Na realidade, o significado do PPP tem uma complexidade maior. Claro que o registro do PPP no papel é fundamental para garantir a memória do trabalho pedagógico das instituições de educação infantil e das instituições escolares em geral pois é olhando para a história que conseguimos refletir criticamente as ações do presente e do futuro. Um desafio posto diante ao tema do PPP é justamente fazer com que ele sirva não apenas como registro de uma história que se lê e da qual muitas vezes é imaginária. Além disso, não pode ser apenas um relato do presente em que não se usa imaginação e criatividade. A grande expectativa que se cria em geral sobre o PPP é que ele seja um vivo e dinâmico instrumento pedagógico que oriente o trabalho educativo para proporcionar aos educandos e a todos os envolvidos na educação escolar a vivência de uma verdadeira educação comprometida com a formação cidadã das pessoas. O PPP, além de ser a base estruturante da gestão democrática, é a espinha dorsal para a consolidação de um currículo para a educação infantil. Isso porque para construir o PPP não há uma receita pronta, mas é preciso reconhecer que a etapa da educação básica possui uma especificidade, que se trata de valorizar a infância vivenciada por bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas sendo que esses sujeitos requerem necessidades de cuidado e de práticas educativas. É necessário considerar também que as instituições de educação infantil, principalmente as voltadas para o atendimento de crianças pobres, possuem marcas históricas por falta de investimentos, que vêm sendo superadas a partir do reconhecimento constitucional dessa política como direito da criança. No entanto, ainda existem muitos desafios rumo a um atendimento de qualidade. A qualidade da educação infantil não se refere a práticas escolarizantes, mas à valorização e ao reconhecimento das demandas da primeira infância. Em outras palavras, Eloisa Rocha (2001) chama isso de pedagogia da educação infantil. De acordo com as diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil (DCNEIs), o PPP é considerado o termo mais adequado a ser usado na educação infantil em substituição à palavra currículo, porque o currículo na educação infantil é carregado por tensões em que geralmente está associado à escolarização tal como vivida no Ensino Fundamental e Médio (BRASIL, 2013, p. 85). É importante tomar ciência de que o currículo está situado inseparável daquilo que somos e que nos tornamos, ou seja, está em nossa identidade e Revista Brasileira de Educação Básica Ano 2 Nº 4 Maio Junho 2017 Página 3

subjetividade. Um currículo capaz de atender às demandas de educação e ao cuidado das crianças pequenas precisa estar composto por compreensões críticas e pós-críticas em que se entende que para a construção do currículo há relações de poder, textos, documentos e discursos envolvidos, mas também há imaginação, criatividade e sonhos (SILVA, 2015). As DCNEIs definem, no art. 3, o currículo na etapa da educação básica como: um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. (BRASIL, 2013, p. 97) O Projeto Político-Pedagógico define o currículo da instituição de educação infantil e caracteriza-se como o documento de identidade da instituição. Esta condição colocada para o PPP está presente tanto nas diretrizes nacionais como também nas recentes discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular, que não é um currículo, mas será parte das proposições curriculares em todo o território brasileiro. Assim, é importante que na elaboração do PPP seja garantida a participação coletiva, incluindo os profissionais, as famílias, as crianças (a seu modo) e a comunidade em geral tal como determina o art. 14 da LDB. O Projeto Político-Pedagógico na educação infantil de Betim Percebe-se que o processo de construção coletiva do PPP pela comunidade escolar, como defendem os teóricos progressistas do campo da gestão democrática, é uma ação pouco valorizada historicamente pelas gestões municipais que estiveram ao longo dos anos à frente dos governos de Betim. Antes da década de 1990, o que se observou sobre a cidade foi imensa negligência em relação ao atendimento de crianças pequenas e, já na década de 1990, durante a gestão de 1993 a 1996 da prefeita Maria do Carmo Lara, observaram-se ações mais efetivas do poder público em relação à educação da primeira infância, conforme analisado no livro Educação infantil em Betim (1958-2016) de Silva (2016). O foco não era a produção de uma proposta pedagógica para ser implementada em cada creche comunitária, a preocupação era com a estruturação e reestruturação da rede de instituições que já existia na cidade. Não que a considerássemos sem importância, mas fundamentalmente porque só víamos condições de Revista Brasileira de Educação Básica Ano 2 Nº 4 Maio Junho 2017 Página 4

realizá-la por meio do estabelecimento de ações que, paulatinamente, contribuíssem para a configuração de uma proposta pedagógica (BETIM, 1996, p. 28). Durante a gestão municipal de 2001 a 2008, ocorreu o Movimento de Reorganização Curricular para a Educação Infantil que culminou com a construção do Referencial Político- Pedagógico de Betim: educação infantil (Id., 2008). O movimento para construção dos referenciais curriculares da educação infantil teve influências do processo de organização curricular do Ensino Fundamental. Assim, buscou-se tratar das especificidades do desenvolvimento infantil em diálogo com as(os) educadoras(es) e coordenadoras das instituições infantis durante cursos, assessorias e processos de formação pelos quais elas puderam expor contribuições (Ibid.). O referencial político-pedagógico da educação infantil de Betim, pela forma como se apresentou, funcionou como uma referência para a construção de PPPs nas instituições da cidade. Mas no decorrer da gestão de 2001 a 2008, não se observou nenhum outro movimento por parte da Secretaria Municipal de Educação (Semed) para consolidar o PPP em cada uma das unidades de educação infantil. O único movimento foi esse curricular, iniciado em 2001, que culminou com aprovação do mencionado referencial no mês de dezembro do último ano do mandato do prefeito Carlaile Pedrosa (2001 a 2008). Na segunda gestão de Maria do Carmo Lara (2009 a 2012), a prioridade estabelecida para a educação infantil da cidade foi a ampliação da rede pública. Com isso, a atuação da equipe de profissionais da Semed ficou voltada para realização de concursos públicos, municipalização das creches conveniadas, construção de unidades pelo Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar de Educação Infantil (ProInfância), entre outras ações. O foco estava voltado para a consolidação da rede pública de instituições de educação infantil. Durante essa gestão, não ocorreu nenhum movimento que procurasse avançar nos referenciais políticos pedagógicos construídos na gestão anterior ou que trouxesse novas possibilidades para a consolidação do PPP nas instituições públicas ou conveniadas de Betim. Durante a última gestão da cidade, 2013 a 2016, novamente governada por Carlaile Pedrosa, a equipe de escrituração escolar da Diretoria de Educação Infantil da Semed verificou logo no início do primeiro ano de mandato que haviam muitos Centros Infantis Municipais (CIMs) que não possuíam credenciamento e autorização de funcionamento. Revista Brasileira de Educação Básica Ano 2 Nº 4 Maio Junho 2017 Página 5

Assim, no mês de abril de 2013, os gestores escolares e auxiliares administrativos foram orientados a organizarem a documentação para regularizarem a situação das instituições junto ao Conselho Estadual de Educação (CEE), pois Betim não possui um sistema próprio de ensino e a regularização das instituições de educação infantil depende da autorização do mencionado órgão estadual. Entre esses documentos exigidos para a regulamentação das instituições, estava o PPP. A equipe de escrituração enviou um e-mail no dia 9 de abril de 2013 para os CIMs com um arquivo contendo um PPP pré-elaborado. A partir desse arquivo, a instituição teria que reorganizá-lo com base em suas especificidades. Este trabalho foi realizado na maioria das vezes pela própria gestão ou profissionais administrativos e não contou com a participação dos demais membros da comunidade. No ano de 2016, foi publicada a Resolução nº 001, de 25 de janeiro, que estabelece normas para a organização da educação infantil e do quadro de pessoal e funcional dos Centros Infantis Municipais de Betim, tratando em seu capítulo II sobre a Proposta Pedagógica (BETIM, 2016). Nessa resolução, está estabelecido que o CIM deve elaborar, implementar e divulgar de acordo com a legislação vigente, a proposta pedagógica da instituição. Para isso, deverá contar com assessoramento da Diretoria Pedagógica de Educação Infantil, além de que o projeto deverá ser aprovado pelo conselho escolar. No entanto, verificou-se que nenhuma ação foi tomada durante a gestão de 2013 a 2016 para que se efetivasse a construção e consolidação de PPPs com participação da comunidade em CIMs. Considerações finais A abordagem do tema do PPP ainda é tímida na cidade de Betim, sendo que existem muitos desafios em relação à discussão e implementação coletiva dele. Apesar de o município possuir uma legislação avançada voltada para a gestão democrática na educação infantil da cidade Decreto Municipal nº 28.891/2010 (Id., 2010), em que se prevê autonomia pedagógica, administrativa e financeira à comunidade escolar, historicamente há uma desvalorização do PPP pelos diversos governos que passaram pela cidade. Na atualidade, esse tema tem sido pouco discutido pelos gestores e até mesmo entre os próprios trabalhadores da Revista Brasileira de Educação Básica Ano 2 Nº 4 Maio Junho 2017 Página 6

educação infantil da rede municipal, conforme pode ser analisado pela baixa presença de debates sobre o PPP nos documentos analisados. Referências BETIM. A construção da política: uma experiência municipal em educação infantil. Betim: Apromiv, 1996.. Decreto nº 28.891, de 20 de outubro de 2010. Dispõe sobre os conselhos escolares dos centros infantis municipais e dá outras providências. Órgão Oficial, Betim, 2010.. Referencial político-pedagógico de Betim: educação infantil. Betim: Semed, 2008.. Resolução Semed nº 001, de 25 de janeiro de 2016. Estabelece normas para a organização da Educação Infantil e do quadro de pessoal e funcional dos centros infantis municipais de Betim. Betim: Prefeitura Municipal de Betim. Órgão Oficial, Betim, 2016. Disponível em: <https://goo.gl/2c8qcb>. Acesso em: 29 maio 2016. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 5 out. 1988.. Diretrizes curriculares nacionais da educação básica. Brasília, DF: MEC, 2013. 562 p.. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 9. ed. Brasília, DF: Edições Câmara, 2014. 45 p. ROCHA, E. A. C. A pedagogia e a educação infantil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 16, p. 27-34, 2001. SILVA, O. H. F. da. Educação infantil em Betim (1958-2016). Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: Synergia, 2016. Disponível em: <https://goo.gl/2i3bhb>. Acesso em: 28 mar. 2017. SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. 154 p. Revista Brasileira de Educação Básica Ano 2 Nº 4 Maio Junho 2017 Página 7