CESSAÇÃO TABÁGICA - UMA OPÇÃO TERAPÊUTICA PARA A ENFERMAGEM por Pedro Serra Pinto - Sexta-feira, Março 20, 2015 http://www.nursing.pt/cessacao-tabagica-uma-opcao-terapeutica-para-a-enfermagem/ Autores: Mónica Santos s_monica_santos@hotmail.com Diretora Clínica nas empresas Quércia (Viana do Castelo) e QVC (Paços de Ferreira); a exercer também como Especialista em Medicina do Trabalho nas empresas Clinae (Braga), Cliwork (Maia), SIM Saúde (Maia), Servinecra (Porto) e Medicisforma (Porto). Médica Especialista em Medicina Geral e Familiar e Mestre em Ciências do Desporto. Armando Almeida aalmeida@porto.ucp.pt Mestre em Enfermagem Avançada Especialista em Enfermagem Comunitária Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem Assistente no ICS da Universidade Católica Portuguesa; CIIS (Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde)- Porto Geralmente as principais barreiras à atuação no campo da dependência tabágica, por parte dos profissionais de saúde, são a pouca/ nenhuma formação, o que obviamente gera as desagradáveis sensações de inexperiência e insegurança. Para além disso, o médico/ enfermeiro pode considerar que tal abordagem não faz parte das suas funções, não se interessar pela área e/ ou acreditar que os tratamentos existentes são pouco eficazes. Por último, surge também o receio de melindrar o cliente numa primeira abordagem e, consequentemente, obter uma má receptividade. 1 / 7
História do tabaco No século XV os navegadores portugueses e espanhóis constataram que os ameríndios tinham o ritual de aspirar o fumo das folhas que queimavam (tabaco e não só), atribuindo-lhes propriedades espirituais, lúdicas e curativas. Acabaram então por importar algumas folhas de tabaco para a Europa No século XVI residia no nosso país um embaixador francês chamado Jean Nicot que, ouvindo a publicidade mágica ao produto exótico, decidiu enviar algum para a sua rainha, dado esta sofrer de famosas e intensas enxaquecas. A monarca melhorou imenso dessa condição, pelo que, além de passar a ser consumidora regular, divulgou o produto com grande entusiasmo nas cortes europeias. Dado o custo e dificuldades de acesso, nos primeiros tempos, o tabaco era apenas destinado às classes sociais muito elevadas. À medida que os séculos foram passando, a importação e produção do tabaco foi sendo mais facilitada, pelo que o consumo se alastrou a outros setores da população. Ainda nas primeiras décadas do século XX este produto era publicitado pelas suas propriedades relaxantes, recomendado pela própria classe médica. Contudo, nesta fase, praticamente só era consumido pelo sexo masculino, pelo que, para algumas senhoras, tal simboliza independência, sofisticação e modernidade. Atualmente a incidência (novos consumidores) é superior nelas. Globalmente, o número de fumadores tem diminuído nos países mais desenvolvidos (pela melhor informação e nível cultural) e aumentado nos restantes (pela mimetização do estilo de vida ocidental e recente maior poder de compra/ consumismo). A composição de cada cigarro é parcialmente secreta, pelo que cada marca tenta inserir substâncias que garantam a fidelidade (dependência), de forma a que o cliente sinta algum desconforto/ abstinência mínima quando, por acaso, consuma marcas concorrentes. Acredita-se que existirão cerca de 5000 substâncias em cada cigarro, algumas das quais equivalentes a pesticidas ou ainda a componentes capazes de alterar as células a tal ponto que passem a ser classificadas como cancerígenas podendo, consoante a continuidade das agressões e da reação dos mecanismos de defesa, originar cancros que, geralmente, são muito silenciosos, ou seja, manifestam-se apenas numa fase extremamente avançada, na qual pouco ou nada a medicina consegue atuar. Dentro das substâncias inseridas no cigarro, a mais famosa é a nicotina, bastante aditiva, induzindo uma discreta euforia, mas sobretudo relaxamento e, simultaneamente, maior capacidade de concentração não se conhecem outras substâncias que consigam estes efeitos quase opostos e em apenas alguns segundos. Fisiopatologia O cigarro liberta dois tipos de fumo: o que é inalado diretamente (e só é acessível ao fumador) e o que sai na ponta do cigarro, pela combustão, acessível não só ao fumador mas também aos conviventes (familiares, amigos, colegas de trabalho e desconhecidos nas proximidades, mesmo que em ambientes totalmente abertos). Este segundo tipo de fumo (o que está disponível para todos) é constituído por partículas mais pequenas que, por isso, têm maior capacidade de penetrar profundamente nas vias respiratórias e serem mais lesivas é por isso que a velha máxima fuma quem quer e quem não quer, não 2 / 7
fuma e não tem nada com isso! é totalmente incorreta em termos médicos. A maior dificuldade em parar de fumar reside na abstinência, ou seja, conjunto de sintomas físicos e/ou emocionais que surgem na maioria dos fumadores, quando interrompem ou diminuem o consumo de cigarros. Esta é classicamente caraterizada pela irritabilidade/ ansiedade, mas também poderão existir desconcentração, cefaleias, palpitações e até insónia. Quase todos os fumadores a sentem quando param ou diminuem significativamente o consumo, mas a intensidade e duração são muito variáveis: pode ir de suave e durar apenas alguns dias a extremamente intensa e permanecer até algumas semanas. Excecionalmente encontramos fumadores que quase não a sentem, daí existirem indivíduos que conseguem parar de fumar sozinhos e outros que apenas o farão com ajuda da medicina convencional. As vantagens da cessação são também inegáveis: económicas (aonde se iria passar férias com o dinheiro poupado num ano sem tabaco?! ou que outros mimos poderiam ser adquiridos?!), médicas (quer físicas, quer emocionais) e ainda maior produtividade (pessoal e profissional). Abordagens Terapêuticas Breves (ATB) para o tabagismo As abordagens terapêuticas breves (ATBs) têm o objetivo de diminuir a probabilidade de ocorrer o primeiro consumo ou, caso não seja possível, contribuir para que a utilização seja apenas esporádica e não se transforme em dependência. Elas consistem em sessões curtas de 5 a 15 minutos e a maioria dos autores considera que apresentam uma boa relação custo-efectividade. Mais recentemente, a execução destas passou a ser possível via internet, permitindo desta forma, manter de forma absoluta o anonimato e a privacidade. Alguns artigos referem que existem vantagens em serem os enfermeiros a realizar as ATBs, na medida em que esta é uma área negligenciada por outros profissionais de saúde; além disso, são os profissionais de saúde mais numerosos e acessíveis (no nosso país), surgindo assim uma melhor razão custo-benefício e têm uma maior apetência para a prevenção e o diagnóstico das respostas humanas inadequadas, podendo, por exemplo, implementar nas suas práticas a aplicação de instrumentos de avaliação. As ATBs têm o objetivo principal de perceber se o indivíduo vê o consumo como problemático e se pensa alterar tal, ou se já o tentou fazer anteriormente. Após a aplicação do instrumento diagnóstico (se necessário) o cliente poderá ser abordado exclusivamente pelo enfermeiro ou este, em situações específicas, poderá referenciar para outros profissionais de saúde. Instrumentos de avaliação Para a dependência tabágica existem dois questionários que convém destacar, nomeadamente o dos 5 AS (ask, advice, assess, assist e arrange) e/ou o dos 5Rs (razões para parar, riscos em continuar a fumar, recompensas por deixar, resistências para parar e repetição em cada consulta). Para os tabagistas que fumem até 10 cigarros por dia e/ou com baixo patamar de dependência, a primeira 3 / 7
opção terapêutica implica o não uso de fármacos, como as técnicas de paragem abrupta ou redução de um cigarro por dia, por cada semana, acrescidas simultaneamente pelas técnicas comportamentais altamente eficazes. O enfermeiro poderá assim realizar toda a consulta de cessação tabágica no primeiro caso e iniciar o processo nos casos mais complexos, referenciando posteriormente. Consulta de Cessação Tabágica Numa consulta/ ATB de cessação tabágica regista-se a história de saúde, incluindo antecedentes farmacológicos (já para ponderar eventuais interações/ contra-indicações, caso se pretenda recomendar alguma medicação). É ainda avaliada a dependência através de cinco questões (quadros 1 e 2), relacionadas com o tempo que se demora a fumar o primeiro cigarro depois de acordar, se tem dificuldades em cumprir as proibições de não fumar, qual o cigarro que teria maior dificuldade de parar de fumar, quantos fuma por dia e ainda se consome enquanto doente/ acamado. É também avaliada a fase de preparação para a mudança que o fumador está: não interessado no assunto/ agressivo, em précontemplação (acha importante mas não dará esse passo nos próximos seis meses), contemplação (planeia dar nos seis meses seguintes), preparação (já tentou ou pretende tentar no próximo mês) e ação (no decorrer do processo). Quadro1:Escala de dependência de Fagerstrom Questão Resposta Cotação Quanto tempo depois deacordar fuma o 1º Menos de 5 3 cigarro? minutos 6 a 30 minutos 2 31 a 60 minutos 1 Mais de 1 hora 0 Sente dificuldade em cumprir asproibições de Sim 1 não fumar? Não 0 Qual o cigarro que teria maisdificuldade em O 1º da manhã 1 não fumar? Qualquer outro 0 Quantos cigarros fuma por dia? Menos de 10 0 11 a 20 1 21 a 30 2 Mais de 31 3 Fuma mais durante as primeiras horas do Sim 1 dia? Não 0 Fuma quando está doente e acamado Sim 1 (nomeadamente com infecções respiratórias)? Não 0 Quadro 2: Leitura da escala de Fagerstrom 4 / 7
Menos de 2 Sem fármacos pontos 3 a 4 Terapia de substituição de nicotina 5 Zyban/ Champix ou Terapia de substituição de nicotina 6 ou mais Zyban/ Champix e/ ou Terapia de substituição de nicotina A técnica geral consiste em marcar a data para iniciar o processo até algumas semanas depois: para os dias seguintes não, porque o indivíduo não consegue informar a sociedade do que se propõe, assim como muitas semanas depois, porque pode perder a motivação até lá. É fundamental também que elimine os hábitos e objetos associados ao tabaco quase todos os cigarros estão marcados, ou seja, não são espontâneos mas sempre inseridos em rotinas diárias o fumador deve tentar alterar ao máximo esses hábitos, de forma e não estar constantemente a tropeçar em situações onde, há anos, é costume fumar, quase de forma instintiva. Em igual posição estão os objetos e o maço em si, ou seja, num segundo de recaída, se apenas for necessário abrir uma gaveta para ter acesso a isqueiro e cigarros, mais fácil será fumar, do que se tiver de sair de casa ou do emprego, para comprar isqueiro e cigarros, situação essa que mais facilmente conseguirá controlar e manter a abstinência. Aliás, este é um ponto fundamental: abstinência total. Faz parte da mentalidade de um dependente achar que controla a situação por vezes o processo de cessação tabágica é tão suave que, meses depois, numa ocasião especial, o indivíduo pensa: afinal foi muito mais fácil do que eu pensava afinal eu até controlo isto por isso não há problema em fumar aqui só um cigarro, certo? e de fato nesse dia ou semana pode ser só um mas depois lá vem outra vez a mentalidade do dependente: afinal até fumei e controlei-me não sou dependente posso perfeitamente dar-me ao luxo de fumar esporadicamente, porque gosto e porque nunca voltarei ao meu patamar anterior e, num instante, o consumo volta ao habitual antes do processo de cessação tabágica. Para quem fuma até dez cigarros por dia e/ou apresenta uma baixa quantificação de dependência (questionário já mencionado) deverá tentar parar sem qualquer medicação, tirando um cigarro/dia/semana; ou seja, marca a data para iniciar o processo (como já se referiu) e deixa de andar com o maço de cigarros completo; passa a usar um maço vazio ou uma cigarreira por exemplo, se se tratar de um fumador de cerca de dez cigarros por dia, na véspera do dia que combinar consigo começar deverá meter no tal maço vazio ou na cigarreira dez cigarros e, no dia seguinte, nunca exceder tal, religiosamente, fazendo o mesmo em todas as vésperas dessa semana; quando completar a semana, passa a meter nove, na outra semana oito cigarros e assim sucessivamente, até zero A grande vantagem deste método é que, dada a redução suave no consumo das substâncias inseridas no cigarro, a abstinência ou não surge (muito raro) ou aparece num formato mais suave, que permite que o fumador a tolere muito melhor após o seu término (nomeadamente no seu componente físico) o ex-fumador deixará de sentir sintomas por não estar a consumir. Para consumos superiores a dez cigarros por dia e/ ou um patamar de dependência superior, poderá estar 5 / 7
recomendada a abordagem farmacológica. No nosso país dispomos de métodos altamente eficazes como a terapia de reposição de nicotina (pensos transdérmicos e pastilhas), sem prescrição médica obrigatória; noutros países existe ainda no formato de spray nasal e por inalação, mas o que dispomos já é perfeitamente suficiente. Nos últimos anos surgiram também fármacos estabilizadores do humor, próximos dos antidepressivos clássicos que também podem ser recomendados em alguns casos. Se em parceria com um médico, poder-se-ão acrescentar ansiolíticos, desde o início com o respetivo esquema de desmame (redução da dose) ou estipulação de doses mínima e máxima diárias. Existem ainda outros medicamentos de segunda linha, utilizados só em circunstâncias excepcionais e, geralmente, com mais efeitos secundários (ao contrário dos de primeira linha). Erros mais frequentes na cessação tabágica?! Destes, talvez o mais comum seja, em vez de ter acompanhamento por profissionais de saúde com formação em cessação tabágica, de duas em duas semanas, preferir ir à farmácia aconselhar-se com o farmacêutico ou até com o vendedor de medicamentos que, geralmente, até é muito mais simpático a acessível. É preciso saber que os pensos de 16 horas não devem ser preteridos em função dos de 24 horas, ou seja, se se coloca o penso quando se acorda e se remove quando se deita (mais ou menos 16 horas), a nicotina só atingirá níveis minimamente estáveis e suficientes a meio do dia, logo, a manhã será acompanhada de alguma abstinência. A solução será usar sempre um penso de 24 horas, ou seja, colocar um após tirar o antigo, de seguida, quando muito após alguns minutos no ritual do banho diário, ajustando a dose em função do nível de dependência (os pensos têm todos três patamares de concentração). E, ao longo das semanas, em função da ausência ou intensidade da abstinência, manter essa concentração ou ir diminuindo para a outra inferior, até existir estabilidade para interromper. Outro erro, que até vem junto com a publicidade televisiva de uma das marcas que está no mercado, é o iniciar estes produtos para diminuir o consumo. Esta é uma crença totalmente errada: quando se inicia a terapia de reposição de nicotina deve-se interromper em simultâneo o consumo do tabaco. Outra asneira frequente é chupar as pastilhas de nicotina de forma contínua; desta forma a maioria das pessoas sentirá náusea e provavelmente recusará esta ajuda preciosa de nicotina extra, que poderá ser usada juntamente com os pensos. O consumo correto exige que, quando ela começar a picar na língua (dissolução da camada mais superficial), o indivíduo deverá parar de chupar e atracá-la entre a gengiva e a bochecha; passados alguns minutos deverá trocar de local e assim sucessivamente, até desaparecer para ser bem consumida deverá durar cerca de 30 minutos na boca e, tendo em conta que a maioria poderá consumir até cerca de 24 por dia, será uma ajuda quase constante, se necessária Não deve ser ingerido álcool nas proximidades do consumo de uma pastilha. Não alterar os hábitos, eliminar os objetos relacionados com o tabaco, não avisar a sociedade do que se está a planear fazer e não manter a abstinência total, são outros quatro erros. Conclusão Parar de fumar é muito, muito mais fácil do que a maioria dos fumadores imagina. Os métodos que a 6 / 7
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) CESSAÇÃO TABÁGICA - UMA OPÇÃO TERAPÊUTICA PARA A ENFERMAGEM - 03-20-2015 medicina convencional dispõe são, desde que aplicados por um médico/ enfermeiro que conheça as técnicas específicas, altamente eficazes. Bibliografia Santos, M. (2011)- Cessação Tabágica: o mito que não se entende. Segurança, 200, 5-7. Obrigado por ler a Nursing. 7 / 7