POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE INCLUSÃO NA VISÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NO RIO DE JANEIRO 1



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Transcrição:

POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE INCLUSÃO NA VISÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NO RIO DE JANEIRO 1 Ana Cristina Barros da Cunha 2 Maurícia dos Reis Leandro 3 Praia de Botafogo, 472/405, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, 22250-040. Tel/fax: (21) 3576-2584; acbcunha@yahoo.com.br. 1. INTRODUÇÃO As tendências atuais no campo de estudo e pesquisa sobre a área da deficiência defendem a idéia de incluir socialmente as pessoas com necessidades educativas especiais (NEE), termo mais utilizado nos meios acadêmicos a partir da Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994), promovendo, assim, o potencial destas pessoas através do incentivo à sua participação e à sua existência real no mundo. Trata-se de um olhar positivo que se atém aos potenciais, às possibilidades e às capacidades de tais pessoas, sem, no entanto, negar ou deixar de considerar as limitações reais em algumas capacidades e desempenho que elas têm devido a sua deficiência. O modelo da inclusão social tem sido bastante veiculado e discutido, em substituição ao conceito utilizado anteriormente, de "integração social". Tal modelo introduz um novo paradigma em nossa sociedade e assinala outra etapa no processo de conquista dos direitos por parte das pessoas com deficiência. Ao lutar pela efetivação da condição de cidadão destas pessoas, o paradigma inclusivo as considera como sujeitos políticos, dignas dos mesmos direitos e deveres (civis, sociais e políticos) que os demais membros da sociedade (SASSAKI, 2003; RATTNER, 2004; CORRER, 2003; WERNECK, 2000). 1 Este estudo faz parte do projeto de pesquisa Avaliação e intervenção psicoeducacional com crianças com necessidades educativas especiais através de procedimentos baseados em abordagens sócio-interacionista de Educabilidade Cognitiva (CUNHA, 2006), que contou com financiamento pela Faperj (Auxilio à pesquisa e Bolsa de Iniciação Científica) e tem como co-autores Andréia Correia de Barros; Carla Freitas Fernandes; Gabriela Moreira; Jacqueline Limoeiro Manangão, Joyce Goulart Magalhães; Luciana da Silva Bento; Raoni Heckert Carneiro; Ruth de Brito Silva Fonte e Renata Barbosa (Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro). 2 Departamento de Psicologia Clínica, Instituto de Psicologia/UFRJ. 3 Instituto de Psicologia/UFRJ.

Desde a emergência da inclusão social como um paradigma no âmbito da deficiência, esforços têm sido feitos no sentido de efetivar propostas e diretrizes inclusivas. Dessa forma, inúmeros são os aparatos legais e diplomáticos que pretendem dar respaldo à efetivação desse processo. Alguns destes documentos serão citados a seguir e têm como finalidade promover, por meio da reflexão e de medidas efetivas, mudanças na realidade atual, ainda discriminatória, preconceituosa e pautada em práticas de exclusão para com as minorias em geral. Inicialmente, a temática das políticas públicas relativas às necessidades educativas especiais teve sua especificidade contemplada na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (ONU, 1975), que dispõem sobre os direitos civis e humanos relativos às pessoas com deficiência, salientando a necessidade de considerar as necessidades especiais destas pessoas para o planejamento econômico e social. Em favor do asseguramento dos direitos explicitados neste e em outros documentos, percebe-se o esforço de instâncias internacionais em indicar estratégias concretas que viabilizem e efetivem propostas de igualdade e participação plena da pessoa com deficiência. Neste ensejo, destaca-se a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994), por exemplo, que define os princípios, políticas e práticas em educação especial, defendendo a inclusão em escola regular. Igualmente, esta declaração lança o termo necessidades educativas especiais (NEE) e, no âmbito nacional, fundamenta alguns decretos e leis importantes relativas à regulamentação da inclusão educacional no Brasil (BRASIL, 1996; BRASIL, 2001). No Brasil, até a década de 1980, a legislação brasileira tinha um caráter basicamente assistencialista e paternalista. Tais políticas centravam-se na adaptação social e reabilitação e, assim, cabia à pessoa com deficiência adaptar-se ao meio onde vivia e não o contrário. Atualmente, as políticas públicas nacionais que visam à inclusão da pessoa com deficiência, acompanham iniciativas realizadas no âmbito internacional por entidades como o Movimento de Direitos Humanos, a ONU, entre outras. Nesse sentido, a inclusão é entendida em um sentido mais amplo, envolvendo as esferas culturais, formal-legal, socioeconômica (educação e formação profissional), política e civil (acessibilidade). A partir da década de 90, as políticas públicas nacionais passaram a acompanhar a mobilização do cenário internacional e contemplar diversas questões acerca da deficiência, tais como a educação, a assistência social, a saúde, a cultura e desporto, os direitos ao trabalho etc. Nesse contexto, destaca-se um dos principais aparatos legais nacional que subsidia a inclusão social e educacional: a LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que

regulamenta a obrigatoriedade da inclusão de crianças e jovens com deficiência preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1996). No entanto, cabe reconhecer que no contexto da inclusão social e educacional deparase com um outro fator de extrema importância para a reflexão e efetivação do modelo inclusivo: as barreiras atitudinais. Considerando o conceito de deficiência fundamentado nas premissas de eficácia, ou seja, a capacidade de produzir efeitos, em que a natureza humana e a singularidade individual não têm, a rigor, nenhum valor (SASSAKI, 2003), encara-se o deficiente como alguém menos humano, alguém a ser excluído, uma vez que a diferença é vista como um sinal negativo. Invariavelmente, a deficiência remete a conceitos como o de incapacidade ou subpotencialidade, ou seja, algo definido por uma falta que pode representar a ausência de consciência sobre sua própria limitação e se constituir em uma referência da própria natureza social do problema da deficiência. Esta dinâmica é atravessada por sentimentos como medo, pena, tristeza que levam as atitudes de insensibilidade, preconceito, paternalismo, etc. que acentuam a discriminação e repercutem na negação do deficiente e em barreiras atitudinais como a segregação e a exclusão. Tais barreiras dificultam, e por vezes até impossibilitam, a convivência social da pessoa com deficiência com as demais e a coloca à margem da sociedade, sobretudo no contexto educacional, onde o professor pode e deve assumir um papel fundamental no combate a estas barreiras e no exercício da inclusão. Sendo assim, cabe questionar: Qual a interpretação que professores têm acerca das políticas públicas de inclusão educacional que repercute na sua atuação pedagógica?. É na resposta a esta questão que se chega às concepções sobre inclusão que permeiam a prática profissional dos professores de educação especial e, dessa forma, conhecer esta resposta pode favorecer a construção de uma prática pedagógica condizente com o atual paradigma da inclusão pautado nas atuais políticas públicas. Considerando que a interpretação que professores têm acerca das leis é construída com base na concepção de inclusão que possuem e que tais concepções podem se relacionar às atitudes assumidas por eles na promoção de um processo inclusivo de fato (CUNHA; MANHÃES, 2008), o presente estudo teve como objetivo investigar a visão de professores de Educação Especial (EE), que trabalhavam em escolas da rede privada e pública de ensino especial e regular do município e região metropolitana do Rio de Janeiro (RJ), acerca das políticas públicas de inclusão educacional vigentes, a fim de analisar possíveis relações da interpretação acerca da LDB com sua prática pedagógica junto a alunos com deficiência.

2. MÉTODO O presente estudo foi realizado no ano de 2007 4 em duas escolas que atendiam alunos com necessidades educativas especiais; uma escola especial privada da cidade do Rio de Janeiro e uma escola pública regular com classes especiais do município de Duque de Caxias, RJ. Um grupo de 21 professores participou do estudo, sendo 11 professores da escola privada e 10 da escola pública, com média de idade de 41 anos e tempo médio de experiência profissional de 18 anos no magistério e 10 anos como professor na área de EE. Inicialmente, o projeto foi apresentado para toda a equipe escolar e os professores foram convidados a participar de entrevistas individuais e assinar o termo de livre consentimento, de acordo com legislação que regula as pesquisas com seres humanos. Os professores foram entrevistados em sala cedida na própria escola utilizando-se um roteiro semi-estruturado de entrevista. O roteiro de entrevista foi elaborado pelos autores, contendo 12 questões para coleta do relato verbal dos professores no que se refere aos seus dados pessoais (idade, grau de escolaridade etc.) e profissionais (tempo de formação e atuação profissional, concepções sobre inclusão social e educacional, compreensão das políticas públicas inclusivas; sentimentos relativos às políticas públicas inclusivas). As entrevistas, com duração média de 30 minutos, foram gravadas e posteriormente transcritas e os dados coletados foram analisados de acordo com a Metodologia de Análise de Conteúdo de Bardin (1979). Além de uma caracterização do perfil dos profissionais e de aspectos relativos à sua formação e prática profissional na área da deficiência, foram elaboradas para avaliação da visão do professores acerca das políticas públicas de inclusão social e educacional, as seguintes categorias de análise, com suas respectivas sub-categorias: 1) conceito de inclusão: 1.1) promover a igualdade/cidadania; 1.2) estabelecer uma relação de troca; 1.3) integrar fisicamente; 2) compreensão das políticas públicas inclusivas: 2.1) ensino especial é melhor; 2.2) inclusão precisa ser mais discutida; 2.3.) inclusão é impossível; 2.4.) inclusão é importante, mas depende de preparação;3) sentimentos relativos às políticas públicas inclusivas; 3.1.) positivos (satisfeita, feliz); 3.2) negativos (impotente, descrente); 3.3.) indiferente. 4 O estudo foi realizado no âmbito do projeto de pesquisa e extensão Avaliação e intervenção psicoeducacional com crianças com necessidades educativas especiais (NEE) através de procedimentos baseados em abordagens sócio-interacionistas de Educabilidade Cognitiva (CUNHA, 2006), conduzido desde 2006 junto a uma escola especial privada, situada em um bairro nobre da cidade do RJ, e, a partir do segundo semestre de 2007, em uma escola pública regular com classes especiais, situada em um bairro da periferia do município de Duque de Caxias, região metropolitana do RJ.

Por fim, os dados coletados nas entrevistas foram processados e analisados em termos de freqüência simples da ocorrência das categorias acima mencionadas no relato verbal dos professores. 3. RESULTADOS Na análise geral do grupo de 21 professores investigado (escola pública=10; escola privada=11), observou-se que mais da metade (n=11) tinha mais de 40 anos de idade e mais de 10 anos de experiência profissional (n=15) na rede educacional. No campo da EE, o tempo de experiência era de mais de 10 anos para 10 professores entrevistados e os motivos de escolha para atuar nesta área eram intrínsecos para 15 professores (predestinação: 01; interesse pessoal: 09; identificação com a causa: 05). Quanto à prática profissional, 10 professores, somente os da escola pública, declararam estar insatisfeitos com as condições de trabalho, apesar de todos terem declarado receber apoio da escola ou instância superior (Secretaria Municipal, por ex.) para desenvolver sua prática profissional. Como pode ser observado na Tabela 1 a seguir, considerando o total de profissionais entrevistados (n=21), a visão acerca das políticas públicas inclusivas entre os professores da rede pública e privada desta amostra refletiam crenças que se afastavam daquelas implícitas nos textos legais que subsidiam as políticas públicas atuais Dessa forma, referente ao conceito de inclusão, para mais da metade da amostra, a inclusão significava integrar fisicamente (n=12) ou, simplesmente, estabelecer uma relação de troca (n=05), ao passo que a concepção de inclusão como um instrumento de promoção da igualdade/cidadania foi observada apenas em 07 relatos coletados nas entrevistas, dos quais 2 professores citaram também a inclusão como uma integração física, o que demonstra ambigüidade nos seus relatos.

Tabela 1. Número de citações das categorias de análise no relato verbal dos professores (n=21) categoria sub-categoria categorias de análise fi promover igualdade/cidadania 7 Conceito de inclusão estabelecer relação de troca 5 integrar fisicamente 12 Inclusão é impossível (ensino especial é 3 melhor) Visão acerca das políticas públicas de inclusão social e educacional Compreensão interpretação políticas e das inclusão precisa ser mais discutida inclusão é importante, mas depende do tipo de deficiência 5 2 Sentimentos relação às políticas em inclusão é importante, mas depende de 11 preparação Positivo 1 Negativo 18 Indiferente 2 Não declarou 0 No que se refere à compreensão das políticas públicas inclusivas, quando solicitados a compreender e interpretar a Constituição Federal e a LDB na determinação acerca do atendimento especializado aos portadores de necessidades educativas especiais, preferencialmente na rede de ensino regular, os professores interpretaram tais políticas de maneira diferentes. Do total de professores, aproximadamente a metade deles consideraram que a inclusão é importante, mas que para ser aplicada depende de alguns fatores: ou de preparação por parte dos professores (n=11) ou do tipo de deficiência da criança (n=02). Cabe destacar que, 03 professores afirmaram não concordar com a obrigatoriedade legal, já que consideraram que a inclusão é impossível (n=03), ou seja, não é viável devido o ensino especial ser melhor para a criança com deficiência. Por fim, 05 professores consideraram que as políticas públicas sobre inclusão deveriam ser mais bem discutidas em todas as instâncias sociais, sobretudo no contexto escolar. Acerca da sua visão pessoal na adoção da Lei, ou seja, os sentimentos em relação às políticas públicas inclusivas, a grande maioria dos professores (n=18) declarou experimentarem sentimentos negativos ou ambivalentes como frustração, impotência etc. De forma inversa, ao passo que 2 professores se declararam indiferentes à questão, apenas 1

professor se sentia feliz com a iniciativa legal, já que percebia esta estratégia como um avanço no sentido da inclusão educacional. 4. CONCLUSÃO Tomando como referência a pequena amostra investigada no presente estudo (n=21), os resultados podem sugerir que no sistema de ensino na área da Educação Especial (EE) no município e região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, grande parte dos professores conta com ampla experiência profissional no exercício do magistério. Mais especificamente na área da EE, o tempo de experiência também é considerável (acima de 10 anos) e as razões principais que levaram estes profissionais a escolher a área da deficiência para se dedicar se baseia em motivos de ordem intrínseca (interesse pessoal por se identificar com a causa da deficiência ou acreditar que foi predestinado por Deus para trabalhar com o tema, por exemplo), o que pode estar relacionado ao que a literatura afirma sobre a aura de bondade e caridade que cerca os profissionais que trabalham nesta área (AMARAL, 1995). A insatisfação de todos os professores da rede pública com relação às suas condições de trabalho também é um dado relevante que deve ser discutido. Importante considerar que, ainda que insatisfeitos, todos declararam receber apoio para sua qualificação e prática profissional por parte do órgão público gestor da rede de ensino, no caso a Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias, através da sua Coordenação de Educação Especial. Tal apoio, traduzidos por iniciativas como palestras, jornadas, seminários etc., sugere que esta ajuda fornecida para a formação e prática destes professores poderia ser ainda insuficiente ou não se sobrepor aos problemas de ordem estrutural que eles enfrentavam. Ainda que esse apoio fosse percebido como insuficiente para os 10 professores entrevistados na escola pública, o resultado acima sugere um comprometimento do sistema público de ensino naquele município com a qualidade da prática pedagógica junto aos alunos com deficiência. Menos da metade da amostra investigada refletiu concepções sobre inclusão social e educacional que se assemelhavam ao conceito encontrado nos principais textos das políticas públicas inclusivas: promover a igualdade/cidadania. Nas principais políticas públicas internacionais, a inclusão é definida como equalização de oportunidades, segundo a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994), ou igualdade em dignidade e direitos, de acordo com o Programa de ação mundial para as pessoas com deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU, 1982). Cabe destacar que são esses os aparatos reguladores que subsidiam a

construção do próprio paradigma da inclusão e a formulação das políticas públicas nacionais e, desta forma, a prática pedagógica dos professores, uma vez pautada na concepção de inclusão como promoção de igualdade/cidadania, pode refletir de fato o próprio paradigma da inclusão. Contudo, o fato de grande parte dos professores ter revelado concepções sobre inclusão baseadas na idéia da integração física, quer seja com o significado de integrar fisicamente ou, simplesmente, estabelecer uma relação de troca, sugere que estes profissionais persistem em manter um conceito de inclusão atrelado às concepções pautadas no conceito de integração social anterior ao atual paradigma da inclusão, ou seja, práticas baseadas na idéia de assistencialismo e paternalismo. Não se pode esquecer, então, que até a década de 1980 a legislação brasileira era baseada nestas idéias que, centrando-se na adaptação social e reabilitação do individuo e não do meio, não balizava as ações sociais e educacionais na perspectiva de uma inclusão como uma verdadeira mudança paradigmática. Atualmente, o exercício da inclusão preconiza um processo inclusivo como um paradigma social, balizado sob uma proposta de profunda transformação da sociedade e de reciprocidade de ações entre sociedade e deficiência. Nesse sentido, a sociedade deve se adaptar para poder incluir, em seus sistemas sociais, a escola, por exemplo, de uma forma ampla e participativa, cidadãos que dela foram excluídos, no sentido de terem sido privados do acesso aos seus direitos fundamentais (SASSAKI, 2003). Além disso, a interpretação dos professores entrevistados de que as políticas públicas são importantes, mas que na prática a inclusão é impossível porque o ensino especial é mais adequado, por exemplo, pode significar que estes profissionais adotam uma posição contrária à obrigatoriedade de incluir alunos com deficiência no ensino regular. Acreditando ser necessário uma ampla discussão e capacitação para se promover uma verdadeira inclusão, os profissionais entrevistados também definiram como necessária a promoção de um maior debate sobre as políticas públicas inclusivas que respaldam sua prática pedagógica, possivelmente por se perceberem despreparados para contribuir no estabelecimento deste novo paradigma. Entretanto, por conseguinte, devido ao fato dos professores acreditarem na importância do seu papel neste processo, grande parte expressou em seus relatos o desejo de se preparar melhor como agentes promotores da inclusão a partir desta ampla discussão das Leis. Em última análise, tal discussão das políticas públicas, assim como a capacitação dos professores, possibilitaria uma maior reflexão sobre os sentimentos por eles experimentados no difícil exercício da inclusão. Observou-se que foi quase unânime o relato de sentimentos

negativos como frustração, descrença ou impotência, evidenciados nas entrevistas de 18 dos 21 professores entrevistados. Certamente, tais sentimentos podem influenciar a posição adotada neste processo de inclusão, gerando neles atitudes de insensibilidade, preconceito, paternalismo, etc., que acentuariam a discriminação e teriam como conseqüência a negação do aluno deficiente e as chamadas barreiras atitudinais, expressas por atitudes como segregação e exclusão (AMARAL, 1995; MANHÃES; CUNHA, 2008). Com efeito, tais barreiras dificultam, e por vezes até impossibilitam, a convivência social da pessoa com deficiência com as demais e a coloca à margem da sociedade, sobretudo no contexto educacional, onde o professor pode e deve assumir um papel fundamental no combate a todo e qualquer obstáculo que inviabilize a inclusão de fato. Considerando que uma escola inclusiva deve estar disposta a adaptar seu currículo e seu ambiente físico às necessidades de todos os alunos, propondo-se a realizar uma mudança de paradigma dentro do próprio contexto educacional, com objetivo de atingir a sociedade como um todo, pode-se concluir que, realmente, faz-se importante investigar a visão que professores que lidam com a temática da deficiência têm acerca das políticas públicas que regulam o sistema educacional em que se inserem e, por conseguinte, a sua prática profissional, com vias a promover a competência social e afetiva tanto do aluno com deficiência quanto do professor para serem ativos na implementação do PARADIGMA DA INCLUSÃO. REFERÊNCIAS AMARAL, Ligia Amaral Conhecendo a deficiência (em companhia de Hércules). São Paulo: Robel. 1995. BARDIN, L. Analise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. BRASIL. A Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Disponível em: <http: //portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acesso em: 04 de mar. 2007. 1994. BRASIL Ministério da Educação e do Desporto. Lei Nº9394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://grad.unifesp.br/alunos /cg/ldb/ldb.pdf>. Acesso em: 04 de mar. 2007. 1996. BRASIL (2001). Ministério da Educação. Decreto Nº3956 de 08 de outubro de 2001. Brasília, DF Disponível em: <http://portal.mec. gov.br/seesp/arquivos/pdf/guatemala.pdf>. Acesso em: 04 de mar. 2007. 2001. CORRER, Renato. Deficiência e inclusão social: construindo uma nova comunidade. São Paulo: EDUSC. 2003.

CUNHA, Ana Cristina Barros. Avaliação e intervenção psicoeducacional com crianças com necessidades educativas especiais (NEE) através de procedimentos baseados em abordagens sócio-interacionistas de Educabilidade Cognitiva. Projeto de pesquisa não publicado. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Brasil. 31p. 2006. MANHÃES, Vanessa Siqueira; CUNHA, Ana Cristina Barros. Atitudes sociais de profissionais que atuam junto a pessoas com deficiência, no Rio de Janeiro, no atual contexto das políticas públicas de inclusão. Revista Pesquisa e Práticas Psicossociais, 2 (2), 312-321. 2008. ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em: <http://www.bengalalegal.com/convencao.php>. Acesso em: 12 de nov. 2007. 1994. RATTNER, Henrique. Sobre o conceito de exclusão e políticas de inclusão. Disponível em: <http://http://www.lead.org.br/article/static/195>. Acesso em: 09 de jul. 2008. 2004. SASSAKI, Romeu. Inclusão: Construindo uma Sociedade para Todos. Rio de Janeiro: WVA. 2003. WERNECK, Carla. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro: WVA. 2000.