SÔBRE LESÕES PAGETOIDES DO TECIDO ÓSSEO NA LEPRA



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Transcrição:

(Trabalho da Sencção de Anatomia PatoIógica do Instituto Conde de Lara, São Paulo, Brasil. Diretor: Prof. Walter Büngeler) SÔBRE LESÕES PAGETOIDES DO TECIDO ÓSSEO NA LEPRA PAULO RATH DE SOUSA Por determinação do Prof Büngeler temos nos interessado pelo estudo das alterações ósseas em doentes de lepra. Como parte dêste tema expomos aquí o resultado de observações preliminares por nós feitas. A bibliografia sôbre o assunto não é muito extensa e está, em sua maior parte, referida no tratado de Henke & Lubarsch, no capítulo "Alterações dos ossos e articulações na lepra", redigido por BEITZKE. Na literatura nacional devemos mencionar o trabalho de CASSIO ROLIM, "Aspectos radiológicos da lepra óssea", publicado na Revista de Leprologia de S. Paulo. Nessa literatura e ainda no tratado de JEANSELME são estudadas a periostite e a osteomielite leprosas bem como as alterações articulares determinadas por esta moléstia. Tais alterações são, porém, localizadas e determinadas pela ação imediata do processo leprótico sôbre o tecido ósseo enquanto que, no momento, desejamos tratar sòmente de uma lesão do tecido ósseo pròpriamente dito, generalizada e sem relação imediata aparente com o mal de Hansen. Assim é que, estudando os relatórios das autopsias de doentes de lepra, efetuadas na Escola Paulista de Medicina, verificámos que com frequência se encontra o diagnóstico macroscópico de "malácia e porose da coluna vertebral". Alguns dêsses casos, estudados microscòpicamente mostram alterações comparáveis às das formas menos graves da moléstia de PAGET (Ostitis deformans), com aspectos histológicos semelhantes àqueles considerados típicos para esta moléstia, como seja a "estrutura em mosáico" de SCHMORL (v. microfotografias). Pelas relações que apresenta com o nosso argumento desejamos em pequeno resumo dar uma idéia da natureza da moléstia de PAGET. Ela pertence ao grupo das assim chamadas moléstias transformativas metabólicas progressivas idiopáticas, (CHRISTELLER) assim constituído:

226 A) Moléstia de RECKLINGHAUSEN (ósteo distrofia fibrosa cística generalizada; B) Moléstia de PAGET (ósteo distrofia fibrosa hiperostótica localizada); C) Tumores marrons epuliformes; D) Cistos ósseos isolados e múltiplos. Trata-se de moléstia da idade avançada, ocorrendo, via de regra, após o climatério feminino e masculino. Localiza-se predominantemente na coluna vertebral (porção lombar), sacro, fémur, etc. Suas características histológicas são as seguintes: A) fibrose da medula; B) proliferação gigantocelular; C) reabsorpção lacunar e D) aposição precipitada de tecido osteoide com calcificação secundária. Dos processos de reabsorpção e aposição precipitada resultam as assim chamadas estruturas em mosaico, descritas pela primeira vez por SCHMORL e caracterizadas pela irregularidade das linhas de acolamento (Kittlinien). Sôbre a etiologia da moléstia existem várias teorias. As principais são as seguintes: 1.º Artério esclerose. Fala a favor desta teoria o fato da m. de Paget ocorrer, principalmente, em indivíduos idosos. Tratar-se-ia então de nutrição deficiente com atrofia correspondente dos ossos. Não ficam porém satisfatòriamente explicados os processos de aposição precipitada, típicos da moléstia. 2.º Traumatismo. Tem a sua razão de ser porque a m. de Paget, frequentemente, se localiza nos pontos do esqueleto mais sujeitos a pressão. Têm se encontrado também alterações semelhantes às da m. de Paget em pontos expostos a traumatismos repetidos. Como exemplo típico cita-se a ósteo distrofia localizada no rádio dos indivíduos que trabalham com perfuradoras de asfalto. 3.º Perturbações endocrinas. A favor desta última teoria está o fato de só se encontrar a moléstia em indivíduos de certa idade ou em indivíduos jovens com alterações concomitantes das glândulas sexuais. O material por nós estudado se compõe de 65 casos (47 homens e 18 mulheres), todos adultos, doentes de lepra. Como já dissemos, usámos para a confecção dos quadros que se seguem os relatórios de autopsias, arquivados na secção de Anatomia Patológica do Instituto Conde de Lara.

227 HOMENS: 47 casos MULHERES: 18 casos Examinando o grupo masculino verifica-se que, de 42 indivíduos portadores de atrofia testicular, 17 (40%) apresentam, ao mesmo tempo alterações da coluna vertebral. Por outro lado, dos 18 portadores desta última lesão 17 (94,4%) apresentam atrofia testicular. Sòmente um caso faz exceção. Trata-se de indivíduo de 67 anos, portador de cancroide da face. Deve-se ainda notar que, no grupo de 17 indivíduos portadores das duas alterações, 7 (41%) têm idade inferior a 45 anos. Dêstes, apenas um (A. W., de 37 anos) apresenta artério-esclerose de pequeno grau. Devemos mencionar que no grupo masculino 13 casos (27,6%) apresentavam artério-escderose de maior ou menor grau e que, dos 18 indivíduos do grupo I, 7 (38,8%) eram portadores desta afecção. No grupo feminino, em um total de 18 casos, encontramos 6 (33,3%) com alterações da coluna vertebral, no sentido de porose e malácia. Dêstes, 4 (66,6%) apresentavam ao mesmo tempo atrofia ovárica e 2 não a tinham. A respeito dêsses 2 casos cabem os seguintes comentários: no 1.º trata-se de uma mulher de 45 anos (A-123/37) cujos ovários não foram expressamente mencionados no relatório da

228 autopsia mas que apresentatava "forte atrofia da mucosa uterina com destruição do epitélio superficial"; o 2. é o de uma mulher de 39 anos (A- 125/37). Não há menção expressa sôbre o estado dos ovários constando, porém, "amputação antiga do corpo do útero". Como se vê, parecem ser dois casos um tanto duvidosos. Se os juntássemos ao grupo A (com atrofia ovárica e alterações da coluna vertebral) teríamos: 13 casos com atrofia dos ovários dos quais 6 (46,1%) tinham porose e malácia da coluna e, dos 6 casos com esta última lesão, 6 (100%) teriam ao mesmo tempo atrofia dos ovários. Quanto à artério-esclerose, esta foi encontrada em 5 dos casos que constituem o grupo I, o que da uma frequência percentual de 83,3%. Em resumo, chama a atenção a frequência com que, nos indivíduos portadores de atrofia dos testículos ou ovários, aparece a porose e malácia da coluna vertebral, e, por outro lado, a frequência ainda maior com que nos portadores desta última lesão se encontra a atrofia dessas glândulas. Isto sugere a possibilidade de, pelo menos em parte, haver uma relação de causa e efeito entre a atrofia dos testículos ou ovários e a lesão óssea em questão. Os dados aquí apresentados, se bem que não permitam chegar ainda a conclusões sôbre esta eventual relação, tornam o assunto, segundo pensamos, interessante para um estudo mais minucioso. Esperamos poder realizá-lo reunindo maior quantidade de material. As microfotografias que se seguem se referem a dois casos, cujas colunas vertebrais tivemos a possibilidade de estudar microscòpicamente: Microfotografia n. 1 A-51/38. P. Fiore, 60 anos. Porose e malácia da coluna vertebral. Atrofia leprosa dos testículos Sem artério-esclerose. Microfotografia n. 2 A-9/38. P. Fratto, 71 anos. Osteoporose e malácia senil da coluna vertebral. Atrofia dos testículos (sem infiltração leprosa). Artério-esclerose de pequeno grau. Microfotografia n. 3 Mesma lâmina da anterior com maior aumento.

229 Microfotegrafia n.º 1 Vê-se uma trabeeula ossea de vertebra com nitida "estrutura em mosaico", fócos de reabsorpção lacunar e pequena apasiefio de tecido osteoide. Microfotografia n.º 2: Córte de vertebra vendo-se a irregularidade das trabeculas e "estruturas em mosaico" em alguns pontos, bem como intensa reabsorpção lacunar.

230 Microfotografia n.º 3: Mesmo campo da mf. n.º 2, com maior aumento, vendo-se uma trabecula óssea com zonas de reabsorpção lacunar, nítidos rebordos osteoides e cances de Volkmann.