A POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO EM ANÁLISE RESUMO. pela Psicanálise. No trabalho com pessoas que têm dificuldade na integração de amoródio



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Transcrição:

A POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO EM ANÁLISE RESUMO Sandra C. Tschirner 1 Winnicott compreende que as técnicas psicanalíticas clássicas atenderiam a um grupo específico de pacientes, aos neuróticos, que sofrem de conflitos intrapsíquicos e têm dificuldades nas relações interpessoais. Essas pessoas podem atingir certo nível de desenvolvimento emocional posterior e conseguem transformação e desenvolvimento pela Psicanálise. No trabalho com pessoas que têm dificuldade na integração de amoródio encontramos dificuldades especiais de manejo, e nas reações contratransferenciais. Winnicott indica que a técnica psicanalítica clássica seja adotada nesse caso, porém no que se refere à atitude do analista, a sobrevivência aos ataques que a pessoa faz contra ele seria fundamental, para que ela possa integrar-se nesse aspecto e conseguir transformação e desenvolvimento pela Psicanálise. Neste trabalho observamos que isso é possível para um número de pacientes, mas não para todos. A dificuldade pode atingir um grau que excede o que se entenderia como razoavelmente sustentável. Palavras chaves: agressividade, transformação, técnica 1 Psicóloga, Doutora em Saúde Mental pela UNICAMP, Membro do Espaço Potencial Winnicott do Departamento de Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientiae

A POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO EM ANÁLISE Sandra C. Tschirner 2 A cura, a aplicabilidade, a efetividade da prática psicanalítica têm sido levantadas e discutidas exaustivamente, entretanto há uma questão e um caminho sempre presentes ao fazermos uso do corpo teórico psicanalítico e das técnicas desenvolvidas para aplicá-lo que pode ser interessante percorrer: a possibilidade de transformação pela Psicanálise. Pelo pensamento de Freud e de outros autores podemos relacionar as idéias de progressão em termos de desenvolvimento psíquico à possibilidade de transformação pela Psicanálise. A idéia de progressão e de sua contrapartida, a regressão, pode ser vista do narcisismo primário e secundário para a relação objetal; das fases pré-edípicas, passando pelo Complexo de Édipo e caminhando no sentido da genitalidade; dos objetos parciais para os objetos totais; da dependência total inicial para a independência e assim por diante dependendo das idéias de cada corrente, de cada autor. Winnicott não pensa diferente quando o assunto é transformação relacionada ao desenvolvimento psíquico. Em seu conceito de transicionalidade, Winnicott (1951) destaca que a possibilidade de transformação se daria em todas as áreas e setores da vida, mas que existiria uma área intermediária, um espaço de experimentação, sem qualquer juízo crítico ou formal, onde e quando a compreensão do funcionamento e a passagem da subjetividade para a realidade compartilhada (Winnicott,1951); da relação com os objetos desde os subjetivos, passando pela relação de objeto até a possibilidade do uso do objeto (Winnicott,1969); do movimento espontâneo, até a experiência da destrutividade e o desenvolvimento da capacidade de sentir remorso, culpa e reparação (Winnicott,1950); da passagem da dependência para a independência mesmo que relativa (Winnicott,1963), aconteceria nessa aérea de jogo e experimentação onde a elaboração, transição e transformação (Winnicott,1951) no sentido de progressão e desenvolvimento aconteceria. Freud desenvolveu as técnicas de associação livre, transferência e interpretação para conhecer, compreender, analisar e transformar conteúdos inconscientes em conscientes que deve acontecer na regressão, dentro do setting analítico. Parece 2 Psicóloga, Doutora em Saúde Mental pela UNICAMP, Membro do Espaço Potencial Winnicott do Departamento de Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientiae

consenso entre os autores que exercem e produzem conhecimento em Psicanálise que a aplicação dessas técnicas clássicas, propostas por Freud, neste contexto, gera compreensão, transformação e desenvolvimento pela Psicanálise. Winnicott (1954,1955) compreende que essas técnicas clássicas atenderiam a esse propósito, mas a um grupo específico de pacientes, aos neuróticos, que sofrem de conflitos intrapsíquicos e têm dificuldades nas relações interpessoais. Isto significa que apesar das vicissitudes sofridas durante a vida, as pessoas que tiveram uma condição de maternagem inicial satisfatória, podem atingir certo nível de desenvolvimento emocional posterior. Isto inclui alguma organização de defesas, de falso self (1960) que permita relacionamento social, familiar e profissional satisfatórios e a possibilidade de atingir certo nível de independência para realizar experiências na vida. Na relação transferencial usar o analista e o setting de forma transicional, como se, para fazer progressões, regressões e também transformações. Mas Winnicott (1954) aponta que além desse grupo existiriam, pessoas que não puderam usufruir as mesmas condições iniciais favoráveis. O fracasso sofrido na sustentação e contenção primária necessária para que o processo inicial de integração de seus aspectos primitivos pudesse entrar em marcha comprometeria a formação e o desenvolvimento do aparelho psíquico nos aspectos mais amplos. Nestas condições, as técnicas psicanalíticas clássicas seriam insuficientes. Adaptações no setting e principalmente na atitude do analista que deve ir além das interpretações para tornar consciente o inconsciente, seriam necessárias. Haveria necessidade de uma adaptação ativa por parte do analista às necessidades da pessoa para que os conteúdos, mais do que desconhecidos ou inconscientes, mas aqueles primitivos e não-integrados ou desintegrados possam emergir e serem revividos na relação transferencial para serem contidos, sustentados, integrados e elaborados no encontro atual (Winnicott,1955). Nesse caso, a confiança e a estabilidade na relação analista-analisando seria a condição necessária que permitiria a regressão da pessoa a um estado tal de dependência a partir da qual a capacidade de conter, elaborar e transformar seus conteúdos poderia ser adquirida, transformada e desenvolvida. Winnicott (1947) aponta para um grupo de pessoas que teriam tido seu desenvolvimento inicial perturbado por ocasião da separação mãe-bebê o que proporcionaria dificuldades na integração amor/ódio que se manifestaria no desenvolvimento da agressividade. O paciente neurótico tende a ver o analista como sendo ambivalente, da mesma forma que ele o é com relação ao amor e ao ódio. O

paciente psicótico, por se encontrar em um estado de espírito de coincidência de amor e ódio, tende a entender o amor que o analista demonstra a ele como tentativa de assassinato. Os que têm dificuldade na integração amor-odio tendem a fazer predominantemente identificação projetiva de seus aspectos agressivos na análise e com o analista. No trabalho com pessoas que têm dificuldade na integração de amor-ódio encontramos dificuldades especiais de manejo, e nas reações contra-transferenciais. Winnicott (1947) indica que a técnica psicanalítica clássica seja adotada nesse caso, porém no que se refere à atitude do analista, a sobrevivência aos ataques que a pessoa faz contra ele seria importante, para que ela possa integrar-se nesse aspecto. Isso sem dúvida é possível para um número de pacientes, mas não para todos. A dificuldade pode atingir um grau que excede o que se entenderia como razoavelmente sustentável. Algumas dessas pessoas, na relação transferencial não apresentam reconhecimento nem gratidão pelo que recebem, pelo contrário, demonstram sentir prazer em atacar o analista e em relatar os ataques que realizam às pessoas. Não sentem remorso nem exercem qualquer atitude reparatória pelo que fazem, ao contrário, desvalorizam qualquer atitude generosa que recebem e se queixam da situação de análise e da pessoa do analista que cuida e sobrevive aos ataques da mesma forma como se queixam da mãe e dos cuidados maternos que ela desempenhou e das pessoas com quem se relacionam. É comum a essas pessoas pagarem a menos do combinado, se negarem a pagar faltas, férias, esquecerem o dia do pagamento e até mesmo irem embora da análise com dívida financeira pendente com o analista. Relatam com orgulho e vangloriam-se prazerosamente das reações contra-transferenciais que provocaram nos diversos profissionais que consultaram. Tudo é pouco, o que é de uma forma deveria ser de outra e, se for da outra, não é boa o bastante. Tudo e todos se tornam, de alguma forma incompetentes e insatisfatórios. Winnicott (1947) se refere a um fracasso ambiental sofrido por essas pessoas na época dos primeiros impulsos da pulsão em busca de um objeto. Mas uma observação chama a atenção: se houve cuidados iniciais insuficientes que afetaram a integração amor-ódio, e estes surgem na regressão transferencial, porque no momento atual, tendo um analista ambiente favorável às experiências e a oportunidade de rever, refazer e se for o caso, constituir um vínculo satisfatório, prazeroso, com a pessoa do analista disponível, continente e sobrevivente aos ataques por que não o fazem? Porque pacientes - que sofreram falhas ambientais importantes em estágios iniciais de

desenvolvimento - e se encontram em condições de dissociação e de desintegração emocional bem mais acentuada que esses aqui citados, conseguem fazer uso do analista ambiente e da pessoa do analista de tal forma a realizar transformações favoráveis no sentido de seu desenvolvimento e esses não conseguem? Durante a análise dessas pessoas, a agressividade com relação ao analista acontece de forma abrupta, sem qualquer razão ou motivo e havendo motivo, o ataque é desproporcionalmente maior que a reação esperada que a situação que o gerou. A aparente condição favorável é adaptativa, ou melhor, faz parte de um falso self (Winnicott,1960) que possibilita a condição de viver razoavelmente a vida. Na regressão transferencial observa-se uma contaminação delirante, uma psicose de transferência nos mesmos moldes dos pacientes psicóticos. Não há como se. O analista é como os outros e todos são iguais entre si, enfim, todos são contaminados por seu olhar e por sua angústia. Parecem possuídos por objetos subjetivos (Winnicott,1975) que produzem malestar, devido à insatisfação e ao ódio. Há uma relação objetal (Winnicott,1969) onde sujeito e objeto se confundem em termos de existência e qualidade. Tudo, todos são contaminados por esse mal-estar e atacados. Os ataques se referem à identificação projetiva maciça de seus aspectos arcaicos, parciais e pré-genitais sádicos não contidos, que transformam a percepção que têm sobre o outro e sobre si mesmo. Atacam e retaliam os objetos e situações da realidade compartilhada sem remorso ou culpa e sem temor paranóide. Justificam intelectualmente a necessidade de terem empreendido seus ataques. Após a destruição do outro em fantasia (ou efetivamente) são tomados pela onipotência, e entendem que se bastam, que prescindem do outro. Ao perceberem a insuficiência dessa condição atacam sua própria capacidade o que agrava sua autoestima. Esta pode ser vista como uma condição narcísica onde não há temor, cuidado nem por si nem pelo outro. Não há eu nem outro. Os objetos e as situações da realidade compartilhada e sua auto-imagem inclusive são eleitos principalmente para descarga do ódio não contido. Com relação aos pacientes deste grupo Winnicott (1947) esclarece o seguinte: Há uma grande diferença entre aqueles pacientes que tiveram experiências iniciais satisfatórias que podem ser descobertas na transferência e aqueles cujas experiências iniciais foram tão deficientes ou distorcidas, que o analista tem que ser a primeira pessoa na vida do paciente a fornecer certas coisas que são essenciais no meio ambiente.... No tratamento do paciente do segundo tipo, cada detalhe técnico da prática analítica,

que, no tratamento do primeiro tipo de paciente, é tido como natural, adquire uma importância vital (pg. 347) Deste modo, e pensando desta forma, ao invés de interpretação, o analista deve conter as angústias do paciente sustentando seus ataques, sem interpretação. O analista deve se manter disponível para ser odiado na sessão, ouvir atentamente as queixas e observar a descarga do ódio ora dirigido contra as outras pessoas referidas por eles, ora contra o próprio analista. Essa adaptação da técnica à condição dissociada e regredida do paciente teria o propósito de mostrar que o analista ao ser encontrado vivo e disponível na sessão seguinte, depois do ódio dirigido contra ele na sessão anterior, não o destruiu. Mostrar também que apesar de ter odiado outras pessoas durante a sessão, e o analista entre uma sessão e outra, todos são encontrados ilesos. Isto poderia dar ao paciente a noção de que as pessoas existem por suas próprias qualidades e não são nem tão frágeis nem tão poderosos quanto possam ser idealizados. Este é um manejo possível para ajudar o paciente a ter, pela análise e com o analista, uma experiência integradora e transformadora de amor e ódio, e da idealização da potência dos objetos e si mesmo. Mas a experiência transformadora e integradora conforme proposta por Winnicott (1952,1954) não acontece com todas essas pessoas. O que se observa é que ao contrário dos pacientes neuróticos ou psicóticos, a sobrevivência do analista aos ataques realizados por eles não gera alegria nem objetivação, mas inveja (Winnicott,1963a). O analista sobrevivente é entendido como possuidor de dotes que o paciente não possui e sendo assim, torna-se alvo de inveja e ataque. A sobrevivência do analista fomenta o ódio e aumenta as atuações dentro e fora da sessão. O ódio mobilizado pela inveja cria a possibilidade de inserção da crítica, de elaboração, de desenvolvimento, de pensamento e formação de vínculo. Esta condição dificulta e muitas vezes impossibilita a formação de uma aliança terapêutica, uma relação de confiança com o analista, a formação de um vínculo humano constituído de tal forma por onde uma experiência transformadora possa ocorrer e um resgate acontecer. As questões que se abrem neste momento são: Seria a técnica clássica tendo como adaptação a sobrevivência do analista ao ódio do paciente do segundo grupo suficiente para se conseguir transformações pela Psicanálise como aquelas que observamos nos dois grupos extremos de neurose e psicose? Ou teríamos um quarto grupo para compreendermos e desenvolvermos técnicas que possibilitem transformação pela Psicanálise?

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