Vai descendo até o chão, fazendo nhéconhéco no salão



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Transcrição:

CENTRO UNIVERSITÁRIO CÂNDIDO RONDON CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DEWIS MAYCON MENESES CALDAS Vai descendo até o chão, fazendo nhéconhéco no salão a comunicação das bandas de lambadão em Cuiabá e Várzea Grande Cuiabá-MT 2011

2 DEWIS MAYCON MENESES CALDAS Vai descendo até o chão, fazendo nhéconhéco no salão a comunicação das bandas de lambadão em Cuiabá e Várzea Grande Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, da Universidade Cândido Rondon (Unirondon). Orientadora: Prof. Ms. MARIÂNGELA SOLLA LÓPEZ Cuiabá-MT 2011

3 DEWIS MAYCON MENESES CALDAS Vai descendo até o chão, fazendo nhéconhéco no salão a comunicação das bandas de lambadão em Cuiabá e Várzea Grande Situação Final: Banca Examinadora: Presidente: Ass: Membro: Ass: Membro: Ass: Autor: Ass: Cuiabá, / /

4 Dedico esta pesquisa a todos aqueles que insistem em trabalhar naquilo que gostam e acreditam

5 Obrigado a todos os meus familiares. Todos eles - próximos ou distantes - tiveram uma parcela fundamental no pensamento desta pesquisa. Agradeço especialmente às cinco mulheres da minha vida: minha avó Odete, minha mãe Odineia, minha irmã Brendha, minha tia Olenice e o apoio constante da minha namorada, Bárbara. Um beijo gostoso para vocês. Além destes, destaco todos os fiéis amigos, companheiros de trabalho, músicos e bandas, parceiros que estiveram comigo nesta caminhada compartilhando e acreditando nas minhas ideias loucas. Para estes, um abraço especial do Marânhas. Um sonoro obrigado aos meus professores. Principalmente para minha orientadora, Mariângela López, a coordenadora do curso de jornalismo da Unirondon, Fabíula Bento, e a professora Sonia Zaramella, que foi uma das peças fundamentais na formação jornalística e do pensamento profissional da nossa turma. Claro que não poderia deixar de agradecer à Deus pela oportunidade de conviver com todas essas pessoas e por tudo que aprendi na vida. Agradeço de maneira especial a Roger Waters, Syd Barret, Paul McCartney e John Lennon.

6 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo entender o funcionamento da divulgação dos produtos das bandas de lambadão em Cuiabá e Várzea Grande. O desenvolvimento do tema se desdobra em três importantes eixos de investigação, a saber: a história do mercado fonográfico no Brasil, o percurso da lambada da América Central até Mato Grosso e por fim, uma análise dos cinco modelos mais comuns de divulgação utilizados pelas bandas atualmente nas duas cidades. São elas: carro de som, panfletos, cartazes e faixas, o pit stop, as rádios comunitárias e a internet. Foram entrevistados quatro músicos, um pesquisador e outros quatro agentes que desempenham atividades profissionais dentro do lambadão com divulgador, empresário ou produtor musical. Palavras-Chave: Modelos Alternativos de Comunicação; Cultura Contemporânea; Identidade, Cultura e Mídia Local; Jornalismo Cultural; Música na Periferia

7 ABSTRACT This study aims to understand the workings of the dissemination of productsof the bands of lambadão in Cuiabá and Várzea Grande. The development of the theme unfolds in three major axes of research, namely the history of the music industry in Brazil, the course of lambada from Central America to Mato Grosso and finally, an analysis of five commonly used models of dissemination used by the bands currently in the two cities. They are: audio cars, flyers, posters and banners, the pit stop, the community radio and the Internet. We interviewed four musicians, a researcher and four other agents who perform professional activities within the lambadão such as promoter, developer or producer. Keywords: Alternative Models of Communication; Contemporary Culture; Identity, Culture and Local Media, Cultural Journalism, Music on the Periphery

8 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Thomas Edson e seu fonógrafo. Pág 27. Figura 2. Retrato de Frederico Figner. Pág 28. Figura 3. Capa da trilha sonora da novela O Cafona, 1971. Pág 30. Figura 4. Volume total de vendas mundiais de discos (entre bilhões de US$) entre 1999 a 2003. Fonte: IFPI. Pág 32. Figura 5. Percentual de redução de Faturamento registrado no mercado fonográfico entre 2000-2003. Fonte IFPI. Pág 32. Figura 6. Logotipo da gravadora Trama Virtual. Pág 35. Figura 7. Shows pirotécnicos no tecnobrega paraense. Fonte: Agência Olhares. Pág 37. Figura 8. Porto de Belém na década de 90. Pág 41. Figura 9. Capa do disco Pinduca no Embalo do Carimbó e Sirimbó. Pág 42. Figura 10. Capa do disco Lambada das Quebradas, do Mestre Vieira. 1976. Pág 43.. Figura 11. Foto do rosto de Chico Gil, retirada do disco Um Amor de Lambadão. Pág 45. Figura 12. Banda Estrela Dalva, da cidade de Poconé. 1996. Pág 48. Figura 13. Os dez integrantes da banda Os Maninhos e suas três dançarinas. Pág 50. Figura 14. Banda Real Som completa. Pag 51. Figura 15. Banda Erre Som durante gravação do DVD. Pág 53. Figura 16. Central Show Bar, em Várzea Grande. Vai descendo até o chão, vai descendo até o chão, fazendo inhéco, inhéco no salão. Pág 55. Figura 17. Fachada da Cabana da Dudu. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011. Pág 56. Figura 18. Fachada do Clube do Zé Pimenta. Crédito: Protásio de Morais, novembro de 2011. Pág 57. Figura 19. Coletânea Perfil Vol.01 da banda Os Ciganos, a sensação de Mato Grosso. Fonte: Wilson Cigano. Pág 58.

9 Figura 20. Carro de Som em atividade numa rua em Várzea Grande. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011. Pág 59. Figura 21. Mercio Luiz ao lado de seu instrumento de trabalho. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011.Pág 61. Figura 22. Cartaz que divulga o lançamento do CD da banda Os Ciganos. 62. Figura 23. Faixa instalada em muro. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011. Pág 63. Figura 24. Faixa da festa Feijoada dos Amigos. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011. Pág 64. Figura 25. Cartaz pregado na porta do Clube do Zé Pimenta. Crédito: Dewis Caldas, novembro de 2011. Pág 65. Figura 26. Cartaz da gravação do 1º Cd do Central Show Bar, em Várzea Grande. Pág 66. Figura 27. Cartaz do lançamento do 1º CD do Central Show Bar, em Várzea Grande. Pág 68. Figura 28. Capa do Volume 13 da banda Real Som. Pág 69. Figura 29. Locutor Gonça Voz Amiga durante apresentação do seu programa, na Estação VBG, em Várzea Grande. Crédito: Dewis Caldas, outubro de 2011. Pág 70. Figura 30. Valdelício Garcia antes de entrar no ar. Crédito: Dewis Caldas, outubro de 2011. Pág 72. Figura 31. Capa do terceiro volume da banda Bad Boys, Melô do Créu. Pág 74.

10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 METODOLOGIA 16 1. A CULTURA E A PRODUÇÃO EM LARGA ESCALA 23 1.1 A produção de bens no modelo da indústria cultural...24 2. HISTORIA DO MERCADO FONOGRÁFICO NO BRASIL 27 2.1 A chegada do fonógrafo em solo brasileiro...27 2.2 Mercado discográfico se estrutura...29 2.3 Discos começam a vender menos...31 2.4 A música na rede...33 2.5 O download remunerado...35 2.6 A potencialização dos nichos de mercado...36 2.7 Meios de divulgação da música...38 3. A AVENTURA DO LAMBADÃO EM MATO GROSSO 41 3.1 Da América Central para o Brasil...41 3.2 Chico Gil, o Rei do Lambadão...44 3.3 Ritmo ganha destaque e mais seguidores...47 3.4 Bandas de rasqueado entram no mercado do lambadão...51 3.5 Lambadão, eletro-rítmo e lambadinha...52 3.6 Fãs se encontram em casas de show lotadas...54 3.7 Eventos de lambadão ocupam outros espaços...57 4. A COMUNICAÇÃO DAS BANDAS DE LAMBADÃO59 39 4.1 Carro de som...59 4.2 Panfletos, cartazes e faixas...61 4.2.1 Analisando quatro modelos...64 4.3 Pit stop...68 4.4 Rádios comunitárias...70 4.5 Internet...73 CONCLUSÃO 76 APÊNDICE LISTA DE CIFRAS 79 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 80

11 INTRODUÇÃO A identidade musical brasileira foi construída a partir de três origens distintas. A primeira delas é a indígena, primeiros habitantes do território. A segunda é a orquestração e o contraponto 1 europeu. E por fim, o batuque e sotaque africano, que chegou aqui pelos navios negreiros. Por consequência dessas fusões, a música popular brasileira apresenta uma pluralidade de ritmos, estilos e propostas estéticas únicas no mundo, resultado de um longo percurso de misturas e influências (NAPOLITANO, 2005). Por conseqüência dessa pluralidade de ritmos que aportavam no Brasil, a maioria deles foi se encaixando ao contexto brasileiro, se desenvolvendo e moldando a identidade musical brasileira (MARIZ; 1981). Alguns dos gêneros como o choro, o baião e o samba, por exemplo, nasceram por meio das fusões de outros ritmos como lundu, maxixe, polca, coco, xaxado, maculelê e outros. O lambadão mato-grossense é um gênero que passou por esse processo. Veio da lambada do Pará, herança da salsa e do merengue caribenho e tem as algumas semelhanças com o Mentho, que é a música folclórica jamaicana. Ao chegar em Mato Grosso, ganhou novas características, mudou a condução rítmica, com mais velocidade, e deu um novo caráter ao timbre 2. Mais que isso, deu um novo caráter à forma de apresentar o produto também mudou, tanto nos elementos do palco como na divulgação e reverberação dos eventos e festas. Este trabalho tem por objetivo estudar este novo tipo de comunicação e divulgação dos produtos das bandas de lambadão em Cuiabá e Várzea Grande, seja música gravada ou apresentações ao vivo. Para começo de conversa, é necessário primeiro atentar-se ao que se entende por gênero musical. De acordo com a enciclopédia Vocabulário de 1 Técnica usada na composição onde duas ou mais melodias são compostas. Foi dominante a partir do renascimento (1450-1600) até o romantismo (1800 1910) 2 É a característica sonora que nos permite distinguir sons de mesma freqüência. Por exemplo, quando ouvimos uma nota tocada por um piano e a mesma nota produzida por um violino, podemos imediatamente identificar os dois sons como a mesma nota, mas com características sonoras muito distintas, estas características chamamos de timbre.

12 Musica Pop, do jornalista inglês Roy Shuker, um gênero musical pode ser definido como uma categoria ou tipo As diversas enciclopédias, as histórias-padrão as análises críticas a respeito da música popular usam o conceito de gênero como um elemento básico de organização. A organização das lojas de discos também sugere a existência de gêneros na música popular claramente definidos e assim entendidos pelos consumidores. Também os músicos, freqüentemente, situam o seu trabalho segundo gêneros e estilos musicais. (SHUKER, 1998, p.141) O assunto chama a atenção pelo seguinte motivo: mesmo sendo um gênero de grande força em Mato Grosso, com casas especializadas e em média 100 bandas em atividade 3, com uma produção de música gravada maior que qualquer outro ritmo local, ainda assim, o lambadão não possui espaço nas mídias tradicionais, pois não o considera parte da cultura popular cuiabana 4. Não encontramos dados específicos sobre os números do mercado de vendas das bandas de lambadão, pois não há estudos relacionados. Além disso, uma das forças do gênero é a pirataria que, mesmo ainda ilegal, é apropriada para o modelo de divulgação das bandas em Cuiabá e Várzea Grande. Este bloqueio existente entre as mídias tradicionais como jornais, revistas, tv s abertas e rádios de grande audiência, e as bandas de lambadão. tem muitas razões, sendo o preconceito uma delas. Frente a este cenário, A frente deste desafio, os artistas criaram um circuito próprio, que atende aos interesses do público-alvo e funciona, se o objetivo for lotar as apresentações. Eles, os lambadeiros, desenvolveram alternativas de comunicação que vão desde mídias mais populares como cartazes e carro de som, até mecanismos oferecidos pela internet para grupos musicais. Por consequência, estes agentes culturais criaram uma forma alternativa de se comunicar com seu público, agregando um valor imaterial a esta música, que por sua expressão cultural periférica, recebe uma valoração negativizada em relação a outros produtos musicais. Esta forma de abrangência e 3 Informação dita pelo guitarrista Wilson Cigano, em entrevista realizada por mim no bairro do Planalto, dia 17 de outubro, porém, este número não é oficial. Não há estudos econômicos específicos sobre o segmento. 4 Resposta do guitarrista Wilson Cigano durante a entrevista do dia 17 de outubro.

13 estruturação do nicho compõe uma parcela de uma nova cadeia produtiva deslocada da economia oficial (VIANNA, 2003). A razão deste trabalho nasceu por uma série de experiências profissionais. Há cinco anos atuamos no mercado cultural local como jornalista e por um período como músico. Tivemos importantes experiências com festivais de música (Festival Calango 2007, 2008 e 2009, Festival Grito Rock 2007, 2008 e 2009, Festival Volume 2007 e 2008, Semana da Música 2006 e 2007) e no coletivo Volume Voluntários da Música, que tinha em seu catálogo 27 bandas locais do gênero rock distribuídas em várias vertentes que vão desde os de fácil assimilação, com o powerpop, ao mais pesado e específico, a exemplo, o grindcore. Também trabalhamos a comunicação de uma banda evangélica, o Louvor Aliança, que nos deu a oportunidade de entender mais profundamente o segmento da música cristã nacional e local e suas particularidades. Trabalhamos ainda com a música folclórica, no Festival de Cururu e Siriri de 2008 e com o rap, durante o Festival Consciência Hip-Hop do mesmo ano. Outra importante experiência é a que estamos atualmente, na comunicação integrada da Orquestra do Estado de Mato Grosso, que assim como as outras, tem um segmento específico da música de concerto nacional e internacionalmente, que se articula de forma diferente e um modo de fazer correspondente aos seus interesses. Além da música e ainda no segmento cultural, cumprimos a função de assessor de imprensa durante a SEDA Semana do Audiovisual em 2006 e 2007, e na 7º Mostra de Dança de Mato Grosso. Outra experiência com a cultura veio no aniversário de 289 anos da cidade de Cuiabá, que teve uma programação com atividades durante todo o mês de abril em vários espaços da cidade, com quase todos os gêneros musicais envolvidos, inclusive o lambadão. Estas experiências serviram para me aproximar da imprensa local e me mostraram como preparar um produto cultural do modo que ele possa ser fonte, ou inspiração, dos jornalistas dos veículos locais de grande alcance. De todos eles, exceto o segmento evangélico, não tive dificuldades em conseguir pautas dentro e fora da imprensa cultural local.

14 Em uma pequena experiência com uma banda de lambadão encontramos uma série de dificuldades nas sugestões de pauta endereçadas à imprensa, por isso, decidimos estudar sobre este assunto. É curioso um ritmo conseguir tanta exposição junto a seu público-alvo, manter as casas cheias, com bandas lançando até três discos por ano e ainda ter um mercado que não é reconhecido pelas mídias tradicionais predominantes. Outra força motora para a escolha deste tema foi a necessidade de documentação do atual processo mercadológico do lambadão hoje nas cidades de Várzea Grande e Cuiabá. Acreditamos que futuramente surgirão novas propostas de análises científicas sobre o universo desse segmento, sendo esta a primeira pesquisa em comunicação que aborda este tema, o que, de certa forma, instigou o interesse pessoal para a realização desta monografia. O presente trabalho é dividido em quatro partes. O primeiro deles é referente à pesquisa bibliográfica para a fundamentação teórica. Um dos pontos fundamentais deste capítulo foi o livro A Cauda Longa: do Mercado de massa para o mercado de nicho, de Chris Anderson. Foi nesta publicação que descobrimos o potencial dos mercados de nichos, da poderosa rede de tendências e estilos musicais que essas brechas da cadeia produtiva da música conseguem absorver.. Ainda neste processo, um teórico que merece destaque é o argentino Nestor Canclini. A sua publicação, Culturas Híbrida -. Estratégias para entrar e sair da modernidade, nos apresentou a cultura como um sistema simbólico que transforma o sistema social, sendo a cultura um conjunto de práticas mutáveis e relativistas que norteiam a comunidade. Esse também foi um importante fator de relevância na condução da pesquisa. No segundo capítulo reconstruímos em ordem cronológica os principais momentos da história do mercado fonográfico no Brasil. Muitas foram as transformações ocorridas desde a chegada do tcheco Fred Figner em solo brasileiro no ano de 1891, o desenvolvimento do mercado discográfico e o advento da internet com suas mudanças drásticas na indústria musical. É válido destacar algumas delas como o download remunerado, desenvolvido pela gravadora Trama, os meios mais comuns de divulgação antes e depois da internet, e por fim, a potencialização dos nichos.

15 A história do surgimento e desenvolvimento do lambadão no estado é apresentada no capítulo três. Nele descobrimos os principais discos da lambada surgida no Pará e o seu caminho rumo ao estado de Mato Grosso. Há uma seção que conta a vida do Rei do Lambadão, Chico Gil, e sua influência na construção do imaginário lambadeiro nas cidades de Cuiabá, Várzea Grande e Poconé. Para exemplificar, especificamos a ocupação do lambadão em outras esferas, como no carnaval oficial da Prefeitura Municipal e a definição de vertentes como lambadinha e as bandas de eletro-ritmo, que com o teclado simulam as linhas de contra-baixo e bateria. É ideal a leitura deste trabalho ao som da coletânea Grandes Sucessos do Lambadão, organizados por nós e entregue como apêndice. As músicas selecionadas seguem uma ordem cronológica e ilustram a história do lambadão proposta neste trabalho, bem como suas diferenciações estéticas musicais existentes.

16 METODOLOGIA O trabalho proposto foi realizado em três etapas. A primeira delas se concentrou na pesquisa bibliográfica, com levantamento de referências teóricas primárias e secundárias envolvendo livros, artigos e páginas de web sites. O primeiro questionamento foi entender como a lambada chegou ao Brasil e em que momento ela criou vertentes até chegar a Mato Grosso. No Google Acadêmico 5, tivemos acesso a uma série de artigos da Universidade Federal do Pará (UFPA) sobre o assunto, inclusive alguns que contam, mesmo que de forma rasa, sobre a vertente da lambada chamada lambadão que foi levada para Mato Grosso pelas mãos de garimpeiros. Levantamos os principais fonogramas da época da chegada da lambada para audição. O objetivo era encontrar semelhanças, tanto estruturais 6 quanto estéticas, da lambada paraense com o lambadão mato-grossense. Esta audição nos introduziu de fato ao universo musical do lambadão, suas variações e possibilidades harmônicas. Pela internet e por consultas esporádicas ao Arquivo Público de Cuiabá, encontramos jornais antigos que publicaram notícias relacionadas ao lambadão ou sobre seus artistas. Nestas leituras, outros questionamentos surgiram sobre a história cronológica do lambadão e os principais acontecimentos que mudaram a sua trajetória, a exemplo, a morte de Chico Gil e a polêmica apresentação da banda Estrela Dalva no Programa do Ratinho, em 1997, no SBT. Após a audição de mais de 50 discos e uma noção cronológica da história do ritmo no estado, chegamos ao momento de selecionar quem seriam os nossos entrevistados. Antes de falarmos sobre o processo das entrevistas, é importante deixar claro que não utilizaremos entrevistas quantitativas, e sim qualitativas. Optamos por fazer perguntas sobre o processo vivido pelos personagens, 5 Ferramenta de pesquisa do Google que permite pesquisar em trabalhos acadêmicos, literatura escolar, jornais de universidades e artigos variados. Lançado em novembro de 2004 passou a oferecer buscas em português no dia 10 de janeiro de 2006 6 No sentido de forma musical, que pode ter variações rítmicas, de timbre ou de harmonia de uma peça musical específica.

17 deixando-os livres para falar sobre suas impressões de todo o processo, por isso, não pré-definimos um roteiro de perguntas. Seguimos a orientação prática do livro Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: um manual prático, de George Gaskell e Martin Bauer, que argumenta A entrevista qualitativa, pois, fornece os dados básicos para o desenvolvimento e objetivo das relações entre os atores sociais e a sua situação. O objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos segundo suas impressões a cerca do processo das bandas de lambadão Todas as entrevistas foram gravadas em vídeo. Além de julgarmos ser uma documentação histórica sobre o gênero, é também o material bruto de mini-documentário que será apresentado durante a defesa deste trabalho, que ainda acompanha um disco de coletâneas com os grandes lambadões da história do gênero. Nesta antologia estão todas as músicas citadas nesta monografia e ainda outras que julgamos imprescindíveis para o entendimento do universo singular deste ritmo. São elas: Número Música Artista Página de referência 1 Lambada Pinduca 42 2 Mariazinha Mestre Vieira 43 3 Ei Amigo Chico Gil 44 4 Toque Toque Dj (versão Os Maninhos 49 da banda Styllus Pop Som) 5 Vou Dançar com essa Estrela Dalva 48 Menina 6 Dança da Vassoura Styllus Pop Som 55 7 Pra Balançar Styllus Pop Som 53 8 A Lua (versão em eletroritmo deste clássico do Os Ciganos 58

18 folclore cuiabano) 9 Você é Minha Estrela Dalva 48 10 Lambadão de Poconé Estrela Dalva 48 11 Não vá Dizer Adeus Real Som 50 (cover Ph.D) 12 Bad Romance (cover Real Som 50 Lady Gaga) 13 Batman (versão ao vivo) Erre Som 52 14 Melô do creu Bad Boys 74 15 Filme Triste (versão ao Scort Som 50 vivo) 16 Chorando se Foi Kaoma 43 17 Me Chama que eu Vou Sidney Magal 44 18 Vinheta para carro de Faixa Bônus 59 som 19 Vinheta para carro de som Faixa Bônus 59 Para conseguirmos entender pelo menos uma interface da história do lambadão, traçamos um perfil a partir do depoimento de personagens chave sobre o desenvolvimento do gênero e das questões acerca da divulgação e distribuição de produtos e das atividades comunicacionais dos artistas de lambadão nas cidades de Cuiabá e Várzea Grande. Assim, estipulamos um universo de personagens selecionados pelos seguintes critérios: estilo ou identidade musical, assiduidade de apresentações, tempo de atividade, função comunicacional e popularidade. Destes quesitos selecionamos as seguintes fontes: Nome Profissão Por que? Tião de Oliveira Empresário de bandas Agencia bandas de lambadão e radialista de lambadão desde o final da década de 80 e também é compositor de

19 alguns hits do gênero. Foi empresário da banda Os Maninhos, grupo responsável por levar o lambadão para as rádios, TVs e ao boom do ritmo no estado durante a década de 90 Wilson Cigano Leonézio Batista da Silva (DJ Léo) Guitarrista e promotor de eventos Produtor musical e técnico de som A sua banda, Os Ciganos, já lançou 16 discos e está na ativa desde 1998. Além disso, sua experiência com o rasqueado e o mercado musical local vem desde pequeno, quando acompanhava seu pai (o cantor de rasqueado Zé Cigano) em festas e saraus por todo o estado Há 20 anos cumprindo a função de técnico de som das bandas de lambadão em Várzea Grande, é também o proprietário do estúdio LBS, que funciona há cinco anos no bairro do Jardim Glória 2, em Várzea Grande.

20 Valdelício Garcia Guitarrista, vocalista e radialista Gonça Voz Amiga Locutor de festas, radialista e dono de carro de som de divulgação Milton Pereira de Pinho Músico e pesquisador (Guapo) musical Nilton Pereira da Costa Empresário e vocalista da banda Bad Boys e dono de carro de som de divulgação Kleber Cigano Tecladista da banda os Ciganos e dono de estúdio Há 16 anos faz parte da banda Real Som e é radialista Há mais de 25 anos participa ativamente do cenário do lambadão de Várzea Grande. É um requisitado locutor de festas na região. É pesquisador musical, músico e ex-conselheiro estadual de cultura. Em 2010 publicou o livro Remedeia Co que Tem, sobre a música no Centro-Oeste e em 2011, foi compositor do disco O Berrante Pantaneiro, lançado pela Orquestra do Estado de Mato Grosso Participa do cenário lambadeiro há pelo menos 10 anos e desde 2007 tem um carro de som que divulga as festas pelos bairros da periferia de Várzea Grande. É músico e produtor musical. Em seu estúdio grava e produz a maioria

21 Mercio Luiz Applo Dono de carro de som em Várzea Grande há mais de vinte anos das bandas próximas à região do bairro do Planalto, em Cuiabá É um expressivo divulgador de eventos na região. Sua empresa já tem quatro carros de som que funcionam de domingo a domingo. Também possui equipamento de som que aluga para festas de lambadão na cidade Visitamos rádios comunitárias, realizamos entrevistas, conversamos por telefone, visitamos estúdios, entramos na dança nas festas, garimpamos os últimos lançamentos dos discos e acompanhamos algumas bandas na internet para conferir seu posicionamento junto ao púbico alvo. Todos esses encontros revelaram hipóteses, análises e conclusões apresentadas neste trabalho. Na quarta e última parte, escolhemos cinco meios de divulgação mais utilizadas pelos artistas lambadeiros, sendo eles: carro de som, panfletos, cartazes e faixas, a figura do pit stop, rádios comunitárias e a Internet. Escolhemos estes cinco temas por serem os mais comumente utilizados pelas bandas. Dos nove entrevistados, quatro são músicos, um é pesquisador e outros quatro trabalham em outras atividades profissionais dentro do lambadão como divulgador, empresário ou produtor musical. Outro ponto de grande relevância nesta conjuntura do gênero são as progressões harmônicas das canções, que revelam uma estrutura tonal simples e por vezes falha. A intenção não é apontar os erros de contraponto, harmônico ou as dissonâncias das músicas, mas sim, entendermos mais profundamente as características musicais do lambadão. Por isso, todas as letras das músicas que aparecem nesta pesquisa estão cifradas para violão e acompanham uma tabela de acordes no apêndice.

22 Ao cumprirmos todas estas etapas, catalogamos todo o material coletado e ainda continuamos em contato com os entrevistados por telefone para informações adicionais. Com estas informações em mãos e o apoio de personagens ativos no processo em questão sanando nossas dúvidas, demos início à transcrição da história do lambadão em Mato Grosso e aos mecanismos de comunicação utilizados pelas bandas atualmente, que apresentamos agora. 1. A CULTURA E A PRODUÇÃO EM LARGA ESCALA

23 A cultura, para García Canclini (1996), é um processo de produção de fenômenos que contribui, por meio de representação ou elaboração simbólica das estruturas materiais, para compreender, reproduzir ou transformar o sistema social. Neste sentido, se pensarmos a cultura como a produção e a troca de significados entre os membros de uma sociedade ou grupo, o fenômeno de constituição identitária torna-se integrante de um circuito cultural específico. Neste circuito estão presentes a produção, a circulação, a recepção. o consumo e a regulação cultural que criam significados através dos sistemas de representação simbólica (HALL, 2003) Entende-se a cultura, então, como um processo e um conjunto de práticas, e não apenas como um repertório de bens culturais. Segundo García Canclini (1996), a maior parte dos bens culturais é consumida como acessórios rituais, em um processo em que o consumo dá um sentido ao fluxo rudimentar dos acontecimentos. Neste contexto, bens e mensagens não são apenas consumidos, mas apropriados pelo consumidor. Assim, o consumo não denota algo irracional, porque possui um sentido. Com isso, ao adquirir um produto cultural de determinado musico ou grupo, o consumidor está preocupado com o que aquilo representa para ele na formação reafirmação de sua identidade. Para Caclini, o consumo é um lugar de pensar. O termo cultura tem diversos conceitos, modificando-se conforme a área do conhecimento em que se está discutindo. De acordo com o pensamento de Eliot (1965), cultura atua como uma espécie de pano de fundo para a vida social. Mais que isso, é um espírito coletivo que determina um conjunto de hábitos que podem ser cultivados ou abandonados por indivíduos ou grupos, em questões relacionadas a comportamento, gastronomia, moda, conhecimento e aos meios de acesso a este conhecimento, à arte, e ao consumo do entretenimento. O início do pensamento de massa começou em meados do século XIX. Os avanços da produção em larga escala, a abundância de bens de consumo e a necessidade de escoamento do que era produzido culminaram no desenvolvimento dos sistemas ferroviários e rodoviários, encurtando as distâncias e possibilitando o aumento da velocidade de distribuição

24 Entre o final do século XIX e início do século XX, o meio de comunicação de massa predominante, na verdade, não dependia da eletricidade. Os jornais impressos diariamente eram distribuídos em larga escala, em muitos locais, num intervalo de tempo muito curto para a época. Segundo McLuhan (1974), um marco fundamental que deve ser destacado em relação ao impacto cultural dos desenvolvimentos tecnológicos, é a chegada da eletricidade aos lares, já no final do século XIX. Este fato trouxe consigo a modernização e a potencialização dos meios de produção em série, gerando possibilidades de existência dos novos meios de comunicação, os quais proporcionaram a sustentabilidade necessária para que fosse fortalecida a identidade das culturas de massa. As transmissões das primeiras rádios comerciais tiveram início na década de 1920, e a TV teve sua popularização na segunda metade da década de 1930. Para McLuhan, a instantaneidade e o caráter massivo proporcionados por esses meios são decisivos para determinar o impacto que causam na sociedade. Não só porque permitem a partilha de experiências distantes e exóticas, mas também porque promovem um novo tipo de aproximação social, em larga escala. Mais do que isso, McLuhan (1971, p. 219) firma-se no conceito de que "as comunicações de massa são extensões dos mecanismos de percepção humana; são imitadores dos modos de compreensão e discernimentos humanos". 1.1 A PRODUÇÃO DE BENS NO MODELO DA INDÚSTRIA CULTURAL Segundo Rudiger, a Escola de Frankfurt foi um importante coletivo de pensadores e cientistas sociais alemães (2001, p. 131), que de acordo com o autor consistiu, essencialmente, em recriar suas ideias de um modo que fosse capaz de esclarecer as novas realidades surgidas com o desenvolvimento do capitalismo no século XX. (2001, p. 132) Outros membros desse grupo merecem destaque: Erich Fromm, Herbert Marcuse, Walter Benjamin e, numa segunda geração, Jürgen Habermas.

25 Adorno e Horkheimer se ressaltam no contexto deste estudo por terem cunhado o termo e o conceito de indústria cultural nos últimos anos da 2ª Guerra Mundial, enquanto refugiados nos Estados Unidos. O texto denominado Indústria cultural faz parte da obra Dialética do esclarecimento, publicada em 1947, e é, sem dúvida, um dos trabalhos mais importantes no que se refere à produção cultural no sistema. Naquele texto, discriminavam a existência de uma lógica de produção industrial da cultura, promovida pela união dos setores de entretenimento e comunicações. Dentre muitos conceitos relacionados ao desenvolvimento do capitalismo e à formação de um sistema de dominação da população pela camada superior da sociedade que detinha os meios de produção e comunicação, em meados da década de 1940, os pensadores alemães formularam ideias sobre o desenvolvimento de um mecanismo de controle da consciência das pessoas, desempenhado conjuntamente pela imprensa, pelo rádio, pelo cinema e, de forma muito sutil à época, pela televisão (que estava dando os primeiros passos). A esse mecanismo de controle foi dado o nome de indústria cultural. Para a dupla de frankfurtianos, a importância de se entender a indústria cultural para a compreensão do capitalismo estava no fato de ela apresentar um fenômeno novo na Europa, mas já existente nos Estados Unidos. A situação com a qual Adorno se deparou neste país colocou em questão conceitos como entretenimento e cultura de massa. Para o pensador alemão, o termo cultura de massa não poderia expressar a produção e o consumo de produtos culturais pelas massas, pois poderia ser confundido com uma cultura que surgisse do povo, ou seja, poderia ser entendido, de maneira equivocada, como arte popular. (LIMA; COLBACHINI, 2009, p. 7) No modelo da indústria cultural, a produção dos bens seria totalmente prevista pelas equipes de produção e tudo se referiria à reprodução indistinta de uns poucos modelos matriciais. Ao consumidor restava aceitar acriticamente esses produtos culturais inferiores e menores à verdadeira e libertadora arte. Para o consumidor, não há nada mais a classificar que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção [...]. Não somente nos tipos das canções de sucesso, os astros, as novelas ressurgem ciclicamente como

26 entidades invariáveis, quanto o conteúdo particular do espetáculo, aquilo que aparentemente muda, é, por seu turno, derivado daqueles. Os pormenores tornam-se fungíveis. (ADORNO; HORKHEIMER, 2002, 15). Para que esses produtos fossem continuamente consumidos, os meios de comunicação especificamente o rádio, o cinema e as revistas trabalhariam harmonicamente na construção de um fetichismo da mercadoria que impulsionaria as massas às compras. Para Adorno e Horkheimer, nessa indústria cada setor se harmoniza em si e todos entre si (2002; 07). 2. HISTÓRIA DO MERCADO FONOGRÁFICO NO BRASIL

27 2.1 A CHEGADA DO FONÓGRAFO EM SOLO BRASILEIRO Figura 1. Thomas Edison e seu fonógrafo. Um ano após criar o fonógrafo7 em seu laboratório de Menloo Park, em New Jersey, Thomas Alva Edison de Milan obteve permissão do imperador Dom Pedro II para comercializar esta sua nova invenção no Brasil. A primeira apresentação pública foi no dia 21 de julho de 1878, numa reunião que ficou conhecida como "Conferências Populares da Glória", por ter sido realizada em escolas públicas localizadas na Freguesia da Glória (Rio de Janeiro), regularmente freqüentadas pela Família Imperial. 7 A máquina consistia num cone ligado a um diafragma que, com a vibração resultante do som produzido, fazia uma agulha inscrever um sulco horizontal sobre um cilindro coberto por papel estanho (Tin-foil), tão logo o usuário girasse uma manivela que movia o cilindro. A reprodução do som acontecia quando a manivela era rodada no sentido contrário.

28 Figura 2. Retrato de Frederico Figner. Em 1891 o tcheco Frederico Figner desembarcou em Belém, no Pará, e realizou uma verdadeira peregrinação pelo território brasileiro realizando pequenas apresentações do fonógrafo em feiras e festas populares. Depois de seis anos percorrendo vários estados fixou-se na cidade do Rio de Janeiro. O preço do fonógrafo se tornava mais barato à medida que era vendido, chegando a custar de seis a dez mil réis e também incluía fonogramas originais importados. A primeira canção gravada em solo brasileiro foi a modinha Isto é Bom, de Baiano, em 1902. Por volta de 1908, a Sociedade Phonographica Brasileira anunciava gramophones de diversos preços ao alcance de pobres e ricos, o

29 que impulsionou a venda de música gravada. Relatos históricos informam que Frederico Figner teria vendido 840 mil discos no ano de 1911. Em 1913, Figner fundaria a fábrica Odeon, a primeira a prensar discos, localizada no Bairro da Tijuca. Uma nova etapa do processo de captação de áudio acontece em 1924, nos Estados Unidos, quando os engenheiros da Victor Talking Machine criaram em primeiro lugar as vitrolas ortofônicas e mais tarde as chamadas eletrolas, acionadas eletricamente. Foi então que quase trinta anos depois de sua chegada, os negócios fonográficos de Frederico Figner se reduziram em pouco tempo, tornando-se um mero comerciante de discos, máquinas de escritório e artigos musicais (TINHORÃO, 1978, p.29). Ainda em agosto de 1928 a Odeon lançou o primeiro disco de Mário Reis (1907-1981), o cantor símbolo de um novo jeito de interpretar o samba e outros gêneros musicais brasileiros. Era algo muito novo para um público que era acostumado em ouvir gravações brasileiras mais gritadas do que propriamente cantadas. Este novo sistema de som era capaz de registrar qualquer tipo de voz por meio de microfones, amplificadores e agulhas eletromagnéticas de leitura, em que os cantores poderiam ser ouvidos com maior clareza. 2.2 MERCADO DISCOGRÁFICO SE ESTRUTURA No início da década de 40, outros segmentos da indústria fonográfica, sobretudo os que representavam pessoas ligadas indiretamente à produção de discos, mobilizavam-se no sentido de regulamentar suas atuações profissionais em um contexto onde as empresas multinacionais já dominavam o cenário. Em 1938 surge a Associação Brasileira de Compositores e Editores, e em 1942 é criada a União Brasileira de Compositores (UBC). Os primeiros dados oficiais sobre o mercado nacional de discos datam de 1965. Neste ano as gravadoras formaram a Associação Brasileira dos Produtores de Discos. Em 1967, foi promulgada a lei de incentivo fiscal, que permitia às gravadoras aplicarem o ICM devido pelos discos internacionais em gravações nacionais.

30 A década de 70 começa com 60% das famílias brasileiras fazendo parte do mercado de bens de consumo modernos, ou seja, possuindo pelo menos um eletrodoméstico como rádio, vitrola e TV. Com o consumo de entretenimento pela televisão surge mais um meio de exposição para o produto da indústria fonográfica. A partir da telenovela O Cafona, de 1971, com trilhasonora lançada pela recém-fundada SIGLA-Som Livre, é lançado o primeiro disco desta espécie. Figura 3. Capa da trilha sonora da novela O Cafona, 1971. Em 1973, um decreto presidencial cria o Conselho Nacional do Direito Autoral (CNDA) e o Escritório Central de Arrecadação de Direitos (ECAD), controversa instituição com o intuito de regular a atividade deste setor. Em 1974, as gravadoras RCA e EMI-Odeon constroem estúdios novos no Brasil. Em 1979 são vendidos 39 milhões de discos, 8 milhões de fitas cassete e mais de 18 milhões de compactos simples e duplos.

31 A implantação do Plano Cruzado, em 1986, promoveu uma retomada do crescimento das vendas de discos, que perdurou até o início da década de 90. O ano de 1992 registra a venda de 34 milhões de aparelhos de suporte para música gravada CDs, cassetes e LPs, número que seria duplicado em 1995, quando foram comercializadas 75 milhões de unidades. 2.3 DISCOS COMEÇAM A VENDER MENOS Em 1996, o Brasil voltaria à posição de sexto lugar no ranking mundial das vendas de discos. Apesar de manter esta posição, o faturamento da indústria fonográfica registra queda de vendas pelo segundo ano consecutivo, como informou a ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Disco). Enquanto em 1998 os brasileiros compraram 105,3 milhões de CDs, fitas cassete e ainda discos em vinil, no ano passado esse número caiu para cerca de 80 milhões. [...] No Brasil, segundo a associação, o mercado fonográfico é responsável por 66 mil empregos diretos e indiretos, com boa parcela ameaçada por esses fatores. (PEREZ, 2000) Essa repentina perda de consumidores continuou até 2009, quando o mercado fonográfico mundial se deparou com a invenção do Napster. Criado por um garoto de 18 anos, este foi o primeiro serviço de compartilhamento de dados na internet. Funcionava da seguinte forma: depositava qualquer arquivos de música no formato MP3 em um servidor central que estaria disponível para qualquer computador que estivesse em rede. Com o surgimento da rede mundial, esse novo tipo de compartilhamento pôde chegar à escala global. De 2000 a 2003, as vendas no varejo de produtos fonográficos contraíram-se de forma acentuada, acumulando uma queda de 17% nos mercados mundial. De acordo com os dados da International Federation of Phonographic Industry (IFPI), o movimento de queda se deu quase que ininterruptamente, exceção feita ao ano de 2004. A retração real de 2000 a 2007 das vendas no varejo global chegou à faixa de 23%.

32 Figura 4. Volume total de vendas mundiais de discos (entre bilhões de US$) entre 1999 a 2003. Fonte: IFPI A retração continuou. No triênio 2005-2008 chegou a 26% no mercado global e 37% só nos EUA, o maior mercado do mundo. Um relatório da IFPI ainda registra queda de 7% no mercado global em 2009, que começa a observar mais de perto o segmento digital, representante de 25,3% dos US$ 17 bilhões de faturamento global das gravadoras. Figura 5. Percentual de redução de Faturamento registrado no mercado fonográfico entre 2000-2003. Fonte IFPI

33 Com o encolhimento do comércio físico e a forte expansão dos negócios em formato digital, foi ampliada a participação desse novo segmento nas receitas totais das gravadoras. É sempre importante destacar a alta participação da música nacional no total do mercado fonográfico brasileiro, de 75% a 80%. No Brasil o cenário fonográfico não foi diferente do mercado internacional. De acordo com a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), o período 2002-2009 registrou uma contração de 50% no faturamento das gravadoras, além de uma impressionante retração de 68% no total de CDs vendidos. O mercado digital foi se tornando uma pequena válvula de escape para as gravadoras já correspondendo, em 2009, a cerca de 12% de seu retraído faturamento. Mesmo em expansão, o segmento digital (25% do mercado total), não tinha força o suficiente para recolocar a indústria no patamar que obteve em seu período de apogeu. Isso demonstrou de imediato que o futuro da música será diferente do futuro dos CDs, independentemente do comportamento que o mercado do produto venha a ter. 2.4 A MÚSICA NA REDE Durante a última década a Internet tem se tornado um novo espaço para atividades musicais e por essa razão é de se esperar que surjam novas ferramentas e procedimentos para se lidar com os métodos de difundi-las pelas redes de computadores (KON; LAZZETTA, 1998). A disseminação das redes digitais representadas pela Internet e seus diversos protocolos não se limita a ampliar a quantidade de informação a que os indivíduos têm acesso, mas estabelece também a comunicação entre locais geograficamentes distantes. A atuação da indústria fonográfica para constituir um mercado legítimo que acomode as novas práticas de consumo musical numa economia digital tem sido diversificada em múltiplas iniciativas. O agressivo combate à pirataria e o desenvolvimento de programas de rastreamento de downloads

34 considerados ilegais, assim como bloqueio de cópias não autorizadas têm crescido por uma iniciativa dos conglomerados da indústria fonográfica, que temiam perder espaço e controle sobre seus produtos. Rapidamente adotado por fãs de música, o formato MP3 foi também abraçado por músicos que desejavam distribuir sua produção de maneira eficiente e barata via Internet. Estes internautas interessados em música rapidamente fizeram do ciberespaço um reservatório de música diversificada e gratuita. Esta nova logística de distribuição de fonogramas trouxe à tona questões sobre os direitos autorais da utilização e compartilhamento das obras musicais, destacando sua prática criminosa e os prejuízos para o artista e para a gravadora. Mas esta questão não pode ficar restrita a uma visão judicial e criminosa, apenas. É importante frisar que não há consenso entre consumidores, produtores e distribuidores em relação à participação do download gratuito na internet, e estas discordâncias de pontos de vista estão presentes em cada uma dessas três categorias profissionais. Sem dúvida, o formato MP3 de compactação de arquivos de áudio digital foi o grande responsável por transformações no modo de se adquirir música. Arquivos compactados em formato MP3 ocupam aproximadamente 1/12 do espaço de disco que os arquivos não compactados, facilitando a transmissão e armazenamento. Com a internet e a possibilidade de compartilhar dados gratuitamente, as redes P2P 8 tiraram os discos das lojas convencionais e apresentaram um mundo onde tudo podia ser adquirido gratuitamente por download. Além disso, neste novo modelo é possível adquirir apenas uma faixa e não mais o disco inteiro do artista. Até a popularização da internet, a cadeia de consumo da música era estruturada de forma linear e vertical: o artista era contratado por uma gravadora, o próprio selo investia na área de marketing e divulgação, 8 Redes P2P, ou peer-to-peer, são arquiteturas de sistemas onde o computador de cada usuário conectado acaba por realizar funções de servidor e de cliente ao mesmo tempo.

35 colocando o single 9 do artista nas rádios e em programas de Tv, jornais, revistas e também na distribuição do CD material do artista para as lojas de discos. 2.5 O DOWNLOAD REMUNERADO Figura 6. Logotipo da gravadora Trama Virtual. O caso do Download Remunerado 10, da gravadora brasileira Trama 11 é um exemplo de modelo alternativo de negócio que não criminaliza o download gratuito. De forma gratuita, artistas se inscrevem e recebem uma página oficial no site onde podem colocar fotos, vídeos e informações específicas sobre a banda, além de toda a discografia. A cada download efetuado pelo internauta, o artista ganha R$0,5 centavos a ser pago numa conta bancária à escolha do dono do perfil 12. Segundo informações do site, de Julho de 2010 a junho de 2011, um total de 6.741.640 downloads foram computados. Isso foi possível com a junção de uma série de grandes patrocinadores que recebem publicidade em cada download e em contrapartida pagam o valor deste download ao artista. Esta tecnologia inaugura uma nova modalidade de prospecção de mercado. O aumento do número de usuários da Internet e a crescente utilização de tecnologias digitais na produção, distribuição e consumo de bens culturais tem motivado significativas transformações em todos os processos do mercado fonográfico. Nesse contexto, forma-se um cenário alternativo para distribuição 9 Single é uma canção que é viável comercialmente o suficiente para ser lançada individualmente, mas é comum que também apareça num álbum. A palavra single também é usada como sinônimo de "música de trabalho" 10 Para saber mais veja o vídeo http://www.youtube.com/watch?v=df3cdt9ygb4 11 Acesse o site www.tramavirtual.com.br 12 Saiba mais na página oficial do projeto http://tramavirtual.uol.com.br/download_remunerado/

36 e consumo de nichos musicais minoritários, que ganham destaque internacional impossível antes da internet, revelando mudança no modelo de práticas do mercado musical. 2.6 A POTENCIALIZAÇÃO DOS NICHOS DE MERCADO Esta nova alternativa de distribuição de fonogramas tem obtido grande êxito na diversificação de ofertas musicais disponíveis, potencializando os mercados de nichos que passaram a competir pelo mesmo público do mercado de massa (ANDERSON, 2006). Estes nichos formam uma rede complexa de tendências e estilos musicais, dispersos em vários gêneros e regiões do planeta que, com a internet, alcançam distribuição local e mundial. Este fenômeno gratuito e sem limite de abrangência torna comercialmente viável universos culturais com públicos numericamente reduzidos (VICENTE, 2006). Assim, fenômenos musicais notadamente periféricos e de baixo grau de circulação tem conquistado novos alcances nesta nova estrutura do mercado musical. Essas brechas foram ocupadas por bandas que exercem atividades independentes das condições impostas pelas grandes gravadoras. O forró cearense, o tecnobrega do Pará, o arrocha baiano e o reggae no Maranhão são exemplos de estruturas que ocuparam essas brechas e que dialogam com seu público mesmo que bloqueadas pelas mídias tradicionais como o rádio e a TV.

37 Figura 7. Shows pirotécnicos no tecnobrega paraense. Fonte: Agência Olhares. Para entender mais claramente a inserção destes novos nichos é preciso enxergá-lo no contexto de processos produtivos da cadeia produtiva da economia da música. Para Prestes Filho (2004, pág 29) a Cadeia produtiva da economia da música é um complexo híbrido construído pelo conjunto de atividades industriais e serviços especializados que se relacionam em rede, complementando-se num sistema de interdependência para conclusão de objetivos comuns artísticos, econômicos e empresariais. (PRESTES FILHO, 2004, pág 29) Esta cadeia produtiva é integrada por circuitos culturais, que se formam na articulação entre cenas artísticas locais e empresas do setor de comunicação e cultura (selos musicais, redes de rádios e TV, imprensa especializada) além de produtores, empresários autônomos e outros que tem atividades profissionais nos negócios da música. Esses nichos específicos alcançam mais projeção ao serem rotulados de World Music, inserindo-se numa vertente musical com significativa presença no mercado fonográfico mundial (HERSCHMANN, 2005).

38 2.7 MEIOS DE DIVULGAÇÃO DA MÚSICA O simples fato de um disco estar à venda em uma loja (física ou virtual) pressupõe algum tipo de promoção. O conceito da capa do disco ou sua posição de destaque na prateleira é o resultado de um plano estratégico de marketing encomendado por empresários ou pela própria banda. Na opinião de Anderson (2006), o fato de aquele e não outro disco estar ali, ocupando aquele espaço, já indica algum esforço mercadológico em favor daquele produto. Existem duas peças na estrutura organizacional das gravadoras que são responsáveis pela promoção dos artistas: o assessor de imagem 13 e o assessor de imprensa (PALUDO, 2010). Ambos direcionam seus esforços para a promoção do disco e das apresentações. É importante dizer que há uma mudança na razão social das gravadoras que, por perder lucro com a música compartilhada na rede, ampliaram suas atividades no agenciamento de shows. O artista possui uma equipe específica para a promoção dos shows e, nessa equipe, os dois papéis também são necessários, atuando de maneira muito similar. Existem empresários que agenciam grandes turnês e possuem o mesmo poder de influência das gravadoras junto às mídias tradicionais na divulgação dos shows na cidade (DIAS, 2008). Há também a relação óbvia de troca, o artista divulgando seu disco, estimulando a contratação de shows e, divulgando seu show, estimulando a venda de discos. O meio mais tradicional de divulgação de música é o rádio. Houve uma época em que só havia um meio de lançar um álbum fonográfico de grande sucesso: o rádio. Nada mais alavancava tantas pessoas com tanta freqüência (ANDERSON, 2006, p. 96). Para o fonograma passar a integrar a grade de programação da rádio, é necessário que chegue às mãos dos programadores. As gravadoras investem nos profissionais de divulgação que são responsáveis por criar uma relação pessoal com os programadores das rádios, que 13 Personal stylist, assessor de imagem, cabelereiros, maquiadores, figurinistas e outras atividades profissionais que se incluem nas ações do departamento artístico.