PATOLOGIA DA MEDICINA ATUAL DSM, CID E OUTROS RÓTULOS... MAS, NÃO ATENDEMOS PESSOAS? Waldemar José Fernandes 1



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PATOLOGIA DA MEDICINA ATUAL DSM, CID E OUTROS RÓTULOS... MAS, NÃO ATENDEMOS PESSOAS? Waldemar José Fernandes 1 Seria mais fácil se pudéssemos evitar o paciente, enquanto exploramos o reino da psicopatologia... se pudéssemos nos limitar ao exame da química e da fisiologia de seu cérebro e a tratar os eventos mentais como objetos alheios à nossa experiência imediata... John Nemiah, (1961, p. 04) Resumo O rumo que a medicina vem tomando é desanimador, havendo maior interesse por doenças do que pela pessoa doente. Ninguém mais é normal, carregando síndromes e transtornos a cada passo. Cada pessoa tem sua diversidade, o mesmo ocorrendo com seus órgãos, fisiopatologia e com suas peculiaridades, seja quando se vincula com os demais, seja no vínculo consigo mesmo, afetando e sendo afetado pelo contexto. A doença não é algo que vem de fora e se superpõe ao homem, é um modo peculiar de a pessoa se expressar em circunstâncias adversas. Recomenda-se uma visão psicossomática, que contemple a pessoa, seu mundo e os sintomas de apresentação, que cada um traz qual um cartão de visitas. Propõe-se uma psiquiatria dinâmica, que inclua o conflito inconsciente e as relações internas e externas, numa compreensão vincular, não só dos sintomas, mas também dos motivos de ter vindo em busca de ajuda, já que a medicina é, de fato, uma ciência humana. É sugerida uma abordagem integrada da pessoa doente, apontando as estreitas relações entre o biológico, o contexto sócio-familiar-profissional e o psicológico. Palavras-chave: patologia da medicina, psiquiatria dinâmica, medicina da pessoa. PATOLOGY OF THE CURRENT MEDICINE DSM, CID AND OTHER LABELS... AREN T WE SEEING PEOPLE? Abstract The course medicine has been taking is discouraging, once there is more interest in illnesses rather than the diseased. No one else is normal; a person carries syndromes and disorders each step of the way. Each person has it s own diversity, the same happens with their organs, their physiopathology and their peculiarities, either when he or she is linked with others, or to him or herself, affecting and being affected by the context. The disease is not something external that overpowers men; it is a peculiar way of one s expression in unfavorable circumstances. 1 Médico especialista em psiquiatria com certificação na área de atuação de psicoterapia pela ABP Associação Brasileira de Psiquiatria; membro do NESME e SPAGESP. 9

It is recommended to have a psychosomatic view, which contemplate the person, its world and the presenting symptoms that each person brings along just like a business card. A dynamic psychiatry is proposed, including the unconscious conflict and the internal and external relations, in an understanding link, not only on the symptoms, but on the reasons of having come in search of help as well, once medicine is, in fact, a human science. An integrated approach of the diseased in suggested, pointing to the tight relations between the biological, the social-familiar-professional context and the psychological. Keywords: pathology of medicine, dynamic psychiatry, medicine of the person. PATOLOGÍA DE LA MEDICINA ACTUAL DSM, CID Y OTROS RÓTULOS... PERO, NO ATENDEMOS A PERSONAS? Resumen El rumbo que viene tomando la medicina es desalentador, una vez que hay mayor interés por enfermedades que por la persona enferma. Ya no hay personas normales, uno lleva síndromes y trastornos a cada paso. Cada persona tiene su diversidad, lo mismo ocurre con sus órganos, con su fisiopatología y con sus peculiaridades, sea cuando se vincula con los demás, o en el vínculo con uno mismo, que afecta y se deja afectar por el contexto. La enfermedad no es algo que viene de fuera y se superpone al hombre, sino que es un modo peculiar de que la persona se exprese en circunstancias adversas. Se recomienda una visión psicosomática, que contemple la persona, su mundo y los síntomas de presentación, que los trae cada uno, así como una tarjeta de visita. Se propone una psiquiatría dinámica, que incluya el conflicto inconsciente y las relaciones internas e externas, en una comprensión vincular, no solo de los síntomas, pero también de los motivos que han motivado a buscar ayuda, una vez que la medicina es, de hecho, una ciencia humana. Se sugiere un abordaje integrado de la persona enferma, destacando las estrechas relaciones entre el biológico, en el contexto socio-familiar-profesional y el psicológico. Palabras clave: patología de la medicina, psiquiatría dinámica, medicina de la persona. Introdução É desanimador o rumo que a medicina vem tomando, com predominância do interesse por doenças - sejam reais ou apenas novos nomes para conjuntos de sintomas - em detrimento ao interesse pela pessoa. Maior relevância a exames subsidiários - com tecnologia cada vez mais desenvolvida - em detrimento da comunicação com o paciente, do exame físico e psíquico. Estamos na era dos rótulos. Ninguém mais é normal, carregando síndromes e transtornos a cada passo. Dificilmente o paciente sai de uma consulta médica sem um diagnóstico moderno e ou com uma lista de exames para fazer, além de remédios para todos os sintomas. É claro que com raras e honrosas exceções Recebo pacientes que carregam diversos diagnósticos, que já fazem parte de seu vocabulário: em tal época tive depressão... e no ano seguinte voltou o pânico...mas meu psiquiatra diz que tenho fobia social. Minha psicóloga me encaminhou, pois acha que é TOC... 10

Para Palomba... a primeira onda destrutiva sobre a psiquiatria veio com a CID-10 e a DSM- IV, nos anos 1990; o estrago foi avassalador, atingindo em cheio a nosografia e a psicopatologia, até então ditadas pela etimologia, pela história, pela doutrina, pelos livros-textos. A psiquiatria ficou encharcada pelos catalogões CID e DSM, as bíblias dos psiquiatras modernos (PALOMBA, G. A., 2005, p.01). Para esse autor, o segundo tsunami deu-se com a primazia do resultado do exame subsidiário sobre o exame clínico, pois essa onda arrasou o raciocínio clínico: essa onda gigante matou a soberania clínica, já que, agora a eficiência está na máquina e, consequentemente, a deficiência, no psiquiatra. O terceiro tsunami é a vinda desses inventários imbecis ou escalas de medição, previamente fabricados, que o psiquiatra pede para o paciente marcar com um X, se falso ou verdadeiro ou algo que o valha (PALOMBA, G. A., 2005, p.01). É altamente preocupante a direção em que nós médicos estamos seguindo velozmente, levando a arte médica para um desenvolvimento que considero patológico, especialmente a psiquiatria, já que qualquer conjunto de sinais ou sofrimentos físicos ou mentais, logo deve ser rotulado, enquadrado em alguma fôrma, e imediatamente, medicado, visando sua extirpação. Sim, pois o objetivo é exterminar os sintomas, não entendê-los. Medicina da pessoa Cada um de nós é único, com impressões digitais que nos distinguem de qualquer outro. Possuímos uma fisionomia diferente daquela de todos os nossos semelhantes. Cada pessoa tem sua diversidade, o mesmo ocorrendo com seus órgãos, tecidos, humores, sua fisiologia e fisiopatologia, pessoa que possui o seu mundo e suas próprias pautas de viver, melhor dizendo, de conviver, de agir e reagir, de funcionar, tanto ao nível dos sentimentos e pensamentos, como ao nível de suas vísceras... (PERESTRELLO, 1973, p.71). Sendo assim, cada pessoa tem sua configuração única e seu funcionamento, suas peculiaridades, seja quando se vincula com os demais, seja no vínculo consigo mesmo, sempre afetando e sendo afetado pelo contexto. No estudo dos vínculos, verificamos que seu componente mais importante é a experiência emocional, sempre muito específica de cada um, e que há um nexo entre corpo e emoção, organizando os processos cognitivos e conectando as mentes e os corpos entre os indivíduos. A doença, portanto, não é algo que vem de fora e se superpõe ao homem, é mais um modo peculiar de a pessoa se expressar em circunstâncias adversas. É, portanto, o estudo da pessoa que se faz necessário. Da pessoa com o seu mundo. A psiquiatria clínica, a psiquiatria dinâmica e a abordagem integrada da pessoa doente. Dos diagnósticos que os pacientes carregam, a depressão é dos mais lembrados. O mesmo ocorre com relação à ansiedade e suas variantes: Síndrome do Pânico, TOC, Fobia Social, entre outras. Na época atual, vemos que se receita a mesma gama de medicamentos - ansiolíticos e antidepressivos - seja qual for o sintoma. A sociedade atual quer tirar de sua frente a realidade da violência, da angústia e do conflito. Se há sofrimento psíquico, conclui-se que haverá uma anomalia na célula nervosa. A depressão torna-se a epidemia psíquica por excelência, e multiplicam-se as pílulas para curar esse mal. Pacientes queixosos povoam 80% de todos os consultórios de todas as especialidades, além de serviços de emergência. Geralmente são rotulados com nomes de síndromes ou transtornos - e 11

medicados com calmantes ou antidepressivos. Em grau menor, recebem a informação de que não tem nada. Uns poucos são encaminhados a psiquiatras e psicólogos. Então tudo é biológico e químico? Temos notado certos entraves: a visão monotemática de que tudo é explicável e tratável quimicamente tem encontrado alguns percalços, pois os efeitos secundários dos novos psicofármacos muitas vezes afastam os pacientes e seus familiares dos modernos medicamentos, e, muitas vezes, de qualquer medicamento. Por mal dos pecados, alguns pacientes melhoram sem medicação ou com um remedinho caseiro ou ainda com florais ou chás, até mesmo prescritos por leigos ou por clínicos da família, indicando que a confiança e os efeitos sugestivos podem ser muito fortes nesses casos. Sendo assim, infelizmente temos de aceitar que há algo além da serotonina, o que atrapalha um raciocínio tão simples quanto promissor; que pena! (FERNANDES, 2004, p. 63). São condições pessoais que levam o indivíduo ao desenvolvimento X ou Y de suas moléstias, condições essas que são genéticas, do círculo familiar, da formação de seus vínculos, de seu contexto atual e muitos outros fatores. Vale a pena, assim, uma abordagem compreensiva, ao lado daquela baseada na medicina de evidências, tão em voga hoje em dia. O médico tradicional, intuitivamente já sabia disso quando usava expressões do tipo: fulano fez uma úlcera gastroduodenal ou fez um AVC. Considero fundamental procurarmos ter uma visão psicossomática, contemplando a pessoa, seu mundo, seu momento, assim como os sintomas de apresentação, que nos traz qual um cartão de visitas. Experiência pessoal Não podemos perder de vista que a compreensão ampla da condição humana tem como referente último o homem em situação, isto é o homem e seus vínculos, em sua dimensão intra, inter e transubjetiva (FERNANDES, 2007, p. 64). Procuro fazer uma psiquiatria dinâmica, aproximada ao modelo de Gabbard, com abordagem ao diagnóstico e tratamento, caracterizado por um modo de pensar acerca do paciente e do clínico, que inclui o conflito inconsciente, os déficits e as distorções das estruturas intrapsíquicas e as relações objetais internas (GABBARD, 1994, p.24). Na verdade, em minha experiência clínica, valorizo mais ainda o pedido de ajuda do paciente, numa compreensão vincular, não só dos sintomas, mas também os motivos de ter vindo me procurar naquele momento. Procuro ajudá-lo a pensar, nunca a acreditar que magicamente poderá extirpar os sintomas. Inicio os tratamentos geralmente propondo um atendimento experimental e provisório por até 10 vezes, se possível semanalmente. São atendimentos médicos, em que, ao lado da investigação de sintomas e do acompanhamento medicamentoso, ocorre um diálogo em clima psicoterápico, favorecendo o pensar e sensibilizando para trabalho psicanalítico futuro, entretanto, sem a programação de um foco ou de um tempo de tratamento, como ocorre tradicionalmente nas psicoterapias breves. Já defino condições na primeira consulta, para que dê continuidade comigo: que faça psicoterapia e atividade física. Geralmente, após esse período, encaminho para psicoterapia de longa duração aos colegas e instituições que couberem em seu orçamento, tiverem fácil acesso e horários compatíveis. Um ou outro fica comigo, quando fez um vínculo mais forte e parece estar realmente interessado no processo. 12

Nos casos encaminhados e que tomam remédios, costumo acompanhá-los mês a mês, por um semestre, programando sua alta no que se refere aos remédios, iniciando gradual diminuição por uns dois meses. Sempre reforço a importância de se manterem em psicoterapia por muito tempo e de fazerem atividade física pelo resto da vida. Enfim o rumo que a psiquiatria em particular vem tomando, e também a medicina em geral, é preocupante. Dentro do possível, tento seguir outro caminho, como acabei de expor. Concordo com Marcos Boulos (2014, p.02) em que a medicina é erroneamente classificada como ciência biológica. A medicina é, de fato, uma ciência humana com bases na biologia. Conclusão Proponho uma psiquiatria dentro do modelo da Medicina da Pessoa, e não de síndromes ou transtornos. Maior interesse na compreensão dos sintomas de apresentação do que tentar eliminá-los rapidamente. Maior estímulo ao pensar, tanto no aspecto cognitivo como intuitivo. E quanto aos remédios para aliviar os sintomas? Não tenho dúvidas de que a medicação pode ser útil, assim como a psicoterapia, principalmente aquela compreensiva, que ajude no crescimento pessoal, como a psicanálise vincular. Ao lado desses fatores, a atividade física proporciona apoio fundamental, devendo ser lembrada como fator de cura e de prevenção em saúde mental. Enfim, enfatizo a necessidade de uma abordagem integrada da pessoa doente, mostrando as estreitas relações entre o biológico, o contexto sócio-familiar-profissional e o psicológico. Considero importantíssimo ainda, o vínculo do paciente com o profissional de saúde, que não deveria estar tão preocupado em rotular o paciente, mas em procurar entendê-lo como um ser em dificuldade, que necessita de ajuda. Referências BOULOS, M. (2014). Médico, um humanista. Jornal do CREMESP. N.312, março/2014. Publicação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. FERNANDES, W. J. Que pena, há algo além da serotonina? Vínculo Revista do NESME, v.1 n.1 São Paulo dez. 2004. FERNANDES, W. J. Reflexões sobre meu trabalho com psiquiatria dinâmica. Vínculo Revista do NESME, v.4 n.4 São Paulo dez. 2007. GABBARD, G. O. (1994) Psiquiatria dinâmica. Porto Alegre: Artmed, 1998. NEMIAH, J. C. (1961) Foundations in Psychopathology. New York: Oxford University Press, 1961. PALOMBA, G. A. As três tsunamis da Psiquiatria. Rev Psiq Clin. vol.32 no.4 São Paulo: July/Aug. 2005, http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/n4/pdf/236.pdf PERESTRELLO, D. A medicina da pessoa. Rio de Janeiro: Atheneu, 1973. Endereço eletrônico: wjfernandes@hotmail.com.br 13