EDUCAÇÃO, LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO A PARTIR DO FILME NARRADORES DE JAVÉ



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Transcrição:

EDUCAÇÃO, LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO A PARTIR DO FILME NARRADORES DE JAVÉ Geane Apolinário Oliveira Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) - Geane-cg@hotmail.com RESUMO: Este artigo analisa os conceitos de Letramento e Alfabetização a partir do filme Narradores de Javé (2003, dir. Eliane Caffé) e tem por objetivo contribuir para uma reflexão crítica sobre a necessidade de uma sociedade ser letrada e alfabetizada, independente da faixa etária. A partir das imagens e dos personagens Zaqueu, Antônio de Biá, Evaldo, Deodora e outros habitantes do Vale de Javé, analiso as dificuldades enfrentadas pela população, vivendo em precárias condições de vida, sem saneamento básico, posto de saúde, escola, dentre outros, sendo assim, predomina a pobreza na região. Percebe-se através das imagens, que o analfabetismo é o fator principal que provoca a falta de identidade do povoado de Javé. Desse modo, não faz parte das estatísticas, devido não ter um documento histórico, resultado disso é o não reconhecimento de Javé pelo Estado. Neste sentido, o filme pode ser compreendido como uma comédia dramática que reconstrói a triste realidade de uma população analfabeta sendo marginalizada pelo sistema social. Esta situação analisada sobre o analfabetismo contribui para que haja a conscientização de que a educação é a chave para o exercício da cidadania e a preservação dos direitos civis. Desse modo, precisa-se investir na educação, incluindo principalmente aqueles indivíduos que não tiveram acesso a escola na idade certa. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) se constitui em uma oportunidade para os jovens e adultos serem alfabetizados, e em seguida, serem reconhecidos enquanto cidadãos ativos na sociedade. Palavra-chave: Letramento, Alfabetização, Analfabetismo, Educação de Jovens e Adultos. INTRODUÇÃO Este artigo tem por objetivo analisar os conceitos de Letramento e Alfabetização a partir do filme Narradores de Javé, e desenvolver uma reflexão crítica sobre a necessidade do indivíduo tanto ser letrado quanto alfabetizado na sociedade, desde a Educação Infantil e a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Pretendo enfatizar também o analfabetismo como aspecto negativo para o sentimento de cidadania, sobretudo, dos moradores de Javé. Para a fundamentação teórica das imagens analisadas, destacam-se as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (2000), alguns autores como Freire (2009), Soares (2012), Pinheiro (2015).

O filme Narradores de Javé é uma ferramenta valiosa para análise do analfabetismo como fator negativo para o desenvolvimento tecnológico da sociedade, sobretudo, porque foi produzido no Brasil. Neste sentido, não podemos deixar de mencionar a sociedade brasileira, tendo em vista um elevado índice de analfabetismo, apesar de que vem diminuindo ao longo dos anos. De acordo com Pinheiro (2015), conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), publicada pelo IBGE em 2014, o analfabetismo tem diminuído no país, mas, infelizmente, engloba 13 milhões de brasileiros acima de 15 anos, desse modo, equivale a 8,3% da população. No decorrer deste trabalho serão explicitados aspectos negativos do analfabetismo e a relevância do letramento na população de Javé. METODOLOGIA Para a realização deste artigo, foi necessário realizar uma análise das imagens e dos personagens do filme Narradores de Javé, a fim de compreender as concepções de Letramento e Alfabetização como fundamentais para o exercício da cidadania e o reconhecimento da identidade da população pelo Estado. Letramento e alfabetização são duas concepções diferentes. Sobre o conceito de Letramento, Soares (2012, p. 24) nos afirma: Uma última inferência que se pode tirar do conceito de letramento é que um indivíduo pode não saber ler e escrever, isto é, ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado (...) assim um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (...), esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita. A partir desta citação, pode-se afirmar que o letramento está além do indivíduo saber ler e escrever, porque consegue fazer uma leitura da realidade a que está submetido. Sobre o conceito de alfabetização, Soares (2012, p. 16) ainda nos afirma com clareza que a ação de alfabetizar, isto é,

segundo o Aurélio, de ensinar a ler (e também a escrever, que o dicionário curiosamente omite) é designada por alfabetização e alfabetizado é aquele que sabe ler (e escrever). Portanto, a alfabetização apresenta complexidade, porque está relacionado à codificação das letras. O filme analisado apresenta em suas imagens a maioria da população analfabeta, apenas alguns indivíduos sabiam ler, porém Antônio de Biá se destaca como o único personagem alfabetizado e letrado. Estes aspectos serão explorados ao longo deste trabalho. RESULTADOS E DISCUSSÃO O filme inicia com o personagem Zaqueu reunido em uma mesa de bar com seus amigos, relatando sobre a história do Vale de Javé, desde a origem até a destruição por causa da construção de uma hidrelétrica. O Vale de Javé era formado por pessoas analfabetas, pobres, vivendo em precárias condições de vida, sem saneamento básico, posto de saúde, escolas, etc. Apenas o personagem, Antônio de Biá, se destaca como um indivíduo alfabetizado e letrado, embora o filme também apresente o comerciante de um bar e um menino que sabia ler. Javé não era considerada um patrimônio histórico, devido não ter um registro escrito. Por este motivo, iria ser destruída através de uma barragem, e construída uma hidrelétrica. Resultado disso seria a população javélica procurar moradia em outro lugar. O único fator que poderia impedir este trágico acontecimento seria a comprovação de Javé como patrimônio histórico, por meio de um documento escrito. Zaqueu, um dos líderes da comunidade e narrador da história de Javé, faz uma reunião com a população em uma igreja, a fim de esclarecer sobre a real situação do Vale, explicando que o lugar será destruído caso não seja comprovado cientificamente como patrimônio cultural. Motiva a população a resgatar o passado histórico e escrever um documento sobre a história do Vale de Javé. Diante desta situação, surge o problema: a população era analfabeta, não sabia ler e nem escrever, apenas contar oralmente sobre o assunto em questão. Apenas Antônio de Biá era alfabetizado, mas

a população não acreditava nele, pelo fato de tê-los enganado através de falsas cartas, apenas para ter a garantia de seu emprego no Correio, sendo expulso logo depois que a população descobre esta situação. Zaqueu, sendo o organizador incentivador da escrita sobre a história de Javé, consegue convencer a população de que a única pessoa capaz de escrever o documento seria Biá. Desta forma, ele é aceito novamente pela população, com o único objetivo de escrever sobre as memórias orais do povo e comprovar o Vale de Javé como patrimônio cultural. O personagem Antônio de Biá era um homem inteligente, esperto, alfabetizado e letrado, muitas vezes fazia uso da escrita de forma inadequada. Destaca-se no filme como o único capaz de salvar o Vale de Javé da inundação. A população consegue ter a percepção de que era necessário ter confiança em relatar suas narrativas a fim de serem escritas em um documento. Biá assume esta responsabilidade da escrita e começa a frequentar a casa de cada habitante. Evaldo também é um dos personagens que está sempre ao lado de Zaqueu e Firmino, e acompanha Biá em sua trajetória de unir informações para a construção do documento. O personagem Sr. Vicente, é o primeiro a relatar sobre Javé, enfatizando que a origem de javé, teve como fundador um homem de guerra chamado Indalécio. Desse modo, Biá frequenta várias casas, inclusive de uma mulher chamada Deodora, ouvindo os relatos da população, porém, percebe que cada história narrada apresenta diferenças e tem relação de parentesco com seu herói da narrativa sobre a origem de Javé, dificultando assim a compreensão para a escrita do documento devido haver várias versões da história para se construir uma única narrativa. Sobre o processo de escrita, Soares (2012, p. 70) nos afirma: Desse modo, a escrita engloba desde a habilidade de transcrever a fala, via ditado, até habilidades cognitivas e metacognitivas; inclui habilidade motora (caligrafia), a ortografia, o uso adequado de pontuação, a habilidade de selecionar informações sobre um determinado assunto e de caracterizar o público desejado como leitor, a habilidade de estabelecer metas para a escrita e decidir qual a melhor forma de desenvolvê-la, a habilidade de organizar ideias em um texto escrito, estabelecer relações entre elas, expressá-las adequadamente.

Durante todo o enredo do filme, predomina a preocupação dos javélicos em comprovar Javé como patrimônio, e desse modo, permanecer em seu lugar de origem, morando em suas casas. Biá continua com a responsabilidade de ouvir cada habitante. Infelizmente, não consegue escrever nada sobre as origens do Vale de Javé. Também acreditava e afirmava que mesmo sendo redigido o registro escrito, Javé iria ser destruída de qualquer forma porque não tem nenhum significado para o poder público devido a maioria da população ser analfabeta. Resultado disso são a destruição do Vale de Javé e a construção de uma hidrelétrica. A população sentiu-se traída por Biá, por ele não ter escrito nenhum documento sobre a origem de Javé. Durante o filme, percebe-se a igreja e o sino como um dos símbolos marcantes. Pois todas as reuniões eram realizadas na igreja e o sino era tocado como aviso para que as pessoas pudessem se reunir neste espaço e dialogar sobre assuntos relevantes. O primeiro encontro acontece no início, quando Zaqueu reúne o povo para explicar sobre a destruição de Javé e as possíveis soluções. A segunda reunião acontece na última cena, quando um homem vai à igreja, toca o sino e começa a falar ao povo sobre a inundação de Javé com a construção da barragem. O personagem Zaqueu era um indivíduo perseverante e não desistiu de suas ideias, que poderia mudar a situação do Vale através do documento escrito. Biá consegue enxergar a triste realidade da destruição de Javé, e a tristeza invade o seu corpo ao ver esta cena. A partir deste momento tem o desejo de iniciar a escrita sobre o memorial, pois começava a sentir-se como um membro daquele lugar. Javé não teve uma única história, mas várias narrativas relatadas oralmente pelo povo, porém, nenhum registro escrito. A partir destas situações, é possível perceber que o analfabetismo predominava no vale de Javé, dificultando os indivíduos a terem seus direitos preservados apenas através da oralidade, resultando assim, na falta de identidade daquela população. Soares (2012, p. 20) nos afirma que o analfabeto é aquele que não pode exercer em toda a sua plenitude os seus direitos de cidadão, é aquele que a sociedade marginaliza (...). A impossibilidade de ler e escrever, e a ausência de um documento escrito sobre Javé favoreciam a falta de identidade daquele povo, sendo considerados como

indivíduos sem nenhuma importância para o Estado. Os javélicos sentiram a responsabilidade a que estavam submetidas naquele momento, a necessidade da leitura e escrita, sendo algo indispensável na vida de cada indivíduo na sociedade. Havia o sentimento de tristeza diante da impossibilidade de relatar através da escrita a história de Javé, lugar muito amado pelos seus habitantes. Soares (2012, p. 84-85) nos afirma que as escolas são instituições às quais a sociedade delega a responsabilidade de prover as novas gerações das habilidades, conhecimentos, crenças, valores e atitudes considerados essenciais à formação de todo e qualquer cidadão. A partir das imagens do filme, pode-se afirmar que a população javélica não teve acesso à educação devido não haver escolas no local. O analfabetismo foi o único fator que ocasionou tanto sofrimento para a população de Javé. Percebe-se que durante todo o filme, estavam sendo marginalizados pelo Estado e estavam submetidos a relatar suas histórias para Antônio de Biá, devido à incapacidade de escrever suas próprias narrativas sobre o vale de Javé, e também pela presença da seca. Sobre esta afirmação, Freire (2009, p. 7) enfatiza que: O analfabetismo as mutila e se constitui num obstáculo à assunção plena da cidadania. E as mutila porque, nas culturas letradas, interdita analfabetos e analfabetas de completar o ciclo das relações entre linguagem, pensamento e realidade, ao fechar a porta, nestas relações, ao lado necessário da linguagem escrita. Analisando o filme, pode-se perceber que a população era letrada, mas não era alfabetizada. O letramento está relacionado à compreensão de fatos sociais, a leitura do mundo, ou seja, compreendiam a triste realidade a que estavam submetidos, suas origens, os obstáculos vivenciados por não saberem ler e nem escrever. Porém, sabiam narrar os fatos de forma organizada através da oralidade, havia o envolvimento em práticas sociais de leitura e também de escrita, a limitação estava apenas no ato de transcrever a fala e colocar no papel. Portanto, o letramento é resultado da transmissão cultural, segundo Soares (2012). A origem sobre o Vale de Javé era compartilhada entre os habitantes, embora cada indivíduo contasse sua própria narrativa.

Através dos personagens e das imagens, percebe-se o amor da população javélica pelo lugar de origem. Mesmo vivendo em estado de pobreza e com necessidades básicas de saneamento, posto de saúde, alimentação e até mesmo de moradia, nenhum indivíduo tinha o desejo de abandonar Javé. Na última cena, os engenheiros civis fazem uma filmagem do lugar e a população tem a oportunidade de falar sobre suas histórias de vida. Cada habitante finaliza sua oralidade exigindo que os engenheiros civis não destruam Javé, devido não ter condições financeiras para viver em outro lugar e, permaneçam morando em suas casas. Os javélicos trazem uma reflexão crítica argumentando através da linguagem oral que Javé não pode ser destruída, porque não haveria lugar de moradia em outro espaço para toda a população. Entretanto, como não havia um histórico comprovando Javé como patrimônio, o Estado não valorizava o lugar e muito menos as pessoas. Sendo assim, foram enviados os engenheiros civis para a construção da represa, destruindo o Vale do Javé. A população teve a oportunidade de ver a inundação através da barragem, de forma lastimável, e teriam que abandonar Javé sem receber nenhum tipo de auxílio financeiro para construir casas em outro lugar. Os Javélicos eram letrados, pois compreendiam a realidade do ambiente em que moravam, sabiam falar detalhadamente sobre a origem do Vale do Javé, pois tudo estava na mente de cada indivíduo de acordo com suas próprias experiências vividas, favorecendo diversos pontos de vista e criticidade. Era um local riquíssimo em informações narrados pela população, eram letrados. Devido não ser alfabetizados, eles não conseguiram ter seus direitos preservados enquanto cidadãos. Conforme citado anteriormente, os moradores de Javé perceberam a necessidade de saber ler e escrever, percebiam a realidade com clareza, e todos os problemas estavam relacionados à falta de um documento escrito e a população ser analfabeta. A história era contada, porém nunca foi escrita. O analfabetismo se constitui como uma das formas de violência. Sobre esta afirmação, Freire (2009, p. 7) enfatiza que: Esta é uma das violências que o analfabetismo realiza a de castrar o corpo consciente e falante de mulheres e de homens, proibindo-os de ler e de escrever, com o que se limitam na capacidade de, lendo o mundo, escrever sobre sua leitura dele e, ao fazê-lo, repensar a própria

leitura. De acordo com esta citação, os javélicos sabiam compreender a situação do Vale, ou seja, havia o envolvimento em práticas sociais de leitura da realidade a que estavam submetidos, e as dificuldades vivenciadas estavam relacionadas a não terem domínio da leitura e da escrita, embora fossem letrados. CONCLUSÕES Analisando o filme Narradores de Javé, pode-se perceber que é uma ferramenta significativa para refletir sobre o Analfabetismo, como um aspecto negativo para exercer a cidadania, e o letramento, como fator indispensável na vida de cada indivíduo, para a compreensão de fatos sociais, ou seja, da realidade. Mesmo sendo uma narrativa fictícia, o filme mostra de forma dramática a realidade de muitos indivíduos que não foram alfabetizados na idade certa, muitas vezes, porque não tiveram a oportunidade devido às precárias condições de vida. É necessário esses indivíduos terem a oportunidade de se alfabetizar, mesmo sendo jovens ou adultos e exercerem o seu direito de cidadania na sociedade, vivendo de forma digna. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) se constitui em uma nova chance para erradicar o analfabetismo na sociedade. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (2000, p. 39-40) nos afirma que: Não se pode considerar a EJA e o novo conceito que a orienta apenas como um processo inicial de alfabetização. A EJA busca formar e incentivar o leitor de livros e das múltiplas linguagens visuais juntamente com as dimensões do trabalho e da cidadania (...) a educação, como uma chave indispensável para o exercício da cidadania na sociedade contemporânea. De acordo com a citação acima, pode-se afirmar que os indivíduos conseguem exercerem, de forma autônoma a cidadania, se forem alfabetizados. Caso contrário, continuam sendo marginalizados pelo sistema social, conforme o filme analisado. Ainda de acordo com as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (2000, p. 43) a educação de adultos torna-se mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto consequência do exercício da cidadania como condição para uma plena participação na sociedade. Em suma, Narradores de Javé é um filme que nos leva a refletir sobre a necessidade do indivíduo tanto ser letrado quanto alfabetizado em uma sociedade em constante transformação econômica, social, tecnológica, dentre outros, a fim de exercerem os seus direitos enquanto cidadãos ativos na sociedade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Resolução CNE/CEB 1/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Diário Oficial [da] União, Brasília, 2000, Seção 1, p. 18. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb011_00.pdf>. Acesso em 26 jun. 2015. FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d água, 1997. Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_professora_sim_tia_nao.pdf >. Acesso em 30 abr. 2015. NARRADORES de Javé. Direção: Eliane Caffé. Produção: Vânia Catani. Brasil, 2003, 1 DVD (1h42min), color. PINHEIRO, Rafael. Direcional Escolas. 03 de mar de 2015. Disponível em: < http://direcionalescolas.com.br/2015/03/03/analfabetismo-funcional-uma-realidade-brasileira/ >. Acesso em 27 jun. 2015.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros / Magda Soares. 3. Ed. 1. Reimp. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.