Emoções à baila: a coreografia no método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI)

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Transcrição:

Emoções à baila: a coreografia no método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) Larissa Sato Turtelli Graziela Rodrigues 1 Instituto de Artes UNICAMP Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) e Dança do Brasil Doutora em Artes UNICAMP Intérprete, pesquisadora e docente na área de dança Resumo: A construção artística no método BPI é fruto da integração de conteúdos internos do intérprete. A dramaturgia do espetáculo está centrada no que, e como, o corpo do intérprete expressa, através da personagem nucleada neste. Nessa perspectiva o cerne das coreografias está no conteúdo sensível que lhes é intrínseco, o qual modula a atuação corporal, gerando qualidades de movimento que não são possíveis de serem realizadas sem a atuação consciente das emoções. São criadas "partituras de sensações". As coreografias apresentam um outro tipo de exatidão nos seus movimentos, que não se pauta na reprodução exata de formas pré-concebidas e sim, em atingir qualidades de movimento específicas, resultados de uma integração das imagens, sensações e emoções no movimento. Palavras-chave: Dança, Coreografia, Criação, Apresentação cênica. O Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI) é um método de pesquisa em dança que visa à criação artística tendo como foco a identidade corporal do intérprete, vista na integração dinâmica de seus aspectos culturais, sociais, fisiológicos e afetivos. O BPI procura possibilitar a criação de um produto artístico que esteja próximo do público (estabelecendo uma relação direta entre intérpretes e público), que tenha os intérpretes como sujeitos da criação (tocando em questões humanas como autonomia e relações de poder) e que traga uma realidade social para a arte (que do específico chegue a alcançar dimensões mais amplas). Esse método possui três eixos fundamentais: Inventário no Corpo, Co-habitar com a Fonte e Estruturação da Personagem 2. Ao mesmo tempo em que são eixos também podem ser considerados fases do método, cujo desenvolvimento, no entanto, não é linear. Na fase da Estruturação da Personagem é criada uma personagem a qual será o centro da construção do produto artístico. É a partir da elaboração e da síntese das sensações, sentimentos e imagens trazidos pela vivência da personagem no corpo do intérprete que será composto o roteiro do espetáculo, assim como as coreografias, os espaços cenográficos, os figurinos e a trilha sonora. Nesse percurso de construção artística fruto da integração de conteúdos internos do intérprete e aliada a um desenvolvimento deste como pessoa, a dramaturgia do 1 Orientadora da pesquisa de Doutorado que deu origem a este trabalho (ver Turtelli, 2009). 2 Para mais informações sobre os eixos do método BPI ver Rodrigues, 2003.

espetáculo está centrada no que, e como, este corpo expressa, através da personagem que emergiu dele. Melchert (2007, p.24) nos diz sobre a dramaturgia no BPI: "[a]qui a dramaturgia não é conceitual (uma idéia externa), pois a estruturação do trabalho respeita o material que emergiu como original e singular do corpo do intérprete, fruto de várias elaborações de suas sensações e emoções geradoras de movimentos". A linguagem corporal da personagem constitui-se no cerne a partir do qual as outras linguagens serão desenvolvidas. É do corpo do intérprete que provêm, não apenas os conteúdos das cenas, como também a maneira como estes conteúdos serão transmitidos. O timing das cenas e o próprio aprimoramento técnico dos movimentos serão pautados pelo andamento do percurso interno do intérprete. A dramaturgia no BPI irá provir daquele intérprete específico visto o máximo possível de maneira integrada. Procura-se construir e entrever a identidade corporal do intérprete naquele momento, a qual não é vista como algo dado ou imutável, e sim, como algo flexível. Segundo Rodrigues (2003, p.91) busca-se no BPI "a maleabilidade desse eixo [do intérprete] para possibilitar ao corpo sofrer metamorfoses". O reconhecimento das sensações corporais é uma forma de se chegar até as emoções e está relacionado à construção da identidade corporal. Conforme afirma Tavares (2003, p.80) "[o] contato com nossas sensações corporais representa um eixo direcionador, um alicerce para o processo de construção da identidade corporal do indivíduo". O processo de criação no BPI faz com que se chegue a movimentos do intérprete relacionados a sensações muito íntimas suas, que por sua vez estão ligadas a imagens e emoções. O percurso para se chegar a estes movimentos do "miolo" do corpo precisa ser atento e cuidadoso. Existe um tempo até se chegar aos conteúdos mais internos do corpo. Se não é dado este tempo, o corpo ficará nos seus movimentos já condicionados. Esses movimentos do "miolo" do corpo são trabalhados junto ao diretor no método: são reconhecidos, pesquisados, transformados e elaborados para darem origem ao espetáculo. Através da personagem, o intérprete vai além das suas vivências pessoais, ele contacta e agrega dimensões que lhe são maiores, envolvendo os níveis social e simbólico. No BPI o indício de que chegou o momento de fechar o roteiro do espetáculo é quando ocorre uma saturação dos conteúdos trazidos pela personagem determinados conteúdos insistem em aparecer e repetir-se. No processo de construção do roteiro, o diretor no método BPI aos poucos seleciona e elabora os conteúdos que trazem uma atuação mais integrada do corpo da personagem no corpo do intérprete são mais expressivos e insistentes para desenhá-los cenicamente e compor as cenas. Inicia-se nesta fase, na condução do diretor, um equilíbrio entre os laboratórios com a personagem e os trabalhos coreográficos. Enquanto os laboratórios são mais

voltados para o "interior", descoberta das sensações, sentidos, imagens e ações da personagem, os trabalhos coreográficos voltam-se mais para o "exterior", a análise dos conteúdos e movimentos que vêm nos laboratórios, a pesquisa técnica e estética dos movimentos da personagem e a composição das cenas e coreografias (ver Figura 1) 3. LABORATÓRIO Trabalhos de linguagens Técnica Análise Composição TRABALHO COREOGRÁFICO Figura 1 Diagrama das relações entre laboratório e trabalho coreográfico na fase de criação do roteiro do espetáculo no BPI. Rodrigues (2003, p.158) define a criação coreográfica no BPI como uma "arquitetura de imagens carregadas de sentidos": A criação coreográfica no BPI é uma arquitetura de imagens carregadas de sentidos anteriormente vivenciadas que foram elaboradas e filtradas para comporem cenas [...] As matrizes de movimento têm uma certa flexibilidade quanto à forma, que possibilita ao bailarino estar livre para ir processando a sua dança de acordo com o ambiente e com mudanças em seu corpo. Entretanto, há uma sólida estrutura de espaço-tempo e conteúdo a ser expresso. Um roteiro é criado [...] Pode-se dizer que nesta parte uma partitura de sensações é criada e o burilamento do movimento é contínuo. As qualidades de movimento e as sensações corporais estão intimamente relacionadas, há sensações, imagens e emoções que ajudam a impulsionar a qualidade de movimento que está sendo trabalhada em determinada cena e outras que a dificultam. Assim, é necessário pesquisar as sensações de cada fragmento de cena e estruturar não só o roteiro das ações, como também a "partitura de sensações". Em vez de falarmos em sequências de movimento, falamos em matrizes de movimento, pois como matrizes constituem-se em bases que podem dar origem a variações. 3 Diagrama elaborado por Graziela Rodrigues durante o processo de criação do espetáculo de dança "Valsa do Desassossego", ver Turtelli (2009, p.101).

A relação com as músicas também é diferenciada. Rodrigues (2003, p.158) explica que nas coreografias no BPI "O bailarino não precisa contar a música para dançar, o tempo é dado por suas próprias imagens que se sequenciam e pelo tempo de suas sensações já integradas ao movimento". O roteiro organiza os conteúdos da personagem e elabora-os para serem comunicados. É uma estrutura criada para favorecer o fluxo de sentidos da personagem. É o ponto de partida para a personagem expressar-se e recriar-se. Uma coreografia de imagens, sensações e emoções O espetáculo no método BPI depende que sejam trazidos os sentidos, imagens, sensações e emoções de cada momento do roteiro para que possa realmente "acontecer". O cerne do espetáculo está no conteúdo sensível intrínseco à coreografia, este conteúdo precisa ser trazido a cada momento, modulando a atuação corporal, gerando qualidades de movimento que não são possíveis de serem realizadas sem a atuação consciente das emoções. Há um ponto exato para o trabalho com as emoções. Não se trata de representar determinadas emoções, no sentido de atuar cenicamente fazendo a expressão facial e corporal daquela emoção, e também não se trata de "emocionalismos" 4. As emoções são vivenciadas de fato pelo intérprete e fazem parte da qualidade do seu movimento. As emoções são acolhidas como parte do processo BPI. Há um trabalho delicado para o seu reconhecimento e elaboração. O intérprete não fica preso às suas emoções, ele aprende a conduzi-las em direção a um movimento de vida. Nagai (2008, p.6) enfatiza a peculiaridade do trabalho com a emoção no BPI: "[à] primeira vista, trabalhar a emoção pode parecer algo naturalmente implícito a qualquer fazer artístico. No método, o trabalho com a emoção é um fino estudo de percepção, escuta e desdobramento de seus significados". É preciso haver uma predisposição e abertura do corpo e ao mesmo tempo um corpo trabalhado muscularmente para dar condições das emoções modelarem-se em movimento. O substrato para que as emoções possam tomar corpo, é o trabalho com a Estrutura Física do método BPI, a abertura das articulações, as modulações do tônus, a flexibilização da musculatura, os trabalhos de enraizamento dos pés, a relação com a força da gravidade ampliando o contato com o solo. 4 Rodrigues (1997, p.152) define "emocionalismo" como "emoção represada, desconhecida, que atua numa forma representada e não circula pelo corpo da pessoa, permanecendo na máscara do rosto".

Foto: Isabella Franceschi Foto 1 Personagem Dalva, espetáculo de dança "Valsa do Desassossego", com Larissa Turtelli, direção de Graziela Rodrigues. Foto: Beeroth Foto 2 Personagem Jura, espetáculo de dança "A Flor do Café". Com Nara Calipo, direção de Graziela Rodrigues, assistência de direção de Larissa Turtelli.

As emoções no corpo dão origem a configurações corporais específicas e qualidades de movimento únicas (ver Fotos 1 e 2). O diretor no método BPI realiza trabalhos para elaborar tecnicamente estes corpos e suas qualidades de movimento. Conduz procedimentos para trazer mais à tona o corpo que se configura, como se o puxasse mais para fora, ampliasse e ao mesmo tempo intensificasse suas ações. O diretor trabalha a organicidade deste corpo para que ele expanda em si os sentidos que o tomam e possa comunicá-los. O foco das coreografias não está em reproduzir uma forma, mas em expressar determinados conteúdos buscando a comunicação com as pessoas do público. Esta expressão ocorre através de formas de movimento geradas de dentro para fora a partir do conteúdo sensível. O movimento é extremamente elaborado. O diretor burila cada detalhe do movimento. Estes detalhes não dizem respeito a reproduzir uma sequência de movimentos pautada por uma forma exata e sim a atingir uma qualidade de movimento ligada a um estado emocional. Existe uma exatidão nos movimentos que está em atingir uma integração do percurso interno, a qual acarreta uma qualidade de movimento, um ritmo, uma acentuação, um tônus, um olhar, altamente precisos. Assim, para fazer com que o espetáculo no método BPI "aconteça", é preciso atuar com um corpo pleno, integrando "corpo físico" e "corpo emocional", ter um eixo firme e ao mesmo tempo flexível, em constante processo de construção, que permita ir além da própria individualidade, abrindo-se para a realidade social da personagem e para o contato com as pessoas do público. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MELCHERT, A.C.L. O desate criativo: estruturação da personagem a partir do método BPI (Bailarino-Pesquisador-Intérprete). 2007. 158p. Dissertação (Mestrado em Artes) Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. NAGAI, A.M. O Dojo do BPI: Lugar onde se desbrava um caminho. 2008. 123p. Dissertação (Mestrado em Artes) Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. RODRIGUES, G. Bailarino-Pesquisador-Intérprete: processo de formação. Rio de Janeiro: Funarte, 1997. RODRIGUES, G.E.F. O Método BPI (Bailarino-Pesquisador-Intérprete) e o desenvolvimento da imagem corporal: reflexões que consideram o discurso de bailarinas que vivenciaram um processo criativo baseado neste método. 2003. 171p. Tese (Doutorado em Artes) Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

TAVARES, M.C.G.C.F. Imagem corporal: conceito de desenvolvimento. Barueri, SP: Manole, 2003. TURTELLI, L.S. O espetáculo cênico no método Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI): um estudo a partir da criação e apresentações do espetáculo de dança Valsa do Desassossego. 2009. 309p. Tese (Doutorado em Artes) Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.