ALGUNS CONCEITOS E CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE BOURDIEU, NO CAMPO EDUCACIONAL Ana Carolina de Oliveira Lyrio (UENF) anacarolinalyrio2@gmail.com Ari Gonçalves Neto (UENF) arigneto@gmail.com Cecilia Calabaide (UENF) ccalabaide@gmail.com RESUMO O artigo tem como objetivo uma reflexão sobre os conceitos de habitus, bem ainda de campo, capital, capital cultural e violência simbólica à luz dos escritos de Pierre Bourdieu, notadamente considerando o contexto educacional. Assim, o conceito de habitus diz respeito à capacidade dos sentimentos, dos pensamentos e das ações dos indivíduos quanto à incorporação de determinada estrutura social. O campo representa um espaço no qual há confrontos que legitimam as representações, considerando o poder simbólico como aquele que classifica os símbolos de acordo com a existência ou ausência de um código de valores, já o capital corresponde ao acúmulo de forças que o indivíduo pode alcançar no campo. Dessa forma, o artigo busca compreender como os indivíduos incorporam a estrutura social, legitimando-a e reproduzindo-a, por meio da instituição escolar. Palavras-chave: Campo. Habitus. Capital cultural. Violência simbólica. 1. Introdução De origem campesina, nascido em primeiro de agosto de 1930 na França, Pierre Félix Bourdieu filósofo de formação, foi docente na École de Sociologie du Collège de France, onde desenvolveu estudos relacionados a dominação. De volta a Paris Bourdieu, tornou-se assistente de Raymond Aron, um importante sociólogo, filósofo e comentarista político da França. No ano de 1960, tornou-se membro do Centro de Sociologia Europeia, no qual ocuparia o cargo de secretário-geral dois anos depois. Seu retorno à França marca também o início de sua volumosa produção científica. Sua publicação entre as décadas de 1960 e 1980 o caracteriza como importante sociólogo do século XX, trazendo contribuições nos campos da antropologia e sociologia, cujas contribuições alcançam as diversas aéreas do conhecimento humano, discutindo temas como: educação, cultura, literatura, arte, mídia, linguística e política. 1
Em sua trajetória, destacou-se por propor uma crítica a formação do sociólogo, o que ficou conhecido como sociologia da sociologia. Para Bourdieu, o mundo social deve ser compreendido por três conceitos fundamentais: campo, habitus e capital. Bourdieu era estruturalista e explicou o estruturalismo como uma forma de processo pelo qual o homem deixa sua estrutura inicial para passar a uma nova estrutura. Utilizou e se apropriou dos estudos realizados por Karl Marx sobre capitalismo, especificamente o conceito de luta de classes, ampliando o conceito de capital econômico, para novos capitais. Ampliando seus estudos, Bourdieu buscava entender melhor o social, então buscou estudar o real e o social, sendo o objetivismo e o subjetivismo existente. 2. Análise sobre os conceitos de campo social, habitus e capital em uma abordagem trazida por Pierre Bourdieu Neste sentido, surpreendentemente nos anos 1960, Bourdieu e Passeron (1964) publicaram a obra Os herdeiros e os estudantes e a cultura na qual empreenderam uma poderosa crítica ao sistema de ensino francês. O tema convergente na obra desses autores foi a sociologia da educação trazendo a desigualdade como questão principal (ROHLING e VALLE, ANO 2016, p. 4). Inviável não falar das concepções sem articular aos estudos desenvolvidos pelos autores, na perspectiva do cenário educacional como reprodutor de desigualdades sociais. Pierre Bourdieu no decorrer de sua extensa trajetória científica, identifica um fenômeno que poder ser verificado em vários setores sociais: o campo social. Tal trata-se de um mundo pequeno social dotado de certa autonomia, com leis e regras específicas, ao mesmo tempo em que influenciado e relacionado a um espaço social mais amplo. A estrutura do campo é como um constante jogo, no qual, cientes das regras estabelecidas, os agentes participam, disputando posições e lucros específicos. O campo também pressupõe confronto, tomada de posição, luta, tensão, poder, já que, de acordo com Bourdieu, todo campo é um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças (BOURDIEU, 2004, p. 22-3). Como afirmam Bourdieu e Passeron (2014, p. 27), de todos os fatores de diferenciação, a origem social é sem dúvida aquela cuja influência exerce-se mais fortemente sobre o meio estudantil, por meio da 2
qual são definidas as chances de capitais, condições de vida e trabalhos diferentes. Os autores apontam para a conivência da escola quanto à perpetuação das desigualdades sociais, de modo que se faz necessária a ajuda das concepções trazidas pela teoria da justiça social e distributiva. É preciso entender a escola como uma instituição fundamental da sociedade, isto é, como uma instituição da estrutura básica da sociedade, que é orientada pelos princípios da justiça social. Bourdieu apud Nogueira (2004) já constava em Os herdeiros (1964), que a existência de uma forte correlação entre a origem social dos estudantes (definida pela categoria sócio profissional dos pais) e o tipo de curso superior frequentado é estabelecido em função de fatores externos, notadamente considerando a posição social ocupada. O autor mostrava que essa correlação era influenciada ainda pelas variáveis, de modo geral que os indivíduos nativos das classes superiores da sociedade ingressavam nos cursos de mais prestígios, e os indivíduos das classes inferiores eram renegados aos cursos de menor visibilidade social. Segundo Nogueira e Nogueira (2002), Bourdieu distingue três conjuntos de disposições e de estratégias de investimento escolar que seriam adotadas pelas classes populares, classes médias e pelas elites. O primeiro desses grupos, pobre em capital econômico e cultural, tenderia a investir de modo moderado no sistema de ensino. Esse investimento, relativamente baixo, se explicaria por várias razões: em primeiro lugar, a percepção, a partir dos exemplos acumulados, de que as chances de sucesso são reduzidas, uma vez que faltariam os recursos econômicos, sociais e, sobretudo, culturais necessários para um bom desempenho escolar. Isso tornaria o retorno do investimento muito incerto e, portanto, o risco muito alto. Essa incerteza e esse risco seriam ainda maiores pelo fato de que o retorno do investimento escolar é dado em longo prazo. Essas famílias estariam, em função de sua condição socioeconômica, menos preparadas para suportar os custos econômicos dessa espera, especialmente, o adiamento da entrada dos filhos no mercado de trabalho. Acrescenta-se a isso o fato de que o retorno alcançado com os títulos escolares depende, parcialmente da posse de recursos econômicos e sociais passíveis de serem mobilizados para potencializar o valor dos títulos. No caso dessas famílias das classes populares, nas quais esses recursos são reduzidos, tender-se-ia, naturalmente, a obter um retorno mínimo com os títulos escolares conquistados. Diante disso, esse grupo social tenderia a adotar o que Bourdieu chama de liberalismo em relação à educação dos filhos. A vida escolar dos filhos não seria acompanhada de 3
modo sistemático e nem haveria uma cobrança intensiva em relação ao sucesso escolar. As aspirações escolares desse grupo seriam moderadas. Esperar-se-ia dos filhos que eles estudassem apenas o suficiente para se manteremou se elevarem ligeiramente em relação ao nível socioeconômico dos pais (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002). Os campos são resultados de processos de diferenciação social, da forma de ser e do conhecimento do mundo e o que dá suporte são as relações de força entre os agentes (indivíduos e grupos) e as instituições que lutam pela hegemonia, isto é, o monopólio da autoridade, que concede o poder de ditar as regras e de repartir o capital específico de cada campo (BOURDIEU, 1984, p. 114). Um dos princípios de campo é definir o que os agentes podem ou não fazer, é a estrutura das relações objetivas entre os diferentes agentes (BOURDIEU, 2004, p. 23). Como estruturas estruturadas que funcionam também como estruturas estruturantes, o habitus pode ser definido como "sistema de disposições duráveis". As estruturas são estruturantes à medida que são responsáveis pela construção de práticas e representações por parte dos agentes, mas também são estruturadas porque influenciadas, inventadas, recriadas por esses mesmos agentes que não seguem as normas tal qual se apresentam, mas fazem delas diferentes usos (TEIXEIRA, p. 344). Indo de encontro com as concepções explicadas, o autor esclarece seu conceito como: [...] eu desejava pôr em evidência as capacidades "criadoras", activas, inventivas, do habitus e do agente (que a palavra hábito não diz), embora chamando a atenção para a ideia de que este poder gerador não é o de um espírito universal, de uma natureza ou de uma razão humana, [...] o habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital. (BOURDIEU, 1989, p. 61) Retomando o conceito de habitus, entende-se, assim como Setton (2002), que este não pode ser interpretado apenas como sinônimo de uma memória sedimentada e imutável; é também um sistema de disposição construído continuamente, aberto e constantemente sujeito a novas experiências. Pode ser visto como um estoque de disposições incorporadas, mas postas em prática a partir de estímulos conjunturais de um campo. Assim, é possível vê-lo, como um sistema de disposição que predispõe à reflexão e a certa consciência das práticas, se e à medida que um feixe de condições históricas permitir. Princípio de uma autonomia real em relação às determinações imediatas da situação, o habitus não é por isto uma espécie de essência a- histórica, cuja existência seria o seu desenvolvimento, enfim destino defi- 4
nido uma vez por todas. Os ajustamentos que são incessantemente impostos pelas necessidades de adaptação às situações novas e imprevistas podem determinar transformações duráveis do habitus, mas dentro de certos limites: entre outras razões porque o habitus define a percepção da situação que o determina (BOURDIEU, 1983, p. 106). Em suma, as famílias ou indivíduos não se reduzem à sua posição de classes ou a um habitus de classe. Para além do habitus de classe há de se considerar o habitus individual, que é produto da socialização, constituídos em condições sociais específicas, por diferentes sistemas de disposições produzidos em condicionamentos e trajetórias diferentes, em espaços distintos como a família, a escola, os professores, o trabalho, os grupos de amigos e/ou a cultura de massa (SETTON, 2002). Além do habitus, pensar o conceito de capital é também fundamental se o objetivo for a compreensão mais alargada do que é um campo. De acordo com o próprio autor e segundo o texto os três estados do capital, o capital cultural pode se apresentar sob três formas, quais sejam: o capital cultural incorporado, sob a forma de disposições duráveis do organismo ; o capital cultural objetivado, sob a forma de bens culturais quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas ; e o capital cultural institucionalizado, em relação ao certificado escolar (BOURDIEU, 2010, p. 74). De acordo com Nogueira; Nogueira (2009, p. 35), para referir-se ao poder advindo da produção, da posse, da apreciação ou do consumo de bens culturais socialmente dominantes, Bourdieu utiliza, por analogia ao capital econômico, o termo capital cultural (TEIXEIRA, p. 346). A escola funciona como um mecanismo de reprodução das estruturas e dos capitais dos alunos. Os indivíduos se posicionam dentro de um determinado campo, através de seu capital acumulado, que pode ser social, cultural e econômico. Por exemplo: o capital social corresponde a rede de relações que cada indivíduo constrói através de seus contatos e interações entre eles. O capital cultural que esta interligado ao legado da família, sua origem, trajetória e impacto social. E o capital econômico que está diretamente ligado ao financeiro. Hoje, gostaria de lembrar os mecanismos extremamente complexos pelos quais a instituição escolar contribui (insisto nessa palavra) para reproduzir a distribuição do capital cultural e, assim a estrutura do espaço social. As duas dimensões fundamentais desse espaço, as quais lembrei ontem, correspondem dois conjuntos de mecanismos de reprodução diferentes - cuja combinação define o modo de reprodução -, que fazem com que o capital puxe o capital e com que a estrutura social tenda a perpetuar-se (não sem sofrer deformações mais ou menos importantes). A repro- 5
dução da estrutura de distribuição do capital cultural se dá na relação entre as estratégias das famílias e a lógica especifica da instituição escolar. (BOURDIEU, 1994, p. 35) No sistema educacional, o tipo de capital valorizado é o capital cultural, que vem da tradição familiar, na forma de conhecimentos, livros, diplomas e uma cultura que visa o aprendizado, onde o indivíduo já está habituado a frequentar lugares em que lhe remetem a um novo a- prendizado. Nesse caso, o capital cultural não é aquele do qual será adquirido na escola, mas sim aquele já adquirido e que passa a condicionálo no ambiente escolar. 3. Considerações Finais A articulação entre capital, campo e habitus é explicitada por Bourdieu e essas categorias são desenvolvidas e ampliadas em várias produções do autor, dentre elas as que foram citadas neste artigo. O sistema educacional é composto por uma variação entre os indivíduos e seu habitus, que é composto por vários capitais e que os tornam pertencentes a um determinado campo social. Cada campo tem suas leis específicas e está relacionado a determinados tipos de capitais. Portanto seconfigura como espaço social no qual relações de poder são estabelecidas entre os agentes. Contudo, buscamos com esse artigo trazer algumas concepções do autor Bourdieu que possa contribuir com o enriquecimento e reflexões para os docentes. Neste sentido, a contribuição maior é o conhecimento adquirido e a práxis ao inovar em suas ações cotidianas no ambiente escolar, trazendo novas formas de criar possibilidades para atender todos os indivíduos, não os caracterizando através de seu campo pertencente e seus capitais culturais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, M.A. (Org.). Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998.. Futuro de classe e causalidade do provável. In: NOGUEIRA, M.A. (Org.). Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998b. 6
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