Biotecnologia aplicada à preservação de espécies silvestres



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Transcrição:

Biotecnologia aplicada à preservação de espécies silvestres Fabrício Rodrigues dos Santos Bacharel em Ciências Biológicas, Doutor em Bioquímica e Biologia Molecular Professor Associado de Genética e Evolução Departamento de Biologia Geral, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, MG, Brasil fsantos@icb.ufmg.br A Biotecnologia pode ser visualizada como um produto da atividade humana relacionada à utilização dos recursos biológicos. Com certeza, grande parte do progresso biotecnológico se deve à descoberta e utilização de produtos e processos extraídos da biodiversidade. Atualmente a associação entre biotecnologia e biodiversidade é evidenciada pelos megaprojetos de bioprospecção nas regiões tropicais que visam gerar vários produtos de aplicação industrial. Este enorme valor potencial da biodiversidade, principalmente nos trópicos, é que tem levado à regulamentação do acesso ao patrimônio genético em países megadiversos como o Brasil, a fim de se controlar a biopirataria (Borém e Santos, 2001). No entanto, vários procedimentos biotecnológicos têm sido aplicados à minimização de impactos antrópicos (de origem humana) à biodiversidade. Dentre estes procedimentos destaca-se a aplicação da genética da conservação no diagnóstico e monitoramento de processos genéticos e ecológicos associados à extinção de espécies. A genética da conservação utiliza ferramentas biotecnológicas em prol da preservação da biodiversidade (Frankham et al., 2002), que é um compromisso dos países que ratificaram a Convenção sobre Diversidade Biológica (http://www.biodiv.org), durante a ECO 92, no Rio de Janeiro. Essas ferramentas permitem quantificar e avaliar a diversidade genética, a qual se caracteriza pelo conjunto de todas as variantes existentes no genoma de cada uma das espécies e entre as espécies. A diversidade genética é uma das subdivisões da biodiversidade, que também se compõe da diversidade no nível de espécies e de ecossistemas. A genética da conservação é empregada atualmente em várias situações da biologia da conservação, tal como na discriminação de espécies e/ou subespécies ameaçadas de extinção, elaboração de estratégias de manejo reprodutivo e determinação do status de conservação de uma espécie. Ferramentas biotecnológicas modernas foram utilizadas recentemente na identificação de espécies de baleias a partir de amostras de carne apreendidas no comércio asiático (Baker et al., 2000). Estes estudos comprovaram que, no Japão

e Coréia, se consumia carne de baleia de espécies com caça proibida pela Comissão Internacional da Baleia. A genética da conservação estuda a variabilidade genética dentro e entre espécies buscando uma melhor compreensão da dinâmica de populações na natureza ou em cativeiro. A aplicação prática destas pesquisas revela-se importante em vários contextos ecológicos e evolutivos. Os estudos das relações de parentesco evolutivo entre espécies (filogenéticos) focalizam a discriminação destas e sua classificação taxonômica. Desta forma, por meio de estudos filogenéticos foi feita a validação e identificação de uma espécie de Tuatara (Sphenodon guntheri) na Nova Zelândia (Daugherty et al., 1990), que se acreditava fazer parte da espécie mais comum (Sphenodon punctatus) no arquipélago (Figura 1). Isto propiciou a implementação de estratégias de conservação envolvendo a criação de áreas de proteção para a nova espécie desse tipo de lagarto. Figura 1 O diagnóstico genético permitiu a identificação de uma nova espécie de tuatara (Sphenodon guntheri) na Nova Zelândia. Foto: Animal Diversity Web Estudos de diversidade genética podem também ser empregados para quantificar graus de endogamia (consangüinidade) de populações na natureza e em cativeiro, bem como monitorar a eficiência do manejo reprodutivo e de tentativas de reintrodução de indivíduos ao meio natural. No projeto implantado em 1984, de reintrodução assistida do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) nas reservas do Estado do Rio de Janeiro (Figura 2), foram utilizados animais de mais de 140 zoológicos de todo o mundo (Beck e Martins, 2001). O número de indivíduos na natureza era bastante reduzido e as populações estavam altamente endogâmicas na década de 1970. Através de estudos genéticos, tal como os

testes de paternidade em humanos, foi possível selecionar, dentre os animais recebidos, aqueles indivíduos menos aparentados para o processo de reintrodução, de forma a restaurar parte da variabilidade genética perdida na natureza. Atualmente a população natural já passa de mil indivíduos e o nível de endogamia está bem reduzido com a introdução de mais de 470 animais nascidos em cativeiro. Este exemplo demonstra como a biotecnologia aplicada à conservação pode interferir de maneira efetiva no monitoramento de projetos de reintrodução e manejo de populações naturais. Isto é muito importante principalmente, nos casos em que a preservação da espécie depende também de projetos de reprodução em cativeiro. Figura 2 O mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) é um símbolo dos esforços de preservação ambiental obtido com o auxílio da genética de conservação. Foto: Solvin Szankl (Associação Mico-leão-dourado). Em alguns casos, mesmo contando com indivíduos mantidos em cativeiro, pouco se pode fazer para a recuperação de espécies na natureza. Este foi o caso da ararinha azul (Cyanopsitta spixii), atualmente extinta na natureza. Caparroz et al. (2001) realizaram estudos de variabilidade genética com sete das trinta e nove ararinhas-azuis (Figura 3) existentes em cativeiro. Apesar de apenas um dos

animais estudados ter realmente em cativeiro, a variabilidade genética observada sugeria uma altíssima consangüinidade. Um destes animais poderia ter sido selecionado como parceiro do único exemplar livre na natureza, mas o plano foi frustrado pelo trágico desaparecimento deste indivíduo no final de 2000 na região de caatinga no vale do Rio São Francisco, na Bahia. Embora a maior parte da diversidade genética original já esteja extinta na ararinha azul, a reprodução em cativeiro poderá ser futuramente utilizada na geração de indivíduos para uma possível reintrodução da espécie no ambiente natural. No entanto, esta espécie reabilitada conseguirá muito dificilmente persistir na natureza sem qualquer intervenção humana. Figura 3 - A última ararinha azul (Cyanopsitta spixii) desapareceu da natureza em 2000, restando apenas indivíduos em cativeiro. Figura: IBGE. Outros estudos genéticos tentam identificar populações prioritárias em projetos de conservação através da análise da distribuição da variabilidade genética no espaço geográfico e como esta se originou no passado evolutivo de cada espécie. Para assegurar o futuro evolutivo da espécie, estas populações prioritárias devem possuir variabilidade suficiente. Esta consideração é importante e deve nortear o planejamento, a médio e longo prazo, da preservação da biodiversidade, no qual devem ser considerados, além do fator antrópico, a ocorrência de outros fatores evolutivos, desde aqueles de fundo genético até fatores demográficos, climáticos e ambientais que podem levar as espécies naturalmente à extinção ou à especiação (diversificação em novas espécies após

milhares de anos). Além disto, a priorização de populações pode ser mais eficiente, se considerar ainda as questões políticas, disponibilidade de financiamento e limitações de tamanho ou número de áreas a serem preservadas. Com o aumento da urbanização e de outras atividades antrópicas, tais como a agricultura, pecuária e industrialização, enormes extensões de vegetação natural e outros ambientes aquáticos e terrestres foram afetados. Este processo leva à fragmentação de populações que estavam anteriormente contínuas e também à perda de diversidade genética devido à redução do tamanho populacional, e à própria extinção de populações. A fragmentação geralmente leva ao isolamento entre populações, impedindo o fluxo gênico entre as mesmas. Desta forma, populações tendem a se diferenciar geneticamente uma das outras, mas como cada uma apresenta um tamanho populacional menor do que antes da fragmentação, a diversidade dentro delas é reduzida. A redução da variabilidade genética limita as possibilidades de que as populações respondam a adversidades ambientais ou flutuações demográficas, aumentando ainda mais o risco de extinção. Dessa forma, a quantificação da diversidade genética nas populações pode contribuir bastante para o diagnóstico e monitoramento do impacto da fragmentação e degradação ambiental sobre espécies ameaçadas. Outro problema que a genética da conservação tem abordado é a identificação de híbridos, que são indivíduos resultados do cruzamento entre espécies distintas na natureza. Os híbridos podem aparecer naturalmente em regiões de ocorrência simultânea de duas espécies aparentadas, mas muitas das hibridizações observadas atualmente parecem resultar de processos antrópicos. Muitas vezes os híbridos entre espécies são estéreis ou passam a ser estéreis após poucas gerações de cruzamentos com uma das espécies originais. Estes híbridos podem acelerar o próprio processo de extinção em espécies já com número reduzido de indivíduos. A clonagem a partir de células somáticas (do corpo de um indivíduo adulto) é uma nova ferramenta biotecnológica que tem sido sugerida para o uso na produção em laboratório de animais em extinção ou já extintos (Cohen, 1997). Esta técnica foi utilizada para gerar um clone do gauro (Bos gaurus), uma espécie de boi selvagem asiático com pouquíssimos indivíduos remanescentes na natureza. Após gestação no útero de vaca doméstica, o bezerro gauro obtido sobreviveu por apenas dois dias, morrendo de disenteria. Mesmo assim, esta estratégia se mostrou possível e aplicável a espécies em extinção. Posteriormente, foi produzido um clone a partir de um indivíduo morto de uma raça rara de ovelha, a mouflon (Ovis orientalis musimon). O filhote obtido sobreviveu e foi levado para uma unidade de conservação, consistindo no primeiro caso de reintrodução de clone de uma espécie em extinção à população natural. No entanto existem vários problemas associados ao tema da clonagem aplicada a animais em extinção, ou mesmo a animais já extintos como mamutes e tilacinos. Isto pode sugerir que a biotecnologia sempre salvará animais da extinção, uma vez que estes poderão ser refeitos em laboratório sempre que

necessário. Desta forma, poderia se reduzir na sociedade a preocupação com a preservação dos hábitats, usando-se como desculpa a possibilidade da recuperação dos animais via clonagem. Outro problema diz respeito à própria clonagem em si, já que se trata de uma técnica que permite a de multiplicação de um ou poucos indivíduos, e, conseqüentemente, não pode ser usada para recuperar a diversidade genética original da espécie. A clonagem em massa a partir de poucos indivíduos poderia reconstituir uma população com baixíssima variabilidade genética e, portanto, com poucas chances de sucesso reprodutivo na natureza. Atualmente estamos vivenciando a maior extinção em massa de espécies de todos os tempos (Leakey e Lewin, 1996). A taxa com que as espécies estão se extinguindo é muito maior do que a de aparecimento de novas espécies em razão muito elevada quando comparada com outros eventos de extinção em massa, tal como o que extinguiu os dinossauros no final do Cretáceo (65 milhões de anos atrás). O que deve ser destacado é que a biotecnologia não irá impedir a extinção de espécies, mas se associada a outros tipos de iniciativas de preservação dos hábitats naturais, poderá retardar o processo ou reduzir suas conseqüências. O potencial de uso de produtos provenientes do conhecimento de nossas espécies agrega valor à nossa biodiversidade, mas não pode ser motivo para mais degradação, extrativismo descontrolado e biopirataria. A consciência coletiva da importância da biodiversidade para nossa persistência na Terra a médio e longo prazo pode ser alcançada também com o auxílio da biotecnologia. Talvez até mesmo a clonagem possa ter seu papel na criação desta consciência de preservação ambiental, mostrando o contraste entre o organismo que veio do laboratório com aqueles que foram moldados na natureza pela evolução e que não podem ser reconstituídos completamente pelo homem. Referências Baker, C.S.; Lento, G.M.; Cipriano, E.; Palumbi, S.R. 2000. Predicted decline of protected whales based on molecular genetic monitoring of Japanese and Korean markets. Proceedings of the Royal Society of London - Biological Sciences 267: 1191-1199 Beck, B.B.; Martins, A.F. 2001. Update on the golden lion tamarin reintroduction program. Tamarin Tales 5: 7-8 Borém, A.; Santos, F.R. 2001. Biotecnologia Simplificada. Editora Suprema, Visconde do Rio Branco, MG, 250 pp Caparroz, R.; Miyaki, C.Y.; Bampi, M.I.; Wajntal, A. 2001. Analysis of the genetic variability in a sample of the remaining group of Spix s Macaw (Cyanopsitta spixii, Psittaciformes: Aves) by DNA fingerprinting. Biological Conservation 99: 307-311 Cohen, J. 1997. Can Cloning Help Save Beleaguered Species? Science 276: 1329 1330.

Daugherty, C.H.; Cree, A.; Hay, J.M.; Thompson, M.B. 1990. Neglected taxonomy and continuing extinctions of tuatara (Sphenodon). Nature 347: 177 179 Frankham, R.; Ballou, J.D.; Briscoe, D.A. 2002. Conservation Genetics. Cambridge University Press: Cambridge UK. 617 pp. Leakey, R.; Lewin R. 1996. The Sixth Extinction: Patterns of of Life and the Future of Humankind. Doubleday and Company. Miller, P.S. 1995. Selective breeding programs for rare alleles: examples from the Przewalski's horse and California condor pedigrees. Conservation Biology 9: 1262-1273 O'Brien, S.J.; Roelke, M.F.; Marker, L.; Newman, A.; Winkler, C.A.; Meltzer, D.; Colly, L.; Evermann, J.F.; Bush, M.; Wildt, D.E. 1985. Genetic Basis For species vulnerability in the cheetah. Science 227: 1428-1434 Walpole, M.J.; Morgan-Davies, M.; Milledge, M.; Bett, P.; Leader-Williams, N. 2001. Population dynamics and future conservation of a free-ranging black rhinoceros (Diceros bicornis) population in Kenya. Biological Conservation 99: 237-243