DESAFIOS DA PEDOLOGIA BRASILEIRA FRENTE AO NOVO MILÊNIO (1)



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compreensão ampla do texto, o que se faz necessário para o desenvolvimento das habilidades para as quais essa prática apresentou poder explicativo.

Transcrição:

DESAFIOS DA PEDOLOGIA BRASILEIRA FRENTE AO NOVO MILÊNIO (1) HISTÓRICO Doracy Pessoa Ramos (2) A pedologia brasileira tem uma brilhante história a partir dos anos 50 quando o projeto de conhecimento e mapeamento dos solos brasileiros teve praticamente seu início. Até então, eram poucos e isolados os pesquisadores que em nosso País buscavam uma maior atuação nesta área de Ciência do Solo, especialmente no que diz respeito à organização do conhecimento dos solos para formação de classes homogêneas e à disponibilização destas classes em mapas temáticos. É uma história que se confunde com a própria história de duas grandes e importantes casas do saber: o Instituto Agronômico de Campinas e o extinto Serviço Nacional de Levantamento e Conservação de Solos - SNLCS, que teve origem na Comissão de Solos do Ministério da Agricultura, precursores do atual Centro Nacional de Pesquisa de Solos, da Embrapa. Talvez pela elevada influência dessas duas instituições nesse processo, a Comissão de Solos apresentou ao Governo brasileiro, em 1953, e dele teve aprovado o Programa de Levantamento de Reconhecimento dos Solos Brasileiros que iniciou pelos Estados do Rio de Janeiro e Distrito Federal, em 1954 e 1955, respectivamente. Nessa ocasião, a Comissão de Solos recebeu da FAO assistência técnica para os trabalhos de campo através dos especialistas Luiz Bramão e Jacob Bennema, para os primeiros estágios da elaboração da Carta de Solos do Brasil. Esses dois especialistas, especialmente Bennema, que entre nós permaneceu ativamente pelo período de 10 anos, tiveram influência direta e significante no saber da (1) Palestra a ser proferida no XXIX Congresso Brasileiro de Ciência do Solo. Ribeirão Preto, SP, Julho 2003 (2) Engenheiro Agrônomo, Doutor em Ciência do Solo. Chefe Geral da Embrapa Solos. Professor Titular da Universidade Estadual do Norte Fluminense UENF

ciência dos solos tropicais, uma vez que junto com diversos pesquisadores brasileiros ampliaram significativamente os conhecimentos sobre solos tropicais, contribuindo decisivamente para a elaboração da legenda do Mapa de solos do Mundo (FAO/UNESCO) e para a classificação das classes de Oxisols, Alfsoils e Ultisols do sistema americano Soil Taxonomy. Esses fatos tornaram o Brasil, a partir de então, um celeiro das pesquisas em solos tropicais. Diversos cientistas das diferentes escolas de pedologia dirigiram suas atenções para nossos solos através de projetos conjuntos nos levantamentos e viagens de correlação com nossos pesquisadores ou por orientação acadêmica direta a estudantes brasileiros que executaram diferentes temas de pesquisa sobre solos tropicais em suas teses de mestrado e doutorado. Sem dúvida alguma, durante as décadas de 60, 70 e 80, os trabalhos iniciados pela Comissão de Solos e continuados pelo SNLCS, da Embrapa, tiveram influência direta na formação da maioria dos pedólogos brasileiros de diferentes entidades deste País. Nessa fase do desenvolvimento e ampliação desses conhecimentos, foram realizados pelo SNLCS e antecessores, os levantamentos de Solos de nove estados brasileiros, o Mapa Esquemático dos Solos das Regiões Norte, Meio-Norte e Centro- Oeste do Brasil e, em 1981, o Mapa de Solos do Brasil na escala l:5.000.000. Também dentro desse período, o projeto RADAMBRASIL realizou e publicou os levantamentos de solos na escala 1:1.000.000 de 31 folhas de sistema de projeção UTM que fazem parte dos estudos dos volumes de nº 1 a 25 daquele Projeto. O SNLCS, após 1981, publicou ainda os levantamentos de solos dos Estados do Paraná, Maranhão e Piauí, enquanto o Projeto RADAM publicou, até 1987, mais 12 folhas que pertencem aos volumes de números 26 a 34. A história parece mostrar que a mola propulsora da evolução deste conhecimento está diretamente ligada à necessidade de se completar o projeto da Carta de Solos do Brasil. Meados da década de 80 parece ter sido o auge dessa evolução, embora se saiba que o conhecimento não pára e muito ainda se tem a aprender. A realidade é que os conceitos básicos e diferenciais das principais classes de solos brasileiros,

foram estabelecidos nas décadas de 60, 70 e parte de 80. O arcabouço do Sistema Brasileiro de Classificação de Solos foi, também, como não poderia deixar de ser, construído nessa fase, embora o sistema em sua edição final só tenha sido publicado em 1999. Pouco falta para que todos os estados brasileiros disponham do reconhecimento de seus solos em escala compatível com suas necessidades de planejamento. Mas a crise orçamentária e financeira do País, nessa última década de 90, fez com que as prioridades da pesquisa como um todo e, especialmente, aquela voltada para a agropecuária, tomasse rumos mais voltados à melhoria do processo produtivo como garantia de aumento da renda no campo e maiores divisas para o governo. Ao lado deste fato, existe também a realidade do desconhecimento da maioria dos tomadores de decisão para a importância dos levantamentos de solos em escalas próprias ao menos ao planejamento dos estados e municípios, escalas estas com certeza não disponíveis para a quase totalidade dos estados brasileiros. E a pedologia onde se situa nessa história? Como o próprio nome informa, ela é a própria Ciência do Solo. De fato, se ao pedólogo cabe a tarefa de organizar unidades individuais de solos em classes homogêneas, segundo diferenciais importantes aos diversos usos e disponibilizar essas informações não só em mapas temáticos, mas também interpretativos para os diferentes usos, manejo e conservação, é necessário que ele tenha a formação mais ampla do cientista do solo. Não é possível estabelecer-se um conhecimento profundo de unidades de solos para organizá-las em classes homogêneas, se todas as propriedades e características dos solos e suas relações não forem, suficientemente, estudadas e conhecidas por quem exerce esta função. Face à evolução maior do conhecimento da Ciência do Solo, entre nós estar sempre muito próxima da necessidade de se dispor deste conhecimento de forma organizada nos levantamentos de solos, persistiu entre muitos, a idéia de que o pedólogo era única e exclusivamente o mapeador de solos. Tarefa esta que, para muitos que desconhecem quanto saber é necessário para se executar essa função prioritária, não passa de uma ação mecânica de leitura de características morfológicas do perfil e de conhecimentos cartográficos para o mapeamento. É

interessante observar-se que, até mesmo entre nós, face a esta ligação tão forte, quando falamos nos problemas da pedologia como na discussão ocorrida no Boletim Informativo nº 24 (SBCS, 1999) da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, intensificamos sempre essa relação do pedólogo com o levantamento de solos. Por isso, talvez, ao se completar a Carta de Solos do Brasil, tenham essas pessoas, nelas certamente incluídos alguns tomadores de decisão em nível governamental, entendido erroneamente que não era mais necessária a função do pedólogo que, na realidade, para eles, era um simples mapeador de solos. E nós, o que pensamos? Acreditamos que isto é verdadeiro? Aceitamos que, por não existir recursos para continuarmos os levantamentos de solos em escalas maiores que as atuais, o pedólogo está em extinção? Aceitar isto é concordar com quem não conhece realmente o que é ser um pedólogo e a sua importância para o desenvolvimento de nosso País. Eu me considero um pedólogo. O mais importante é que meus colegas de profissão na Universidade ou em todos os órgãos de pesquisa por onde passei e que se especializaram mais profundamente em um dos ramos da Ciência do Solo, sempre reconheceram a importância do nosso conhecimento diversificado. Sempre reconheceram que as interpretações de uso, manejo e conservação deste recurso para os diferentes fins, só é possível com a participação e até mesmo a coordenação do pedólogo. Assim foi sempre e continuará sendo em todos os projetos de planejamento do uso das terras, conservação dos solos, recuperação de áreas degradadas, assentamentos rurais, irrigação e drenagem e muitos outros. Uma vez definida e esclarecida a importância da Pedologia, vamos tecer alguns comentários sobre o desafio da pedologia brasileira frente ao momento atual e futuro de nossa nação. DESAFIOS DA PEDOLOGIA Em contraste com a argumentada recessão verificada em relação aos levantamentos de solos, verificamos, também, uma tendência de renovação, principalmente, quanto às técnicas de coleta e processamento de dados, formação, desenvolvimento de modelos e mapeamento digital de solos.

Sabemos que três são os grandes problemas mundiais atuais: poluição ambiental, escassez do recurso hídrico, produção de alimentos (fome). Sabemos ainda que estes três problemas decorrem do uso inadequado dos recursos naturais e da necessidade de manutenção dos ganhos sociais e econômicos dos países considerados mais desenvolvidos. Por uma contingência da vida, a maior floresta natural do globo está na América do Sul, em países considerados em desenvolvimento ou pouco desenvolvidos. A maior riqueza de água superficial com qualidade para uso, também, encontra-se nos países em desenvolvimento ou pouco desenvolvidos da América do Sul e da África. E nestes mesmos continentes, principalmente no Brasil, se encontra o maior potencial do mundo para produção de alimentos. E a Pedologia tem uma inserção e importância muito grande na busca da solução destes problemas, pois a ela cabe, essencialmente, o diagnóstico e o planejamento do uso adequado das terras para os diferentes fins, determinando as formas mais sustentáveis do uso do solo e da relação solo-água-planta, nos sistemas produtivos. Cabe a ela, também, aliada a outras ciências, a recuperação das áreas degradadas para o processo produtivo ou para proteção ambiental (salinização, desertificação, contaminação do solo e do lençol freático, voçorocamento, etc.). Ao pedólogo, portanto, cabe com os seus conhecimentos tornar realidade esta importância da Pedologia no desenvolvimento de todas as ações concernentes ao uso das terras. Como esse uso não é pontual mas espacial, permanece no foco a necessidade de organização e mapeamento dos solos em classes homogêneas, de acordo com o propósito e objetivo do uso a ser dado, sendo portanto fundamental, a continuidade dos mapeamentos de solos em todos os níveis hierárquicos abaixo daqueles já existentes e disponíveis. Além do problema atual orçamentário e financeiro, para execução destes levantamentos, a indisponibilidade de bases cartográficas confiáveis para execução destes serviços é um limitante sério, especialmente, em meio digital como exige a tecnologia de hoje para execução destes estudos. Ademais, o que resta para aumentar nossos conhecimentos dos solos brasileiros está na maior prospecção das áreas amazônicas, onde de fato as observações executadas in loco são em número pequeno para se atingir o mesmo nível de conhecimento das demais regiões brasileiras. Com a tecnologia hoje disponível de imagens sensoriais e novos instrumentos que facilitam a locação

correta das observações de campo e dispondo-se de cartas confiáveis, baixar o nível dos levantamentos já existentes e disponíveis em todo território nacional, é uma questão exeqüível à luz dos conhecimentos acumulados pelos pedólogos. Este é um fato concreto e de ocorrência em diversos países que tendo as mesmas limitações orçamentárias e financeiras para a execução dos levantamentos tradicionais, utilizam as técnicas recentes de interpretação de imagens e de pedotransfer, para junto com os conhecimentos acumulados construírem as novas unidades de mapeamento em escalas maiores com custos altamente reduzidos. Quem pode executar esta tarefa? Somente o pedólogo. Da mesma forma, o usuário final destes estudos necessitam de interpretações mais acuradas dos dados já disponíveis para solução imediata de seus problemas de uso, manejo e conservação que estão embutidos nestes levantamentos e necessitam ser disponibilizados à população de forma mais direta para a solução destes problemas específicos. Novamente o principal profissional para esta tarefa é o pedólogo. Se a demanda é tão grande pela ação do pedólogo, porque então admitirmos que o número deste cientista do solo é tão pequeno e carente entre nós? Não podemos atribuir somente à diminuição de execução de levantamentos de solos a causa fundamental para esta carência. O levantamento de solos por si só não faz o pedólogo. Ele é uma fase decisiva na formação desse cientista quando trata da relação do indivíduo com os demais fatores geomorfológicos e espaciais. Mas o fundamental na formação do pedólogo está no conhecimento da conceituação básica, expressão e relações entre as características morfológicas, físicas, químicas, mineralógicas e biológicas que fundamentalizam a gênese e a expressão dos diferentes horizontes ou camadas que compõem os indivíduos possibilitando ao pedólogo com o auxílio dos fatores externos e do clima a interpretação e formulação dos diferentes graus de limitação das propriedades importantes para os diferentes propósitos de uso do solo. Ao pedólogo cabe, portanto, muitas outras tarefas e não somente a de realização do mapeamento de solos na metodologia tradicional. Um exemplo já praticado em muitos países são os trabalhos de McBratney e al (2000), que propõem o uso do conhecimento pedológico com técnicas de Pedometria e assim agilizar a um custo

bem mais baixo os levantamentos de solos em escala mais detalhada. Outro exemplo típico da necessidade de ação do pedólogo está na utilização da geoestatística e da lógica fuzzy na produção de mapas mais detalhados, a partir do conhecimento e mapeamento já existente e de suas interpretações para diferentes propósitos de uso. Não resta, portanto, a menor dúvida sobre a importância e a necessidade do pedólogo nos desafios brasileiros de agilização e prescrição do uso de suas terras nos processos de produção sustentável, recuperação e preservação, abrangendo um largo campo de ações relacionado ao conhecimento do pedólogo, entre eles: mapeamento dos solos brasileiros na escala 1:250.000, para uniformização de conceitos interpretativos para todas as regiões do País; mapeamento dos solos em escalas mais ampla que 250.000 para planejamentos estaduais, municipais e de áreas de produção; planejamento de uso das terras para diferentes usos, especialmente, para produção agrícola; desenvolvimento de cartas interpretativas temáticas para fins específicos de controle ambiental; desenvolvimento de funções de pedotransferência para estabelecimento de cenários em áreas de difícil acesso como a Amazônia; desenvolvimento de funções de pedotransferência para estabelecimento de controle ambiental. Em relação a estas necessidades e para atender plenamente a demanda de informação pedológica, é necessário, segundo Dudal (1986), superar os seguintes desafios: aperfeiçoar e melhor adequar a apresentação de resultados dos levantamentos de solos; promover a comunicação entre pedólogos e especialistas de outras linhas da Ciência do Solo, profissionais de Agronomia, Economia, Engenharia, etc.; tornar mais acessível às outras áreas profissionais, a linguagem e a terminologia pedológica; produzir e disponibilizar mais interpretações utilitárias dos levantamentos de solos, para diversos fins de uso das terras; procurar atingir e despertar o interesse de especialistas em planejamento e autoridades com poder de decisão; desenvolver e adaptar novas técnicas de levantamento e classificação de solos para atender demandas de maior número de usuários dos levantamentos de solos.

Zinck (1990) resume os pontos críticos mencionados acima em dois e talvez, maiores desafios para a pedologia, que são o da interface pedólogo-usuário e o custo elevado dos levantamentos de solos.

CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS DUDAL, R. The role of pedology in meeting the increasing demands on soils. Proceedings 13 th Congress of Soil Science. Hamburg. 1986. Vol. I, p.80-96. McBRATNEY e Al. Na overview of pedometric Techniques for use in soil survey. Geoderma, 97(3-4)> 293-327. 2000 S.B.C.S. Opinião. A pedologia em debate. Boletim Informativo da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo. 24(4)> 13-28. 1999. ZINCK, J.A. Soil survey: epistemology of a vital discipline. ITC Journal, 4. 1990. P.335-351.