CENTRO UNIVERSITÁRIO FMU CAMPUS IBIRAPUERA ANNIE NOLASCO JADIR MENDES KARLA KRATSCHMER PRISCILA MARINELLI COLOMBA ROSANGELA TEIXEIRA TAIS SILVA



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Transcrição:

CENTRO UNIVERSITÁRIO FMU CAMPUS IBIRAPUERA ANNIE NOLASCO JADIR MENDES KARLA KRATSCHMER PRISCILA MARINELLI COLOMBA ROSANGELA TEIXEIRA TAIS SILVA MANIA E MELANCOLIA SÃO PAULO 2013

ANNIE NOLASCO JADIR MENDES KARLA KRATSCHMER PRISCILA MARINELLI COLOMBA ROSANGELA TEIXEIRA TAIS SILVA MANIA E MELANCOLIA Trabalho de aproveitamento na disciplina de Psicopatologia e Psicodinâmica do curso de Psicologia da FMU sob a orientação do Prof. Armando Chibante Pinto Coelho. SÃO PAULO 2013

RESUMO O presente trabalho procura ilustrar as alterações afetivas levando em consideração diferentes concepções e conceitos, a caracterização e classificação do DSM-IV, as formas clínicas e sintomatologia a fim de analisar as manifestações atuais, bem como descrever sua psicodinâmica tendo como referencial o que foi dito no passado sobre Mania e Melancolia. Este trabalho é do tipo bibliográfico e a metodologia utilizada é análise de conteúdo. Palavras-chave: Melancolia, Mania, DSM

ABSTRACT This work propose a study of the affective alterations based on different conceptions and concepts, characterization and DSM-IV classification, clinical forms and symptomalogy to analyze the current symptoms manifestations, describing its psychodynamics having as support all the historic and current concepts of the Mania and Melancholy. This work has a bibliographical type and its methodology is based on analysis of contents. Keywords: Melancholy, Mania, DSM

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO... 06 1.1 Mania... 06 1.2 Melancolia... 06 2. CLASSIFICAÇÃO... 08 2.1 Mania... 08 2.2 Melancolia... 08 3. DSM IV... 10 3.1 Mania... 10 3.2 Melancolia... 13 4. CONCEITUAÇÃO... 15 4.1 Mania Diagnóstico Diferencial... 15 4.2 Melancolia Diagnóstico Diferencial... 16 5. FORMAS CLÍNICAS E SINTOMATOLOGIA... 16 5.1 Mania... 16 5.2 Melancolia... 19 6. DINÂMICA PSÍQUICA... 20 6.1 Mania... 20 6.2 Melancolia... 28 7. CONTRIBUIÇÕES FREUDIANAS E PÓS... 38 8. CASOS CLÍNICOS... 38 8.1 Mania... 40 8.2 Melancolia... 45 9. CONCLUSÃO... 49 REFERÊNCIAS... 50

6 1. INTRODUÇÃO 1.1. Mania O termo mania foi utilizado, até o século XIX, em um sentido muito mais amplo, chegando mesmo a ser sinônimo de loucura. No início do século XIX, com as ideias de Pinel e Esquirol, e com mais contundência, depois de 1850, a mania passou a ser entendida como uma crise, cuja forma franca e aguda foi integrada ao quadro que se chamava de psicose periódica (maníaco-depressiva) que se conhece atualmente por Transtorno Bipolar. (Netto, 2011, p.62). A mania afeta o humor e as funções vegetativas, como sono, cognição, psicomotricidade e nível de energia. Em um episódio maníaco clássico, o humor é expansivo ou eufórico, diminui a necessidade de sono, ocorre aumento da energia, de atividades dirigidas a objetivos (por exemplo, o paciente inicia vários projetos ao mesmo tempo), de atividades prazerosas, da libido, além de inquietação e até mesmo agitação psicomotora. O pensamento torna-se mais rápido, podendo evoluir para a fuga de ideias. O discurso é caracterizado por prolixidade, pressão para falar e tangencialidade. As ideias costumam ser de grandeza, podendo ser delirantes. Geralmente a crítica está prejudicada e os ajuizamentos emitidos se afastam da realidade do paciente. (Moreno, 2005, p.40). A hipomania é um estado semelhante à mania, porém mais leve. Em geral, é breve, durando menos de uma semana. Há mudança no humor habitual do paciente para euforia ou irritabilidade, reconhecida por outros, além de hiperatividade, tagarelice, diminuição da necessidade de sono, aumento da sociabilidade, atividade física, iniciativa, atividades prazerosas, libido e sexo, e impaciência. O prejuízo ao paciente não é tão intenso quanto o da mania. A hipomania não se apresenta com sintomas psicóticos, nem requer hospitalização. (Moreno, 2005, p.40). 1.2. Melancolia Os primeiros relatos sobre a existência da melancolia datam da civilização grecoromana e são descritos em personagens bíblicos no antigo testamento e mitológicos. Por exemplo: no século IX a.c., o Livro de Samuel no Antigo Testamento faz referências ao rei Saul; os escritos de Homero (século VIII) referem-se à história do Suicídio de Ájax na obra Ilíada (Finazzi, 2003; Kaplan, 2002). Estas histórias apresentam personagens atormentados por alguns períodos, demonstrando fortes sentimentos de fraqueza e culpa e que se conduzem

7 para desfechos fatais. No século VI a.c. surge a primeira classificação dos distúrbios mentais. Fala-se pela primeira vez em melancolia e mania (Kolb, 1977). Nesta mesma época, Hipócrates, segundo Holmes (2001), descreve que o comportamento seria governado por quatro níveis relativos de humores (líquidos): bile negra, bile amarela, fleuma e sangue, e que a melancolia seria uma intoxicação do cérebro pela bile negra (mela negro e cholis bile). Na Idade Média a melancolia passa a ser vista como castigo de Deus e conseqüência do sentimento de culpa (Finazzi, 2003). No final do século XVIII a melancolia é traduzida como o grande sintoma do tédio destilado pela velha sociedade (Roudinesco, 1997, p. 506). A partir do século XIX a melancolia é instaurada como verdadeira doença mental. Freud, em 1917, publica Luto e Melancolia conceituando a melancolia como forma patológica do luto. (Esteves, 2006, p.128). Segundo Roudinesco 1997, apud Esteves 2006, no mesmo século XX, a depressão é classificada como transtorno afetivo levando em conta seus aspectos neuroquímicos, psicossociais e genéticos (Stone, 1999). Karl Abraham foi um dos estudiosos que publicou diversos artigos sobre a então chamada psicose maníaco-depressiva, seus primeiros trabalhos marcaram o início da Escola Kleiniana acentuando a problemática da perda do objeto e da posição depressiva inscrita no âmago da realidade psíquica (Roudinesco, 1997, p. 507). No final do século XX, a depressão passa a ser considerada como forma atenuada da melancolia a qual domina a subjetividade contemporânea (Roudinesco, 2000). A etiologia dos transtornos depressivos ainda não está bem esclarecida, sendo atribuída a múltiplos fatores como: hereditário, psicológico, cognitivo e ambiental. A ação sinérgica destes diferentes fatores sobre o indivíduo, em um determinado momento da sua vida, provavelmente explicaria o adoecimento de forma depressiva. (Netto, 2011, p.65). No entanto, este adoecer não se dá de forma semelhante entre homens e mulheres. Seja pelas diferenças hormonais, sociais ou mesmo culturais, as evidências sugerem que homens podem manifestar a depressão de maneira diferente das mulheres: comportamentos violentos ou abusivos, raiva inapropriada ou injustificável, comportamento de fuga ou de risco como beber abusivamente ou dirigir de maneira imprudente e ideação suicida. (Netto, 2011, p.66). Os fatores de risco para suicídio, como sexo masculino, idade avançada, abuso comórbido de substâncias, história de tentativa prévia de suicídio, história familiar de suicídio, perda recente, nunca ter se casado e sintomas psicóticos auxiliam os profissionais de saúde mental a questionarem sobre pensamentos e planos suicidas. Existem relatos que sugerem um risco aumentado de suicídio em alguns pacientes que tenham iniciado tratamento com antidepressivos. Entretanto, em estudo recente, observou-se que, após a introdução de

8 terapia antidepressiva, o risco de suicídio chegou a níveis comparados à população em geral. Portanto, os antidepressivos devem ser utilizados em casos de risco de suicídio iminente, tomando cuidado com a quantidade de medicação disponibilizada e com a cautela de fornecer telefone de contato para o caso de alguma intercorrência. 2. CLASSIFICAÇÃO 2.1. Mania As classificações mais utilizadas em psiquiatria enfatizam o quadro clássico da mania. O diagnóstico pelo DSM-IV requer humor persistente e anormalmente elevado, expansivo ou irritável durando pelo menos uma semana. Caso seja necessária a hospitalização antes de uma semana, o diagnóstico também pode ser feito. Além da alteração de humor, pelo menos três (ou quatro se o humor é irritável) dos seguintes sintomas devem estar presentes: grandiosidade, necessidade diminuída de sono, pressão para falar, fuga de ideias ou pensamentos correndo, distratibilidade, aumento da atividade dirigida a objetivos ou agitação psicomotora, envolvimento excessivo em atividades prazerosas. (Moreno, 2005, p.41). Uma falha dessa classificação é não citar sintomas psicóticos entre os critérios, apenas especificadores. Outra é excluir, para o diagnóstico, a mania induzida por antidepressivos. (Moreno, 2005, p.41). A CID-10 é vaga na sua definição, apesar de enfatizar a mania com e sem sintomas psicóticos. Exige no seu manual clínico a presença de elação do humor, que não basta ser irritável, e não operacionaliza uma duração mínima ou um número mínimo de sintomas. Inclui também como sintomas o aumento de energia, a diminuição da necessidade de sono, a distratibilidade, a grandiosidade, a pressão para falar e a perda das inibições sociais. Em 2001, Akiskal et al. propuseram novos critérios para o diagnóstico de mania. Enfatizaram a ativação psicomotora como central na mania, humor depressivo ou ansioso, além de eufórico ou irritável, ausência de crítica e quatro dos seguintes sintomas: aumento de energia, diminuição da necessidade de ajuda, grandiosidade, sociabilidade excessiva, aumento da libido, fuga de ideias e distratibilidade. (Moreno, 2005, p.41). 2.2. Melancolia Segundo Ballone 2003 apud Esteves, 2007 a afetividade é o estado de ânimo ou humor que traduz os sentimentos e as emoções determinando as atitudes gerais de uma pessoa diante de qualquer experiência vivencial, modificando a maneira de pensar e agir. Assim, o humor será regido pelas percepções modificadas decorrentes do afeto alterado.

9 Segundo Esteves (2006), a euforia (ou hipertimia), a elação, a exaltação, o êxtase, a depressão (ou hipotimia), a angústia são estados afetivos que Kolb (1977) e Ballone (2003) descrevem como alterados. Na moderna classificação das psicopatologias pode-se encontrar a descrição destes afetos no campo dos transtornos de humor tanto no CID-10 (Código Internacional de Doenças Volume 10) e no DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 2002). A descrição feita nestas duas obras revela que existem dois polos das alterações afetivas cujas variantes são também classificadas. Esses polos são os estados depressivos e os estados maníacos, que na linguagem de Ballone (2003), os encontramos com a denominação de hipotimia e hipertimia. Estas mesmas categorias são também citadas por Freud (1917) em seu artigo Luto e Melancolia, porém, a alteração afetiva mais comum encontrada na literatura a respeito dos transtornos de humor é a depressão. (Esteves, 2006, p.124). A melancolia caracteriza-se por sintomas tais como: insônia, falta de apetite, incapacidade de sentir prazer, culpa excessiva, baixa autoestima, planos e/ou tentativas de suicídio, porém esses sintomas podem não aparecer ao mesmo tempo, nem mesmo na mesma pessoa. O melancólico parece doente, embora não apresente nada em uma avaliação médica geral. (Netto, 2011, p.64). Estudos epidemiológicos sobre depressão, em particular o National Comorbidity Survey (NCS), mostram taxas bastante elevadas de prevalência do transtorno depressivo maior (TDM), de 25% em mulheres e 12% entre os homens. Muitos autores consideram estes índices excessivamente elevados. No entanto, se a depressão é super diagnosticada na população geral, por outro lado existe um grande grupo de pacientes deprimidos que passam despercebidos por seus médicos, ou seja, subdiagnosticados. A depressão masculina é um tema menos falado do que a feminina porque os homens são mais resistentes em abordar com seus médicos seus problemas emocionais. Tal resistência tem a ver com aspectos ligados à masculinidade deste indivíduo, seu papel social e sua imagem profissional, familiar e pessoal. Muitas vezes, os sintomas depressivos podem estar mascarados com o consumo excessivo de álcool, de medicações psicotrópicas ou mesmo drogas ilícitas. Winston Churchil, primeiroministro britânico durante a Segunda Guerra Mundial, chamou de cão negro a depressão que o perseguia. (Netto, 2011, p.62). Quanto aos critérios diagnósticos, os transtornos do humor são divididos em: Transtornos depressivos, que são subdivididos em: o Transtornos depressivos maiores (Episódio único ou recorrente); o Distimia.

10 Transtorno bipolar. 3. DSM-IV 3.1. Mania No DSM-IV, o estado de Mania pode ser encontrado como: 1. Episódio Maníaco cujos critérios são: a. Um período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável, durando pelo menos 1 semana (ou qualquer duração, se a hospitalização é necessária). b. Durante o período de perturbação do humor, três (ou mais) dos seguintes sintomas persistiram (quatro, se o humor é apenas irritável) e estiveram presentes em um grau significativo: autoestima inflada ou grandiosidade; necessidade de sono diminuída (por ex., sente-se repousado depois de apenas 3 horas de sono); mais loquaz do que o habitual ou pressão por falar; fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão correndo; distratibilidade isto é, a atenção é desviada com excessiva facilidade para estímulos externos insignificantes ou irrelevantes; aumento da atividade dirigida a objetivos (socialmente, no trabalho, na escola ou sexualmente) ou agitação psicomotora; e envolvimento excessivo em atividades prazerosas com um alto potencial para consequências dolorosas (por ex., envolvimento em surtos incontidos de compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros tolos) c. Os sintomas não satisfazem os critérios para Episódio Misto (onde há sintomas de depressão). d. A perturbação do humor é suficientemente severa para causar prejuízo acentuado no funcionamento ocupacional, nas atividades sociais ou relacionamentos costumeiros com outros, ou para exigir a hospitalização, como um meio de evitar danos a si mesmo e a outros, ou existem aspectos psicóticos. e. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por ex., uma droga de abuso, um medicamento ou outro tratamento) ou de uma condição médica geral (por ex., hipertireoidismo). Nota: Episódios tipo maníacos nitidamente causados por um tratamento antidepressivo somático (por ex., medicamentos, terapia eletroconvulsiva, fototerapia) não devem contar para um diagnóstico de Transtorno Bipolar I.

11 2. Episódio Hipomaníaco, cujas características são: a. Um período distinto de humor persistentemente elevado, expansivo ou irritável, durando todo o tempo ao longo de pelo menos 4 dias, nitidamente diferente do humor habitual não-deprimido. b. Durante o período da perturbação do humor, três (ou mais) dos seguintes sintomas persistiram (quatro se o humor é apenas irritável) e estiveram presentes em um grau significativo: autoestima inflada ou grandiosidade; necessidade de sono diminuída (por ex., sente-se repousado depois de apenas 3 horas de sono); mais loquaz do que o habitual ou pressão por falar; fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão correndo; distratibilidade (isto é, a atenção é desviada com demasiada facilidade para estímulos externos insignificantes ou irrelevantes); aumento da atividade dirigida a objetivos (socialmente, no trabalho, na escola ou sexualmente) ou agitação psicomotora; envolvimento excessivo em atividades prazerosas com alto potencial para consequências dolorosas (por ex., envolver-se em surtos desenfreados de compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros tolos). c. O episódio está associado com uma inequívoca alteração no funcionamento, que não é característica da pessoa quando assintomática. d. A perturbação do humor e a alteração no funcionamento são observáveis por outros. e. O episódio não é suficientemente severo para causar prejuízo acentuado no funcionamento social ou ocupacional, ou para exigir a hospitalização, nem existem aspectos psicóticos. f. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por ex., droga de abuso, medicamento, ou outro tratamento) ou de uma condição médica geral (por ex., hipertireoidismo). Nota: Os episódios tipo hipomaníacos nitidamente causados por um tratamento antidepressivo somático (por ex., medicamentos, terapia eletroconvulsiva e fototerapia) não devem contar para um diagnóstico de Transtorno Bipolar II. Segundo Moreno, o quadro abaixo expõe a evolução da Mania sem tratamento.

12 Figura 1 Moreno, D.H.; Ratzke, R. (2005, p. 41) Com relação aos sintomas de humor, o DSM-IV sugere que a irritabilidade pode também estar presente durante um episódio maníaco, mas a irritabilidade, provavelmente é uma resposta às tentativas de imposição de limites por outras pessoas. (Holmes, D. S., 1997, p.194). Os sintomas cognitivos relacionados ao Episódio Maníaco incluem autoestima inflada e grandiosidade, além de distratibilidade e fragmentação da atenção. Em alguns casos, a fuga maníaca de ideias e os desvios de tópicos são tão rápidos que é difícil seguir a trilha de pensamento da pessoa maníaca. Alguns pacientes tem delírios, assim como ocorre na esquizofrenia e quando esta combinação ocorre, o paciente poderia ser diagnosticado como sofrendo de um transtorno de humor de características psicóticas. (Holmes, D. S., 1997, p.194). O comportamento motor dos indivíduos maníacos progride de acordo com sua excitação cognitiva. Seus altos níveis de atividade e auto importância exagerada podem levar algumas pessoas com mania a comportamentos bastante inapropriados, como inúmeros telefonemas, hipersexualização e o gasto excessivo de dinheiro. (Holmes, D. S., 1997, p.194). O único sintoma somático consistente, observado na mania, é a necessidade reduzida de sono. Tais indivíduos ignoram fadiga, indisposições, dores e outros problemas somáticos que podem realmente existir. (Holmes, D. S., 1997, p.195). Os pacientes podem afirmar que seus episódios maníacos eram, simplesmente, o resultado de não cuidarem bem de si próprios e, com frequência, insistem de forma inflexível que o que ocorreu antes não acontecerá mais. Nessa forma de dissociação, a representação do "self" é considerada como inteiramente desconectada do "self" na fase eutímica. Essa falta de

13 continuidade do "self" parece não incomodar o paciente, enquanto pode exasperar os membros da família e os clínicos. (Gabbard, G. O., p. 176). 3.2. Melancolia Para a depressão maior, segundo o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), dentre os critérios de exclusão, o critério E diz que: Os sintomas não são melhor explicados pelo luto, ou seja, perda de um ente querido, os sintomas persistem por mais de dois meses ou são caracterizados por acentuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou lentificação psicomotora. (Netto,2011, p.64). Em relação à terapêutica, as depressões melancólicas respondem melhor aos tratamentos biofarmacológicos quando associados à psicoterapia, nos seus mais diferentes modelos. A droga de escolha para início do tratamento para melancolia são os antidepressivos, particularmente os inibidores seletivos de recaptação de serotonina por possuírem menos efeitos colaterais do que os antidepressivos tricíclicos. Se após 7 a 10 dias o paciente não apresentar melhora alguma da sintomatologia com uma dose eficaz de antidepressivo, recomenda-se associar um antipsicótico atípico por um curto intervalo de tempo. Na ausência de resposta com a associação entre antidepressivo e antipsicótico, o próximo passo é a utilização de agentes duais, como a Venlafaxina. Se após essas etapas, com doses eficazes e por um período adequado, o paciente não obter resposta é indicada eletroconvulsoterapia. (Netto,2011, p.64). A Associação Psiquiátrica Americana, no DSM-IV, classifica a melancolia como um episódio depressivo maior F30.x/F31.X 296.xx Transtorno Bipolar I. De acordo com o DSM-IV devem-se seguir alguns critérios para o diagnóstico do Episódio Depressivo Maior, sendo eles: 1. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de 2 semanas e representam uma alteração a partir do funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é humor deprimido ou perda do interesse ou prazer. a. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias. Nota: Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável; b. Interesse ou prazer acentuadamente diminuído por todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias;

14 c. Perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta, ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias; d. Insônia ou hipersonia quase todos os dias; e. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias; f. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias; g. Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser delirante), quase todos os dias; h. Capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, ou indecisão, quase todos os dias; i. Pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio. 2. Os sintomas não satisfazem os critérios para um Episódio Misto; 3. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. 4. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por ex., droga de abuso ou medicamento) ou de uma condição médica geral (por ex., hipotireoidismo). 5. Os sintomas não são melhor explicados por Luto, ou seja, após a perda de um ente querido, os sintomas persistem por mais de 2 meses ou são caracterizados por acentuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor. De acordo com o DSM-IV (Depressivo, Episódio), a característica essencial de um Episódio Depressivo Maior é um período mínimo de 2 semanas, durante as quais há um humor deprimido ou perda de interesse ou prazer por quase todas as atividades. O indivíduo também deve experimentar pelo menos quatro sintomas adicionais, extraídos de uma lista que inclui: alterações no apetite ou peso, sono e atividade psicomotora; diminuição da energia; sentimentos de desvalia ou culpa; dificuldades para pensar, concentrar-se ou tomar decisões, ou pensamentos recorrentes sobre morte ou ideação suicida, planos ou tentativas de suicídio. A fim de contabilizar para um Episódio Depressivo Maior, a presença de um sintoma deve ser recente ou então ter claramente piorado, em comparação com o estado pré-episódico da pessoa. Os sintomas devem persistir na maior parte do dia, praticamente todos os dias, por pelo menos 2 semanas consecutivas. O episódio deve ser acompanhado por sofrimento ou

15 prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou outras áreas importantes da vida do indivíduo. Para alguns indivíduos com episódios mais leves, o funcionamento pode parecer normal, mas exige um esforço acentuadamente aumentado. A perda de interesse ou prazer quase sempre está presente, pelo menos em algum grau. Os indivíduos podem relatar menor interesse por passatempos, "não se importar mais", ou a falta de prazer com qualquer atividade anteriormente considerada agradável (Critério A2). Um diagnóstico de Episódio Depressivo Maior não é feito se os sintomas satisfazem os critérios para um Episódio Misto (Critério B), que é caracterizado pela ocorrência de sintomas de um Episódio Maníaco e de um Episódio Depressivo Maior, quase todos os dias por pelo menos uma semana. Além disso, se os sintomas começam dentro de 2 meses após a perda de um ente querido e não persistem além desses 2 meses, eles geralmente são considerados decorrência do Luto, a menos que estejam associados com acentuado prejuízo funcional ou incluam preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor (Critério E). Os sintomas de um Episódio Depressivo Maior geralmente se desenvolvem ao longo de dias ou semanas. Um período prodrômico que pode incluir sintomas de ansiedade e leves sintomas depressivos pode durar de semanas a meses antes do início de um Episódio Depressivo Maior completo. A duração de um Episódio Depressivo Maior também é variável. Um episódio não-tratado tipicamente dura 6 meses ou mais, não importando a idade de início. Na maioria dos casos, existe a remissão completa dos sintomas, retornando o funcionamento ao nível pré-mórbido normal. 4. CONCEITUAÇÃO 4.1. Mania Diagnóstico Diferencial A mania, particularmente nas formas mais graves associadas a delírios paranoides, agitação e irritabilidade, pode ser difícil de distinguir da esquizofrenia, que apresenta em geral maior número de delírios incongruentes com o humor e sintomas Schneideranos de primeira ordem (por exemplo: sonorização do pensamento, alucinações auditivas referindo-se ao paciente na terceira pessoa), além de sintomas negativos, como embotamento afetivo. Ideias delirantes de grandeza também podem aparecer na esquizofrenia, porém sem o humor expansivo ou eufórico observado na mania. (Moreno, 2005, p.41). A Hipomania pode ser confundida com estados de humor normais, como a alegria e a irritabilidade que costumam ter fatores desencadeantes positivos ou negativos (como uma boa ou má notícia), que não necessariamente são percebidos pelos outros como diferentes do

16 padrão habitual de humor da pessoa, não causam prejuízos, nem acarretam envolvimento com atividades de risco ou diminuição na necessidade de sono. A Hipomania pode ou não ter fatores desencadeantes, podendo estes ser positivos ou negativos, como o falecimento do cônjuge. Frequentemente, a Hipomania e o transtorno bipolar tipo II podem ser confundidos com transtornos de personalidade, como o antissocial, o narcisista, o histriônico e o borderline. Os transtornos de personalidade costumam ser mais crônicos, com início na infância ou na adolescência e ter pior resposta ao tratamento medicamentoso. A história familiar de transtorno do humor também auxilia no diagnóstico diferencial. (Moreno, 2005, p.42). Newman 2006 apud Werneck 2009 nos diz que a literatura e os estudos sobre a Mania, mostram que costuma acontecer entre 20 e 50 anos, e é comum que se encontrem nos dias que antecedem a crise, situações desencadeantes, como por exemplo, forte tensão emocional. O quadro maníaco pode vir acompanhado de marcantes dificuldades emocionais, abuso de álcool e outras substâncias, irrupção de problemas familiares e desesperança generalizada. 4.2. Melancolia Diagnóstico Diferencial A melancolia é caracterizada por um episódio grave de humor triste ou apreensivo, não remissivo e não reativo, com início agudo, por um período de, no mínimo, duas semanas e comprometimento das atividades diárias do indivíduo. Na melancolia, ainda ocorrem alterações da psicomotricidade e sintomas vegetativos, além de poder cursar com sintomas psicóticos. As principais características que separam a depressão melancólica da não melancólica são: Alteração psicomotora; Humor triste; Falta de reatividade Delírios de autor reprovação e Falta de interesse. O alentecimento psicomotor e os sintomas delirantes são sintomas cardinais nesta distinção. (Netto, 2011, p.63). 5. FORMAS CLÍNICAS E SINTOMATOLOGIA 5.1. Mania Segundo Knapp 2004 apud Werneck, 2009, o quadro maníaco manifesta-se basicamente por uma exaltação do humor. Além de apresentar-se isoladamente, é componente

17 essencial (em sua forma franca ou na chamada Hipomania) do Transtorno Bipolar, um transtorno grave, recorrente e incapacitante (Basco & Thase; in Caballo, 2003). Nos episódios de mania ocorrem mudanças extremas no comportamento e nas cognições. Werneck destaca ainda que a Mania tem como características essenciais uma alegria patológica e uma expansão do Eu. Quase sempre presente está a aceleração de todas as funções psíquicas. A alteração maníaca do humor faz com que os doentes se sintam felizes, ótimos, cheios de forças antes desconhecidas, mais jovens. Sentem-se grandes e importantes; prejudicam a relação com as pessoas por perderem o respeito e a consideração. É muito comum a deterioração das relações sociais e familiares dos pacientes maníacos. A forma pela qual se pode evitar esse processo é a prevenção, com a avaliação eficaz e o estabelecimento de uma estratégia terapêutica tão logo seja constatado o quadro. (Werneck, 2009). E continua dizendo que, segundo Dalgalarrondo, (2000) a manifestação mais intensa do quadro maníaco, também conhecida como Furor Maníaco, apresenta sintomas mais graves e perigosos, como agitação psicomotora importante, hetero agressividade, fuga de ideias e delírios de grandeza. O Furor Maníaco torna o paciente constantemente vulnerável a situações de complicações com a lei. Pacientes em estado de furor maníaco não respondem a qualquer intervenção psicoterapêutica, sendo indicado o início imediato do tratamento psiquiátrico e muitas vezes, sanções legais. Dalgalarrondo, 2000 apud Werneck, 2009, destacou em seu trabalho que na forma mais branda do quadro maníaco, na Hipomania, o paciente pode, muitas vezes, não dar a perceber o seu humor exaltado. Sente-se mais produtivo, fala muito, conta piadas, não demonstra ressentir-se por dificuldades ou limites impostos pelo dia-a-dia. Na Hipomania não ocorre um prejuízo sério do indivíduo e de seu meio relacional e ocupacional, como acontece no quadro maníaco. O início do quadro maníaco pode ser percebido pelo paciente ou pela família. Os eventos precursores, geralmente são comportamentos extravagantes e invasivos, somados a ideias insólitas. Entretanto, a crise pode começar de forma brutal, sem sinalizações prodrômicas. Nesse caso, o paciente é invadido, repentinamente, por uma onda de bem-estar, potência e necessidade de realização. As palavras se fazem cada vez mais abundantes e rápidas. O paciente inicia vários projetos e demonstra irritação quando da imposição de quaisquer limitações. Tudo nele se torna exagerado. (Werneck, 2009). Quanto mais internalizados sejam os processos patogênicos, mais difícil será estabelecer o contato transferencial necessário à análise. Nos estados narcísicos, o recurso do analista é utilizar os restos não narcísicos da personalidade, a fim de tentar aumentar as

18 relações objetais do paciente. Há três tipos especiais de dificuldades a serem superadas na psicoterapia: a primeira é a fixação na fase oral, por causa da distância temporal das experiências infantis cruciais que a análise precisa desvendar; a segunda é mais severa do que a primeira, pois consiste na índole narcísica da doença e na frouxidão consequente da relação transferencial, já que esta relação está constantemente ameaçada pela tendência a uma reação narcísica súbita, que não se explica; a terceira e mais crucial dificuldade é que, num estado maníaco severo, o paciente é inacessível à influência analítica, pois o ego que supostamente aprende a lidar com seus conflitos, simplesmente inexiste. Porém, Abraham e alguns psiquiatras concordam que o fato de escutá-los atenta e amistosamente, gera uma gratidão que poderá ser recompensada com contato repentino, o que não é tarefa fácil com os pacientes com menos contato aparente com a realidade. (Fenichel, 2000, p.384). É durante os intervalos entre os ataques é possível uma análise mais eficaz, pois, são capazes de estabelecer relações objetais. Porém, há o perigo de que uma análise iniciada num desses intervalos, precipite outro ataque. Abraham reconhece esse perigo e relata que a psicoterapia realizada durante o período livre, tende a prolongá-lo. Ele conseguiu realizar algumas verdadeiras curas após demorado período de tratamento, que se prolongou por força de ataques intercorrentes da doença. (Fenichel, 2000, p.384). A psicoterapia, mesmo falhando, causa alívio ao paciente; ajuda-o a descarregar-se com o diálogo. Por isso pode-se aconselhar a psicoterapia para o maníaco-depressivo, depois que ele e os parentes tenham sido informados da dubiedade do prognóstico. Há, porém, algo a ter em mente: o analista pode enganar-se com a dissimulação do paciente e com o caráter repentino com que as coisas acontecem nas depressões, sempre presente, como está em todas as depressões severas, um grave risco de suicídio. Por mais que seu contato com o paciente seja diferente do contato do psiquiatra, jamais menosprezará a cautela que a psiquiatria ensina. O estudo psicanalítico planejado, mais extenso sobre esses transtornos deve ser feito dentro de Instituições. (Fenichel, 2000, p.384). A ameaça de sentimentos agressivos e persecutórios leva à necessidade de defesas maníacas para negá-los. Depois de um episódio maníaco, os pacientes poderão estar conscientes de sua própria destrutividade e podem ficar com remorso pelo dano que causaram aos outros durante a fase maníaca. Os psicoterapeutas poderão, então, estar presentes nesse ótimo momento para ajudar os pacientes a integrar os lados agressivo e amoroso do "self" e das representações objetais internas. (Gabbard, 2006, p.176). A formação de uma aliança terapêutica é obtida por meio da exploração psicoterapêutica, empatia e educação, em vez do uso das táticas de debate. A criação de um

19 mapa do humor pode ajudar. A mudança transferencial da idealização para a desvalorização também é comum e existe o risco contínuo da atuação contratransferencial. (Gabbard, 2006, p.177). A maioria dos pacientes maníacos não se beneficiará de intervenções psicoterapêuticas até que a mania seja controlada por psicofármacos. (Gabbard, 2006 p.175 e 176). A droga Lítio, também conhecida como Carbonato de Lítio é eficiente no tratamento, pois representa um método de privar o paciente da euforia egossintônica de seus períodos maníacos. (Gabbard, 2006, p.176) e (Holmes, 1997, p.197). O tratamento do paciente maníaco pode dar a impressão equivocada de que seja um trabalho fácil e até, em alguns casos, divertido, pois o paciente se mantém em ampla atividade, com respostas e tiradas inteligentes para várias situações. Tais características não amenizam a gravidade do quadro, ao mesmo tempo em que se tornam armadilhas para profissionais inexperientes ou incompetentes. (Werneck, 2009). A produtividade e a positividade do paciente maníaco devem ser observadas com rigor profissional, pois o quadro pode sofrer mudanças repentinas e o terapeuta menos avisado, se estiver estimulando a ampliação de redes sociais e a movimentação desse paciente, não conseguirá resposta terapêutica e ainda agravará o quadro. O episódio maníaco nem sempre se apresenta de forma positiva (engraçada, criativa etc.). (Werneck, 2009). Como bem ressaltado por Bleuler: [...] Essa euforia se transforma rapidamente em raiva ou cólera se encontram obstáculos ou situações desagradáveis, quando o sentimento do self é ferido e quando é necessário colocar impedimentos à sua vontade de agir.. (Bleuler, 1943/1985. p. 321). O quadro maníaco apresenta uma agitação peculiar, que está relacionada diretamente à hipertimia e ao taquipsiquismo (Bastos, 2000). Uma citação emblemática sobre um momento de agitação maníaca é feita por Cláudio Galeno, que viveu em Roma no século II. Bastos (2000) nos traz esta citação: [...] Em Roma, um doente que foi deixado em casa apenas com um escravo, levantou-se do leito, chegou à janela e perguntou aos transeuntes se queriam que lhes jogasse seus vasos de vidro. Os passantes, rindo-se, responderam que sim, e o aplaudiram. Ele então foi atirando todos os seus vasos pela janela, entre os risos e os aplausos do público. Aí perguntou se queriam que atirasse também o escravo. Disseram que sim, e ele imediatamente o atirou. Nesse momento pararam de rir e acudiram correndo o escravo que fora atirado pela janela e cujo corpo estava despedaçado.. (Bastos, 2000; p. 179). 5.2. Melancolia

20 Segundo Roudinesco, 2000 apud Esteves 2006 p.130, o sofrimento psíquico manifesta-se sob forma de depressão, tristeza e apatia que atingem o corpo e a alma. Segundo Bowlby, 1993 apud Esteves 2006 p.130, a melancolia é decorrente de qualquer estado que desorganize o pensamento, inclusive a perda. Porém, não somente as experiências internas são responsáveis pelo sofrimento e pela dor do depressivo. Outros fatores agregam sofrimento psíquico alterando a afetividade e a percepção da realidade traduzida pela depressão ou euforia ocasionando os chamados Transtornos de Humor. Fatores relacionados à: Magia, através da qual as alterações de humor são atribuídas à ação maléfica de espíritos; à religiosidade, onde Deus, independente da forma de manifestação ou instituição religiosa, seria o responsável pelo que acontece com o sujeito; Explicações orgânicas, as quais datam desde Hipócrates, conforme já referido neste trabalho, e que também se deve considerar a tendência para buscar soluções através do médico e da medicação; Tédio, ou seja, ao que poderíamos hoje denominar como falta de sentido, angústia, vazio, insegurança e uma série de outras manifestações que revelam a sensação de insuficiência vividas, às quais o sujeito sucumbe, tal como nas explicações anteriores, onde revela-se a impotência, a passividade e a dependência do outro para enfrentar ou superar tais estados. Os psicanalistas tendem a entender o fenômeno depressivo chamando-o de psicose maníaco-depressiva, trazendo à tona a chamada melancolia, nomenclatura usada por Freud em seu artigo Luto e Melancolia de 1917. Neste, ele descreve que: [...] Os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de autoestima a ponto de encontrar expressão em auto recriminação e auto envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição.. (Freud, 1917, p. 276) Tais traços alternam-se em alguns casos com a mania cuja caracterização do quadro é a fuga desse sofrimento. M. Klein (1940), em O luto e suas relações com os estados Maníaco-depressivos, propõe que as defesas maníacas vêm controlar ou manter em animação suspensa os objetos causadores de sofrimento. (Esteves 2006 p.130). 6. DINÂMICA PSÍQUICA 6.1. Mania

21 Na doença psicológica ocorre regressão, não a uma fase do desenvolvimento que era em si normal, mas a uma em que estavam presentes perturbações patológicas, criando bloqueios para o desenvolvimento e constituindo pontos de fixação, aos quais ocorre a regressão. Experiências clínicas comprovam que, à medida em que o psicótico regride aos primeiros meses de tenra infância, regride a uma fase do desenvolvimento que já possuía características patológicas em tenra infância. (Segal, H., 1975, p. 66). Na mania, um grande acréscimo de autoestima ou decréscimo da consciência constitui o centro de todos os fenômenos maníacos. O indivíduo sofre a quebra de bloqueios, ocorrendo a desinibição dos impulsos, levando-o à necessidade de busca quase incessante de objetos, não com o objetivo de ser sustentado ou assistido por esses objetos, mas sim, de descarregar a energia desses impulsos. Economicamente, o ânimo maníaco será interpretado como sinal de uma poupança do dispêndio psíquico, onde este ânimo, ora enormemente tensionado entre o superego e o ego, principalmente na fase depressiva, teve que ser afrouxado de um momento para outro. Ou seja, na mania, o ego conseguiu se liberar da pressão do superego, encerrou o seu conflito com a sombra do objeto perdido e, então, por assim dizer, comemora o acontecimento. (Fenichel, O., 2000, p. 379). Segundo Fenichel: O triunfo deriva do prazer que sente a criança sempre que seu ego crescente realiza o sentimento. Já não preciso ter medo, porque posso controlar uma coisa que, até agora, considerava perigosa; agora sou tão poderoso quanto os adultos são onipotentes. (Fenichel, O., 2000, p. 380). Tanto provisões narcísicas, que tornaram a vida amável, quanto uma vitória narcísica total se alcança. O paciente maníaco traz o outro aspecto: o seu extremo auto amor. (Fenichel, O., 2000, p. 379). O caráter triunfante da mania resulta de que se libera a energia, até então, ligada na luta depressiva, buscando descarga. Uma profusão de impulsos, quase todos de índole oral, aparecem e, juntamente com o aumento da autoestima, produzem o sentimento de riqueza da vida, oposto à vacuidade opressiva que se experimenta na depressão. (Fenichel, O., 2000, p. 380). Fenichel cita que Abraham defende que, na mania, há o aumento o metabolismo mental e descreveu o estado maníaco como típico de caráter oral, já que visa à incorporação de toda a gente, ou seja, o paciente tem fome de novos objetos, mas também se livra e os abandona com presteza e sem remorsos. (Fenichel, O., 2000, p. 380). Fenichel também cita os achados de Lewin (1053, 1058, 1060), que defende a ideia de que ocorrem identificações múltiplas temporárias, relativamente superficiais, no estado

22 maníaco e descreve um paciente cujos ataques maníacos correspondiam ao acting out de uma cena primária em identificação com o pai e a mãe. (Fenichel, O., 2000, p. 380). Segundo Freud, o estado maníaco parece cessar a diferença entre ego e superego. O ego recupera a onipotência e/ou triunfo, de alguma forma sobre o superego, ou se une ao superego, que participa do poder. Em Totem e Tabu, Freud diz que o ciclo maníacodepressivo se compõe entre períodos de acréscimo e decréscimo do sentimento de culpa, onipotência, aniquilamento, punição. Sendo que este ciclo remonta ao ciclo biológico da fome e saciedade do bebê. (Fenichel, O., 2000, p. 381). Freud considera que a periodicidade da ciclotimia é baseada em necessidade biológica, já que todas as diferenciações do aparelho psíquico precisam, de vez em quando, de abolição temporária e exemplifica o que acontece no sono, quando durante a noite, o ego se submerge no id e que na mania, o superego talvez desapareça no ego. (Fenichel, 2000, p.381). Inconscientemente, na mania, os pacientes ainda sofrem pelos mesmos complexos que na depressão, porém, conseguem aplicar o mecanismo de defesa pela super compensação. Logo, a mania não é uma autentica liberação em relação à depressão e sim, uma negação espasmódica de dependência. Os pacientes que, em estados maníacos, sentem-se amados ou odiados por todos, utilizam de projeção, sendo que em estados maníacos perseguem, nos outros, características que odiavam em si mesmos quando na depressão, valendo-se do direito de fazer o quanto queiram sem pensar em quem quer que seja. (Fenichel, O., 2000, p. 381 e 382). Quando ocorre uma descarga de impulsos estressantes, provocando a sensação de não precisar de controle algum, os impulsos agressivos, sensuais, ternos, nada mais tem importância. Um ego razoável volta a ser esmagado, dessa vez, não por um superego que pune e sim, pelo abandono completo da razão que limita. Cria-se um estado que se assemelha ao princípio original do prazer, sob cuja atuação se cedia aos impulsos, sem consideração da realidade. Reatualizam a onipotência do narcisismo primário; não são apenas pessoas sem sentimento de culpa, mas como se fossem bebês que, depois de obter o alimento, perdem com isto, o conceito de objetos. (Fenichel, 2000, p.382). Duas condições podem ser atribuídas pelo fato de o maníaco viver em estado de impulsos tensos e irresistíveis: 1) Contrariamente ao bebê, ele represou muitos impulsos, durante muitos anos e toda a sua energia mental, investiu em catexias intrapsíquicas tônicas que, já agora, supérfluas, precisam ser proveitosamente descarregadas (abreagidas); 2) Os atos são espasmódicos e exagerados porque negam atitudes contraditórias, ainda atuantes no inconsciente. (Fenichel, 2000, p.382).

23 Em casos onde a atuação persistente do superego se manifesta, o comportamento maníaco pode ser racionalizado ou idealizado, às vezes, como se preenchesse um objetivo ideal, neste caso, a liberação se mantém por contracatexia que nega e pode levar o paciente a outra depressão. (Fenichel, O., 2000, p.382). Com relação à periodicidade, se considerarmos que é natural e biológico o ciclo fome saciedade e que isso se imprime na memória, toda alternância futura de prazer e dor sentese como o padrão da recordação, estabelecendo-se, assim, a ideia de que se todo sofrimento concede o privilégio de alegria compensadora posterior, todo castigo permitirá um pecado futuro. (Fenichel, 2000, p.382). A punição da perda do amor parental foi percebido como análogo à fome, a absolvição percebe-se como correspondendo à saciedade. Considerando que os pais são introjetados, o ego repete, intrapsiquicamente, o mesmo modelo em relação ao superego. Na mania, restaurase a união com o superego, união amorosa oral, união que perdoa. Apesar disso, a periodicidade ainda é intrigante com relação ao fato de nem todos responderem de maneira igual aos ciclos, alguns os tem como base, outros os tem por ativação do meio externo, seja físico, ou oculto. (Fenichel, 2000, p.383). Ao falarmos de relação com o objeto, quando procuramos melhor compreensão psicanalítica da mania, devemos entender como diversos escritores psicanalíticos discorrem sobre o conceito de defesas maníacas que tem sido amplamente usado. Falar de defesa maníaca implica em falar sobre a relação delas com o superego e sobre tipos de ansiedade que existem por trás desta relação. Em seu artigo Duas Modalidades de Defesas Maníacas - Sua função no colapso adolescente, Bronstrein nos diz que na relação com o objeto podem haver predominância de ansiedades paranoides e culpa persecutória, envolvendo a identificação com um superego sádico idealizado. Por outro lado, pode haver movimento contra ansiedades depressivas, envolvendo predominantemente a evacuação do superego (via identificação projetiva) e o triunfo do ego sobre o superego. O objetivo é evitar o conflito e negar a dor psíquica, permitindo que o ego alcance um estado de onipotência e de excitação que, frequentemente, se combina com triunfo e desprezo pelo objeto. De modo similar à flutuação entre as ansiedades paranoides e depressivas, na maioria dos casos, os pacientes podem recorrer a ambos os tipos de mecanismos de defesas em momentos diferentes da análise. Enquanto a mania tem sido claramente definida, o conceito de defesa maníaca toma emprestadas certas características da mania, mas é usado de maneiras diversas. Nem Freud nem Abraham escreveram a respeito de defesas maníacas e

24 foi Melanie Klein, principalmente, quem desenvolveu este conceito usado amplamente hoje em dia. (Bronstein, 2008, p.2). Em Luto e Melancolia, Freud toca superficialmente a questão da mania. Enquanto na melancolia o ego fica impotente diante do superego, na mania o ego recupera sua onipotência, seja triunfando sobre o superego, seja se unindo ao superego e participando do seu poder (Fenichel, 2000 p.407). Freud nos diz que a característica mais notável da melancolia é sua tendência de mudar para mania, estado que, em sintomas, é o oposto (Freud S, 1915, p253). Além de ressaltar que enquanto na melancolia o ego sucumbiu ao complexo na mania ele o dominou e o pôs de lado (Freud S., 1915, p. 254). Acrescenta em seguida:... o sujeito maníaco demonstra plenamente sua liberação do objeto que foi a causa de seu sofrimento, ao buscar, como um homem extremamente faminto, novos investimentos objetais (Freud S., 1915, p 255). Segundo Abraham (1924, p.471 e 472 apud Bronstein, 2008, p. 5) esses conceitos foram ainda mais ampliados e elaborados. Ele descreve o estado maníaco, como um estado em que há uma espécie de intoxicação na qual todas as inibições existentes são postas de lado. Os traços de mania podem ser observados em muitos pacientes sem que isso faça necessariamente parte da síndrome maníaco-depressiva. A mania e a melancolia diferem uma da outra quanto à relação do indivíduo com o superego. Enquanto na melancolia o superego exerce sua função crítica com excessiva severidade, Abraham afirma que o paciente maníaco jogou fora o jugo do superego, que não exerce mais uma atitude crítica em relação ao ego, mas ficou fundido nele (p. 471) de tal maneira que a diferença entre ego e superego desapareceu, o que resulta em aumento dos desejos orais da pessoa, como mania de engolir (p. 472). Não se limitando ao oral, podendo ser sentido como anseio erótico. Acrescenta algo importante: Mas é característico que esse ato prazeroso de receber novas impressões correlaciona-se com um ato igualmente prazeroso de ejetá-las quase imediatamente após terem sido recebidas. (p. 472). Abraham descreve como a mania se assemelha a um frenesi de liberdade. Ele ressalta a atitude displicente do paciente maníaco, sua alegria irrestrita, sua presunção e grandiosidade, a rápida mudança no conteúdo da consciência e a fuga de ideias. Há o desejo de voltar à liberdade infantil, toda a discrição desaparece e ocorre a tendência a uma conduta temerária e agressiva (Abraham 1911, p. 151). Klein escreveu adequadamente que na mania o ego busca refúgio não só da melancolia, mas também de uma condição paranoide que é incapaz de dominar (Klein 1935, p 277). E continuou a desenvolver ainda mais essas ideias. Klein propôs mudanças sobre o

25 momento da ocorrência do complexo de Édipo e descreveu um superego primitivo mais duro e cruel do que o mais tardio descrito por Freud. Ainda que, para Klein, o superego às vezes aparecesse em seus escritos como instância (como no modelo estrutural), às vezes como função, e outras vezes como objeto interno (Bronstein, 2008, p.3), essa formulação menos acurada ilustra a grande complexidade subjacente ao papel do superego. O superego primitivo pode conter violência excessiva já que começa no mesmo momento em que a criança faz as primeiras introjeções orais dos seus objetos, ainda sob a primazia dos impulsos e fantasias pré-genitais (Klein, 1933, p.251). No seu artigo Uma Contribuição à Psicogênese dos Estados Maníaco-Depressivos, Klein investiga a natureza da mania e das defesas maníacas e ilustra a posição do ego em relação aos seus objetos e à ansiedade. A mobilização das defesas maníacas teria o intuito de aniquilar os perseguidores e de lidar com sentimentos recentemente vivenciados de culpa e de desespero devido aos ataques ao objeto amado. Surge então a necessidade que a pessoa maníaca tem de dominar seus objetos para impedi-los não só de se machucarem, mas de ofereceram risco uns aos outros (Klein, 1935, p.278). Onde, o domínio e o controle dos mundos interno, e externo, parecem primordiais: A defesa maníaca assume tantas formas que, com certeza, não é fácil postular um mecanismo geral. Mas acredito que temos realmente esse tipo de mecanismo (ainda que suas variedades sejam infinitas) na dominação dos pais internalizados enquanto, ao mesmo tempo, a existência do mundo interno é depreciada e negada (Klein, 1935, p. 278). Klein ilustra diferentes características do que será visto como parte da defesa maníaca do ego: idealização, senso de onipotência, negação da realidade psíquica, negação da importância dos objetos bons, ou seja, depreciação da importância do objeto e desprezo por ele, tentativa de dominar e de controlar todos os seus objetos e utilização do senso de onipotência com o objetivo de controlar e dominar objetos (Klein, 1935, p.277, itálicos no original). Klein ampliou este tema ao observar o papel das defesas maníacas e, especificamente, o papel que a onipotência desempenha nas relações objetais. Ela descreve que o ego do sujeito tenta se libertar da dependência torturante dos seus objetos amados enquanto está, ao mesmo tempo, perseguido pelo medo dos objetos maus e do id (Klein, 1935, p. 8). O ego recorre a diversos mecanismos de defesa tais como idealização, negação da realidade psíquica (Klein, 1935, p. 8), desprezo e depreciação da importância do objeto (1935; 1940). Klein diz que na mania há a utilização do senso de onipotência com o objetivo de