Leitõezinhos se alimentam na mãe até os 22 dias de idade, quando seguem para engorda Diversificação, sustentabilidade e dinheiro no bolso Cooperativa em São Gabriel do Oeste, MS, tem faturamento quatro vezes maior que orçamento do município. Dejetos de suínos geram energia, biofertilizantes e elevam a renda dos produtores Texto e fotos: Ariosto Mesquita Imagine uma cooperativa cujo faturamento previsto para este ano supera mais de quatro vezes o orçamento do município onde está instalada. E o que impressiona: 57% deste faturamento vêm da suinocultura, mesmo com o custo de produção em torno de R$ 2,35/kg e o preço pago pelo mercado em R$1,80/kg (valores de abril/2012). Como é possível fechar esta conta com rentabilidade? A resposta está em dois procedimentos adotados: integração produtiva e sustentabilidade. Quando os 25 produtores pioneiros fundaram, em 1993, a Cooperativa Agropecuária de São Gabriel do Oeste (Cooasgo), no centro-norte do Mato Grosso do Sul, com certeza não imaginavam que menos de 20 anos depois ela atingisse uma previsão de faturamento anual de R$ 220 milhões enquanto a Prefeitura da cidade trabalha com um orçamento de R$ 52 milhões para 2012 - segundo informou o secretário de Administração do município, Eurípedes de Oliveira Souza. Inicialmente focada quase totalmente em suínos, a Cooasgo se sustenta hoje em várias atividades integradas e é pioneira na suinocultura brasileira em gerar recursos a partir do controle de emissão de gases de efeito estufa (GEE). Na área de su- Panorama Rural Maio 2012 37
suinocultura Produção de gás, energia e biofertilizantes Os biodigestores recebem os efluentes que descem por gravidade a partir das áreas que abrigam matrizes e criatórios nas granjas. Bactérias atuam nesse substrato e produzem gases, dentre eles o metano, que é altamente combustível. Esse gás é conduzido para um motor à combustão. Daí é transformado em força motriz, energia elétrica ou térmica. O excedente segue para um sistema de queima de gases (flare). Em todo este processo são usados medidores para estipular a vazão do gás utilizado. Dessa forma é possível calcular os valores a serem disponibilizados como créditos de carbono. Após a produção e queima dos gases, o material restante no biodigestor é depositado em um lago e bombeado para aplicação como biofetilizante em lavouras e pastagens. No caso específico de São Gabriel do Oeste, uma empresa portuguesa e outra canadense se dispuseram a instalar gratuitamente os biodigestores nas granjas a partir de 2006. Em troca, passaram a ter o direito de receber 90% dos créditos de carbono comercializados na Bolsa de Chicago. Os 10% restantes ficam com os produtores que ainda têm total direito sobre a produção do gás para a geração de energia e biofertilizantes. De acordo com o médico veterinário da Cooasgo, Eduardo Giacometti Ramos, o que hoje se produz de energia com os biodigestores nas granjas fornecedoras da Cooasgo daria para abastecer uma pequena cidade com cinco mil habitantes. A estimativa da direção da cooperativa é de que pelo menos 20% das granjas utilizem energia própria em até 70% de sua demanda. Alguns produtores nem mesmo pagam conta por consumo elétrico, ressalta. Em geral, os grandes produtores possuem dois biodigestores e ganham em economia. É o caso, por exemplo, da Granja Pinesso, uma propriedade que trabalha no sistema independente. Lá são produzidos 1,2 mil suínos gordos para abate por semana e acredito que 80% da energia consumida venha de geração própria, ou seja, a granja paga apenas algo em torno de 20% de uma conta que facilmente estaria no total de R$ 35 mil a R$ 40 mil ao mês, calcula Ramos. Mas além de abastecer os cooperados, a Cooasgo quer dar um destino mais ambicioso para a energia gerada pelos biodigestores. Estamos na busca de autorização para comercializar diretamente com a empresa concessionária que abastece a cidade e, com isso, levar eletricidade para outras comunidades rurais do município, revela Ramos. ínos, que representa um faturamento de R$ 125 milhões/ano para a cooperativa, foi a primeira no País a comercializar créditos de carbono na Bolsa Leitões prontos para entrega ao produtor: mais de meio milhão de suínos/ano para o abate de Chicago. E não é só isso: hoje boa parte de seus 292 cooperados atua em diversas frentes produtivas no município, o que ajuda a driblar eventuais intempéries de mercado. Além da suinocultura, com a produção de 520 mil cabeças/ano, os produtores cultivam soja, milho e sorgo. Como se não bastasse, utilizam os dejetos dos porcos na geração de energia para consumo próprio e na produção de biofertilizantes, utilizado fundamentalmente para elevar a produtividade nas lavouras. A fertirrigação também atraiu a bovinocultura de corte, outra atividade até então pouco explorada na região de São Gabriel do Oeste. O produto é utilizado em pastagens e está possibilitando uma lotação média de 10 ua/ha somando os períodos das águas e seca. Hoje 100% de nossas granjas possuem biodigestores. Com eles 38 Panorama Rural Maio 2012
suinocultura resolvemos um problema ambiental, pois não havia destinação para os dejetos de suínos. Além disso, agregou valor à atividade produtiva, aumentando a receita dos produtores, conta o diretor-presidente da Cooasgo, Jair Antonio Borgmann. Rentabilidade - Em termos de suinocultura, a cooperativa trabalha com dois tipos de produtores: o independente, que faz o ciclo completo do animal e o entrega para abate, e o chamado parceiro, que recebe o leitão e a ração da Cooasgo e fica responsável apenas pela engorda. Neste último sistema estaria, segundo Borgmann, uma das chaves da rentabilidade, tanto para produtor quanto para a cooperativa. De uma forma ou de outra, não sofremos tanto com os altos preços de mercado dos principais insumos da ração, pois nós mesmos produzimos esta matéria prima e a processamos, explica o presidente da Cooasgo. Na primeira quinzena de abril deste ano a região de São Gabriel comercializava a saca de soja a R$ 50,00 e a saca de milho a R$ 25,00. Nossa ideia é Borgmann: empregamos 10% de toda a população da cidade sempre agregar valor a estes grãos. Dessa forma vendemos a soja para comprar o farelo. O milho, por sua vez, segue para a nossa fábrica de ração, que produz uma média de 300 toneladas/dia, conta. Pelos cálculos de Borgmann, o produtor parceiro não tem o que reclamar. Ele faz apenas a engorda do animal, sem se preocupar em comprar ração ou pagar pelo leitão. Quatro meses depois ele devolve o animal para o abate, conta. Em março deste ano, a média da remuneração por animal ficou em R$ 21,04. Borgmann estima que o investimento do cooperado por animal, com manutenção de estrutura de granja e mão-de-obra, tenha sido na faixa de R$ 6,00. Neste caso, em um ciclo de quatro meses de trabalho lhe sobra limpo algo em torno de R$ 15,00 por animal. Em nossas menores granjas, que entregam mil suínos em cada ciclo, o produtor tem uma renda líquida de R$ 3.750,00 ao mês ou R$ 45 mil ao ano, detalha. Neste cálculo, logicamente, não constam os eventuais ganhos com crédito de carbono, produção de energia e de biofertilizantes. As granjas maiores ainda reservam bom espaço para lavoura enquanto as pequenas estão também apostando em áreas de pastagem para a produção de carne e leite graças à utilização da fertirrigação. O próprio Borgmann é um exemplo disso. Ele cultiva 1,1 mil hectares com soja e milho, engorda 20,4 mil suínos/ano e há dois anos entrou para a bovinocultura. Em apenas seis hectares de pastagem, engorda 95 cabeças, o que equivale a uma taxa de ocupação média de 15,8 ua/ha, graças à fertirrigação. O número impressiona diante de uma taxa média brasileira que gira em torno de 1 ua/ha. Meu projeto é estender a área de pasto para até 50 hectares, revela. Impacto na cidade - São Gabriel do Oeste, hoje com 23 mil habitantes (IBGE-2011) tornou-se município em 1981 e cresceu, inicialmente, graças ao pioneirismo de agricultores paranaenses e gaúchos. A partir de Biodigestores em São Gabriel do Oeste: produção de energia e de biofertilizantes Panorama Rural Maio 2012 39
Pessatto: Encontramos soluções para problemas ambientais e econômicos Granja de suínos na região de São Gabriel do Oeste, MS 1993 a Cooasgo foi o impulso que faltava para que a cidade atingisse atualmente a condição de terceiro melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do estado de Mato Grosso do Sul, com 0.808. Está atrás apenas de Chapadão do Sul (0.826) e Campo Grande (0.814). Esta relação gera números surpreendentes. O cultivo do milho, por exemplo, ocupa 70 mil hectares na segunda safra e oito mil hectares na safra verão em toda a área do município. Das 6,3 milhões de sacas do grão colhidas no último ciclo por aqui, a Cooasgo consumiu três milhões de sacas, o que equivale a aproximadamente 40% da produção de São Gabriel, conta Borgmann. Souza, o secretário de Administração de São Gabriel, admite que o faturamento previsto da Cooasgo para este ano é quatro vezes superior ao orçamento do município, mas não consegue dimensionar o impacto que a cooperativa tem para a cidade. Não Produtor ganha com porco, soja, milho e boi Osmar Pessatto é um suinocultor independente em São Gabriel do Oeste, ou seja, faz todo o ciclo de produção do animal e o entrega à Cooasgo, que encaminha para o abate na unidade industrial da Aurora, no próprio município. Ele trabalha com o pai, uma irmã e um irmão na Fazenda Santa Cruz, da família. Juntos, plantam 900 hectares de soja e mais 350 hectares de milho como cultivo de verão, além de 1.000 hectares de milho segunda safra. Na suinocultura são 1,1 mil matrizes que permitem a geração e acabamento de nove mil animais por ciclo ou um total de 27 mil suínos/ano. A partir da instalação de um biodigestor, em 2006, Pessatto teve como planejar a utilização do biofertilizante gerado pelos dejetos dos suínos. Em função disso, iniciou a implantação de uma pequena área de bovinocultura de corte e começou a fertirrigar parte da lavoura. Hoje ele faz a terminação a campo de 300 bois/ano em 17 hectares de pastagem e elevou sua produção média de grãos em 60 hectares fertirrigados. Os investimentos, no entanto, não são pequenos. Para estes 60 hectares de lavoura, disponibilizei R$ 200 mil na im- plantação do sistema de utilização do biofertilizante e para a área me repor este valor demora entre dois a três anos. Na engorda de bois o investimento foi ainda maior, R$ 300 mil, em função da necessidade de aquisição dos animais, construção de cocho, mangueiro, cerca, dentre outras coisas. Este investimento só estará pago em 2014, diz. Natural de Pato Branco, PR, Pessatto, 36 anos, chegou a São Gabriel do Oeste com dois anos de idade, na época em que o então povoado era distrito do município de Camapuã. Hoje se diz feliz pela estrutura produtiva diversificada e sustentável que a família possui. Encontramos soluções para problemas ambientais e econômicos. Os 20 mil litros de dejetos gerados diariamente pelas nossas 1,1 mil matrizes de suínos nos dão a possibilidade de investir em outros sistemas produtivos e aumentar a nossa renda. Segundo ele, a receita da família está atualmente distribuída da seguinte forma: suinocultura (40%), lavoura (55%) e bovinocultura de corte (5%). Nossa meta é elevar a participação da engorda de bois para 10%, projeta. 40 Panorama Rural Maio 2012
Lavoura de milho segunda safra em São Gabriel do Oeste, MS temos isso calculado, diz. Por outro lado, Borgmann afirma contundentemente que a cooperativa que ele preside dá emprego a pelo menos duas mil pessoas em todos os processos produtivos e na administração. Isso quer dizer que empregamos 10% de toda a população da cidade, calcula. Panorama Rural Maio 2012 41