A Fauna de Répteis na Região de Paranapiacaba



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CAPÍTULO 31 A Fauna de Répteis na Região de Paranapiacaba Otavio Augusto Vuolo Marques Instituto Butantan, Laboratório de Herpetologia, Avenida Vital Brazil 1500, CEP 05503-900 São Paulo, SP, Brasil, otaviomarques@butantan.gov.br

A Fauna de Répteis na Região de Paranapiacaba Abstract The Reptile Fauna in the Paranapiacaba Region A list of species and data on natural history are presented for the reptile fauna of the Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba region. Twenty-eight species of snakes (14 at the Reserva do Alto da Serra de Paranapiacaba) in 19 genera and three families, seven species of lizards (6 at the Reserva) in six genera and three families, and one species of amphisbaenian were recorded at the Paranapiacaba region. Information on habitat use, feeding habits, reproduction, and defensive tactics are presented for all species. Arboreal species predominate over terrestrial and fossorial species. The reptile assemblage of Reserva de Paranapiacaba contains species typical of highlands. Some environmental traits of the Reserva de Paranapiacaba, such as elevation and complex habitat structure, make this area an important site for the conservation of reptile fauna of the Atlantic Forest. Key words: Atlantic Forest, conservation, natural history, reptiles Resumo A Fauna de Répteis na Região de Paranapiacaba É apresentada uma lista de espécies e informações sobre a história natural da fauna de répteis na Reserva Biológica de Paranapiacaba. Foram registradas na região de Paranapiacaba 28 espécies de serpentes (14 na Reserva de Paranapiacaba), distribuídas em 19 gêneros e três famílias; sete espécies de lagartos (seis na Reserva), em seis gêneros e três famílias e uma espécie de anfisbenídeo. São fornecidas informações sobre o uso de hábitat, alimentação, reprodução e táticas defensivas de todas as espécies. Há predominância de espécies arborícolas em relação às terrestres ou subterrâneas. A fauna de répteis da Reserva contém espécies típicas de altitude. Algumas características do ambiente da Reserva Biológica de Paranapiacaba, como a altitude e a complexidade estrutural de hábitats, fazem com que essa área seja um local importante para a conservação da fauna de répteis da Mata Atlântica. Palavras-chave: conservação, história natural, Mata Atlântica, répteis

4 Otavio Augusto Vuolo Marques Introdução Na Serra do Mar ocorrem cerca de 100 espécies de répteis (Vanzolini 1988, Marques et al. 1998, 2004). Há razoável conhecimento sobre a história natural das espécies que compõem essa fauna (Marques et al. 2001, Marques & Sazima 2004), mas informações sobre riqueza e composição faunística estão limitadas a poucas localidades (Sazima & Manzani 1995, Marques 1998, Bérnils et al. 2001, Marques & Sazima 2004). Algumas espécies de répteis da Serra do Mar apresentam distribuição restrita a determinadas porções desta cadeia montanhosa (Marques et al. 2001). Existem espécies de serpentes e lagartos registradas somente em regiões mais setentrionais e outras restritas às altitudes elevadas (Vanzolini 1988, Marques et al. 2001). Além disso, a abundância das espécies pode variar em diferentes localidades (Marques 1998). Desse modo, tanto a composição faunística como a diversidade variam ao longo de gradientes latitudinais e altitudinais. A Reserva Biológica de Paranapiacaba está localizada em uma posição intermediária entre os dois extremos de latitude da Serra do Mar a, aproximadamente, 800 m acima do nível do mar. A região apresenta uma porção relativamente preservada de Mata Atlântica, devendo por isso, abrigar elementos faunísticos próprios. Entretanto, não há informações sobre a fauna de répteis nessa Reserva e, até o presente momento, nenhum estudo intensivo foi desenvolvido, nem mesmo na região onde esta inserida. Este estudo pretende então uma primeira caracterização da fauna de répteis da região Reserva Biológica de Paranapiacaba. Para estimar as espécies que aí ocorrem foi realizado um levantamento de exemplares depositados em coleções do Instituto Butantan e do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. É apresentada uma visão básica da história natural dos répteis da região da Reserva Biológica de Paranapiacaba e são discutidos aspectos da ecologia e conservação dessa fauna. Riqueza de espécies A coleta na Reserva de Paranapiacaba é limitada e insuficiente para avaliar sua riqueza. Desse modo, a ocorrência de muitos répteis foi inferida a partir do registro concomitante de espécies em localidades adjacentes no alto da serra (Rio Grande da Serra, São Bernardo do Campo e São Caetano) e na baixada litorânea (Cubatão e Santos), situadas em latitudes aproximadas as da Reserva (Tabela 1). Na região da Reserva de Paranapiacaba e municípios adjacentes há ocorrência de pelo menos 36 espécies de répteis, sendo um anfisbenídeo, sete lagartos e 28 serpentes. Porém, considerando apenas a Reserva, há registro de seis espécies de lagartos e 14 de serpentes. (Tabela 1). Como já constatado em outros estudos na Serra do Mar, a riqueza de serpentes é alta, ao passo que a de lagartos é baixa (Sazima 1993, Marques 1998). Porém, outras espécies de lagartos provavelmente ocorrem na região e dentro dos limites da Reserva. Várias espécies de lagartos da família Gymnophtalmidae, por exemplo, ocorrem ao longo da Serra do Mar e a sua ausência em Paranapiacaba e adjacências deve-se, provavelmente, a insuficiência de amostragem. Outras serpentes de distribuição ampla na Serra do Mar, como Dipsas spp. e Thamnodynastes spp. provavelmente ocorrem na Reserva de Paranapiacaba. Não foi registrada a presença de tartarugas, mas os riachos de águas claras da região possibilitam a existência do cágado Hydromedusa maximiliani (Mikan 1820) (ver Marques et al. 1998). A confirmação da ocorrência deste e de outros répteis, assim como a estimativa mais precisa da riqueza de espécies, só poderá ser feita após estudos mais detalhados. Lagartos Os lagartos policrídeos denominados camaleões, Enyalius iheringii Boulenger 1885 e E. perditus Jackson 1978 vivem principalmente sobre ramos de arbustos e árvores. Utilizam esse tipo de substrato para se alimentarem e repousarem, porém freqüentemente caçam no chão da mata (Figura 1) (Jackson 1978, Sazima & Haddad 1992). Esses lagartos apresentam corpo esverdeado, semelhante à cor da vegetação, os machos e fêmeas diferindo no padrão de

A Fauna de Répteis na Região de Paranapiacaba 5 Figura 1. Enyalius iheringii (camaleão) no chão da mata. Figura 2. Urostrophus vautieri sobre tronco de árvore. Figura 3. Urostrophus vautieri escancarando a boca. Figura 4. Diplogossus fasciatus. Figura 5. Ophiodes fragilis (cobra-de-vidro) após soltar porções de sua cauda. Figura 6. Leposternon microcephalum, Amphisbaenidae (cobra-cega). Figura 7. Spilotes pullatus (caninana) inflando a região gular e achatando lateralmente a região anterior do corpo. Figura 8. Chironius bicarinatus (cobra-cipó) procurando presas sobre a vegetação. Figura 9. Chironius multiventris (cobra-cipó) achatando lateralmente o corpo, com postura sigmóide ( S ) e a boca escancarada.

6 Otavio Augusto Vuolo Marques Tabela 1. Répteis da região de Paranapiacaba, São Paulo. Lista elaborada a partir de espécies registradas em Paranapiacaba (indicadas com asterisco) e complementada com registros de ocorrência concomitante em localidades adjacentes do alto da serra (São Bernardo, São Caetano ou Rio Grande da Serra) e da baixada litorânea (Cubatão ou Santos). Dados obtidos das coleções do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo e do Instituto Butantan. Em cada família, as espécies estão dispostas em ordem alfabética de nomes. AMPHISBAENIA Amphisbaenidae Leposternon microcephalum Wagler, 1824 LACERTILIA Polychridae Anisolepis grillii Boulenger, 1891* Enyalius iheringii Boulenger, 1891* Enyalius perditus Jackson 1978* Urostrophus vautieri Duméril e Bibron, 1837* Teiidae Kentropyx paulensis Boettger, 1893* Anguidae Diplogossus fasciatus (Gray, 1831)* Ophiodes fragilis Raddi, 1820 SERPENTES Colubridae Atractus trihedrurus Amaral 1930 = A. serranus Amaral 1926* Chironius bicarinatus (Wied, 1820) Chironius exoletus (Linnaeus, 1758) Chironius fuscus (Linnaeus, 1758) Chironius laevicollis (Wied, 1824) Chironius multiventris Schmidt & Walker, 1943 Clelia plumbea (Wiedi, 1820) Echinanthera affinis (Günther, 1858) Echinanthera bilineata (Fischer, 1885) Echinanthera cephalostriata Di-Bernardo, 1996 Echinanthera undulata (Wied, 1824) Elapomorphus quinquelineatus (Raddi, 1820)* Erythrolamprus aesculapii (Linnaeus, 1766) Imantodes cenchoa (Linnaeus, 1758)* Liophis miliaris (Linnaeus, 1758) Oxyrhopus clathratus Duméril, Bibron & Duméril 1854* Philodryas aestivus (Duméril, Bibron & Duméril 1854) Pseudoboa serrana Morato, Moura-leite, Prudente & Bérnils 1995* Sibynomorphus neuwiedi (Ihering, 1910) Siphlophis longicaudatus (Anderson, 1907)* Siphlophis pulcher (Raddi, 1820)* Spilotes pullatus (Linnaeus, 1758)* Tomodon dorsatus Duméril, Bibron & Duméril, 1854* Tropidodryas striaticeps (Amaral, 1938)* Xenodon neuwiedii Günther, 1863* Elapidae Micrurus corallinus (Merrem, 1820)* Viperidae Bothrops jararaca (Wied, 1820)* Bothrops jararacussu Lacerda, 1884* coloração (Marques & Sazima 2004). As outras duas espécies de policrídeos (Anisolepis grillii Boulenger 1891 e Urostrophus vautieri Dúmeril & Bibron 1837) também utilizam substratos no chão e a vegetação para repousarem e caçarem (Figura 2) (Sazima & Haddad 1992). Ambos possuem coloração castanho-acinzentada, o que também possibilita a camuflagem entre os ramos. Provavelmente, Anisolepis grilii possua hábito arborícola mais acentuado, uma vez que

A Fauna de Répteis na Região de Paranapiacaba 7 apresenta o corpo mais delgado e a cauda mais longa que a outra espécie. Uma das estratégias defensivas dos lagartos tropidurídeos consiste em escancarar a boca (Figura 3). O lagarto teídeo Kentropyx paulensis Boettger 1893 é terrestre e depende de áreas abertas para sua atividade de termorregulação. Ao contrário das espécies anteriores, que usualmente caçam por espreita, Kentropyx é um caçador ativo (Vitt 1991). As duas espécies de anguídeos [Diplogossus fasciatus (Gray 1831) e Ophiodes fragilis (Raddi 1820)] são terrestres ou semi-subterrâneas, possuindo membros reduzidos (Figuras 4 e 5). Em Ophiodes não existem membros anteriores e os posteriores estão reduzidos a estiletes. Esse lagarto recebe a denominação popular de cobra-de-vidro, pois, além de sua semelhança com serpente, pode soltar pedaços de sua cauda como forma de defesa (Figura 5). O modo reprodutivo das duas espécies difere dos demais lagartos da região, uma vez que estes são vivíparos, ou seja, a fêmea dá a luz diretamente aos filhotes, não ocorrendo a deposição de ovos. Em Diplogossus fasciatus a mãe pode cuidar dos filhotes após o nascimento (Greene et al. 2006). Todos os lagartos da região parecem restringir o período reprodutivo à estação chuvosa (Marques & Sazima 2004; Rodrigues, dados não publicados). A dieta dos lagartos registrados em Paranapiacaba é composta por artrópodes. Anfisbenídeos Esses répteis são denominados popularmente de cobra-cegas, devido à ausência de membros e olhos reduzidos, características estas relacionadas aos seus hábitos subterrâneos. Leposternon microcephalum Wagler, 1824 (Figura 6) parece ser muito abundante ao longo de toda a Serra do Mar. Essa espécie pode ser observada na superfície do solo após as chuvas (Marques & Sazima 2004). Alimenta-se basicamente de minhocas e deposita seus ovos durante a estação chuvosa (Marques & Sazima 2004). Ao contrário de outros anfisbenídeos, não morde quando manuseada, mas pode descarregar secreção cloacal de odor desagradável (Marques & Sazima 2004). Caninana, cobras-cipó e outras serpentes arborícolas Várias serpentes utilizam os estratos da vegetação e o grau de arborealidade é variável entre as espécies. A caninana, Spilotes pullatus (Linnaeus 1758), da subfamília Colubrinae, é uma das cobras mais comuns da região e pode ser reconhecida pelo seu grande porte (atingindo até 2m) e coloração amarela e preta. A caninana caça durante o dia, procurando principalmente filhotes de roedores e aves em seus ninhos, no chão ou sobre a vegetação (Marques 1998, Marques & Sazima 2004). Para subjugar suas presas a caninana morde-as firmemente, comprimindo-as contra o chão ou com uma volta de seu corpo (Sazima & Haddad 1992, Marques & Sazima 2004). O seu comportamento defensivo consiste em inflar e achatar lateralmente a região anterior do corpo (Figura 7) além de dar botes e morder (Marques et al. 2001). A caninana é ovípara; a deposição de ovos (de 5 a 12) e o nascimento de filhotes ocorrem durante o período chuvoso (Marques & Sazima 2004). As cobras-cipó do gênero Chironius, também da subfamília Colubrinae, utilizam freqüentemente a vegetação para repousar ou caçar (Dixon et al. 1993, Marques & Sazima 2004). Essas serpentes comem anfíbios anuros, procurando-os em seus abrigos diurnos nos diferentes estratos da mata (Figura 8). Como a caninana, as cobra-cipó não têm dentes injetores de veneno e, nesse caso, os anfíbios são ingeridos vivos. Cinco espécies parecem ocorrer na região e podem ser diferenciadas pelo tamanho e padrão de colorido (Marques et al. 2001). Além disso, essas espécies provavelmente diferem na freqüência com que usam os diferentes estratos da mata (Marques 1998): duas espécies, Chironius exoletus (Linnaeus 1758) e C. multiventris Schmidt & Walker 1943, possuem o corpo mais delgado e cauda mais longa e apresam principalmente pererecas arborícolas (Hylidae) indicando que caçam predominantemente sobre a vegetação. Chironius bicarinatus (Wied

8 Otavio Augusto Vuolo Marques 1820), aparentemente a espécie mais comum na região, caça indistintamente no chão e sobre a vegetação (Figura 8). As outras duas espécies, C. fuscus (Linnaeus 1758) e C. laevicollis (Wiedi 1824) possuem o corpo menos delgado e apresam principalmente rãs terrestres (Leptodactylidae) provavelmente caçando mais no chão que na vegetação. Chironius laevicollis é a mais terrestre das cobras-cipó e parece usar vegetação apenas como local de repouso, embora os juvenis (que são verdes) pareçam ser predominantemente arborícolas (Marques & Sazima 2003a). A cobras-cipó são serpentes muito ágeis e fogem rapidamente diante da aproximação do homem; quando acuadas podem achatar lateralmente o corpo, apresentar postura sigmóide ( S ), escancarar a boca e morder (Figura 9). As cobras-cipó reproduzemse na estação chuvosa, depositando entre quatro e 12 ovos (Marques 1998). Entre as serpentes que utilizam a vegetação, Imantodes cenchoa (Linnaeus 1758) da subfamília Dipsadinae, é a que possui hábitos arborícolas mais acentuados. Apresenta cauda muito longa, corpo delgado e achatado lateralmente, podendo deixar quase metade do corpo suspenso, quando se desloca na vegetação (Figura 10). Durante à noite, caça pequenos anfíbios anuros ou lagartos, mortos por envenenamento graças à presença de dentes injetores na porção posterior de sua boca (Gans 1975). Os indivíduos de I. cenchoa são dóceis e não mordem mesmo quando manipulados. Seu corpo delgado e achatado parece restringir o tamanho das ninhadas, uma vez que produz entre um e três ovos (Marques & Sazima 2004). Três espécies da subfamília Xenodontinae, Philodryas aestivus (Duméril, Bibron & Duméril 1854) (tribo Philodryadini), Siphlophis longicaudatus (Anderson 1907) e S. pulcher (Raddi 1820) (tribo Pseudoboinae), também exploram a vegetação (Figura 11). As espécies do gênero Philodryas são diurnas e possuem dieta generalista, ao passo que as Siphlophis possuem hábitos noturnos e são especializadas em apresar pequenos lagartos (Prudente et al. 1998, Marques et al. 2001, Marques & Sazima 2004). Todas essas espécies de serpentes matam suas presas por constrição (Marques & Sazima 2004) e, provavelmente, com auxílio de veneno, visto que apresentam dentes posteriores sulcados (Marques et al. 2001). As espécies de Siphlophis parecem diferir em relação às táticas defensivas empregadas: ambas as espécies não são agressivas e quando ameaçadas podem simular botes e esconder a cabeça sob voltas do corpo; S. longicaudatus pode vibrar a cauda contra o substrato, comportamento não observado em S. pulcher (Marques et al. 2001). O padrão de colorido variegado de S. longicaudatus (Figura 11) assemelha-se um pouco ao de Bothrops jararaca e o vibrar da cauda poderia aumentar essa semelhança (ver abaixo as táticas defensivas usadas pela jararaca). A serpente Tropidodryas striaticeps (Amaral 1938) da família Xenodontinae (tribo Philodryadini), é diurna e parcialmente arborícola (Marques & Sazima 2004). Os adultos de Tropidodryas apresam roedores (Sazima & Puorto 1993); os juvenis utilizam a extremidade da cauda, branca ou amarela-clara, para atrair pequenos lagartos e anfíbios, dos quais se alimentam (Figura 12). Como Philodryas, a serpente T. striaticeps, também mata suas presas por constrição e envenenamento (Sazima & Puorto 1993). O padrão de colorido dessa serpente faz com que seja confundida com B. jararaca (Sazima 1992). Além de dar botes, pode morder quando manipulada (Marques & Sazima 2004). Algumas serpentes com hábitos predominantemente terrestres utilizam ocasionalmente a vegetação. Esse hábito já foi observado em Sibynomorphus neuwiedi (Ihering 1910) e, principalmente, entre jovens de B. jararaca (Hartmann et al. 2003, Marques & Sazima 2004). Tomodon dorsatus Duméril, Bibron & Duméril 1854 também pode usar a vegetação como local de repouso. Falsas jararacas, muçuranas e outras cobras terrestres Todas as espécies de colubrídeos terrestres da Reserva de Paranapiacaba pertencem à subfamília Xenodontinae, havendo represen-

A Fauna de Répteis na Região de Paranapiacaba 9 Figura 10. Imantodes cenchoa (dormideira) com o corpo suspenso, locomovendo-se sobre a vegetação. Figura 11. Siphlophis longicaudatus sobre a vegetação. Figura 12. Juvenil de Tropidodryas striaticeps (jararaquinha) utilizando engodo caudal para atrair uma presa (Foto: I. Sazima). Figura 13. Tomodon dorsatus com a boca escancarada, expondo a mucosa preta. Figura 14. Xenodon neuwiedii achatando o corpo dorso-ventralmente e enrodilhando a cauda. Figura 15. Clelia plumbea (muçurana) ingerindo uma jararaca (Bothrops jararaca) (Foto: G. Puorto). Figura 16. Echinanthera cephalostriata. Figura 17. Echinanthera cephalostriata locomovendo-se sob a serapilheira.

10 Otavio Augusto Vuolo Marques tantes de diversas tribos. Tomodon dorsatus (Tachymenini) e Xenodon neuwiedii Günther 1863 (Xenodontini) são abundantes em várias localidades da Serra do Mar e freqüentemente confundidas com as jararacas (Marques et al. 2001). Tomodon dorsatus possui movimentos lentos e alimenta-se exclusivamente de lesmas, possuindo dentição especializada para essa função (Bizerra 1998, Bizerra et al. 2005). Essa serpente apresenta um rico repertório defensivo, podendo achatar dorso-ventralmente o corpo, triangular a cabeça, retrair a porção anterior do corpo em curva sigmóide, escancarar a boca expondo a mucosa escura (Figura 13), desferir botes, esconder a cabeça sob voltas do corpo e entrar em tanatose (Bizerra 1998, Marques et al. 2001, Marques & Sazima 2004). É vivípara e seus filhotes nascem no final da estação seca e início das chuvas, quando há grande disponibilidade de lesmas pequenas (Bizerra 1998, Bizerra et al. 2005). Xenodon neuwiedii alimenta-se principalmente de sapos do gênero Bufo, os quais são usualmente capturados com ventre para cima - facilitando sua ingestão (Jordão 1996). Para se defender, pode achatar o corpo dorso-ventralmente e enrodilhar a cauda (Figura 14), além de desferir botes e morder (Marques et al. 2001, Marques & Sazima 2004). Essa cobra pode se reproduzir o ano inteiro e cada fêmea deposita até 12 ovos por desova (Jordão 1996, Marques 1998). A muçurana, Clelia plúmbea (Wied 1820) (Pseudoboini) aparentemente é uma cobra rara na Serra do Mar. Apresenta grande porte (atingindo até 2 m) e os adultos podem ser reconhecidos pela coloração preta; os juvenis são vermelhos, com cabeça preta e anel nucal claro (Marques et al. 2001). A muçurana pode apresar outras serpentes, incluindo a jararaca (Figura 15). Entretanto, ao contrário do que é habitualmente divulgado, a jararaca não é o item mais importante de sua dieta; outras cobras, roedores e lagartos constituem presas mais freqüentes (Marques 1998, Pinto & Lema 2002). A muçurana pode depositar entre nove e 23 ovos, durante o período chuvoso (Marques 1998). Outro colubrídeo da tribo Pseudoboini, Pseudoboa serrana Morato, Moura-Leite, Prudente & Bérnils 1995 possui menor porte, coloração distinta (Marques et al. 2004) e provavelmente tem hábitos semelhantes aos da muçurana. As quatro espécies do gênero Echinanthera apresentam pequeno porte, corpo delgado e cauda longa (Figura 16). Habitam o chão da mata, freqüentemente sob a serapilheira (Figura 17) onde habitualmente caçam pequenos anfíbios anuros (Marques et al. 2001, Barbo & Marques 2003). A cauda longa dessas serpentes pode estar relacionada à captura de presas ou defesa (Marques & Sazima 2004). São serpentes dóceis e não mordem quando manipuladas. Apesar do pequeno porte, algumas espécies podem depositar até dez ovos durante o período chuvoso. A cobra-d água, Liophis miliaris (Linnaeus 1758) (Xenodontini), pode ser encontrada no chão da mata, mas freqüentemente está associada a corpos-d água. Pode estar ativa tanto de dia como à noite, caçando anfíbios anuros e peixes (Marques & Sazima 2004). Coloca entre cinco e 17 ovos e os filhotes nascem ao longo da segunda metade da estação chuvosa (Pizzatto 2003). Essa serpente não é agressiva e sua principal defesa é a fuga. Além disso, poder achatar o corpo dorso-ventralmente e, se manipulada, pode descarregar o conteúdo cloacal fétido (Marques & Sazima 2004). Cobras subterrâneas Os colubrídeos Atractus trihedrurus Amaral 1930 (Dipsadinae) e Elapomorphus quinquelineatus (Raddi 1820) (Xenodontinae, Elapomorphini) possuem a cauda e olhos pequenos, características associadas ao hábito subterrâneo. Atractus trihedrurus pode estar ativa durante o dia ou à noite e alimenta-se de minhocas (Marques et al. 2001). Apresenta variação ontogenética no seu padrão de cor, isto é, os filhotes possuem anéis pretos alternados com anéis vermelhos ou amarelados (Marques et al. 2001) e os adultos têm coloração uniforme (Figura 18). As espécies do gênero Atractus depositam poucos ovos, geralmente grandes (Hartmann et al. 2002). Elapomorphus quinque-

A Fauna de Répteis na Região de Paranapiacaba 11 lineatus é facilmente reconhecida pelo padrão lineado de seu corpo (Marques et al. 2001). Pode estar ativa durante o dia e alimenta-se de vertebrados alongados fossórios, como cecílias (anfíbios), anfisbenídeos e algumas cobras (Marques et al. 2001). Essa serpente possui os dentes posteriores sulcados (opistóglifa) e seu veneno parece ser bastante ativo (H. Ferrarezzi, dados não publicados) para subjugar suas presas. Há poucas informações sobre sua reprodução, mas é ovípara. Corais verdadeiras e falsas A coral-verdadeira Micrurus corallinus (Merrem 1820) pertence à família Elapidae, que inclui as najas, mambas e a maioria das cobras australianas (todos elapídeos possuem dentes anteriores sulcados para inoculação de veneno). Essa coral é muito comum e fácil de ser avistada na Serra do Mar (Marques 1992, Marques et al. 2001). Apresenta hábitos parcialmente subterrâneos, podendo ser encontrada locomovendo-se durante o início da manhã, ou ao final da tarde, no chão da mata à procura de galerias, onde captura suas presas (Figura 19) (Marques & Sazima 2004). Sua dieta é baseada em vertebrados alongados fossórios (anfisbenídeos e cecílias), apresando menos freqüentemente outras serpentes e pequenos lagartos (Marques & Sazima 1997). Micrurus corallinus apresenta reprodução sazonal: o acasalamento ocorre no início da estação chuvosa, a desova no meio, e o nascimento dos filhotes no final dessa estação (Marques 1996a). Essa coral possui padrão de colorido vistoso, que funciona como alerta a predadores. Além de sua coloração, essa serpente pode achatar a parte posterior do corpo, esconder a cabeça, exibir comportamento errático (modificar rápida e repetidamente a postura do corpo) e enrodilhar a cauda (Figura 20). Não é agressiva, mas se manuseada pode morder causando sérios problemas aos seus predadores potenciais, devido ao seu veneno altamente tóxico (Marques & Puorto 1991). Alguns colubrídeos possuem padrão de colorido semelhante ao de M. corallinus, tática que provavelmente engana e afasta diversos predadores potenciais (Marques 1992). A coral-falsa Erythrolamprus aesculapii (Linnaeus 1766) (Xenodontini) é a serpente com colorido mais semelhante. A disposição de anéis é variável entre os diferentes indivíduos, havendo exemplares com padrão muito semelhante ao de M. corallinus (Marques & Puorto 1991). Além do padrão de colorido, essa falsa coral também possui repertório defensivo muito semelhante ao de M. corallinus (Figura 20). Erythrolamprus aesculapii é especializada em apresar outras cobras (Marques & Puorto 1994) e pode se reproduzir ao longo do ano, depositando entre um e oito ovos (Marques 1996b). Outra coral-falsa, Oxyrhopus clathratus Duméril, Bibron & Duméril 1854 (Pseudoboini) (Figura 21), apresenta padrão de coloração menos semelhante ao de M. corallinus. É noturna e alimenta-se predominantemente de lagartos quando jovem e de mamíferos quando adulta (Marques & Sazima 2004). É ovípara e parece reproduzir-se principalmente no período chuvoso (Marques & Sazima 2004). Os juvenis de O. clathratus também diferem dos adultos quanto à coloração, pois não apresentam a cor vermelha (Marques et al. 2004). O comportamento defensivo restringe-se a movimentos erráticos; quando manuseada não morde. A serpente arborícola Siphlophis pulcher e os juvenis de Atractus trihedrurus (referido anteriormente) também podem ser considerados como mímicos de M. corallinus (Marques 1992). Jararaca e jararacuçu A jararaca, Bothrops jararaca Wied 1824, e a jararacuçu, B. jaracacussu Lacerda 1884 pertencem à família Viperidae, que inclui as víboras e cascavéis (todos os viperídeos possuem dentes anteriores ocos e móveis, adequados para inoculação de veneno). Essas duas espécies de serpentes podem ser reconhecidas pela presença da fosseta loreal entre a narina e o olho (Marques et al. 2001). A jararaca atinge pouco mais que um metro e tem padrão de colorido variável entre os indivíduos, com tons castanhos, acinzentados, amarelados ou esverdeados

12 Otavio Augusto Vuolo Marques Figura 18. Atractus trihedrurus. Figura 19. Micrurus corallinus adentrando galeria subterrânea. Figura 20. Micrurus corallinus coral verdadeira (A) e Erythrolamprus aesculapii coral falsa (B) escondendo a cabeça sob voltas do corpo e elevando a cauda enrodilhada. Figura 21. Oxyrhopus clathratus (coral falsa). Figura 22. Juvenil de Bothrops jararaca (jararaca) repousando sobre a vegetação (Foto: Paulo Hartmann). Figura 23. Adulto de Bothrops jararaca (jararaca) na espreita de presas, em trilha de terra. Figura 24. Juvenil de Bothrops jararacussu (jararacuçu) com a ponta da cauda clara. Figura 25. Adulto de Bothrops jararacussu (jararacuçu) em postura defensiva em S ( bote armado ).

A Fauna de Répteis na Região de Paranapiacaba 13 (Figuras 22 e 23). As duas espécies de Bothrops possuem uma série de manchas em forma de ferradura invertida na lateral do corpo (Figuras 22-25). A jararacuçu alcança maior tamanho (acima de 1,5 m) e geralmente é mais robusta que a jararaca. De coloração mais escura, com tonalidades preta e creme (Figura 25), a jararacuçu apresenta dimorfismo sexual evidente: as fêmeas muito maiores, mais robustas e de coloração mais escura que os machos (Marques & Sazima 2003b). Indivíduos de B. jararaca (principalmente os juvenis) podem ser encontrados sobre a vegetação (Figura 22). Por outro lado, a jararacuçu (B. jararacussu) é uma serpente tipicamente terrestre (Martins et al. 2001). As duas espécies geralmente caçam suas presas por espreita, à noite (Marques & Sazima 2004) (Figura 23). Seus hábitos alimentares são semelhantes, porém variáveis ao longo da vida: adultos comem predominantemente pequenos mamíferos, ao passo que juvenis alimentam-se de presas ectotérmicas, como lacraias, anfíbios e lagartos (Martins et al. 2002). Os juvenis geralmente apresentam a ponta da cauda com tonalidade clara (Figura 24), a qual utilizam como engodo caudal para atrair as suas presas (Sazima 1991). O tamanho da ninhada de uma jararaca varia entre três e 34 filhotes, já a jararacuçu - que atinge tamanho maior - pode gerar até 70 filhotes (Marques & Sazima 2004). Ambas as espécies são vivíparas e podem dar luz aos filhotes ao longo dos cinco primeiro meses do ano (Sazima 1992, Marques & Sazima 2004). O comportamento defensivo desses viperídeos inclui o vibrar da cauda contra o substrato, esconder a cabeça entre as voltas do corpo, apresentar postura em S ( armar o bote ) (Figura 25) e, quando acuadas, dão botes com boca fechada ou aberta (Sazima 1992, Marques et al. 2001). Influência da altitude A altitude é fator determinante na composição faunística dos répteis da Serra de Paranapiacaba. Algumas espécies, como Anisolepis grilli, Atractus trihedrurus, Kentropyx paulensis, Pseudoboa serrana, Tropidodryas striaticeps e Urostrophus vautier, parecem estar restritas a altitudes elevadas da Serra do Mar, uma vez que não há registros desses répteis em regiões bem amostradas que ficam situadas ao nível do mar. Outras espécies, como Oxyrhopus clathratus e Echinanthera bilineata, ocorrem em localidades próximas do nível do mar, mas são nitidamente mais abundantes em regiões de altitudes mais elevadas (Marques 1998). Por outro lado, a altitude parece restringir a ocorrência ou limitar a abundância de determinados répteis. Algumas espécies de cobras-cipó, como Chironius fuscus, C. laevicollis e C. multiventris, são freqüentes em baixas altitudes da Serra do Mar, mas pouco abundantes em localidades de maior altitude. O mesmo é observado em relação à jararacuçu (Bothrops jararacussu). Essa serpente pode ser mais abundante que Bothrops jararaca em certas localidades próximas ao nível do mar (Marques 1998, Rocha et al. 2000). Porém, em localidades bem amostradas situadas acima da vertente oceânica da Serra do Mar, como o município de São Paulo, não há registro de B. jararacusssu. Portanto, a jararacuçu provavelmente é pouco abundante na Reserva de Paranapiacaba. A existência de campos montanos em alguns poucos locais da Reserva favorece a presença de répteis característicos de áreas mais abertas. Os répteis registrados para a região são típicos de florestas, mas pelo menos duas espécies (Kentropyx paulensis e Philodryas aestivus) podem ser beneficiadas pela existência dos campos. O lagarto Kentropyx paulensis é um exemplo típico dessa tendência, uma vez que depende da insolação direta para suas atividades de termorregulação. Entre as cobras, Philodryas aestivus é encontrada freqüentemente em áreas abertas e também pode ser beneficiada pela presença dos campos. Tendências ecológicas e conservação Devido às suas características ecológicas, os répteis da Reserva de Paranapiacaba são muito suscetíveis às alterações do ambiente.

14 Otavio Augusto Vuolo Marques Pelo menos metade das espécies registradas na região utiliza freqüente ou ocasionalmente a vegetação. Portanto, a maioria desses répteis depende das condições estruturais existentes na mata, uma vez que os diversos locais da vegetação são essenciais para as suas atividades básicas, como caça, termorregulação e repouso. A floresta que cobre a Serra do Mar possui grande complexidade estrutural nos estratos mais altos, principalmente devido à grande quantidade de epífitas. Em outras áreas da Serra do Mar, onde houve a substituição da floresta por plantações, foi detectado o decréscimo da abundância de serpentes arborícolas (Marques 1998, Marques & Sazima 2004). Assim, a remoção ou a alteração da mata nativa compromete a preservação de boa parte das espécies de répteis. Répteis arborícolas são sensíveis à perturbação de seu hábitat (Lillywhite & Henderson 1993), porém espécies que usam outros substratos também são suscetíveis a alterações do ambiente. Algumas espécies terrestres ou subterrâneas, como Atractus trihedrurus, Diplogossus fasciatus, Elapomorphus quinquelineatus, Micrurus corallinus e Pseudoboa serrana, parecem depender muito de ambientes úmidos e sombreados e também são prejudicadas pela ausência da cobertura vegetal nativa (Marques 1998, Marques & Sazima 2004). Outras espécies de serpentes - do gênero Echinanthera (e alguns lagartos gimnoftalmídeos que podem ocorrer em Paranapiacaba) - vivem sob a serapilheira e podem ser afetadas pela diminuição desse tipo de microhábitat, que existe devido à presença da mata. Apesar das limitações do presente estudo, é possível reconhecer a importância da Reserva de Paranapiacaba para a conservação da fauna de répteis da Mata Atlântica. É provável que a Reserva possua elementos faunísticos próprios. Quando comparada com outra região, no litoral sul de São Paulo (Estação Ecológica Juréia-Itatins), pode-se constatar diferenças faunísticas evidentes. Um total de dez espécies registradas para a região de Paranapiacaba não foi encontrado na região de Juréia (Marques 1998, Marques & Sazima 2004). Considerando apenas as espécies efetivamente coletadas na Reserva de Paranapiacaba e dentro dos limites da E.E. Juréia-Itatins (isto é, sem aquelas coletadas nas adjacências) observa-se que 12 espécies (Anisolepis grillii, Atractus trihedrurus, Chironius laevicollis, Echinanthera affinis, Elapomorphus quinquelineatus, Enyalius perditus, Kentropyx paulensis, Philodryas aestivus, Pseudoboa serrana, Siphlophis longicaudatus, Tropidodryas striaticeps, Urostrophus vautieri) são exclusivas da Reserva de Paranapiacaba. Isso demonstra que a composição faunística pode variar muito entre diferentes localidades da Serra do Mar. Como já mencionado anteriormente, a altitude da Reserva de Paranapiacaba é um fator que condiciona a presença de determinadas espécies, ausentes em outras localidades da Serra do Mar. Portanto, a existência de muitas dessas espécies depende da preservação de áreas de altitudes mais elevadas. Agradecimentos A Ivan Sazima, pela revisão do manuscrito; Murilo Rodrigues e Valdir José Germano pelo auxílio na coleta de dados na coleção do Instituto Butantan; à Adriana Dall Onder, pelo auxílio na organização final das fotografias. Ao CNPq e FAPESP pelo auxílio financeiro. Referências Bibliográficas Barbo, F.E. & Marques, O.A.V. 2003. Do aglyphous colubrid snakes prey on live amphisbaenids able to bite. Phyllomedusa 2: 113-114. Bérnils, R.S., Batista, M.A. & Bertelli, P.W. 2001. Cobras e lagartos do Vale: levantamento das espécies de Squamata (Reptilia, Lepidosauria) da Bacia do Rio Itajaí, Santa Catarina, Brasil. Revista de Estudos Ambientais 3: 69-79. Bizerra A.F. 1998. História natural de Tomodon dorsatus (Serpentes, Colubridae). Dissertação de Mestrado,Universidade de São Paulo, São Paulo, 102 p. Bizerra, A.F., Marques, O.A.V. & Sazima I. 2005. Reproduction and feeding of the colubrid snake Tomodon dorsatus from south-eastern Brazil. Amphibia-Reptilia 26: 33-38. Dixon, J.R., Wiest, J.A. & Cei, J.M. 1993. Revision of the tropical snake Chironius Fitzinger (Serpentes, Colubridae). Museo Regionale di Scienze Naturali. Monografie. 13: 209-221. Gans, C. 1975. Reptiles of the World. The Ridge Press., Inc. New York, 159 p. Greene, H.W., Rodríguez, J.J.S. & Powell, B.J. 2006. Parental Behavior in Anguid Lizards South American Journal of Herpetology 1: 9-19.

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