Juliana do Couto Bemfica 3 Assessora do Centro de Desenvolvimento e Estudos da Prodabel



Documentos relacionados
Desenvolve Minas. Modelo de Excelência da Gestão

Pedagogia Estácio FAMAP

Prof a Lillian Alvares. Faculdade de Ciência da Informação Universidade de Brasília. Gestão da Informação

Planejamento Estratégico Setorial para a Internacionalização

POLÍTICA DE INVESTIMENTO RESPONSÁVEL E DE RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

CURSO: EDUCAR PARA TRANSFORMAR. Fundação Carmelitana Mário Palmério Faculdade de Ciências Humanas e Sociais

Como se viu, a base dessa estruturação foram os Eixos Referenciais, que passaremos a descrever:

7 etapas para construir um Projeto Integrado de Negócios Sustentáveis de sucesso

O USO DA INFORMAÇÃO DE CUSTOS NA BUSCA PELA EXCELÊNCIA DA GESTÃO PÚBLICA

REFERÊNCIA Transporte Rodoviário Agenda Setorial 2012 Acompanhamento/Monitoramento da política pública de transporte rodoviário

CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES Niterói RJ: ANINTER-SH/ PPGSD-UFF, 03 a 06 de Setembro de 2012, ISSN X

Redes de políticas: novos desafios para a gestão pública

PROGRAMA DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO E TECNOLÓGICO CONSELHO DIRETOR

Proposta de Curso de Especialização em Gestão e Avaliação da Educação Profissional

Gestão das Unidades de Prevenção Social à Criminalidade Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade Funções e atribuições dos Gestores Sociais

O Uso da Inteligência Competitiva e Seus Sete Subprocessos nas Empresas Familiares

Gestão e estratégia de TI Conhecimento do negócio aliado à excelência em serviços de tecnologia

Reestruturação da CPE

Projeto de Gestão pela Qualidade Rumo à Excelência

Introdução. Gerência de Projetos de Software. Sumário. Sistemas de Informação para Processos Produtivos

Cultura do Planejamento Estratégico e Gestão do Desempenho

Planejamento estratégico

AUTONOMIA GERENCIAL PARA UNIDADES PÚBLICAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS DO SUS: OPORTUNIDADE E NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO

Política de Logística de Suprimento do Sistema Eletrobrás. Projeto IV.11

Texto para discussão. Desenvolvimento profissional dos integrantes da carreira de EPPGG

Desafios para a gestão escolar com o uso de novas tecnologias Mariluci Alves Martino

Política de Sustentabilidade das Empresas Eletrobras

ANEXO II DOS TERMOS DE REFERÊNCIA

Política de Eficiência Energética das empresas Eletrobras

ANEXO 1 PROJETO BÁSICO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E ORGANIZACIONAL DE ENTIDADES CIVIS DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Necessidade e construção de uma Base Nacional Comum

PROFESSOR PEDAGOGO. ( ) Pedagogia Histórico-Crítica. ( ) Pedagogia Tecnicista. ( ) Pedagogia Tradicional. ( ) Pedagogia Nova.

I Efetivação do compromisso social do IFAL com o Estado de Alagoas;

Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência Parte 3

NORMA BRASILEIRA DE CONTABILIDADE TÉCNICA DO SETOR PÚBLICO NBCT (IPSAS)

POLÍTICA DE SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL DAS EMPRESAS ELETROBRAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) ROSALENA BARBOSA MOTA

Engenharia de Software e Gerência de Projetos Prof. Esp. André Luís Belini Bacharel em Sistemas de Informações MBA em Gestão Estratégica de Negócios

Síntese do Projeto Pedagógico do Curso de Sistemas de Informação PUC Minas/São Gabriel

DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE) Bom-dia, Excelentíssimo. Senhor Ministro-Presidente, bom-dia aos demais integrantes

NORMA ISO Sistemas de Gestão Ambiental, Diretrizes Gerais, Princípios, Sistema e Técnicas de Apoio

CP 013/14 Sistemas Subterrâneos. Questões para as distribuidoras

PROGRAMA: GRAVIDEZ SAUDÁVEL, PARTO HUMANIZADO

PRODUTOS DO COMPONENTE Modelo de Gestão Organizacional Formulado e Regulamentado

Acesse o Termo de Referência no endereço: e clique em Seleção de Profissionais.

REGULAMENTO DO NÚCLEO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO DAS LICENCIATURAS (NEPEx LICENCIATURAS) DO INSTITUTO FEDERAL GOIANO

Processos de gerenciamento de projetos em um projeto

DIÁLOGOS PARA A SUPERAÇÃO DA POBREZA

Planejamento e Gestão Estratégica

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

Elaboração e Avaliação de Projetos Sociais. Prof. Lucas Henrique da Luz lhluz@unisinos.br Telefone:(51)

LISTA DE VERIFICAÇAO DO SISTEMA DE GESTAO DA QUALIDADE

OS CANAIS DE PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO PÓS LDB 9394/96: COLEGIADO ESCOLAR E PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

REGULAMENTO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO INTRODUÇÃO

POLÍTICA DE RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA À DISTÂNCIA SILVA, Diva Souza UNIVALE GT-19: Educação Matemática

GESTÃO ESTRATÉGICA DO MP-GO

A nova visão da. Contabilidade Aplicada ao Setor Público

Educação ambiental na gestão das bacias hidrográficas

Gestão da produtividade nas empresas. Productivity management in enterprises

Diferenciação de Valor

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA PIBID ESPANHOL

A Sustentabilidade e a Inovação na formação dos Engenheiros Brasileiros. Prof.Dr. Marco Antônio Dias CEETEPS

O Projeto Pedagógico Institucional e Projeto Pedagógico do Curso

PLANEJAMENTO OPERACIONAL - MARKETING E PRODUÇÃO MÓDULO 16 AS QUATRO FASES DO PCP

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO GESTÃO ESCOLAR INTEGRADORA LATO SENSU MANUAL DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO OBRIGATÓRIO

Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática versus Estágio Supervisionado

da Qualidade ISO 9001: 2000

PROGRAMA DE EXTENSÃO PROEX

O PAPEL DA ERGONOMIA NO DESIGN DE INTERIORES

Apresentação do Curso

Fanor - Faculdade Nordeste

ADMINISTRAÇÃO GERAL GESTÃO DE PROCESSOS

PROJETO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL. Projeto 914 BRA PRODOC-MTC/UNESCO DOCUMENTO TÉCNICO Nº 03

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO DE CURSO INTRA-UNIDADE

Precondições de uma Democracia Eletrônica - o LabFUST e a universalização do acesso aos serviços de telecomunicações 1

DIRETRIZES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM MARCO REGULATÓRIO DO VÍDEO SOB DEMANDA Minuta de resolução do Conselho Superior de Cinema Dezembro de 2015

ESTRUTURA DE GERENCIAMENTO DO RISCO OPERACIONAL DO BANCO COOPERATIVO SICREDI E EMPRESAS CONTROLADAS

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA

Capítulo 2. Processos de Software Pearson Prentice Hall. Todos os direitos reservados. slide 1

ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS DE REDE

ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA

7 perguntas para fazer a qualquer fornecedor de automação de força de vendas

ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA DA ORDEM PÚBLICA 1

???? OBJETIVOS GERAIS DA DISCIPLINA OBJETIVOS ESPECÍFICOS DA DISCIPLINA

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

CAPITAL DE GIRO: ESSÊNCIA DA VIDA EMPRESARIAL

Alternativas de Modelo Institucional e Gerencial

Perspectivas dos serviços financeiros sobre o papel e o impacto real da nuvem

22/02/2009. Supply Chain Management. É a integração dos processos do negócio desde o usuário final até os fornecedores originais que

Saiba mais sobre o histórico do Projeto Gestão por Competências no Ministério da Saúde.

Educação Patrimonial Centro de Memória

DIMENSÃO ESTRATÉGICA DO PPA

Conceitos Básicos de Rede. Um manual para empresas com até 75 computadores

INTEGRAÇÃO DE MÍDIAS E A RECONSTRUÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

ASSISTÊNCIA SOCIAL: UM RECORTE HORIZONTAL NO ATENDIMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS

PROJETO DO CURSO INICIAÇÃO AO SERVIÇO PÚBLICO

Universidade Federal de Goiás UFG Campus Catalão CAC Departamento de Engenharia de Produção. Sistemas ERP. PCP 3 - Professor Muris Lage Junior

São Paulo, 04 de setembro de Bom dia, Senhoras e Senhores:

Transcrição:

Informática Pública e Reforma Administrativa 1 Eugênia Bossi Fraga 2 Diretora-presidente da Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte S/A - Prodabel Juliana do Couto Bemfica 3 Assessora do Centro de Desenvolvimento e Estudos da Prodabel Nazaré Lopes Bretas 4 Assessora do Centro de Desenvolvimento e Estudos da Prodabel PALAVRAS-CHAVE Informática pública Política de informação Gestão de informação governamental Administração pública RESUMO O artigo analisa os desdobramentos, para a informática pública, dos processos de reforma administrativa em contexto de configuração de um ethos privatista de relações entre Estado e sociedade. São destacados os aspectos relativos à cultura organizacional, tanto das instituições responsáveis pela informática pública como da máquina pública em geral, como herança a ser considerada nos processos de planejamento e gestão da implantação de políticas de informação governamental. Busca-se identificar as especificidades da informática pública, que podem e devem ser enfatizadas como contraposição às diretrizes que orientam a perspectiva privatista. 1. INTRODUÇÃO No contexto de reforma administrativa, em andamento em diversos municípios brasileiros, é oportuna a reflexão sobre os rumos da informática pública. A despeito da exigüidade de políticas explícitas de informação governamental, o 1 Este trabalho representa um acúmulo de discussões e reflexões acerca da inserção da informática pública no processo da Reforma Administrativa da Prefeitura de Belo Horizonte, a partir de dezembro de 2000. 2 E-mail: ebossi@pbh.gov.br 3 E-mail: juliana@pbh.gov.br 4 E-mail: nazare@pbh.gov.br 11

Eugênia Bossi Fraga, Juliana do Couto Bemfica e Nazaré Lopes Bretas setor público sofre hoje uma forte pressão para melhorar suas condições de produção de informação, sob argumentos de aumento da sua eficiência e transparência. No entanto, é possível observar que, muitas vezes, o fascínio exercido pela inovação tecnológica se sobrepõe à efetiva vontade política de estabelecer sistemas de informação pública que permitam viabilizar recursos para a melhoria na prestação geral dos serviços públicos e ampliação da participação política e da transparência governamental. Nesse sentido, observa-se também um processo de rebaixamento da relevância das instituições de informática pública como partícipes na discussão das questões informacionais e como agente de preservação do caráter público do setor governamental e das relações entre Estado e sociedade. A questão da informática pública apresenta-se hoje, sobretudo, como uma questão relacionada com a preservação do sentido público das atividades governamentais e com a preservação de um acervo vivo de conhecimento específico sobre o setor público representado por um quadro funcional capacitado para lidar com as especificidades deste. Do ponto de vista da competência tecnológica consubstanciada nesse acervo, que constitui a história de cada uma das instituições de informática pública, sua substituição por recursos, bens e serviços oriundos do setor privado reflete a subsunção ao movimento privatista explícita ou implicitamente imposto, a partir da consideração da problemática do setor público como algo cuja solução é a via única representada pela adoção de um modelo neoliberal de Estado e do modo gerencial de administrar que, gradualmente, transforma cidadãos que, às vezes, nem chegaram a sê-lo em consumidores. Nesse sentido, a preservação de uma informática pública associa-se às possibilidades de implementação de um sistema de informação pública pautado por valores contra-hegemônicos, estabelecidos segundo uma política de informação cujas formulações resultam, não de uma equipe de tecnocratas, mas da articulação de atores sociais comprometidos com princípios democráticos e com a implantação de sistemas informativos que resultem na ampliação quali-quantitativa das demais atividades do setor público. Se esta é a direção desejada, torna-se necessário estabelecer estratégias de articulação entre as entidades responsáveis pela informática pública com vistas à identificação de pontos que possam configurar uma contra-hegemonia ao movimento de desmonte do Estado. 2. POLÍTICA DE INFORMAÇÃO E REFORMA ADMINISTRATIVA As instituições de informática pública carregam uma tradição, amplamente criticada, de isolamento e prepotência no estabelecimento de soluções de sistemas 12

Informática Pública e Reforma Administrativa de informação e de sobrevalorização do conhecimento requerido para atuar com as tecnologias informacionais. Uma das conseqüências desse tipo de tradição é a excessiva importância atribuída ao componente inanimado dessa tecnologia, hoje sintetizada na fetichização das redes, particularmente a Internet, e dos aplicativos gerais. O setor público por sua vez, portador de uma tradição burocrática e organizado segundo uma estrutura funcional estanque e fragmentada, encontra-se pressionado a adotar modelos gerenciais de administração, 5 que são pautados por uma lógica diversa da anterior, tanto em termos da forma de organização, como em termos dos objetivos pretendidos. Em qualquer dos casos, a informação é uma précondição tanto para o seu funcionamento quanto para a colimação dos seus objetivos, embora, em cada um deles, sejam diferentes as demandas informacionais. Nesse sentido, é importante ter em mente que o setor público, ao levar a efeito um processo de mudança administrativa, não se desfaz da sua herança isolacionista e fragmentada de um dia para o outro. A essa herança agregam-se ainda o aumento da complexidade e urgência das demandas por tecnologia em uma administração pública recém-reorganizada, ávida por resultados que viabilizem maior integração sistêmica de suas funções e a melhoria do acesso a informações. Até a década de 90, a conjunção de características da instituição de informática pública com as do setor público orientou a formulação de projetos para aplicação de tecnologias de informação, que estiveram, via de regra, subordinados ao duplo processo de isolamento (dos profissionais de informática em relação aos usuários e dos diversos setores integrantes da máquina pública) e, ao mesmo tempo, ao processo contraditório de centralização tecnológica 6 e fragmentação temática. 7 Um dos resultados dessa dinâmica foi a baixa integração dos bancos de dados até então implementados para os diversos fragmentos, refletindo a estanqueidade e verticalidade da estrutura da administração pública vigente. Um outro resultado que reflete a perspectiva formalista sobre os requisitos dos sistemas de informação desenvolvidos, foi o enfoque no processamento e controle de transações específicas a cada setor, obscurecendo as possibilidades de se pensar no acervo de informações que estava sendo produzido, como acervo passível de atender a demandas extra-setoriais adicionais. A carência de dados além daqueles estritamente necessários para viabilizar o funcionamento específico do setor é, ainda hoje, um sinal evidente que, a despeito do tempo transcorrido desde o início do processo de mudança, as tradições e heranças mencionadas ainda se fazem presentes. Pela dificuldade de integração entre dados produzidos para cada setor específico, os processos de planejamento necessários para a gestão pública foram desenvolvidos apoiados no suprimento ad hoc de suas necessidades de informação. 5 Não se pretende discutir aqui as premissas e as conseqüências dos modelos gerenciais na administração pública, o que, por si só, seria objeto de artigo específico. 6 Das instituições de informática. 7 Fragmentação setorial e, por vezes, espacial, dos órgãos da administração pública com seus processos informativos próprios. 13

Eugênia Bossi Fraga, Juliana do Couto Bemfica e Nazaré Lopes Bretas A década de 90 marcou uma fase de diversas mudanças em relação ao quadro descrito. Entre elas é importante destacar a generalização do uso de microcomputadores interligados em redes, a disseminação da Internet para uso extra-acadêmico, a pressão para a adoção, pelo setor público, de modelos gerenciais de administração e a colocação da discussão sobre a democracia, 8 com impactos iniciais significativos em relação ao acesso à informação do setor público. Essas mudanças fizeram emergir a demanda pela agregação de valor às informações brutas, não apenas para apoio à administração e ao Governo na formulação das políticas públicas e efetiva prestação de contas, mas também tendo em vista tornálas disponíveis para acesso público. Com isso, e a despeito dos impactos que as heranças mencionadas pudessem ter para as mudanças, os movimentos de reorganização administrativa ensejados e as possibilidades postas pelas novas tecnologias 9 acabaram por oferecer condições para a adoção de uma perspectiva sistêmica mais abrangente, para lidar com a questão da informação no setor governamental. Entretanto, essa é uma oportunidade que, para ser aproveitada, precisa levar em conta tais heranças bem como o fato de não ser este um processo politicamente inocente ou neutro. Se a democracia está entre os valores a serem preservados ou aprofundados, as soluções informacionais devem ser pautadas por valores democráticos. Nesse sentido, a discussão e o estabelecimento de uma política pública de informação governamental precedem a adoção de iniciativas, mesmo sistêmicas, em relação à questão informacional. Seu estabelecimento, em especial quando se trata do poder local, envolve a explicitação e priorização dos destinatários da informação que resulta da ação governamental, seus conteúdos e a estratégia de publicização. Envolve também a definição das prioridades de sua implementação e a fixação das diretrizes para o planejamento de sua gestão. Como política pública, é importante destacar que sua efetividade não resulta apenas de um ato de vontade do governante, mas requer a negociação entre os diversos atores envolvidos e afetados por ela. Como processo que não parte do zero, mas que se inscreve num meio cultural e organizacional pré-dados, o planejamento da gestão informacional tem por desafio negociar, com esse conjunto de atores, as estratégias de produção, atualização, circulação e disseminação da informação. Nessa negociação, um ponto central a ser considerado em relação à informação é o seu caráter dinâmico, não-linear e inter-relacionado com as demais políticas públicas bem como com os processos de planejamento, execução, monitoramento e controle social das ações governamentais, uma vez que a informação é resultado indireto destas. 8 Essa discussão envolve tanto a conceituação de democracia quanto a discussão das possibilidades de instauração de uma democracia direta com base nas novas tecnologias de informação e comunicação, que não são objeto de aprofundamento. 9 Vale registrar que o mercado se apresenta neste cenário como fornecedor de produtos e serviços resultantes da aplicação de tecnologias de ponta, muitas vezes ilusoriamente empacotados como soluções independentes de esforços de revisão de processos e fluxos. 14

Informática Pública e Reforma Administrativa Um planejamento da gestão informacional com essa orientação pressupõe a existência de uma instância interinstitucional, de natureza coordenada, constituída a partir da identificação dos atores relevantes tanto para sua implementação como para a posterior gestão da informação. Pressupõe também o estabelecimento das atribuições e responsabilidades, tanto no nível do detalhamento de projetos como de sua execução. A identificação dos fluxos informacionais, suas origens e destinos, a consideração das necessidades operacionais, gerenciais e estratégicas de Governo e a identificação das necessidades de investimento, formação e capacitação são requisitos para a elaboração de uma arquitetura de informação capaz de consubstanciar as diretrizes da política de informação estabelecida. A fixação de um cronograma que contemple ações de efetivação a curto, médio e longo prazos e o estabelecimento de critérios para acompanhamento e avaliação da gestão informacional com vistas a re-alimentar o planejamento e avaliar se os objetivos pretendidos com a política de informação estão sendo atendidos são aspectos fundamentais. A gestão da informação, em termos regionais ou setoriais, é levada a efeito, na prática, como resultado da convergência entre os parâmetros definidos pelo planejamento da gestão de informação e as necessidades locais do órgão onde a informação é gerada. As possibilidades informativas decorrentes desse processo dependem, entre outros, do quanto a arquitetura da informação, os fluxos informacionais identificados e as dinâmicas de produção, atualização, circulação e disseminação fixadas respondem àquelas necessidades e refletem as ações e os processos geradores da informação. Nos fóruns para a definição da política de informação, a instituição de informática pública inscreve-se como interlocutora; no planejamento da gestão sua atribuição central é o estabelecimento da arquitetura de informação; na gestão da informação governamental, sua atuação relaciona-se com o desenvolvimento dos projetos de aplicação da tecnologia e sua manutenção. Por força da participação nestas instâncias, as instituições de informática pública passam a ter que incorporar, de forma persistente e explicitamente negociada, a (re)configuração do ambiente informacional ensejada pelo quadro de reforma administrativa e inovação tecnológica, potencializando o uso das tecnologias para o processamento, produção, disseminação e acesso às informações. Sob esta perspectiva, as bases tecnológicas disponíveis na administração pública aí entendidos os recursos de hardware, software e, sobretudo, o conhecimento tecnológico/setorial acumulado constituem condição necessária, ainda que não suficiente, para a efetivação da política de informação. Uma outra condição refere-se à reavaliação da forma de atuação em relação às atividades de gestão dos recursos tecnológicos. Evidencia-se a necessidade de enfatizar o estabelecimento e a disseminação de padrões, o partilhamento de re- 15

Informática Pública e Reforma Administrativa cursos tecnológicos e informacionais que facilitem a integração sistêmica das funções de governo, a adoção de estratégias para aplicação desses recursos tendo em vista a ampliação do controle social, melhores resultados das ações de governo e a estruturação de indicadores para avaliação dos impactos dessas tecnologias sobre o desempenho governamental. Isso posto, a reafirmação da vigência de uma informática pública requer a consideração dos seguintes pontos: qualificação do quadro de profissionais para emprego dos recursos tecnológicos e incorporação de novas tecnologias tendo como referência o caráter público do setor governamental, em contraposição ao modelo de consumismo tecnológico que alimenta o mercado das tecnologias de informação; qualificação de quadros da administração pública para o uso desses recursos, com vistas à configuração de uma cultura informacional mais consoante com as mudanças em andamento; desenvolvimento de capacidade crítica para a incorporação de novas tecnologias, a partir de parcerias com o setor privado e com instituições de ensino e pesquisa; desenvolvimento de projetos de aplicação da tecnologia voltados à integração sistêmica das funções governamentais, referenciados em uma arquitetura global de informações; estabelecimento de padrões voltados para ambientes abertos; cooperação com outras instituições do setor público. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS É ilusório imaginar que os impactos para a informática pública de movimentos de reorganização administrativa que alcançam a institucionalização da política de informação sejam triviais, ou restritos a determinada instituição. Embora tendo especificidades locais, o histórico comum de importante conjunto dessas instituições e o caráter prevalente em grande parte dos processos de reorganização estabelecem elementos comuns, cujo equacionamento pode em muito ser subsidiado pela retomada de ações de cooperação entre entidades de informática pública e destas com as instâncias de formulação da política de informação. 16