Procedimento terapêutico multiprofissional de pacientes com fissura labiopalatal: relato de experiência

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Procedimento terapêutico multiprofissional de pacientes com fissura labiopalatal: relato de experiência Multiprofessional therapeutic procedure of patients with cleft lip and palate: report of experience Mariana Flôres de Oliveira (Oliveira, MF) Graduada em Odontologia. Universidade Federal Fluminense UFF Acadêmica Bolsista Hospital Municipal Nossa Senhora do Loreto Email: marianaflores@id.uff.br ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1299-0198 Ana Maria Bezerra Bandeira (Bandeira, AMB) Doutora em Biomateriais IME/COPPE/ UFRJ. Coordenadora de Ensino e Extensão CEE/HESFA/UFRJ. Ortodontista do Hospital Municipal Nossa Senhora do Loreto E-mail: anaband7@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0003-2529-8280 Resumo As fissuras labiopalatinas são malformações congênitas orofaciais que acometem o terço médio da face, ocasionadas pela não fusão dos processos maxilares e palatinos durante a vida intrauterina. A equipe multiprofissional de médicos, odontólogos, enfermeiros, psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas e terapeutas ocupacionais atuam integrados visando o melhor tratamento, desde o diagnóstico intrauterino até a fase adulta. O modelo de cuidado e atenção à saúde de forma integral dão a visão da pessoa como um todo, numa atitude humanizada e com uma abordagem mais ampla e resolutiva. O presente relato visa descrever o atendimento multiprofissional e sua importância no cuidado em um centro de tratamento de deformidades craniofacial. Palavras-chave Fissura palatina, fenda labial, equipe multiprofissional Abstract The cleft lip and palate are orofacial congenital malformations that affect the middle third of the face, caused by the non-fusion of maxillary and palatine processes during intrauterine life. The multiprofessional team of doctors, dentists, nurses, psychologists, speech therapists, nutritionists and occupational therapists are integrated for the best treatment, from intrauterine diagnosis to adulthood. The model of care and health care in an integral way give the vision of the person as a whole, in a humanized attitude and with a broader and more resolute approach. The present report aims to describe the multiprofessional care and its importance in the care in a treatment center of craniofacial deformities. Keywords Cleft palate, cleft lip, multiprofessional team

Introdução As fissuras labiopalatinas (FLP) são malformações congênitas orofaciais que acometem o terço médio da face, podendo envolver palato e/ou lábio. São ocasionadas pela não fusão dos processos maxilares e palatinos durante a vida intrauterina, em média, da sexta a décima semana 1 resultando em uma abertura em lábio e/ou palato. Essa má formação acomete aproximadamente 1/650 nascimentos no Brasil, totalizando 5800 novos casos ao ano 2. Tendo como referência o forame incisivo, as fissuras são classificadas em: fissura pré-forame incisivo, divididas em unilateral, bilateral e mediana; fissura transforame incisivo, são as de maior gravidade, também são divididas unilateral ou bilateral, envolvendo lábio, arcada alveolar e todo o palato; fissura pós-forame incisivo, são palatinas e em geral medianas, que podem situar-se apenas em úvula, ou demais partes do palato duro e mole 1. No Brasil, a prevalência varia entre 11,89/10.000 e 3,09/10.000 nascidos, dependendo da região geográfica 3. A etiologia ainda é controversa na literatura e o modelo mais aceito é o multifatorial 4. Alguns fatores podem estar relacionados à etiologia, como: hereditariedade, alcoolismo e drogas. Outros estudos ainda destacam a relação da idade dos pais com a incidência de fissuras 5. Segundo a Organização Mundial da Saúde, é de grande importância a presença de uma equipe multidisciplinar para reabilitação de forma global do paciente 6. Diante dessas informações, o presente relato teve como objetivo apresentar as atividades observadas na rotina de um centro de atendimento de pacientes com deformidades craniofacial, no intuito de mostrar a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade entre profissionais reabilitadores frente a existência de um protocolo clínico de atendimento. Metodologia Descrição de aspectos observados e vivenciados com olhar qualitativo. Período da experiência, março a novembro de 2017 no centro situado na cidade do Rio de Janeiro, tendo como embasamento produções científicas publicadas entre 2002 a 2012. Utilizou-se das seguintes técnicas: observação estruturada 7 (pesquisador participante), participação nas atividades clínicas/gerenciais e análise da estrutura física do centro, que consistia em consultórios individuais, próximos entre si para facilitar a comunicação e interação entre os profissionais. Dentre estas atividades destacaram-se: acompanhar a rotina de atendimento no ambulatório multiprofissional,principalmente o de odontologia, no qual foram acompanhados, em média, 4.800 atendimentos nas diversas especialidades, sendo esses pacientes incluídos às outras especialidades; presenciar consultas multiprofissionais, assim como conhecer e conversar com os profissionais especialistas.

Relato das atividades multiprofissionais Durante o período das atividades na clínica odontológica do centro de atendimento de pessoas com deformidades craniofacial, foi vivenciada a multiprofissionalidade de uma equipe composta por: médicos pediatras e cirurgiões plásticos; odontólogos clínicos gerais, protesistas, cirurgião bucomaxilo, odontopediatras e ortodontistas; enfermeiros, psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. Abaixo seguem-se as atividades. Consulta multiprofissional CAT (Consulta de Avaliação Tríplice) A consulta multiprofissional, formada por odontólogo, pediatra, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, cirurgião plástico e fonoaudiólogo, era agendada para os bebês recém-nascidos, mulheres grávidas e pacientes de outras faixas etárias que chegaram ao serviço pela primeira vez ou que estiveram afastados por muito tempo do serviço. Com esta equipe multidisciplinar era possível uma avaliação integral no mesmo local, com plano de tratamento traçado, único e individualizado. Após o preenchimento da ficha e identificado o tipo de fissura, o usuário era encaminhado para as especialidades que iriam atuar na sua reabilitação. Muitas famílias chegavam à essa consulta aflitas, assim, a presença de psicólogos naquele momento era essencial para acalmá-los. O paciente saia da unidade sabendo que teria o amparo multiprofissional ao longo do tratamento. Dentre todas as especialidades presentes no CAT, a assistência social foi a única que não teve sua rotina vivenciada nessa experiência de estágio. Acompanhamento Odontológico A equipe de saúde bucal era composta por onze odontólogos, que se dividem em especialidades como: ortodontia, odontopediatria, bucomaxilofacial, implantodontia e clínico geral. Cada especialidade tem sua importância de acordo com a idade do paciente, ajudando-o a passar por cada etapa do tratamento. Ademais existia na equipe dois protéticos que são responsáveis pelos trabalhos laboratoriais. O primeiro atendimento era feito por um odontólogo e um fonoaudiólogo. Ao chegar, o recém-nascido passava por uma avaliação odontológica onde era diagnosticado a presença ou não de fissura labiopalatina, realizada a classificação e, quando constatado a sua presença envolvendo o palato, era preciso avaliar a necessidade da confecção de uma placa obturadora. Essa placa tinha como objetivo vedar a fissura no palato impedindo a passagem de leite para a cavidade nasal, permitir melhor sucção e alimentação, reposicionar a língua e não permitir que a criança criasse o hábito de acomodá-la no espaço da fissura, além de direcionar o crescimento de ossos e tecidos para a posição correta. O gasto de energia para realizar a sucção do bebê fissurado, que usa placa obturadora, é menor e, assim, favorece uma das condições adequadas para realização de cirurgias reparadoras, o ganho de peso. Na necessidade da placa obturadora, a primeira moldagem era feita pelo odontólogo e na presença do pediatra do hospital. A partir da primeira consulta o bebê com necessidade de placa obturadora, era acompanhado mensalmente para controle do uso da placa e remoldagens eram realizadas caso necessário. Os demais eram marcados de acordo com a rotina de

revisão do setor. Em média, as cirurgias de lábio eram realizadas aos 6 meses de vida, sendo imprescindível que o bebê estivesse bem de saúde e com, ao menos, seis quilogramas. A correção de palato ocorria aos 12 meses de vida. Quando conjugadas, requeriam duas intervenções cirúrgicas: aos 6 meses para fechar o lábio e palato mole, e a segunda para o fechamento do palato duro. Com o acompanhamento longitudinal pela odontologia, quando as crianças chegavam a faixa etária de sete anos e apresentavam descontinuidade de rebordo alveolar, avalia-se a necessidade de uma enxertia óssea pelo ortodontista. Nos atendimentos subsequentes, era avaliada a necessidade de outros tipos de enxertia, além da correção e alinhamento dos dentes, necessidade de próteses dentárias e implantes. Durante toda a vida, o paciente estará coberto pelo atendimento odontológico, independente da especialidade. Acompanhamento médico O atendimento médico era realizado pelas seguintes especialidades: cirurgia plástica, pediatria e otorrinolaringologista. A pediatria ficava responsável por acompanhar todo o desenvolvimento do paciente desde sua chegada ao hospital. A cirurgia plástica atuava reconstituindo a estética facial e contava com o serviço tanto cirúrgico quanto laboratorial. O acompanhamento era realizado desde o nascimento e um plano de tratamento era traçado. Antes das cirurgias eram realizadas reuniões pré-operatórias, que consistia em informar aos responsáveis qual eram as condutas pré, trans e pós-operatórias. Nessa etapa do tratamento havia a parceria com a psicologia que, por meio de bonecos terapêuticos, de forma lúdica, era explicado às crianças como se dava o processo de internação 8. O otorrinolaringologista atuava de forma igualmente importante. Com a fissura labiopalatal, crianças e adultos apresentavam maior tendência a apresentarem problemas de ouvido, nariz e garganta. Isso era explicado pela alteração na tuba auditiva. Como consequência, havia a perda de capacidade auditiva, otites recorrentes, chiado nos ouvidos, alteração e atraso na fala. Acompanhamento da enfermagem A especialidade atuava diretamente com o paciente desde o acolhimento no primeiro dia no hospital. Estavam presentes nas consultas multiprofissionais e nas reuniões pré-operatórias. Logo após o atendimento clínico com a cirurgia plástica e programação da data da correção cirúrgica, era marcado uma entrevista com a enfermagem para orientar sobre as instruções pós-operatórias, assim como tirar qualquer dúvida em relação aos procedimentos. O acompanhamento do póscirúrgico e retirada dos pontos era feito pela enfermagem, que participava do contínuo tratamento do paciente e se relacionava o tempo todo com as outras especialidades para que o acompanhamento fosse completo. Acompanhamento psicológico O papel da psicologia era de extrema importância no que se referia ao auxílio do paciente fissurado e de sua família. Mesmo após a intervenção cirúrgica, sequelas psicossociais tinham repercussão na qualidade de vida dos indivíduos 9. A intervenção psicológica era indispensável desde o primeiro dia de vida 10. Era preciso

que os pais e familiares entendessem o que é a fissura e como iriam se organizar com o bebê. Todo suporte era ofertado ao longo do tratamento, e a conscientização da importância sobre colaboração e participação dos pais durante esse período era reforçada. As crianças só se percebiam diferentes aos cinco anos de idade. Por isso era importante que o acompanhamento já estivesse ocorrendo nesse período, tornando mais fácil para elas passar por essa fase de uma forma mais leve e menos traumática. Acompanhamento da terapia ocupacional As consultas com a terapeuta ocupacional eram mensais até o momento da primeira cirurgia. A terapia ocupacional para os pacientes com fissura, são de extrema importância para que, no momento da intervenção cirúrgica, o bebê estivesse com o desenvolvimento motor compatível com a idade. Na primeira consulta, o profissional testava os reflexos primitivos, estimulava também com sons e movimentos. Se as mães estimulassem as posições incorretas, a força muscular aumentaria não só nas pernas ou braços, aumentaria o tônus global da criança. Isso incluiria a força muscular na boca, local da cirurgia plástica. Pela presença de fissura palatina algumas posições de colo, comuns com qualquer criança, deveriam ser modificadas. Mês a mês o desenvolvimento era acompanhado, assim como a aceitação e a imagem corporal era trabalhada. Juntamente com a psicologia, a terapia ocupacional tinha como função trabalhar com essa criança a sua imagem. A aceitação do diferente por vezes era difícil tanto para a família como para a criança. Acompanhamento fonoaudiológico A presença de fissuras no palato e/ou lábio altera a diretamente a alimentação dos bebês. Com a descontinuidade do palato, não há a pressão suficiente para que seja possível a sucção, impossibilitando a amamentação natural ou artificial com mamadeira, o que aumentava o gasto calórico do bebê na tentativa de sugar e não consegue ter ganho de peso. Nesses casos, o atendimento conjunto entre o fonoaudiólogo e odontólogo eram importantes, pois confeccionavam a placa obturadora para selar o palato e analisavam o reflexo de sucção do paciente. As orientações quanto à correta posição para amamentação eram essenciais. O bebê deveria estar na posição sentada e a mamadeira de forma mais elevada possível, para que o mínimo de ar fosse deglutido. Isto ajudava a evitar também o retorno de algum resíduo de leite pelo nariz, muitas vezes relatado pelas mães. Em casos que só havia fissura no lábio, era analisado se a amamentação estava prejudicada. Era indicado o uso de uma fita adesiva para aproximar os tecidos do lábio que estavam partidos e dessa forma a sucção também era facilitada. Acompanhamento nutricional No primeiro ano de vida, as consultas com a nutricionista são frequentes. Após esse período, vão espaçando-se mais, de acordo com a necessidade de cada bebê. Quando o bebê apresenta fissura no palato e faz uso da placa obturadora, a amamentação natural fica impossibilitada. Muitas mães conseguem tirar o leite materno e, com o uso de mamadeiras, alimentam com o seu próprio leite até o

sexto mês. Porém, em casos que não seja possível usar o leite materno, o leite de fórmula é o mais indicado, e a introdução alimentar antecipada. A orientação aos pais era feita no primeiro dia do bebê dentro do hospital, eles precisam saber a quantidade e frequência já que não é uma amamentação em livre demanda. Antes da consulta, todos os pacientes eram pesados e medidos pela enfermagem. Até os seis meses de vida, anotado no prontuário o peso, altura, a quantidade de mililitros que o bebê estava mamando e o relato dos responsáveis quanto à dieta. Se, com todas as orientações e dieta definida não houvesse ganho de peso, as consultas passavam a ser mensais. Se tudo estivesse bem, depois da primeira consulta o retorno era previsto para 3 a 4 meses. Nesse segundo momento era iniciada a introdução alimentar. Nessa fase havia muitas dúvidas dos responsáveis, por isso era entregue um guia de orientações bem explicado e anotado com o tipo de alimentos, quantidade, modo de preparo e frequência. Chegado o momento da cirurgia plástica, a nutricionista introduzia na dieta o suplemento de proteína. É um protocolo utilizado para fortalecer os músculos próximos à área a ser operada e ter um melhor pós-operatório. Considerações finais A partir dessa experiência no estágio curricular não obrigatório, foi constatada a extrema importância da multiprofissionalidade. Todo planejamento do tratamento de cada paciente, respeitando suas individualidades precisa ser realizado por uma equipe qualificada e preparada para atendê-los. O acompanhamento integral e longitudinal resulta em uma melhor reabilitação tornando o tratamento mais resolutivo. Dessa forma, é restabelecido não só a saúde, mas também a qualidade de vida desses pacientes. Essa interelação entre os diferentes profissionais que veem a pessoa como um todo torna o atendimento muito mais humanizado, devendo se tornar realidade em todos os serviços semelhantes, visto o quanto é positivo esse modelo de assistência à saúde. Referência bibliográfica 1. Cymrot, M. et al.prevalência dos tipos de fissura em pacientes com fissuras labiopalatinas atendidos em um hospital pediátrico do nordeste brasileiro. Rev. Bras. Cir. Plást 2010;25(2):648-651 2. Lisbôa,P.K, Rocha,V.P;Pini,R.Fissura lábio-palatal: uma revisão de literatura. 3. Kuhn, V.D. et al. Fissuras labiopalatais: revisão de literatura. Disciplinarum Scientia 2012;13(2):237-245 4. Bueno, D.F. O uso de células tronco adultas para o estudo da etiopatogenia das fissuras labio palatinas e bioengenharia de tecidos.tese (Doutorado). São Paulo: Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo; 2007.

5. Lofredo, L. C. M., Freitas, J. A. S., Grigolli, A. A. G. Prevalência de fissuras orais de 1975 a 1994. Revista de Saúde Pública 2001;6(35):571-5. 6. Augusto, H. da S, Bordon, A.K.C.B., Duarte, D.A. Estudo da fissura labiopalatal. Aspectos clínicos desta malformação e suas repercusões.considerações relativas à terapêutica. J BrasOdontopediatriaOdontol Bebê set/out. 2002;5(27):432-436 7. Quivy, R, Campenhoudt, L. Manual de investigação em Ciências Sociais. 3 a Edição. Lisboa; Gradiva; 2003. 8. Guia de Orientação do Centro de Tratamento de Fissuras Labiopalatais.Coordenação do CEFIL - Rio de Janeiro:SMSDC,2012. 9. Graciano, M.I.G, Spósito, C. A pessoa com fissura labiopalatina: conhecimento e concepção sobre deficiência. ArqCiêncSaúde out-dez 2011;18(4):143-15. REVA Acad. Rev. Cient. da Saúde Rio de Janeiro, RJ v.4 n.1 p. 22-28 janj./abr. 2019