Literatura e suportes contemporâneos: algumas questões e um relato espantoso 1



Documentos relacionados
Redação do Site Inovação Tecnológica - 28/08/2009. Humanos aprimorados versus humanos comuns

MÓDULO 5 O SENSO COMUM

5 Dicas Testadas para Você Produzir Mais na Era da Internet

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação


CENTRO HISTÓRICO EMBRAER. Entrevista: Eustáquio Pereira de Oliveira. São José dos Campos SP. Abril de 2011

Papo com a Especialista

Transcriça o da Entrevista

Educação Patrimonial Centro de Memória

APRESENTAÇÃO. Por que foca?

Os desafios do Bradesco nas redes sociais

05/12/2006. Discurso do Presidente da República

Objetivo principal: aprender como definir e chamar funções.

E-book Grátis Como vender mais?

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

1º Domingo de Agosto Primeiros Passos 02/08/2015

JOSÉ DE SOUZA CASTRO 1

O sucesso de hoje não garante o sucesso de amanhã

18/11/2005. Discurso do Presidente da República

Capítulo II O QUE REALMENTE QUEREMOS

A Maquina de Vendas Online É Fraude, Reclame AQUI

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

APÊNDICE. Planejando a mudança. O kit correto

MÍDIAS NA EDUCAÇÃO Introdução Mídias na educação

Entrevista exclusiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao SBT

1. Preconceito e discriminação, 14 Homofobia, 17

ED WILSON ARAÚJO, THAÍSA BUENO, MARCO ANTÔNIO GEHLEN e LUCAS SANTIGO ARRAES REINO

Meu nome é José Guilherme Monteiro Paixão. Nasci em Campos dos Goytacazes, Norte Fluminense, Estado do Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 1957.

A formação moral de um povo

Existe espaço para os covers mostrarem seus trabalhos? As pessoas dão oportunidades?

Imagens Mentais Por Alexandre Afonso

UNIDADE I OS PRIMEIROS PASSOS PARA O SURGIMENTO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO.

Consumidor e produtor devem estar

Guia Prático ORGANIZAÇÃO FINANCEIRA PARA BANCAR A FACULDADE

ALEGRIA ALEGRIA:... TATY:...

Inteligência emocional ajuda a conquistar vagas de liderança

Transcrição de Entrevista n º 24

MALDITO. de Kelly Furlanetto Soares. Peça escritadurante a Oficina Regular do Núcleo de Dramaturgia SESI PR.Teatro Guaíra, no ano de 2012.

BEM-VINDA!!

E Entrevistador E18 Entrevistado 18 Sexo Masculino Idade 29anos Área de Formação Técnico Superior de Serviço Social

ações de cidadania Atendimento direto ECE-SP recebe a comunidade com equipe qualificada e atividades orientadas Revista Linha Direta

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Como escrever melhor em 5 passos simples

O impacto das emoções na nossa vida GET-PE

JORNADA DE COMPRA. O que é e sua importância para a estratégia de Marketing Digital VECTOR

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Educação Ambiental: uma modesta opinião Luiz Eduardo Corrêa Lima

Gestão diária da pobreza ou inclusão social sustentável?

Desvios de redações efetuadas por alunos do Ensino Médio

POR QUE SONHAR SE NÃO PARA REALIZAR?

MEU PLANO DE AÇÃO EM MASSA 7 PASSOS PARA UM INCRÍVEL 2015!

Programa de Português Nível A2 Ensino Português no Estrangeiro. Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, IP

Estudo Exploratório. I. Introdução. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Pesquisa de Mercado. Paula Rebouças

22/05/2006. Discurso do Presidente da República

COMO TER TEMPO PARA COMEÇAR MINHA TRANSIÇÃO DE CARREIRA?

Evangelização Espírita Ismênia de Jesus Plano de Aula 1º Ciclo. Título: Reencarnação

personal cool brand anouk pappers & maarten schäfer

5 DICAS DE GESTÃO EM TEMPOS DE CRISE. Um guia prático com 5 dicas primordiais de como ser um bom gestor durante um período de crise.

Encontros de vida que se faz vivendo.

A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NA ESCOLHA DA PROFISSÃO Professor Romulo Bolivar.

COMUNIDADE TRANSFORMADORA UM OLHAR PARA FRENTE

como a arte pode mudar a vida?

Top Guia In.Fra: Perguntas para fazer ao seu fornecedor de CFTV

Futuro Profissional um incentivo à inserção de jovens no mercado de trabalho

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

(PI): 01 - O 01 (A1):

Meu nome é Rosângela Gera. Sou médica e mãe de uma garotinha de sete anos que é cega.

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, R.J.

Como planejar a sua carreira profissional

INDICE Introdução 03 Você é muito bonzinho 04 Vamos ser apenas amigos dicas para zona de amizade Pg: 05 Evite pedir permissão

Mostra Cultural 2015

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

Entrevista Noemi Rodrigues (Associação dos Pescadores de Guaíba) e Mário Norberto, pescador. Por que de ter uma associação específica de pescadores?

SAMUEL, O PROFETA Lição Objetivos: Ensinar que Deus quer que nós falemos a verdade, mesmo quando não é fácil.

Os rumos do Marketing

COMO GERAR LEADS SEM GASTAR NENHUM CENTAVO

UNIDADE 2: APRENDENDO A BRILHAR REVISÃO E CELEBRAÇÃO PARA PEQUENOS GRUPOS

FILOSOFIA SEM FILÓSOFOS: ANÁLISE DE CONCEITOS COMO MÉTODO E CONTEÚDO PARA O ENSINO MÉDIO 1. Introdução. Daniel+Durante+Pereira+Alves+

A escola para todos: uma reflexão necessária

FORMAÇÃO DE JOGADORES NO FUTEBOL BRASILEIRO PRECISAMOS MELHORAR O PROCESSO? OUTUBRO / 2013

30/04/2009. Entrevista do Presidente da República

Estudo x trabalho: aprenda a vencer a rotina de atividades rumo ao sucesso

Assunto: Entrevista com a primeira dama de Porto Alegre Isabela Fogaça

RELATÓRIO MESA REVOLVER DESIGN (PESQUISA)

Gênero em foco: CARTA PESSOAL


Guia Prático para Encontrar o Seu.

1.000 Receitas e Dicas Para Facilitar a Sua Vida

Obrigado por baixar esse PDF, espero que possa te ajudar!

ADVOCACIA CRIATIVA. Hotel Laghetto Viverone Moinhos Porto Alegre, 06 de Novembro de 2015 Leonardo Barém Leite

Guia de Discussão Série Eu e meu dinheiro Episódio: Duas vezes Judite

Deus: Origem e Destino Atos 17:19-25

Estudo de Caso. Cliente: Rafael Marques. Coach: Rodrigo Santiago. Duração do processo: 12 meses

Dicas para investir em Imóveis

2015 O ANO DE COLHER ABRIL - 1 A RUA E O CAMINHO

Pesquisa x Pesquisa. do Setor Editorial Brasileiro revelou uma venda de quatro bilhões de reais em livros, com

Respostas dos alunos para perguntas do Ciclo de Debates

Desafio para a família

Transcrição:

Literatura e suportes contemporâneos: algumas questões e um relato espantoso 1 Ricardo Azevedo 2 Antes de mais nada, gostaria de tentar desfazer uma confusão. Nos dias de hoje, a ideia de interatividade costuma ser apresentada como uma espécie de chave milagrosa capaz de abrir as portas de um futuro repleto de experiências e aprendizados. Não creio nisso. Ao contrário, a tal da interatividade me lembra mais o que o filósofo John Searle chamou de frases feitas : aquelas que nos ajudam a abandonar nossos problemas antes de resolve-los. É preciso ser claro: uma coisa é interatividade ; outra bem diferente é diálogo. Bakhtin já nos ensinou isso faz tempo. E os pensadores gregos há mais tempo ainda. Como sabemos, para que o diálogo se configure é necessário, em suma, que haja um descontrole espontâneo, essencial e estruturador. A partir de dois que dialogam surge uma terceira coisa, diferente da soma do que foi dito pelas duas partes e, muitas vezes, essa coisa é inesperada, contraditória e impredizível. A interação, como nos é apresentada pelos suportes contemporâneos, nada mais é do que um jogo de cartas marcadas. Tratase de um simples discurso monológico fazendo-se passar por diálogo. Se todo diálogo é, de fato, uma interação, acreditar que toda a interação corresponda a um diálogo não passa de um ingênuo e lamentável equívoco. 1 Artigo publicado em Tânia Rösing e Fabiane Burlamaque (org.), Literatura para crianças e jovens Por um novo pensamento crítico. Editora Universidade de Passo Fundo UPF, 2013. ISBN 978-85- 7515-807-4. Escrito a partir de participação na mesa redonda Simpósio Literatura, signos e suportes contemporâneos durante a 14ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo 25 de Agosto de 2011. 2 Escritor e doutor em Letras pela Universidade de São Paulo 1

Nossas crianças e jovens, têm convivido, por meio de computadores, internets e recursos tecnológicos afins, com uma montanha de atividades e programas interativos. Na forma em que estão formatados, não creio que eles ajudem muito se pensarmos num processo de formação e de aprendizado consistente. Pelo contrário, minha sensação é a de que tais programas e atividades constituem uma importante contribuição para isolar, alienar e domesticar nossas crianças e jovens. Ano passado, fui convidado a dar uma entrevista ao vivo num programa da TV Cultura. Assim que cheguei no estúdio, o jovem e simpático apresentador me alertou que o programa era dirigido a pessoas da geração Y. Confesso que não entendi. Ele então me explicou que tratava-se de uma geração que cresceu com o computador e que tinha o costume de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Segundo o apresentador, boa parte dos espectadores estava ainda no trabalho diante de computador o programa começava às 19hs e faria suas perguntas pela internet enquanto trabalhava. E veio com um pedido inesperado: por favor, não se profunde nos assuntos porque o pessoal da geração Y não gosta disso. Prefere pegar as coisas no ar e depois, construir sua opinião, cada um por si, consultando o google. (!). Preciso dizer que foram as perguntas mais banais e medíocres que recebi em toda a minha vida. Besteirol é uma palavra boa para definir o referido programa e seu incauto e literalmente descolado público. Refiro-me a um descolamento que implica a substituição da vida humana concreta, situada e dialógica pela virtualidade e pela interatividade. Vale informar que o público do programa era formado predominantemente por jovens adultos na faixa dos 20 aos 30 anos. 2

Fato é que, por causa da internet e afins, nunca estivemos tão expostos a tanta quantidade de informações. Tampouco tivemos antes a oportunidade de estabelecer um número tão grande de relacionamentos. Diante de tamanho volume de informações, como separar as que realmente importam para poder pensar sobre elas e, a partir daí, tirar alguma conclusão relevante? Diante de tantas possibilidades de relacionamento, com construir um contato humano um pouco mais profundo e significativo? Na verdade, ao que tudo indica, a tendência à superficialidade e à falta de pensamento crítico parece ser parte marcante do modelo cultural em voga na atualidade. A razão é simples. O pensamento crítico demanda necessariamente conhecimento, aprofundamento, análise, reflexão e corresponde a um processo lento que exige trabalho concentrado, tempo e persistência. Sua construção implica, em outras palavras, padrões de longa duração. Da mesma forma, situações banais, mas muito importantes na vida humana concreta como, por exemplo, o estabelecimento de relações sexoafetivas, de amizades e parcerias, de famílias, de hábitos pessoais, de cuidados com a saúde e com o corpo, assim como o desenvolvimento de profissões e carreiras, sem falar na construção do nosso acervo de conhecimento e no nosso próprio amadurecimento pessoal correspondem, na maioria quase absoluta das vezes, a padrões de longa duração, ou seja, implicam processos densos, longos e lentos. Em geral, viver significa lidar com um processo de longa duração. Aliás, o mesmo ocorre com a chamada formação do leitor. 3

Ler implica um lento e contínuo processo de aprendizado, o desenvolvimento de um foco mental individual, o desenvolvimento da capacidade de concentração, disciplina, aprofundamento, persistência e trabalho sistemático. Justamente por essa razão, a leitura é tão prazerosa e tem o dom de ampliar nosso conhecimento e nosso pensamento crítico aprimorando dessa forma quem nós somos. O prazer da leitura, enfim, não cai do céu mas, sim, nasce da concentração e do trabalho. Nada a ver com virtualidades e interatividades fragmentadas que, ao contrário, tendem a nos fazer reinventar a roda abarrotados de ingênua presunção sem enxergar o monte de problemas à nossa volta que nem de longe foram solucionados. Pincei, aqui e ali, no livro A cultura do narcisismo. A vida americana numa era de esperanças em declínio, do cientista social Christopher Lasch, obra que recomendo, dados que nos ajudam a descrever o homem produzido pelo modelo cultural hegemônico nos dias de hoje 3 : o viver para si, não para os que virão a seguir ou para a posteridade (o que implicaria, segundo Lash, na perda do sentido de continuidade histórica e no desinteresse pelo futuro); o isolamento do eu e o vazio interior ; o culto da saúde mental, segundo Lasch a destruição de inibições e a imediata gratificação de qualquer impulso ; a valorização da popularidade do modo confessional (que mistura o público e o privado: Big Brother? Revista Caras?); 3 C.f. LASCH, Christopher. A cultura do narcisismo. A vida americana numa era de esperanças em declínio. Rio de Janeiro, Imago, 1983. 4

o culto da celebridade ( a mídia dá substância e (...) intensifica os sonhos narcisistas de fama e glória, encoraja o homem comum a identificar-se com as estrelas e a odiar o rebanho e torna cada vez mais difícil (...) aceitar a banalidade da existência cotidiana ); a crença de que a sociedade não tem futuro (devido a uma incapacidade narcisista de identificar-se com a posteridade ou de sentir-se parte do fluxo da história ); a organização da vida privada de acordo com as exigências das grandes organizações (marketing pessoal, o meu mercado, horários e calendários ditados por interesses comerciais, festas tendo em vista fazer relações públicas etc.) e, ainda, a tentativa de vender a própria imagem como mercadoria e com valor de mercado, entre muitas outras características bastante corriqueiras e facilmente verificáveis na vida social contemporânea. No modelo descrito acima, surge sempre um cara que diz: e daí que a água vai acabar daqui a 50 anos? Até lá eu já morri!. Heidegger, faz tempo, já perguntava: Será que a cultura técnica e por conseguinte a própria técnica contribui em geral, e se assim em que sentido, para a cultura humana (...) ou arruína-a e ameaça-a? 4 Sua conclusão é a de que o objetivo final de ciência e técnica seria extrair e tornar útil de forma controlada e ilimitada, a energia da natureza. Como o homem é parte da natureza, de dono da técnica e da ciência passa, pouco a pouco, a ser mero objeto das duas. Em resumo, para o filósofo, o princípio da técnica teria adquirido autonomia e controle sobre o homem. Temo que Heidegger talvez esteja certo. 4 HEIDEGGER, Martin. Língua de tradição e língua técnica. Lisboa, Passagens, 1995, p.17. 5

Por outro lado, Hannah Arendt, no livro Entre o passado e o futuro, publicado nos anos 50, lembrava a responsabilidade crucial que têm os adultos de apresentar a cultura aos que ela chamava, em vez de crianças, de recém chegados. Afinal, perguntava a filósofa, o que farão esses recém chegados, quando adultos, se forem pessoas mal informadas, desconhecedoras da herança cultural humana, pessoas individualistas tendo apenas formação técnica? E se tiverem acesso a armas nucleares? Daí, segundo ela, a importância crucial e civilizatória da Educação. Talvez hoje Hannah Arendt, aflita, perguntasse: o que farão essas pessoas se tiverem nas mãos, além de armas de destruição em massa, a internet, as redes sociais, a engenharia genética, a nanotecnologia, as inúmeras técnicas de clonagem etc.? Sou otimista com relação ao poder extraordinário das novas tecnologias mas se, como disse Neil Postman, as crianças são as mensagens vivas que enviamos a um tempo que não veremos acho que está mais do que na hora de aplicar uma boa dose de reflexão e pensamento crítico aos novos meios de comunicação e de produção do conhecimento. Creio que cabe a todos nós adultos o desafio de, diante de uma paisagem tão complexa, fazer com que nossos recém chegados tenham, ao mesmo tempo e de forma equivalente, acesso a novos recursos tecnológicos e uma sólida cultura humanista. Por humanismo refiro-me simplesmente à visão do homem como 1.um ser eminentemente social (e incapaz de viver sem uma sociedade. No ambiente exageradamente individualista em que vivemos, tal condição costuma ser desvalorizada a até esquecida) 6

2.um ser expressivo, emotivo, criativo e efêmero (ou seja, ele envelhece e morre. A morte é um dos mais extraordinários fatores de identificação entre todos os homens) 3.capaz de construir linguagens e símbolos (e não apenas utilizálos e repeti-los) 4. capaz de pensar em coisas abstratas como justiça, moral e estética (somos o único animal capaz de fazer isso) 5.capaz de transformar a natureza e a sociedade (para melhor e para pior) 6. capaz de sonhar em construir um futuro mais justo e civilizado (em que os interesses da sociedade estejam o mais próximo possível dos interesses de cada indivíduo), o que implica desejar um mundo melhor para os que ainda não nasceram. Talvez este também seja o grande desafio da escola contemporânea: formar pessoas que tenham, repito, acesso aos recursos tecnológicos e, ao mesmo tempo e de forma equivalente, uma sólida cultura humanista. Como a questão de fundo aqui é discutir literatura, preciso dizer que, na minha visão, pessoas formadas, educadas e diplomadas apenas para ser técnicos e consumidores despolitizados, descolados da vida humana concreta e, portanto, da sociedade em que vivem estado mental com que, nos dias de hoje, infelizmente tem saído da escola boa parte de nossos estudantes, dificilmente terão qualquer interesse por literatura ou mesmo capacidade e concentração suficientes não apenas para ler e saber fruir livros de ficção e de poesia, como para avaliar as diversificadas informações técnicas adquiridas nos bancos escolares. 7

Faço questão de ressaltar este ponto: a leitura feita com um mínimo de densidade, mais do que qualquer outro meio conhecido (basta comparar), tem o extraordinário dom de desenvolver nossa capacidade de concentração e de reflexão ampliando, assim, nossa competência cognitiva, nossa sensibilidade e, em decorrência, nossa visão crítica da vida e do mundo. Não é pouco! Vou concluir com um pequeno relato. Tenho uma amiga psicanalista que, ao longo dos anos, tornou-se especialista no atendimento de jovens. Segundo ela, vem aumentando cada vez mais, não só no seu consultório como também no de seus colegas, o número de adolescentes que trazem o seguinte e inesperado dilema: fazem sexo pela internet mas não conseguem fazer sexo ao vivo(!). Prefiro deixar as múltiplas conclusões e inferências resultantes deste singelo e espantoso relato para o prezado leitor. 8