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" I ~ sem largar a prancheta por Vanessa Guerreiro Veja o que mudou na linguagem arquitetõnica depois que o computador invadiu os ateliês Todas as plantas desta matéria foram cedidas pelo escritório Contier Arquitetura Aarquitetura no Brasil aparece na última etapa do renascimento, arte e técnica trazida pelos europeus em suas missões colonizadoras. Segundo relato de Benedito Lima de Toledo, professor de História da Arquitetura da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), o português Tomé de Souza chegou, em 1549, com as primeiras disposições para assentamentos urbanos, instruções essenciais de como fazer uma cidade. No princípio, o arquiteto era considerado o artista que tinha talento e domínio da construção. Depois, na França, a arquitetura acabou tornando-se ensino politécnico. Esse panorama dá a idéia do caminho que a arquitetura e as idéias em construir vêm percorrendo. Oarquiteto responde por uma área de conhecimento que envolve a técnica, a arte e a sociologia, de acordo com Luiz Augusto Contier, da Contier Arquitetura. Ele considera que essa seja, talvez, uma das formações mais multidisciplinares que existe. "Nós materializamos soluções espaciais", diz. Justamente por mesclar arte e técnica, fica tão complicado definir a arquitetura e, por consequência, a forma mais adequada de praticá-ia. Apesar dos conceitos padrões e da parte que trata dos cálculos exatos, essa continua sendo uma formação muito voltada para a área de humanidades. É impossível pensar em um projeto arquitetônico sem levar em consideração o bem-estar do futuro morador e o gosto pessoal. Ele conta que, no passado, os profissionais que atuavam nesse ramo eram mais valorizados pela sociedade e também. pelos clientes por conta da expressão artística que a profissão tinha, hoje um pouco abafada pelos recursos da informática. "O nosso produto tinha mais valor. Agora, se
CENÁRIO o cliente tiver que apertar alguma ponta do processo, certamente é o projeto que será apertado, com consequências eventualmente terríveis, e que o mercado não percebe. Na minha época (formou-se em arquitetura em 1978), você não sonhava em ser arquiteto se não tivesse um mínimo de representação e de gosto pelo desenho. Hoje em dia se aventuram pessoas que pegam no lápis como quem escreve com um caco de telha", reclama. Aera dos computadores mudou alguma coisa na lin-. guagem arquitetõnica. A infinidade de softwares disponível no mercado para também infinitas aplicações, trouxe à tona uma série de melhorias, e outras tantas dúvidas a respeito de suas funcionalidades. Até o ensino foi atingido. Contier, que coordena o curso de arquitetura da Universidade São Judas Tadeu, conta que é fácil perceber que todas as 107 faculdadesespalhadas pelo Brasil abrigam alguns alunos que não têm a menor familiaridade com o gesto, essencial para instrumento de produção extraordinário. Ele faz a ressalva de que alguns projetos são muito detalhados, e então o uso de CAD não difere no tempo empregado. O segundo impacto é o custo. ''Antigamente você tinha um posto de trabalho composto por um projetista, uma prancheta e uma régua paralela. A régua paralela e a prancheta desprezíveis. Atualmente tinham custos esse posto de trabalho está custando -eu fiz um levantamento recente-, entre hardware e software, cerca de US$ 8.500,00. E pior: fica obsoleto em dois anos e o usuário não consegue mais trocar informações com seus parceiros", explica. O resultado do custo do posto de trabalho e aumento da eficiência e produtividade que o CAD permite faz com que não haja tanto para o ateliê de arquitetura. espaço A produtividade, aliás, vem sendo descrita como o ganho de tempo no projeto como um todo e não por folha, individualmente. "Produtividade é a rapidez com que se faz o desenho, mais o tempo que se ganha no total dos desenhos, o tempo que se ganha maior ainda na mudança Contier Arquitetura, o desenho na prancheta também tinha o lado bom -que o computador ainda não pode proporcionar para os arquitetos-- que é a visão do conjunto. "Quando o profissional desenhava a lápis, era possível ver o desenho in-teiro na sua frente. Tinha aquela coisa de correr o olho por tudo e dava para ter um controle visual do conjunto", exemplifica Contier. Eles concordam que os arquitetos mais velhos têm ainda mais dificuldade em se adaptar, porque agora não é o olho que corre pelo projeto, mas sim a tela, que desliza em pedaços e impede a visualização do trabalho como um todo. O arquiteto Márcio Haruo Yamaji, gerente de projetos da Argeplan Arquitetura e Engenharia, concorda que o processo agora deve ser analisado com mais atenção: "para fazer o controle, a verificação de um trabalho, hoje você tem de confiar muito mais no profissional. Antes os projetistas tinham pranchetas e, dando uma circulada no escritório, o arquiteto estava dando uma olhada no trabalho, corrigindo algum defeito. Agora está tudo na tela "Naprancheta ou no micro, a arte expressar idéias através do desenho rabiscado no papel. Diz ainda que, na sua época de aluno, eram poucos os que desafiavam a necessidade do desenho. As facilidades dos progra-. mas CAD estenderam a arquitetura a pessoas com aptidões bem menos específicas. Segundo Contier, os programas CAD têm dois grandes impactos na arquitetura: o primeiro é que é. um de uma fase para outra e o tempo extraordinário no controle de qualidade que o profissional tem nas alterações do projeto. Isso nós não tínhamos, definitivamente, a lápis", diz Contier. "Só para mudar uma porta que estava no lugar errado, era preciso refazer o projeto inteiro", completa Miriam Castanho, também da Contier Arquitetura. Segundo os sócios do escritório do computador e quase não se vê. É preciso confiar muito mais no que se está trabalhando", comenta Yamaji. Outro fator que mudou bastante e influi diretamente nas concepções arquitetôrucas atuais é o gestual que a pracheta permitia. "No lápis é possível fazer um traço que você lança
\ r---- 1 ''õ:::=-::-::': c.~ J Os socios da Contier Arquitetura contam que, até hoje, só conseguem iniciar um projeto no papel, fazendo os croquis e estudos prelidefinindo uma curva, por exemplo, pelo gesto. Com o mouse não dá para fazer isso. Então você tem de pegar os pontos e vir trazendo... eu uma textura melhor, um toque diferente no desenho, vai fazer isso também no computador. Então é possível ver qualidades diferentes. As do arquiteto é materializar soluções espaciais" não sei se os projetos de alguns arquitetos não ficariam mais durinhos, mais bem comportados,. se concebidos no CAD", admite Contier. Yamaji, que utiliza o computador na Argeplan há cinco anos, define os traços do computador como um desenho mais seco, que faz o que for requisitado e diz que a qualidade vai depender do profissional e não só do equipamento. "Quem dá pessoas que aprenderam a fazer um desenho mais duro serão sempre assim, no micro ou no papel", opina Yamaji. Mas concorda que a prancheta exigia mais capricho. "Dá para perceber que as pessoas que desenhavam na prancheta, executam desenhos no computador com uma qualidade diferente em' termos de apresentação visual do trabalho, às vezes com mais detalhes", diz. rrunares e todo o esboço de idéias com um lápis na mão. A partir disso é q~e vão para o computador. Mas deixam no ar a dúvida do que a tecnologia pode criar, para o futuro, para viabilizar a criação, de maneira prática e satisfatória, diretamente no micro. Miriam, que também é arquiteta e professora de projetos de arquitetura da Universidade São Judas Tadeu, conta que já teve alunos
que tinham muita facilidade com o computador e traziam, toda semana, vários estudos de volumetria dos edifícios e da planta dos pavimentos, mas, por conta disso, esses aluma alternativa de projeto, mas concorda que, no que diz respeito à criação básica, os profissionais ainda fazem com o lápis na mão. "Para criar, o que funciona mesmo é a camos com a maior complexidade possível, que é o espaço, e não existe ainda um software que seja absolutamente adequado para nós", diz. A empresa, que utiliza o Architectural IUI: nos acabavam deixando questões importantes de lado por conta da facilidade que o computador proporcionava de experimentar as formas. Outro parâmetro discutido pelos profissionais da área é a questão da criatividade dos projetos quando submetida às múltiplas variações e facilidades de ângulos, formas, rotações e distorções oferecidas pelas ferramentas presentes nos softwares. Luiz Augusto Contier rebate: " Eu não acho que se ganhe em criatividade. É possível ser criativo escrevendo um texto a mão, no computador ou numa máquina de escrever. É a mesma coisa". Márcio Yamaji considera que o processo criativo talvez seja facilitado quando a idéia é estudar algubeça e o papel. Quando você vai passar para o micro é um outro processo: você já definiu alguma coisa e está partindo para as tentativas. Desktop, também fabricado pela Autodesk, considera que o arquiteto é um profissional que necessita não da última versão de um computador ':A arquitetura é a arte que tem Essas tentativas no micro talvez see um programa, mas da proxima jam facilitadas: é possível girar, apa- geração. Miriam põe em questão o gar e corrigir rapidamente", explica Yamaji. Contier conta também que nenhum computador é tão exigido como o do arquiteto e que nem o AutoCAD 2000, último lançamento da Autodesk para a área de AEC (Arquitetura, Engenharia e Construção), é suficiente para as necessidades dos arquitetos. "Trabalha- fato de que, provavelmente, as pessoas nem conseguem aprender e usar tudo o que os softwares permitem por causa da velocidade com que surgem as novas versões: "chegamos ao AutoCAD 2000 e não podemos parar o escritório para reinstalar todos os programas, parar todos os computadores e estudar de
PAVIMENTO TtRREO ~~A novo. Usamos o AutoCAD desde a versão 9. Quantas vezes a gente já não parou, estudou a versão e instalou? Isso é um problema", desaarquitetos vislumbram. Outro impacto do computador é depender de terceiros no processo, por não conseguir dominar o que preta, o que nos põe em uma situação delicada. Antes, dominávamos todo o processo", explica. As vantagens, no entanto, são..,...,...,." mais técnica e a técnica mais artisttca bafa Miriam. Embora nos dias atuais seja praticamente impossível manter um ateliê de arquitetura -daqueles com nanquim derramado no tapete e farelo de borracha espalhado pelo chão- os programas disponíveis no mercado ainda não fazem do computador a ferramenta perfeita, capaz de suprir todas as necessidades de representação tridimensional que os está por trás da produção na parte de hardware; o fato de os computadores estarem em rede ou não; as inúmeras configurações do computador e especificidades de cada software. "Muitos arquitetos estão contratando consultorias para prestar esses serviços. Na hora em que o profissional abre mão de dominar todo o processo, fica dependente de outra pessoa e aquilo vira uma caixa sempre discutíveis, já que há vários contrapontos também. De um desenho técnico com linhas perfeitas realizado em um computador para a qualidade arquitetônica de precisão de medidas e ambientação adequada, vai uma grande distância. De acordo com Miriam e Contier, quando uma pessoa qualquer decide projetar em um micro sem os conhecimentos prévios de arquitetura,
.CENÁRIO ~----""--------, 'LJ ~--- 1----'1, ficam faltando os critérios conceituais do projeto. Mas eles reconhecem também a enorme facilidade que essa tecnologia proporcionou. "Era infernal, quando trabalhávamos no lápis, ter que traçar um círculo com um raio de um metro. Precisava ter um aparelho especial chamado Cintel e uma mesa imensa. Hoje você pode fazer um círculo de quilômetros, dar um zoom e chegar onde quiser. Mas talento é talento. A pessoa continua precisando ter o talento exigido de um arquiteto, na prancheta ou na tela do computador", conclui Contier. os ganhos em produtividade que a tecnologia proporciona, mais do que uma facilidade procurada pelos próprios arquitetos, têm sido uma imposição restritiva do mercado. Os sócios da empresa contam que, há muitos anos, o escritório perdeu uma concorrência de projeto porque não uti- lizava os "mais modernos meios de informática",. que, na época, eram um computador pequeno, quase uma máquina de calcular, acoplado a uma máquina de escrever. "E eu pensei: mas eu uso as mais modernas canetas Leroy com nanquim importado... Quer dizer, nós estávamos valorizando naquela época, mais do que hoje, o meio de produção e não o produto. Programa CAD ou lápis, os dois são meios de produção", desabafa ele. No rol das diferenças apontadas pelos profissionais da área, mais uma se destaca. É unânime que o trabalho ficou mais limpo e preciso. Não se vê mais gente raspando o vegetal com lâmina e nem papel enrugado por causa da umidade. Contraditoriamente, eles dizem que seus trabalhos parecem menos valorizados. "As pessoas não se sentiam capazes de fazer a- queles desenhos, então nós éramos artistas a serem mitificados. Agora elas deixaram de valorizar uma coisa que parece muito rápida, fácil", afirma Contier. Ele reclama que os clientes ainda sustentam alguns mitos, de que não é necessário pagar tanto por uma coisa que, "afinal de contas, qualquer criança faz". Mas as coisas não funcionam bem assim: "temos toda uma formação, anos de experiência e não estamos vendendo desenhos, e sim projetos, que incluem toda uma concepção e sua representação gráfica que é o desenho", diz Cartier. Uma vez instalados os softwares e realizados os primeiros projetos, o caminho de volta é irreversível. Miriam Castanho conta que certa vez realizou um projeto em que o contrato para os consultores estabelecia que deveria trabalhar com computadores, porque isso estaria agilizando o processo de integração dos projetos. o N ELEVAÇAOM, t:sc.l;100 0$-08
Um dos escritórios, no entanto, estava fazendo o trabalho à mão. "Toda modificação que ocorria, na hora que passava por aquele escritório, brecava, porque para ele era muito mais lento acertar, resolver. Hoje em dia é fundamental você estar trabalhando no computador", diz Miriam. Márcio Yamaji alerta para o controle e verificação dos projetos, que a informatização dos escritórios desordenou um pouco. "Antes você tinha um produto único, que era o que estava ali na prancheta. Hoje você vê arquivos em várias versões e tem que tomar muito cuidado porque de repente pode acontecer de mandar um desenho errado para um cliente, numa versão que não foi atualizada, porque estava no micro", afirma ele. curso de arquitetura LUiZAugusto Contier defende, como coordenador de um importante em São Paulo, que os alunos devem desenhar a lápis para desenvolver familiaridade com os meios de representação gráfica. Como disciplina do curso, os alunos da São Judas Tadeu, por exemplo, têm informática aplicada (com o uso de softwares CAD) e todo um treinamento e desenvolvimento em cima da representação gráfica tradicional. Ele admite que os alunos preferem desenhar em CAD, mas alerta: "enquanto o CAD não for realmente um produto inteligente, é melhor que a gente dê o duplo treinamento para nossos alunos". Mesmo nos Estados Unidos, onde os softwares e hardware necessários são muito mars acessrveis, e onde há um desenvolvimento tecnológico muito grande, continua-se desenhando a lápis, da forma tradicional. É Importante manter pelo menos um pouco dessa independência em relação à tecnologia. Aindústria da informática tem forçado os usuários a uma atualização constante, outro dos problemas que atingem os escritórios que estão informatizados. Às vezes nem existem tantas melhorias assim entre uma versão e outra de um software, mas, no momento em que o profissional recebe de um fornecedor ou de um calculista um arquivo feito em uma versão do programa, se ele não tiver a mesma versão, não abre o arquivo. )(