BIODIVERSIDADE APLICADA E NEGÓCIOS SUSTENTÁVEIS NO ESTADO DO AMAZONAS BIOLOGIA, MANEJO E CONSERVAÇÃO DE CROCODILIANOS



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Transcrição:

Ministério do Meio Ambiente Instituto Brasileiro do Meio Ambiente Diretoria de Fauna e Recursos Pesqueiros Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios Governo do Estado do Amazonas Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Agência de Florestas e Negócios Sustentáveis do Amazonas Departamento de Animais Silvestres BIODIVERSIDADE APLICADA E NEGÓCIOS SUSTENTÁVEIS NO ESTADO DO AMAZONAS BIOLOGIA, MANEJO E CONSERVAÇÃO DE CROCODILIANOS PROJETO DEMONSTRATIVO DE VIABILIDADE BIOECONÔMICA DO USO COMERCIAL DE JACARÉS EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL Manaus, Setembro de 2003

2 Biologia, manejo e conservação de crocodilianos no Estado do Amazonas: Projeto demonstrativo de viabilidade bioeconômica do uso comercial de jacarés em i. Descrição do projeto Unidades de Conservação de Uso Sustentável O Brasil, em especial o Estado do Amazonas, já foi no passado próximo, responsável pela produção de milhões de peles de jacarés, que representava uma importante fonte de recursos para o país e principalmente para as populações rurais. Atualmente, mesmo possuindo um dos maiores estoques de jacarés do planeta, o Brasil participa com uma parcela muito pequena do mercado internacional de crocodilianos e o volume de negócios legais no mercado interno é inexpressivo. Segundo estimativas conservadoras, o mercado mundial de peles está avaliado em US$ 200 milhões anuais e a carne, que sempre foi considerada subproduto, apresenta grande potencial para assumir papel de destaque no mercado crescente de carnes exóticas e produtos orgânicos. A meta do presente projeto é revitalizar negócios sustentáveis da fauna silvestre no Brasil, tendo o jacaretinga (Caiman crocodilus) e o jacaré-açu (Melanosuchus niger) como espécies modelo. O programa caracteriza-se por tratar de maneira integrada todos os componentes da cadeia produtiva da carne e do couro, visando garantir sua sustentabilidade e seu valor como mecanismo de conservação. Assim, os aspectos legais e as formas de controle, as tecnologias de produção, o beneficiamento e a comercialização dos produtos são abordados sob uma perspectiva de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). A gestão participativa constitui a principal estratégia de implementação do projeto. Baseado em consultas às comunidades locais e discussões com líderes de movimentos sociais da Amazônia, foi definido um conjunto de ações integradas e complementares, que constitui as Diretrizes para Consolidação do Uso Comercial de Crocodilianos como Mecanismo de Conservação na Amazônia". Dentre as principais ações de trabalho destacam-se: i) definição dos aspectos legais e regulamentação da política de manejo; ii) reclassificação do status do jacaré-açu (M. Niger) junto à Convenção de Comércio Internacional de Espécies Exóticas (Cites); iii) estabelecimento do programa de monitoramento das populações naturais de crocodilianos no Amazonas; iv) identificação das áreas de comércio clandestino visando sua regularização e v) implantação de Projetos Demonstrativos em Unidades de Conservação de Uso Sustentável. Os projetos demonstrativos oferecem uma oportunidade ímpar para desenvolver mecanismos inovadores e replicáveis de gestão dos recursos faunísticos, com ampla aplicabilidade na Amazônia Brasileira. O projeto faz parte de um programa maior de conservação dos crocodilianos brasileiros através do uso comercial sustentado, que vem sendo implementado pelo IBAMA, sob coordenação da Diretoria de Fauna e Recursos Pesqueiros e do Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios, juntamente com a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentado do Governo do Estado do Amazonas. A estratégia é promover a integração das cadeias produtivas nas principais regiões produtoras, em especial a Amazônia e o Pantanal, visando consolidar a posição do Brasil como pólo produtor e comercial de crocodilianos no cenário internacional.

3 1. Bases conceituais 1.1. Conservação através do uso inteligente O Brasil encontra-se numa posição privilegiada para promover o uso da vida silvestre como mecanismo de conservação e desenvolvimento sustentado. As grandes extensões de áreas úmidas tropicais, o vigor das populações de espécies de valor econômico reconhecido e o cenário sócio-econômico favorecendo os produtos ambientalmente inteligentes são alguns dos principais fatores que contribuem para que o país assuma posição de destaque na produção mundial de produtos da fauna. Os jacarés do Amazonas encontram-se amplamente distribuídos por toda região amazônica, podendo alcançar altas densidades em alguns habitats preferenciais (Silveira 2001). A utilização sustentada desses estoques naturais pode agregar valor a terra, gerar renda e empregos no campo e nas cidades e funcionar como incentivo para conservação dos ambientes naturais do Amazonas, além de representar uma oportunidade para o redirecionamento do uso da terra, especialmente em áreas inapropriadas para a implantação dos sistemas de produção agrícolas tradicionais. Os sistemas de produção intensivos e outras atividades (de desenvolvimento) sócioeconômico têm causado a eliminação ou modificação dos ecossistemas naturais. Tais impactos estão diretamente associados à diminuição dos padrões socioeconômicos e da biodiversidade e ao declínio no tamanho das populações silvestres. As tentativas formais de superar tal problema tiveram início nos meados do século 19, quando se iniciou a implantação de parques nacionais, reservas e áreas protegidas na Europa, na América do Norte e subseqüentemente, em todo o mundo. Paralelamente, nos níveis nacional e internacional, foram elaboradas leis de proteção e sistemas de fiscalização, visando a conservação dos recursos naturais (Gilbert e Dodds 1992). Contudo, a tendência não foi revertida; a população humana continuou a crescer, os habitats naturais continuaram a desaparecer e as populações naturais de vida silvestre continuaram a diminuir. Houve então, a necessidade de desenvolver novas estratégias de conservação. A idéia de conservação através do uso inteligente teve origem no início do século 20 (Gilbert e Dodds 1992). Apesar das limitações no conhecimento científico, acreditavase que as populações silvestres poderiam ser conservadas, caso fossem utilizadas em benefício da sociedade, numa taxa menor que suas respectivas taxas de crescimento. Mais

4 recentemente, a idéia de conservação através do uso sustentado tem sido amplamente divulgada e é reconhecida como estratégia importante para promover a conservação de habitats naturais e a preservação da biodiversidade (e.g. Grigg et al. 1995). Os sistemas de produção de vida silvestre são agora concebidos como parte de uma política global de desenvolvimento sustentado, que considera a conservação ambiental como componente do desenvolvimento sócio-econômico (IUCN/UNEP/WWF 1980; 1991). A idéia é que as espécies que trazem benefícios tangíveis à sociedade terão maior chance de serem manejados de forma correta e, conseqüentemente, conservados. Por outro lado, os recursos não valorados pela sociedade terão maiores chances de serem destruídos ou substituídos por outras formas de utilização da terra. 1.2. Sistemas de manejo de fauna e sua aplicação no Amazonas O manejo da fauna silvestre somente terá importância como mecanismo de conservação de ecossistemas naturais caso a atividade apresente viabilidade bioeconômica e que seja socialmente justificável, isto é, que atenda as populações locais que apresentam maior demanda por sistemas alternativos de produção. Vários fatores determinam o sucesso dos sistemas de manejo. Dentre eles, devem ser salientados: i) os fatores de ordem biológica, como a forma de manejo, as características das espécies manejadas e a variabilidade ambiental; ii) os fatores logísticos, como as instalações, o processamento e o escoamento da produção; iii) os fatores econômicos, como a comunicação com o mercado e a comercialização dos produtos e iv) os fatores normativos e os mecanismos de fiscalização e incentivo. Devem ser mencionados ainda o papel da opinião pública e a competição com o mercado ilegal de produtos da fauna, que também podem comprometer o sucesso dos sistemas de manejo. Os sistemas de manejo da fauna podem ser classificados de acordo com os critérios técnicos envolvidos, em especial o tipo e a intensidade de manejo. Baseado nesses critérios, as diferentes categorias de manejo podem ser descritas segundo um gradiente contínuo, que varia desde a domesticação completa, onde todo o ciclo de vida dos animais ocorre em cativeiro ("farming"), até o manejo extensivo, onde não há interferência no ambiente ou nos processos populacionais das espécies envolvidas ("hunting"). Nem todas categorias de manejo estão positivamente associadas à conservação. As formas semi-extensivas e extensivas são potencialmente as mais importantes, uma vez que os

5 métodos envolvidos visam a manter os ambientes naturais e não convertê-los em habitats especializados e destinados a maximizar a produtividade de apenas uma ou algumas espécies manejadas. Por outro lado, as atividades comerciais exigem qualidade e estabilidade no fornecimento dos produtos, que, na maioria dos casos, são obtidas com maior facilidade em sistemas de produção com maior grau de especialização. Os custos de produção estão relacionados com os níveis de tecnologia utilizados e devem aumentar de acordo com os esforços aplicados nos processos de produção. As condições atuais no Amazonas são limitantes ao desenvolvimento de sistemas intensivos de produção, em decorrência da própria instabilidade ambiental que é peculiar ao ambiente Amazônico (ciclos anuais de seca e cheia) e da ausência de infra-estrutura e apoio logístico, aí incluídos a disponibilidade de energia elétrica e facilidades para o escoamento da produção. Existem também problemas como a carência de recursos humanos treinados para o manejo da fauna e além do mais, as comunidades não dispõem de capital suficientemente alto para investir em sistemas de produção mais especializados. Portanto, as condições no Amazonas são mais apropriadas à implantação de sistemas extensivos e/ou semi-extensivos de produção e o aumento da produtividade da terra poderá ser alcançado com o desenvolvimento e aplicação de tecnologias que viabilizem o processo produtivo. 1.3. Diretrizes para consolidação do uso comercial de crocodilianos como mecanismo de conservação mmbiental na Amazônia A gestão participativa constitui a principal estratégia de implementação do projeto. Desta forma, foram feitas, a priori, consultas às comunidades locais e discussões com líderes de movimentos sociais organizados (eg. GTA, CNS, ASPROC-Carauari/AM), visando identificar os principais fatores favoráveis e limitantes à implantação de programas de uso comercial de jacarés no Amazonas. Baseado nessas informações foi definido um conjunto de ações integradas e complementares, que deverá ser implementado de forma articulada, que constituem as Diretrizes para Consolidação do Uso Comercial de Crocodilianos como Mecanismo de Conservação Ambiental na Amazônia". Dentre as prioridades, destacam-se: i) Definição dos aspectos legais e regulamentação da política de manejo no Amazonas: atualmente não existe legislação federal ou estadual regulamentando o uso de jacarés no Amazonas. Assim, pretende-se elaborar, juntamente com o Ibama, sob a

6 coordenação do Centro de Répteis e Anfíbios, a legislação específica normalizando o uso de jacarés no estado; ii) Reclassifcação do status do jacaré-açu (M. Niger) de Apêndice I para Apêndice II junto à Convenção de Comércio Internacional de Espécies Exóticas (Cites): embora o jacaré-açu não mais encontra-se na lista de espécies ameaçadas de extinção no Brasil, a nível internacional seu comércio ainda está proibido, uma vez que a espécie está listada no Apêndice I da Cites. Assim, pretende-se iniciar os trabalhos de negociação, visando a reclassificação da espécie junto a Autoridade Cites. Para isso é fundamental implantar um programa de monitoramento, conforme descrito a seguir; iii) Implantação do programa de monitoramento das populações naturais de jacaré-açu e jacarétinga: é fundamental conhecer e mapear a distribuição e a abundância das populações naturais de jacarés no Amazonas e caracterizar as tendências do tamanho dessas populações. Assim, deverá ser implantado um trabalho de monitoramento dos jacarés em diferentes tipos de habitats, em várias regiões do Estado; iv) Identificação e regularização do comércio clandestino: é sabido que os jacarés vem sendo comercializados de forma clandestina em várias regiões do Amazonas. Assim, é necessário trabalhar na identificação das áreas de maior importância do comércio não regulamentado, visando a legalização e regularização da atividade; v) Implantação de Projetos Demonstrativos: Os projetos demonstrativos oferecem uma oportunidade ímpar para desenvolver mecanismos inovadores e replicáveis de gestão dos recursos naturais, com ampla aplicabilidade na Amazônia Brasileira. O projeto prevê o desenvolvimento de Planos de Negócios específicos para duas Unidades de Conservação de Uso Sustentável: Reserva Extrativista do Médio Juruá e Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá. Os Planos de Negócios devem incluir: a) Plano de Manejo e Produção, b) Plano de Marketing,; c) Plano Operacional e d) Plano de Capacitação Pessoal. 2. Projeto demonstrativo de viabilidade bioeconômica do uso comercial de jacarés em Unidades de Conservação de Uso Sustentável 2.1. Objetivos gerais Promover o desenvolvimento socioeconômico das comunidades rurais, diversificando a utilização da fauna nativa;

7 Implantar novas práticas e tecnologias visando a utilização e a conservação da fauna, buscando o equilíbrio entre produção e qualidade ambiental; Promover maior eficiência no uso dos recursos faunísticos, desenvolvendo novos produtos com base nos recursos existentes e novos usos para os produtos tradicionais; Gerar conhecimentos sobre a biologia, ecologia populacional e manejo das espécies; Fornecer subsídios para o aperfeiçoamento das legislações nacional e internacional referente ao uso e proteção da fauna no Amazonas. 2.2. Objetivos específicos caracterizar os habitats, monitorar a disponibilidade de ambientes e descrever a distribuição, abundância e estrutura populacional de Caiman crocodilus e Melanosuchus niger; avaliar do potencial reprodutivo, o desenvolvimento das gônadas e suas relações com o sistema endócrino das respectivas espécies; descrever o crescimento e estimar taxas de sobrevivência e de movimento dos indivíduos das duas espécies; avaliar a condição corporal e o sucesso alimentar e suas relações com as condições ambientais; Implantar entrepostos de beneficiamento de jacarés e credenciá-los junto ao Sistema de Inspeção Federal-DIPOA/MAPA; analisar o mercado e os processos de comercialização dos produtos, em especial a carne e o couro, incluindo a emissão de lacres e licenças; avaliar os impactos sócio-econômicos do desenvolvimento da cadeia produtiva; desenvolver e implementar novas técnicas de gerenciamento (monitoramento, controle e fiscalização) da cadeia produtiva; garantir assistência técnica e a capacitação de técnicos especializados nos vários segmentos que compõem a cadeia produtiva. 2.3. Local de trabalho e abrangência do projeto A proposta prevê a implantação do projeto em duas Unidades de Conservação de Uso Sustentável no Estado do Amazonas: i) Reserva Extrativista do Médio Juruá e ii) Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

8 A Reserva Extrativista do Médio Juruá localiza-se no município de Carauari-AM e possui área de cerca de 253.200 ha. As populações naturais de jacarés foram objeto de estudos recentes realizados pelo pesquisador do Inpa Dr. George Rebelo, a pedido do CNPT/IBAMA. Os principais resultados obtidos pelo pesquisador foram: Os jacarés estão amplamente distribuídos na área da Resex, ocupando principalmente os sacados e lagos isolados; Baseado numa análise quantitativa preliminar dos corpos d água da região foi calculado que existem pelo menos 30 mil jacarés na Resex, dos quais cerca de 50% são jacaretinga e 50% são jacaré-açu; As densidades variam de 4 a 41 jacarés por km de margem (média de 17.4 jacarés/km margem). A estrutura de tamanho, definida por uma amostra de 145 indivíduos de jacaretinga e 140 de jacaré-açu, é composta por cerca de 30% de indivíduos considerados adultos para ambas espécies (140 cm para jacaretinga e 180 cm para jacaré-açu); Os jacarés vem sendo usados como fonte de proteína animal em todas as comunidades e a caça comercial por peles foi considerada inexistente. Em algumas comunidades, a carne pode ser usada como isca; A principal conclusão do trabalho é que um programa de uso comercial bem planejado e monitorado poderá aumentar os benefícios econômicos para as comunidades, contudo, sem representar qualquer risco para as populações naturais de jacarés da região. De 2 a 5 de maio de 2003, a convite da Associação de Produtores Rurais do Município de Carauari, do Conselho Nacional dos Seringueiros e do Centro de Desenvolvimento Sustentado de Populações Tradicionais do Ibama, foi feita uma visita técnica na área com a finalidade de realizar uma consulta às comunidades e verificar o interesse, as facilidades de acesso, o potencial biológico e o compromisso e entusiasmo das comunidades com a possibilidade de implantação de um programa de uso comercial de jacarés na área da reserva. Essa consulta foi realizada nas seguintes comunidades:

9 1. Comunidade do Gumo do Facão- Localização UTM: Z19 710869 S / 9440045W; 2. Comunidade Roque Localização UTM: Z19 699068 S / 9437160 W 3. Comunidade Nova Esperança Localização UTM: Z19 0702971 S / 9436947 W 4. Comunidade de Pupuaí Localização UTM: Z19 0704914 S / 9440865 W A idéia de implementar o Projeto Jacaré na Resex foi discutida com 101 pessoas, entre elas líderes e membros das comunidades citadas. Foi especialmente interessante observar a grande expectativa e a disposição das comunidades para trabalhar no manejo de jacarés. Literalmente, todos presentes nas reuniões reconheceram as vantagens de trabalhar com jacarés na área da reserva. Vale salientar que todas comunidades reconhecem que o sistema de caça, como utilizada no passado, não seria a melhor opção de manejo atual. Ficou evidente o interesse em caracterizar a figura do jacarezeiro como mais uma alternativa de trabalho legal e a demanda por capacitação para aplicação de técnicas de manejo padronizadas foi identificada em todas comunidades visitadas. Todas as comunidades apresentam basicamente as mesmas facilidades de infra-estrutura e de disposição de trabalho. Considerando as comunidades visitadas como uma amostra representativa das demais comunidades, haveria pleno interesse de implantação do programa em todas comunidades da Resex. A Reserva de Desenvolvimento sustentável Mamirauá possui área de 11.240 km 2 de várzeas localizadas no médio Rio Solimões, abrangendo os municípios de Alvarães, Uarini, Fonte Boa, Maraâ, Japurá e Tonantins, no centro-norte do Estado do Amazonas. Nos últimos anos, a reserva vem sendo objeto de vários estudos (eg. Ayres 1986, 1993, Ayres at al. 1996), incluindo estudos sobre a ecologia e manejo dos crocodilianos (eg. Silveira 2001). De acordo com Silveira, os jacarés estão amplamente distribuídos pelos milhares de corpos d água da reserva. As densidades de juvenis e adultos variam entre 1.0 a 115 jacarés/km de margem percorrida. Contudo, em alguns trechos preferenciais, já foram relatadas densidades de até 2 mil indivíduos/km de margem percorrida. Adicionalmente, Silveira observou que a população de M. niger na reserva cresceu substancialmente, passando de cerca de 550 jacarés observados em 1994 e atingindo cerca de 4 mil indivíduos observados em 1998. O número de ninhos encontrados na área também corrobora tais observações. Silveira relatou ainda que as comunidades locais da reserva vêm utilizando as populações de jacaré de forma bastante intensa, ainda que tal utilização não representa

10 nenhum risco para a conservação do recurso. Em 1995, foi estimado que cerca de 115 toneladas de carne foram comercializadas e que isso representa cerca de 8 mil jacarés abatidos. Segundo as estimativas de Silveira, este comércio deve ter gerado cerca de US$57.600 para as comunidades locais. Uma das vantagens da implantação do projeto em Mamirauá é o nível de organização das comunidades locais, que vem sendo preparadas e capacitadas para utilizar forma inteligente os recursos naturais da reserva. Certamente, o compromisso das comunidades com a conservação é um fator determinante para o sucesso do projeto. 2.4. Metodologia 2.4.1. Manejo adaptivo ativo O manejo adaptivo ativo é definido como a identificação deliberada e explícita de diferentes possibilidades alternativas de manejo, que podem ser testadas através de experimentações de campo quanto à sua eficiência, incluindo aí os aspectos biológicos, sócio-econômicos e culturais. Os dados disponíveis mostram que as populações naturais de crocodilianos são vigorosas e suportam níveis determinados de utilização comercial. A questão é então definir qual seria a melhor estratégia de manejo. A idéia de trabalhar em duas áreas distintas é, exatamente, aplicar o conceito de Manejo Adaptivo Ativo, testando diferentes alternativas de manejo. Na Resex Médio Juruá pretende-se implantar um sistema de manejo que incorpora técnicas de recria de jovens, visando minimizar as taxas de mortalidade desses indivíduos. Na reserva Mamirauá a idéia é aplicar técnicas de gestão espacial, que inclui um rodízio anual dos locais onde os jacarés serão capturados. È importante mencionar que técnicas padronizadas de monitoramento e de descrição dos parâmetros populacionais serão aplicadas em ambas situações. Isto deverá promover um avanço nos conhecimentos sobre o sistema (jacarés+ambiente), que é fundamental para gestão dos recursos em longo prazo, bem como para subsidiar decisões de gestão a curtomédio prazo. 2.4.2. Aplicação de tecnologias de produção padronizadas Uma das principais características do projeto é a oportunidade de aplicação de tecnologias padronizadas em todos os locais onde o sistema de produção for implantado.

11 Assim, será fomentada uma rede de coleta de dados do ambiente físico e das populações de jacarés em diferentes regiões do Amazonas. A avaliação criteriosa dos dados, que inclui análises nas escalas espacial e temporal, será um dos principais mecanismos de feedback para o desenvolvimento do sistema de produção. A seguir, são descritas as principais tecnologias que o compõem o sistema de produção. i) Caracterização e monitoramento dos habitats: a produtividade populacional dos jacarés está estreitamente relacionada às características dos habitats e à sazonalidade climática, em especial os regimes térmicos e hídricos. Portanto, os manejadores deverão estar dotados de técnicas eficientes de caracterização e monitoramento do ambiente físico. Isso inclui: i) técnicas de levantamento aéreo, ii) técnicas de geoprocessamento e interpretação de imagens de satélite (escala 1:50.000), iii) instalação de réguas limnéticas nos principais corpos d água da região e iv) instalação de postos meteorológicos simplificados para coleta de dados de temperatura do ar e precipitação pluviométrica. ii) Avaliação do estoque e da estrutura populacional: o sistema de produção incorpora técnicas de avaliação dos estoques por contagens noturnas (spotlight) e/ou técnicas de levantamentos aéreos. As contagens noturnas são feitas no período de baixo nível d água e temperaturas mais elevadas (Setembro-Novembro), em corpos d água representativos da área manejada. Os levantamentos aéreos são feitos aplicando técnicas de contagem absoluta em área definida e esforço padronizado ou utilizando técnicas de amostragens por transectos distribuídos sistematicamente na área de trabalho. Com base nesses dados serão elaborados mapas de distribuição e abundância do jacaré nas áreas trabalhadas. Juntamente com os trabalhos de levantamentos noturnos, a partir de amostras de animais capturados no campo, poderão ser definidas a estrutura de tamanho/idade e a razão sexual da população. iii) Avaliação do potencial reprodutivo: a produção de ninhos pode ser prevista com base nas características dos habitats observadas durante o período de crescimento rápido das gônadas dos machos e fêmeas. Adicionalmente, a partir de uma amostra de fêmeas capturadas entre dois e três meses do início do período de postura, é possível prever a proporção de fêmeas da população que deverá nidificar no respectivo período reprodutivo. Um das principais razões para implementação de técnicas padronizadas de avaliação do potencial reprodutivo é definir matematicamente tais relações. A localização de ninhos é feita em áreas de tamanho definido e segundo esforço de procura padronizado. A localização dos

12 ninhos construídos em ambientes de mata é feita a pé ou a cavalo e aqueles construídos nas áreas de vegetação flutuante poderão ser localizados a partir de levantamentos aéreos. Uma amostra dos ninhos encontrados deverá ser usada para definir a razão sexual dos jovens (a partir da temperatura da câmara), o tamanho da ninhada, o tamanho e peso dos ovos. Se presente, a fêmea deverá ser capturada, marcada, medida e pesada e liberada no local de captura. iv) Tecnologias de incubação de ovos: a alta predação dos ninhos justifica a introdução de técnicas de coleta e incubação artificial dos ovos. Contudo, dependendo da cada situação específica, essa etapa poderá não ser necessária. Para os manejadores que optarem pela coleta de ovos na natureza, os ovos deverão ser previamente triados por visualização direta das bandas em câmara clara e aqueles selecionados deverão ser incubados em caixas mantidas em recintos onde a temperatura e a umidade do ar deverão ser mantidos em 31.5 0 C e próximo à saturação, respectivamente. Após a eclosão, os jovens deverão ser mantidos em locais secos até a reabsorção completa do saco vitelino. v) Sistema de recria: nessa modalidade de manejo, o objetivo é garantir a sobrevivência dos jovens recém-eclodidos durante o primeiro ano de vida, minimizando as potenciais causas de mortalidade, tais como o dessecamento e a predação. Isto é alcançado com a implantação de recintos onde os indivíduos são mantidos em condições mais próximas possível do ambiente natural e alimentando-os com itens que compõem sua própria dieta natural (insetos e larvas de invertebrados e pequenos peixes). Ao atingir o mínimo dez meses de idade, os jacarés recebem três tipos de marcação (cortes na cristas caudais, brincos de plástico e alumínio) antes de serem soltos no local próximo aos seus respectivos ninhos ou no corpo d água onde foram capturados. Previamente a liberação, os animais deverão passar por vistoria, segundo o protocolo sanitário a ser elaborado. Os jacarés marcados e liberados poderão ser recapturados ao atingirem os tamanhos ideais de abate, que pode variar de acordo com a espécie e a demanda do mercado. vi) Mobilização dos estoques e cotas anuais de produção a) Produção com sistema de recria: Os cálculos das cotas de produção utilizando o sistema de recria são feitos com base nas seguintes informações: i) no número de indivíduos recriados e liberados na área do criadouro, ii) nos levantamentos populacionais, na estrutura de tamanho e razão sexual da população, iii) no número de fêmeas reprodutivas em cada

13 respectiva estação reprodutiva e iv) nos dados de temperatura e de disponibilidade de ambientes aquáticos medidos durante o período frio/seco do ano imediatamente anterior ao ano em questão. A cota de mobilização de estoque no ano em questão não poderá ultrapassar o limite de 60% do número de indivíduos recriados e liberados na área do criadouro e não poderá ser cumulativa. O período de mobilização dos estoques será entre os meses de Maio a Outubro de cada respectiva temporada. Nessa modalidade de manejo, o abate será específico para adultos jovens, cujo tamanho varia com a espécie. Caso haja necessidade de realizar descarte seletivo de indivíduos adultos velhos, estes poderão ser realizados mediante solicitação específica. Caberá ao RAN/SDS a responsabilidade de emitir autorizações específicas permitindo que se mobilize estoques nos primeiros quatro anos de atividade, até que os indivíduos recriados alcancem o tamanho mínimo de abate. É obrigatório que os animais sejam capturados e levados vivos até os entrepostos de abate e processamento da carne. b) Produção pelo sistema de gestão espacial: Os cálculos das cotas de produção utilizando o sistema de manejo por gestão espacial são feitos também com base nas informações sobre a população e o ambiente, conforme acima mencionados. A cota de mobilização de estoque no ano em questão não poderá ultrapassar o limite de 15% do tamanho estimado da população. O período de mobilização dos estoques será entre os meses de Maio a Outubro de cada respectiva temporada. O abate será também específico para adultos jovens, cujo tamanho pode variar com a espécie. Caso haja necessidade de realizar descarte seletivo de indivíduos adultos velhos, estes poderão ser realizados mediante solicitação específica. Caberá ao RAN/SDS a responsabilidade de emitir autorizações de abate. É obrigatório que os animais sejam capturados e levados vivos até os entrepostos de abate e processamento da carne. Os indivíduos abatidos serão utilizados para conduzir um conjunto de estudos sobre a dieta alimentar e a condição corporal, parasitismo e patologias, características sanguíneas, e fisiologia reprodutiva, incluindo aí a sazonalidade e ontogenia da atividade gonádica, teores de esteróides no sangue, idade/tamanho de maturação sexual e percentual dos indivíduos reprodutivos na população. Adicionalmente, deverão ser coletados indivíduos de várias classes de tamanho bimensalmente, para complementar os estudos acima mencionados.

14 vii) Tecnologias de beneficiamento da produção Um componente fundamental no desenvolvimento e organização do agronegócio do jacaré no Amazonas é a adaptação e desenvolvimento de técnicas apropriadas de abate e processamento da carne, com qualidade sanitária para atender o consumo humano. Assim, o projeto prevê a implantação de abatedouros flutuantes, contendo toda infra-estrutura requisitada pelo SIF para garantir a qualidade da carne. A implantação dos flutuantes de beneficiamento (ou centros de recepção da produção) constitui um dos principais mecanismos de controle que o Ibama e/ou o Estado terão sob todo o sistema de produção. Todos animais advindos das áreas autorizadas deverão ser entregues vivos nos entrepostos credenciados, onde será realizado o controle rigoroso da qualidade da carne e onde as peles serão devidamente identificadas. Dessa forma, os produtos estarão credenciados para receber o que poderia ser chamado de selo verde ou o Certificado de Garantia de Origem. 2.4.3. Plano de escoamento e distribuição dos produtos O plano de escoamento e distribuição da produção será definido em função dos locais onde serão instalados os entrepostos de beneficiamento. Estes por sua vez, deverão ser definidos em função dos principais pólos de produção a serem desenvolvidos nas diferentes áreas de manejo. 2.4.4.. Definição da oferta e custos de produção O projeto prevê estudos detalhados sobre a definição da oferta e uma estimativa precisa sobre os custos de produção, específicos para ambas as áreas de trabalho. 2.4.5. Plano de marketing e comercialização da produção O sucesso de qualquer empreendimento depende não somente do conhecimento do processo de produção, mas principalmente do conhecimento dos demais componentes da cadeia produtiva. Isto é, o conhecimento sobre os clientes, fornecedores, concorrentes, a tendência do mercado e a avaliação sobre o futuro dos produtos. A análise desses aspectos da cadeia constitui o Plano de marketing, que por sua vez, é composto pela Análise de Mercado e pelas Estratégias de Marketing.

15 2.4.5.1. Análise do mercado A análise dos setores de peles e carnes exóticas deverá ser realizada juntamente com uma equipe de especialistas na área de Marketing e deverá incluir o Teste conceitual dos produtos. Assim, serão desenvolvidos protótipos dos diferentes produtos, com a finalidade de verificar a reação dos clientes e consumidores frente as diferentes formas de apresentação e comunicação. Os resultados deverão orientar as subseqüentes estratégias de marketing, bem como a implementação e controle de suas ações. A análise do setor deverá incluir ainda um estudo sobre os concorrentes no mercado internacional e a natureza e características dos principais clientes e consumidores. Ou seja, o mercado potencial, quem são e onde estão os clientes e quanto estão dispostos a pagar pelos diferentes produtos. O mercado interno brasileiro encontra-se praticamente inexplorado, mas sabe-se existem grandes perspectivas para o seu desenvolvimento. 2.4.5.2. Estratégias de Marketing O plano de apresentação dos produtos do couro deverá estar calcado no desenvolvimento de técnicas padronizadas de classificação e avaliação da qualidade das peles, bem como na padronização das técnicas de medida. Com relação à carne, deverão ser avaliadas as vantagens e desvantagens da produção de carne in natura, congelada e defumada e quais seriam as melhores formas de apresentação dos respectivos produtos. O plano de comunicação do projeto deverá explorar seu apelo ecológico, ou seja, sua importância como ferramenta para promover a conservação do ambiente através do desenvolvimento socioeconômico. As vantagens advindas dos sistemas de produção sustentáveis desenvolvidos em ecossistemas naturais, a conservação do ambiente através do uso sustentado da biodiversidade, os produtos ecologicamente inteligentes, o valor nutricional da carne e as particularidades do couro do jacaré deverão constituir alguns dos principais pontos de informação que deverão valorizar da imagem do projeto e agregar valor aos produtos. O projeto abrange a venda da carne e da pele aos distribuidores e curtumes, respectivamente, muito embora a cadeia produtiva inclua ainda os beneficiadores do couro e os consumidores finais. Os estudos do pós-venda deverão promover a comunicação entre esses segmentos, devendo incluir detalhamentos sobre os procedimentos de monitoramento adotados e quais serão os mecanismos de avaliação e controle.da eficácia dos estudos.

16 2.5. Inteligência do programa 2.5.1. Modelo de gestão estratégica O uso comercial da biodiversidade deve ser desenvolvido em bases sustentáveis e seu sucesso depende da participação responsável e da integração de todos os segmentos envolvidos no programa de manejo. Isto é, os mecanismos de gerência e de controle, a produção e a comercialização dos produtos devem ser analisados de forma integrada, sob a perspectiva de P&D. A necessidade de integração e de participação responsável dos integrantes da cadeia produtiva cria a oportunidade de estabelecer um modelo de gestão inovador de gerência de recursos faunísticos no Brasil. A ênfase é garantir um programa dinâmico, onde as informações geradas nos vários níveis da cadeia produtiva funcionem como mecanismo de retroalimentação, contribuindo efetivamente para o desenvolvimento do agronegócio. 3. Benefícios esperados A utilização sustentada da vida silvestre tem sido reconhecida como uma importante estratégia para promover a conservação de ambientes naturais, bem como a preservação da diversidade biológica. Dentro da visão conservacionista moderna, os sistemas de produção de vida silvestre incluem-se em uma política global de desenvolvimento sustentado, que considera a conservação como componente do desenvolvimento sócio-econômico. Os benéficos esperados da utilização da vida silvestre a serviço da conservação são: i) o sistema oferece oportunidades para aumentar a produtividade da terra através da diversificação dos meios de produção, ii) é consistente com a cultura indígena tradicional, iii) ajuda a conservar o patrimônio genético, iv) cria novos mercados agrícolas e novas oportunidades de trabalho no campo, v) ajuda na estabilização dos mercados dos produtos da fauna e vi) representa uma oportunidade para redirecionar o uso da terra, trazendo benefícios para as comunidades locais e promovendo o desenvolvimento rural. 4. Bibliografia Geist, V. 1993. Great achievements, great expectations: success of North American wildlife management. In A. W. Hawley (ed.), Commercialization and Wildlife Management:

17 Gilbert, F. F., and D. G. Dodds. 1992. The Philosophy and Practice of Wildlife Management. Krieger Pub. Cia, Malabar, Forida, USA. Grigg, G., P. Hale, and D. Lunney. 1995. Conservation through Sustainable Use of Wildlife. CCb. The University of Queensland, Brisbane. Hawley, A. W. 1993. Commercialization and Wildlife Management: Dancing with the Devil. In A. W. Hawley (ed.). Krieger Pub. Cia, Malaber, Florida, USA. Hudson, R. J., K. R. Drew, and L. M. Baskin. 1989. Wildlife Production Systems. Cambridge University Press, Cambridge, UK. IUCN/UNEP/WWF. 1980. World Conservation Strategy. Living Reseources Conservation for Sustainable Development. IUCN, Gland. IUCN/UNEP/WWF. 1991. Caring for the Earth. A Strategy for Sustainable Living. IUCN, Gland. Ludwig, D., R. Hilborn, and C. Walters. 1993. Uncertainty, resource exploitation and conservation: lessons from history. Science, 260:17-18. Rebelo, G. 2001. As populações de jacaré-açú (Melanosuchus niger) e jacaretinga (Caiman crocodilus) na Reserva Extrativista do Médio Juruá. CNPT/IBAMA. Relatório técnico 14p. Robson J.G. & Redford,K.H. 1991. Neotropical Wildlife Use and Conservation. The University Chicago Press. Silveira, R. 2001. Monitoramento, crescimento e caça de jacaré-açu (Melanosuchus niger) e de jacaretinga (Caiman crocodilus). Tese Doutorado, INPA, Manaus-Am, 151p. 5. Responsáveis pela elaboração do projeto Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN / IBAMA) Departamento de Animais Silvestres da Agência de Florestas e Negócios Sustentáveis da Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentado do Governo do Estado do Amazonas Técnico responsável Marcos Coutinho, Biólogo, PhD