MINHA COR E A COR DO OUTRO: QUAL A COR DESSA MISTURA? - OLHARES SOBRE A DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Documentos relacionados
A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NA ESCOLA: REFLEXÕES A PARTIR DA LEITURA DOCENTE

Orientadora: Profª Drª Telma Ferraz Leal. 1 Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE.

Perfil das profissionais pesquisadas

PROBLEMATIZANDO ATIVIDADES EXPERIMENTAIS NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES/AS

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

A IMPORTÂNCIA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO PARA OS CURSOS PRÉ-VESTIBULARES

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS NOS ANOS INICIAIS: UMA PERSPECTIVA INTERGERACIONAL

O LÚDICO COMO INSTRUMENTO TRANSFORMADOR NO ENSINO DE CIÊNCIAS PARA OS ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA.

Daniela Lemmertz Bischoff

Escola e a promoção da igualdade étnico-racial: estratégias e possibilidades UNIDADE 4

O ENSINO DA MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO DE JOGOS EM SALA DE AULA E DE UM OLHAR SENSÍVEL DO PROFESSOR

ISSN PROJETO LUDICIDADE NA ESCOLA DA INFÂNCIA

NARRATIVAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES 1

OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA CONTEMPORANEIDADE Amanda Sampaio França

REFLEXÕES INICIAIS DE ATIVIDADES PEDAGÓGICAS PARA INCLUIR OS DEFICIENTES AUDITIVOS NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA.

PROJETO QUARTA LITERÁRIA

ÁLBUM DE FOTOGRAFIA: A PRÁTICA DO LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL 59. Elaine Leal Fernandes elfleal@ig.com.br. Apresentação

JUSTIFICATIVA DA INICIATIVA

DIÁLOGO, PRÁTICA E EXPERIÊNCIA NO ENSINO DE HISTÓRIA: A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI /03 ATRAVÉS DO PROJETO MÚSICA AFRO NA ESCOLA.

USO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PRESENCIAL E A DISTÂNCIA

CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

O AMBIENTE MOTIVADOR E A UTILIZAÇÃO DE JOGOS COMO RECURSO PEDAGÓGICO PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA

Construção, desconstrução e reconstrução do ídolo: discurso, imaginário e mídia

CURIOSOS E PESQUISADORES: POSSIBILIDADES NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

MÍDIAS NA EDUCAÇÃO Introdução Mídias na educação

LEITURA E ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA PROPOSTA DE APRENDIZAGEM COM LUDICIDADE

Profª. Maria Ivone Grilo

CIRCUITO DAS BRINCADEIRAS: O CURRÍCULO EM MOVIMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

CORPO E MÍDIA: UMA COMPREENSÃO MULTIRREFERENCIAL DA EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Eduardo Ribeiro Dantas (UFRN) Terezinha Petrucia Da Nóbrega

6. PROPOSTA PEDAGÓGICA CURRICULAR DE FILOSOFIA ENSINO MÉDIO 6.1 APRESENTAÇÃO

PEDAGOGIA ENADE 2005 PADRÃO DE RESPOSTAS - QUESTÕES DISCURSIVAS COMPONENTE ESPECÍFICO

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NUMA ESCOLA DO CAMPO

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA SOBRE AVALIAÇÃO NA ESCOLA PÚBLICA/GEPAEP

AS CONTRIBUIÇÕES DAS VÍDEO AULAS NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO.

BIBLIOTECA VIVA: CONHECENDO O MUNDO ATRAVÉS DOS LIVROS RESUMO

compreensão ampla do texto, o que se faz necessário para o desenvolvimento das habilidades para as quais essa prática apresentou poder explicativo.

TENDÊNCIAS RECENTES DOS ESTUDOS E DAS PRÁTICAS CURRICULARES

INCLUSÃO ESCOLAR: UTOPIA OU REALIDADE? UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A APRENDIZAGEM

Pedagogia Estácio FAMAP

A ORALIZAÇÃO COMO MANIFESTAÇÃO LITERÁRIA EM SALA DE AULA

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

O CONTO AFRICANO NA SALA DE AULA: PROPOSTA EDUCATIVA DOS SABERES AFRICANOS E LITERÁRIOS NA SALA DE AULA

O BRINCAR E SUAS IMPLICAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL DENTRO DO PROCESSO GRUPAL (2012) 1

O professor que ensina matemática no 5º ano do Ensino Fundamental e a organização do ensino

AS CONTRIBUIÇÕES DO SUJEITO PESQUISADOR NAS AULAS DE LEITURA: CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS ATRAVÉS DAS IMAGENS

Educação Musical: Criação, Linguagem e Conhecimento

Revista Diálogos Interdisciplinares - GEPFIP

A PRESENÇA DA ARTE NO PROJETO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NA EDUCAÇÃO

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO CONTEXTO TECNOLÓGICO: DESAFIOS VINCULADOS À SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

IMPLANTANDO OS DEZ PASSOS DA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL NA EDUCAÇÃO INFANTIL RELATO DE UMA EXPERIENCIA

O PSICÓLOGO (A) E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR ¹ RESUMO

Avaliação e observação

Da sala de aula à sala de ensaio: uma proposta para a formação do professor de teatro

Unidade I ESCOLA, CURRÍCULO E CULTURA. Profa. Viviane Araujo

Aula2 ESTUDOS CULTURAIS E EDUCAÇÃO. Marlécio Maknamara. META Conhecer aportes dos Estudos Culturais em sua conexão com a Educação.

A INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES ENTRE EDUCAÇÃO E SUSTENTABILIDADE

A LEITURA NA VOZ DO PROFESSOR: O MOVIMENTO DOS SENTIDOS

RESUMOS A BIDOCÊNCIA COMO CUIDADO COM OS SUJEITOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL DO COLÉGIO PEDRO II

ISSN ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções)

ESCOLA PROFESSOR AMÁLIO PINHEIRO ENSINO FUNDAMENTAL PROJETO EQUIPE MULTIDISCIPLINAR CULTURA AFRO-DESCENDENTES

2.2 O PERFIL DOS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Desafios para a gestão escolar com o uso de novas tecnologias Mariluci Alves Martino

EMEB. "ADELINA PEREIRA VENTURA" PROJETO: DIVERSIDADE CULTURAL

A IMPORTÂNCIA DO ASSISTENTE SOCIAL NOS PROJETOS SOCIAIS E NA EDUCAÇÃO - UMA BREVE ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DO PROJETO DEGRAUS CRIANÇA

EDUCAÇÃO INFANTIL E LEGISLAÇÃO: UM CONVITE AO DIÁLOGO

UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

EXPRESSÃO CORPORAL: UMA REFLEXÃO PEDAGÓGICA

A EDUCAÇÃO QUILOMBOLA

ALUNOS SURDOS E INTÉRPRETES OUVINTES NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO COMO PRÁTICA DISCURSIVA

DANÇA NO CONTEXTO ESCOLAR: QUANDO A RELIGIOSIDADE ATRAVESSA A PRÁTICA.

O FUTURO SE FAZ COM A CONSCIENTIZAÇÃO DAS DIFERENÇAS

Projeto Jornal Educativo Municipal

Pedagogia, Departamento de Educação, Faculdade de Ciências e Tecnologia- UNESP. rafaela_reginato@hotmail.com

Gênero no processo. construindo cidadania

PROFESSORA: GISELE GELMI. LOCAL: SÍTIO BANDEIRANTES

JOGOS ELETRÔNICOS CONTRIBUINDO NO ENSINO APRENDIZAGEM DE CONCEITOS MATEMÁTICOS NAS SÉRIES INICIAIS

A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR PARA AS CRIANÇAS COM O TRANSTORNO

Profa. Ma. Adriana Rosa

ESCUTA E PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS NA CONSTRUÇÃO DA PROPOSTA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

DIFICULDADES ENFRENTADAS POR PROFESSORES E ALUNOS DA EJA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA

Reordenamento do acolhimento institucional através da formação

Mão na roda. Projetos temáticos

ESCOLA ESPECIAL RENASCER- APAE PROFESSORA: JULIANA ULIANA DA SILVA

COMBINADOS, COMPORTAMENTO E REGRAS DE CONVIVÊNCIA : O PROCESSO DE CIVILIDADE PARA CRIAÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

PIBID: DESCOBRINDO METODOLOGIAS DE ENSINO E RECURSOS DIDÁTICOS QUE PODEM FACILITAR O ENSINO DA MATEMÁTICA

TRANSVERSALIDADE CULTURAL: NOTAS SOBRE A PRÁTICA DE ENSINO E A TEMÁTICA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NAS SALAS DE AULA.

Educação Infantil. Projeto Griô: Contador de Histórias PRIMEIRO LUGAR

ITINERÁRIOS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

Projeto em Capacitação ao Atendimento de Educação Especial

EDUCAÇÃO NÃO FORMAL E MOVIMENTOS SOCIAIS - PRÁTICAS EDUCATIVAS NOS ESPAÇOS NÃO ESCOLARES

CONSTITUINDO REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: CONTRIBUIÇÕES DO PIBID PARA O TRABALHO COM ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

CONCEPÇÕES DE TECNOLOGIA PARA PROFESSORAS, COORDENADORAS E DIRETORAS DE CINCO ESCOLAS PÚBLICAS DE PELOTAS

INTEGRAÇÃO DE MÍDIAS E A RECONSTRUÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Na introdução a esta dissertação enunciámos um conjunto de questões que

REGULAMENTO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUÊS- ESPANHOL

Palavras-chave: Políticas Curriculares; Formação de Professores; Qualidade da Educação; Plano Nacional de Educação

FORMAÇÃO DE PROFESSOR E AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO (TIC)

PRATICANDO O RCNEI NO ENSINO DE CIÊNCIAS - A CHUVA EM NOSSA VIDA! RESUMO

Transcrição:

MINHA COR E A COR DO OUTRO: QUAL A COR DESSA MISTURA? - OLHARES SOBRE A DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL Daniela Lemmertz Bischoff Leni Vieira Dornelles RESUMO: A presente pesquisa procura investigar de que forma um trabalho com literatura infantil com temáticas afro pode qualificar/problematizar as noções de diferenças raciais entre crianças de uma turma de Educação Infantil de uma escola pública municipal. Através da perspectiva foucaultiana e da metodologia de pesquisas com crianças busca investigar as concepções de raça entre crianças dessa turma e como essas concepções podem se evidenciar/reforçar/alterar de acordo com os materiais pedagógicos trazidos pela professora da turma. Busca-se, através da literatura infantil, proporcionar outras formas de ver-se enquanto branco, negro, mestiço, mulato, etc. As infâncias são múltiplas e assim também são as formas como as crianças se veem e veem seus colegas e as discussões sobre essas formas de se ver e ver o outro são fundamentais na constituição de suas identidades. PALAVRAS-CHAVE: infâncias, pesquisa com crianças, literatura infantil, diferenças. Começando a história O trabalho a ser apresentado na IX ANPED/SUL intitulado Minha cor e a cor do outro: qual a cor dessa mistura? Olhares sobre a diversidade na Educação Infantil vem se desenvolvendo enquanto pesquisa de Mestrado. Investiga-se de que forma o trabalho com a literatura infantil afro-brasileira pode qualificar e problematizar as concepções acerca de raça presentes nas crianças que frequentam uma escola pública de Educação Infantil, propõe-se a repensar as práticas cotidianas que, muitas vezes, reforçam o estatuto de branquidade, de negritude, de igualdade e diferença. Pensa-se a partir da obrigatoriedade dos estudos sobre a questão afro a partir da homologação da lei 10639/2003. Mas acredita-se que essas reflexões também possam fazer parte do trabalho realizado com os alunos menores, já que essas relações se estabelecem desde muito cedo, mas se dão de formas diversas em cada etapa da vida desses sujeitos. Assim,

2 procura-se investigar de que forma essas relações se constituem na faixa etária de 4 e 5 anos de um determinado grupo de crianças, a partir das provocações feitas a partir da literatura infantil com temática afro. Ao aprofundarmos os estudos acerca das questões de raça que compõe o universo infantil, torna-se importante investigar através dos livros de literatura infantil que versam sobre o tema, como é tratada esta lei nas escolas de educação infantil; como é possível contribuir para a produção teórico-metodológica frente à emergência dos discursos sobre raça, racismo e preconceito e como decorrem as discussões sobre a inclusão, identidades e as diferenças; colaborar com as investigações acerca da literatura e da produção de subjetividades infantis; investigar como as crianças se manifestam frente às questões de raça e preconceito; por fim e não encerrando, observar como as crianças de uma turma de educação infantil acolhem os diferentes de si, governam a si mesmas no que diz respeito às suas diferenças e identidades e tratam dos valores civilizatórios afro-brasileiros como modos de construir na educação infantil uma educação antirracista. Através de pesquisas anteriores se pode perceber a importância de aprofundar o debate sobre os modos como a raça, a negritude vem sendo construídas, através de artefatos diversificados, aqui especialmente os livros de literatura infantil afro-brasileira. Buscamos, com isso, capacitá-los para uma ação pedagógica que mantenha a dimensão investigativa (pesquisa), mas que também se proponha a ser interventiva no sentido de transformação da realidade étnico-racial conflitiva, na qual as crianças, negras ou não, vêm sendo educadas. Analisar-se-á, de modo conjunto com as crianças, como os personagens aparecem nas narrativas e também nas ilustrações, de que forma eles são representados, quais as marcas mais significativas que são apresentadas aos leitores. Essa análise, a partir do pensamento foucaultiano, pretende ver de outra forma o que parece estar posto, olhar e re-olhar para, então, olhar de novo para as práticas que parecem se naturalizar ao longo do tempo. Nos interessa e, apoiando-nos no campo teórico dos estudos pós-estruturalistas, desnaturalizar as formas que possam aparecer na pesquisa com as crianças e de como estas vêem o negro na literatura e também nas turmas de Educação Infantil, buscando, através da mesma, entender os mecanismos como esse Outro é visto. Neste sentido, ampliar o repertório de narrativas circulantes nas escolas, com livros que veiculem representações mais positivas e posicionadas sobre a raça negra, possibilita-nos aferir como tais representações tensionam os discursos infantis e promovem, ou não, deslocamentos significativos nas práticas interraciais das crianças. Refletir sobre as concepções de diversidade racial que as crianças de uma turma de Educação Infantil manifestam ao longo do trabalho com recursos pedagógicos,

3 especialmente a literatura infantil afro-braileira e como o trabalho com esse material pode qualificar/problematizar as concepções de raça entre essas crianças. Acredita-se que as problematizações que coexistem com esta pesquisa poderão contribuir para um trabalho voltado ao respeito às diferenças e às discussões da temática da diversidade no contexto escolar e social. 1.1 Os personagens principais: As crianças e suas múltiplas infâncias Nesta pesquisa, elege-se a concepção de infâncias, pensando que estas se constituem de formas múltiplas, heterogêneas, fluidas, ou seja, não é possível pensar em uma só infância, um só tipo de infância. É preciso pensar a infância, como nos ensina Larrosa (1998) [...] como a presença de algo radical e irredutivelmente outro, ter-se-á de pensá-la na medida em que sempre nos escapa, na medida em que inquieta o que sabemos, na medida em que suspende o que podemos e na medida em que coloca em questão os lugares que construímos para ela. (LARROSA, 1998, p. 232) Aposta-se que o trabalho com as crianças seja muito particular, pois elas evidenciam outras formas de pensar as relações, elas possuem um modo diferenciado de perceber o mundo que as cerca. Assim, cremos que também a maneira de perceber a diversidade e as múltiplas identidades entre os pequenos possa nos trazer outras formas de ver esse Outro, um olhar que o mundo adulto não consegue ter. Apreender um pouco dessa forma de olhar, dessa forma de pensar é um dos objetivos deste trabalho. Para isso, recorre-se à pesquisa com crianças, deixando que elas nos auxiliem na estruturação da mesma, pois, conforme Sarmento (2007) [...] o que aqui se viabiliza nesse processo é que as crianças são competentes e têm capacidade de formularem interpretações da sociedade, dos outros e de si próprios, da natureza, dos pensamentos e dos sentimentos, de o fazerem de modo distinto e de o usarem para lidarem com tudo o que as rodeia (SARMENTO, 2007, p. 26). Em relação à inserção das crianças na pesquisa, Sarmento (idem.) nos instiga a incluílas em seu processo, segundo ele, a participação infantil constitui uma condição essencial de uma educação intercultural activa. A criança aprende a diferença, o respeito, a cidadania por estar implicado activamente na sua própria experiência de conhecimento e de vida (p. 38). Nesse sentido, esta investigação pretende incluir as crianças no processo da pesquisa,

4 deixando que elas assumam uma postura crítica frente aos rumos que a pesquisa irá tomando a partir dos materiais trazidos pela pesquisadora, enquanto mediadora das interações. A metodologia também se caracteriza por um cunho pós-estruturalista. Neste caso particular, recorreremos mais especificamente a Michel Foucault, naquilo que diz respeito às relações poder/saber, governo e produção de subjetividades. Busca-se embasamento nos estudos sobre raça, racismo e preconceito das crianças no Brasil em autores nacionais e estrangeiros, tais como Nilma Gomes, Michel Banton, dentre outros a fim de melhor fundamentar como este processo se produz na Educação Infantil. Ao fazer uso do referencial foucaultiano tratamos de analisar as práticas discursivas e não discursivas que operam para a produção da subjetividade das crianças de 4 e 5 anos. Como e onde se identificam e em que verdades e saberes as crianças se apoiam e como essas verdades produzem, regulam controlam e governam as subjetividades raciais infantis. Por tratar de uma pesquisa que se preocupa em teorizar e investigar numa perspectiva da pesquisa com crianças, entende-se que é necessário continuar problematizando por que as crianças muitas vezes se negam a participar de atividades que envolvem pessoas com o corpo diferente do seu. Talvez tendo a possibilidade de interagir com a literatura afro-brasileira, ou da literatura que foge ao estilo imposto pelas normas e pelo poder vigente, se venha a construir modos artistas de viver. Talvez a produção de um novo estilo de narrativa literária para a infância possibilite a fabricação de sujeitos mais generosos e menos preconceituosos. Que a pesquisa com crianças nos possa mostrar dessa forma que as crianças, como nos ensina Sarmento (2011, p. 27), têm sido silenciadas na afirmação da sua diferença ante os adultos, e na expressão autónoma dos seus modos de compreensão e interpretação do mundo. E, para um tema ainda tão espinhoso para os brasileiros, elas têm a dizer, basta que a escutemos. 1.2 As narrativas e suas particularidades A literatura infantil transformou-se em ferramenta pedagógica amplamente utilizada em nossas salas de aula. Contudo, como nos afirma Kaercher (2010) [...] não podemos pensar as práticas de leitura deslocadas de seu contexto. Elas são construções culturais que se interligam a fatores tão diversos quanto a noção de infância [...]. Portanto, a validade de uma prática de leitura só pode ser pensada se atentarmos para as especificidades do aluno com o qual estamos trabalhando. (KAERCHER, 2010, p. 54).

5 Entende-se que através do lúdico, da literatura infantil afro-brasileira, da brincadeira, do faz-de-conta, tão presentes no trabalho diário com a Educação Infantil, seja possível desvencilhar essa trama de preconceitos que se evidenciam em nosso cotidiano. Nos estudos de Kaercher (2002) encontramos uma reflexão muito coerente com essa pesquisa, segundo ela [...] indagar por que nós, professores, usamos no tramar cotidiano da escola os mesmos velhos fios com que subordinamos/amordaçamos sucessivas gerações de negros/as é buscar pistas que nos permitam tecer, de um modo culturalmente mais múltiplo e enriquecedor para todos os envolvidos, os fios étnicos que poderão compor o intricado bilro de que é feita a escola (e a vida). (p. 106) A partir das considerações feitas pela autora, pensamos que são possíveis outras/novas formas de trabalhar com a diversidade em sala de aula e estas formas não podem reforçar velhos pressupostos, velhos e ultrapassados paradigmas. ESQUEMA DO PÔSTER:

6 Referências: KAERCHER, Gládis. As representações do/a professor/a negro/a na literatura infanto-juvenil ou sobre os fluxos das águas... In: SILVEIRA, Rosa Maria Hessel (org.) Professoras que as histórias nos contam. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. Brincando com as palavras e com os livros na escolarização inicial. In: DALLA ZEN, Maria Isabel e XAVIER, Maria Luisa M. (orgs). Alfabeletrar: fundamentos e práticas. Porto Alegre: Mediação, 2010. LARROSA, Jorge. Pedagogia profana. Porto Alegre: Contrabando, 1998. SARMENTO, Manuel Jacinto. Culturas infantis e interculturalidade. In: DORNELLES, Leni Vieira (org.). Produzindo pedagogias interculturais na Infância. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. SARMENTO, Manuel. Conhecer a infância: os desenhos das crianças como produções simbólicas (2011). In. MARTINS FILHO, Altino e PRADO, Patrícia. Das pesquisas com crianças: complexidades da infância. São Paulo: Autores Associados. SODRÉ, Muniz. Claros e Escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. (199) Petrópolis: Vozes.