ESCUTA E PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS NA CONSTRUÇÃO DA PROPOSTA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL



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Transcrição:

1 ESCUTA E PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS NA CONSTRUÇÃO DA PROPOSTA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Cinthia Votto Fernandes (UFRGS, Porto Alegre,RS) Loide Pereira Trois (UFRGS, Porto Alegre,RS) A intenção deste trabalho é trazer à discussão a infância em sua potencialidade e a forma como a escola infantil pode garantir e privilegiar espaços legítimos de participação e de construção de uma proposta pedagógica que contemple a vida das crianças e as questões do cotidiano social. Portanto, os conceitos apresentados neste artigo constituem subsídios da pesquisa que está sendo realizada nas escolas de educação infantil do SESC RS que tem como finalidade legitimar os espaços de participação das crianças no cotidiano da escola consolidando uma proposta pedagógica para a infância. Sendo assim, estamos partindo de uma concepção de criança como atores sociais, potencialmente capazes de interferir, agir e construir sua história. A pesquisa vem sendo realizada por meio da observação participante com a utilização de registros em diários de campo e entrevistas com as crianças. Os resultados encontrados compõem um conjunto de estratégias de formação continuada que vem sendo implementadas, bem como a (re)construção da proposta pedagógica das escolas. CRIANÇAS: ATORES SOCIAIS Compreendemos a criança enquanto ser social ativo, contrariando principalmente o conceito de socialização difundida por Emille Durkheim (PLAISANCE, 2004; SARMENTO, 2005; MOLLO-BOUVIER, 2005) que supõe uma verticalização desta, ou seja, a ação de uma geração sobre a outra, as crianças como seres pré-sociais que necessitam assimilar a cultura para pertencer ao grupo social. Em oposição a esse esquema vertical de socialização, a Sociologia da Infância sugere a visão de uma Socialização Interpretativa, assim como afirma Sirota: A definição clássica que estabeleceu fronteiras claras entre gerações, na qual a socialização era concebida de maneira vertical, vai ser sucedida por uma sociologia da infância que introduz a visão de uma socialização interpretativa, na qual a criança aparece como um ator. Essa mudança conceitual vai introduzir uma visão em termos de socialização horizontal no nível do grupo de pares e do entrecrianças, considerando a criança não somente como um ser futuro, mas também como um ser no presente (2007, p.41). Assim, a Sociologia da Infância encontra na proposta de Corsaro (1997), a reprodução interpretativa, o conceito que reconhece as crianças como atores,

2 participantes de suas socializações. Então, as crianças realizam múltiplas interações com os seus próximos, tanto com os seus pares quanto com os outros integrantes de seu convívio social. Sua socialização é um processo de apropriação e de inovação, não é somente reprodução do mundo social. Elas constroem significações individuais e coletivas do mundo em que vivem, colocando-se, assim, a contribuição das crianças para a produção e transformação da sociedade tanto no grupo de pares como com os adultos (CORSARO, 1997,2002). Este conceito afirma que não existe simplesmente a socialização vertical, mas horizontal com os grupos de pares, levando ao reconhecimento das formas de sociabilidade (SIROTA, 2007) próprias das crianças, reconhecendo-as assim como atores sociais, capazes de produzir cultura, de construir juntamente com os outros grupos geracionais a sociedade em que vivem. A criança, portanto é compreendida como produtora de cultura. Sendo assim, não podemos mais considerá-la como um receptáculo a ser preenchido, ou como passiva e abstrata. A criança, não é simples reprodutora social, mas construtora. Ela atua socialmente e como o adulto é um ator social, ou seja, não é passiva a cultura e a sociedade, mas participa ativamente da produção cultural e social. Quando a cultura passa a ser entendida como um sistema simbólico, a idéia de que as crianças vão incorporando-a gradativamente ao aprender coisas pode ser revista. A questão deixa de ser apenas como e quando a cultura é transmitida em seus artefatos (sejam eles objetos, relatos ou crenças), mas como a criança formula um sentido ao mundo que a rodeia. Portanto, a diferença entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não sabe menos, sabe outra coisa. (COHN, 2005, p.33) Consideramos fundamental que as vozes das crianças sejam escutadas e inseridas no cotidiano escolar, trazendo sua peculiar forma de ver, compreender e vivenciar a realidade, ou seja, suas formas de significação e ação no mundo. PARTICIPAÇÃO INFANTIL NA ESCOLA Segundo Sarmento (2004), ao mesmo tempo em que a modernidade introduziu a escola como condição de acesso à cidadania, realizou um trabalho de separação das crianças do espaço público. As crianças encontram-se afastadas do convívio coletivo, a não ser na escola. Como fazer da escola, então, um espaço público de participação infantil?

3 Precisamos de práticas educativas que consideram a participação, na qual as crianças possam ser consultadas e que, efetivamente, possam expressar suas interpretações e opiniões, que tenham seus sentimentos e sensações, seus saberes e conhecimentos, suas interrogações e dúvidas respeitadas e escutadas, são práticas que fazem emergir novas possibilidades de encaminhamento pedagógico. Quanto mais dermos espaços para as vozes das crianças mais elas nos apontarão novidades. A construção de um trabalho escolar participativo e não alienado, exprimese num constante investimento da participação dos alunos na planificação, execução e avaliação das diferentes ações. [...] um espaço curricular de gestão autônoma. A escola procura construir no seu interior um modo alternativo de realização da ação educativa. (SARMENTO, SOARES e TOMÁS, 2004, p.16) A cultura da cidadania da infância é apontada por estes autores como promoção de ações educativas assumidamente pró-criança, onde o mote da intervenção é a criança, as suas necessidades e seus direitos, atentando para a diversidade cultural e para a identidade de cada criança. Desse modo, são práticas educativas que se distanciam de práticas uniformizantes que provocam a seletividade social. Práticas que acreditam, sobretudo, na capacidade da criança, com saberes e direito à participação nas escolhas e decisões coletivas. De acordo com Soares (2006), a participação é o desenvolvimento de um processo de expansão das liberdades das pessoas. Todos aqueles que advogam em favor da cidadania devem inserir práticas de participação infantil em que as crianças sejam consideradas como atores. Reconhecer os direitos básicos que as crianças possuem é, portanto, um meio em si mesmo.a pedagogia da infância tem uma herança rica de pensar a criança como ser participante e não um ser à espera de participação. O fato de considerarmos a competência participativa das crianças e seus direitos traz consigo uma obrigação cívica de incorporar as crianças em cotidianos educativos que as respeitem e valorizem. É uma pedagogia que procura responder à complexidade da sociedade e das comunidades, do conhecimento, das crianças e suas famílias, com um processo interativo de diálogo e confronto entre crenças, saberes, práticas e os contextos envolventes. A pedagogia da participação realiza uma dialogia constante entre a intencionalidade conhecida para o ato educativo e a sua relação com o contexto e com os atores, porque estes são pensados como ativos competentes e com direito a co-definir o itinerário do projeto de apropriação da cultura, que chamamos educação. A interdependência entre os atores faz da pedagogia da participação um espaço

4 complexo onde lidar com a ambigüidade, a emergência, o imprevisto se torna critério do fazer e do pensar. (SOARES, 2006, p.21). Para a autora, a participação implica na escuta, na observação, no diálogo e na negociação que são elementos da complexidade da pedagogia da infância. A tarefa da escola é justamente a constituição de contextos educativos complexos que permitam a emergência de possibilidades múltiplas e que colaborem no processo de construir participativamente o conhecimento. Compreender que a participação também ocorre sem palavras, que a linguagem do corpo pode ser sensível e inteligentemente interpretada, permite evitar muitas das participações artificiais ou frágeis, nas quais as crianças desempenham papel decorativo e parecem estar incluídas, diferentemente de situações nas quais são respeitosamente informadas e consultadas partilhando das decisões com os adultos. Essa escuta envolve uma interpretação que não pode ser apressada e abrupta, não pode impor um ritmo ou uma concepção previamente formulada. No gesto de escuta, não se trata de constatar ou confirmar, mas de se colocar perguntas, deixar que as incoerências, os tropeços, as conclusões, as formulações, as inquietações dos sujeitos tomem lugar. Um gesto que envolve estranhamento e relativização, sem tentar buscar um sentido único e absoluto. Ao falarmos de escutar as crianças estamos falando de uma linguagem que não é somente a verbal, mas uma série de diferentes linguagens acompanhadas, ou não, de expressões corporais, gestuais, faciais. Escutar as crianças ajudará os adultos a tomarem melhores decisões. As ideias, as informações que as crianças podem dar são relevantes para se conhecer melhor como elas veem os processos pelos quais passam, seus sentimentos e seus desejos. (RE)AFIRMANDO... A proposta pedagógica na Educação infantil, portanto, não será compreendida como prescrição, mas como ação produzida pelos educadores, e crianças. Trabalhar com as crianças é trabalhar menos com certezas e mais com incertezas e inovações. É o caminho que vai sendo tecido e construído no percurso com as crianças, o professor vai criando oportunidades e sendo sensível e atento ao que insiste e se faz presente nas ações e interações cotidianas das crianças. É na convivência cotidiana com o grupo que emergem os conteúdos mais significativos para compor a ação docente. Temos muito a aprender e conhecer sobre as crianças no plural, suas múltiplas infâncias, suas

5 heterogeneidades. Segundo Oliveira-Formosinho (2008), considerar o que as crianças tem a dizer é uma estratégia de aprimoramento da prática docente e de melhoria dos contextos educativos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COHN, Clarice. Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. CORSARO, W. Sociology of Childhood. Califórnia: Pine Forge Press, 1997.. A reprodução interpretativa no brincar ao faz-de-conta das crianças. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, n. 17. Crescer e aparecer... ou para uma Sociologia da infância, p.113-34.2002. MOLLO-BOUVIER, Suzane. Transformação dos modos de socialização das crianças: uma abordagem sociológica. Rev.Educação & Sociedade, Campinas, vol.26, nº 91, p.391-403, maio/ago. 2005, p.391-403 PLAISANCE, Eric. Para uma sociologia da pequena infância. Rev. Educação & Sociedade, Campinas, v.25, n.86, abr. 2004, p.405-17. SARMENTO, Manuel. As Culturas da Infância nas Encruzilhadas da Segunda Modernidade. In: SARMENTO, M. J.; CERISARA, A. B.Crianças e Miúdos: Perspectivas sociopedagógicas da infância e educação. Porto: Asa, 2004, p.9-34.. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Rev. Educação e Sociedade, Campinas, vol.26, n.91, p.361-78, maio/ago, 2005. SARMENTO, M.; SOARES, N. TOMÁS, C. Políticas públicas e participação infantil. 2004.Mimeo. SIROTA, Régine. A indeterminação das fronteiras da idade. Dossiê: Infância, educação e escola. Perspectiva, Florianópolis, v.25, nº1, p. 41-56, jan./jun. 2007. SOARES, N. A investigação participativa no grupo social da infância. In: Currículos sem fronteiras, v.6, n1, 2006. OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. (Org.) A escola vista pelas crianças. Porto(Portugual): Porto Editora, 2008.