AÇÃO SABERES INDÍGENAS NA ESCOLA: ANÁLISE SOBRE O PROCESSO FORMATIVO EM MATO GROSSO

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Transcrição:

3478 - Trabalho Completo - XIV ANPED-CO (2018) GT 08 - Formação de Professores AÇÃO SABERES INDÍGENAS NA ESCOLA: ANÁLISE SOBRE O PROCESSO FORMATIVO EM MATO GROSSO Neide da Silva Campos - SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE MATO GROSSO Leures Athaide da Silva - SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO RESUMO: Abordaremos sobre o processo formativo da Ação Saberes Indígenas na Escola (ASIE) que compõem a Rede Interinstitucional com início em 2016 para formação contínua de 110 Professores Indígenas de 11 grupos étnicos no estado. Refletiremos sobre o trabalho com alfabetização realizado em parceria com a Geempa para atender 5 povos no polo de Cuiabá. A formação orientou os processos de aprendizagem das crianças e a produção de material didático voltado para alfabetização e numeração em línguas indígenas e portuguesa, de acordo com os contextos sociolinguísticos e históricos de cada povo e aldeia. O ASIE é uma ação realizada com o MEC/SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) e participaram no primeiro ano de ação dos seguintes povos: Bororo, Chiquitano, Umutina, Paresi e Nambikwara, Xavante, Apiaká, Kaiabi, Munduruku, Terena e Kayapó. Os povos foram organizados em três pólos: Cuiabá, Barra do Garças e Sinop. Destacamos neste texto a formação de professores em Cuiabá que permitiu a apropriação e aprofundamento da teoria da psicogênese da linguagem escrita, bem como a inovação das práticas metodológicas nas escolas. Palavras-chaves: Formação; Povos indígenas; Escola Indígena; Alfabetização. AÇÃO SABERES INDÍGENAS NA ESCOLA: ANÁLISE SOBRE O PROCESSO FORMATIVO EM MATO GROSSO INTRODUÇÃO Neste artigo, buscaremos refletir sobre o processo de formação de professores indígenas do polo de Cuiabá-MT, na perspectiva da didática pós-construtivista garantir a alfabetização de todos nas aldeias. Para isso, teremos como objeto de investigação, a Ação Projeto Saberes Indígenas UFMT/MEC/SECADI, no Estado de Mato Grosso. Este projeto se organiza em três polos de atuação que integram diferentes regiões do estado para atender 11 povos indígenas assim distribuídos e visa promover a formação continuada dos professores que atuam nos anos iniciais na educação escolar indígena, bem como, desenvolver materiais didático-pedagógico intercultural bi/multilíngue. A Rede UFMT, foi organizada no Polo Cuiabá, localizado na Região Sul do estado, sob a coordenação da UFMT, atende os municípios da região Sul (Santo Antônio do Leverger, Barão de Melgaço), Sudeste (Rondonópolis) e Leste (General Carneiro) com o Povo Bororo; a região Oeste atende ao Povo Umutina (Barra do Bugres) e ao Povo Paresi (Tangará da Serra e Campo Novo do Pareci) que também estão na região Sudoeste (Sapezal), local da região que atende também ao Povo Nambikwara, e por fim, este polo atende ainda nesta região o Povo Chiquitano (municípios que fazem fronteira com a Bolívia).

No Polo Cuiabá, recorte deste artigo, buscamos analisar o processo de formação que teve como referencial a fundamentação e a didática do Geempa (Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia da Pesquisa e Ação) e como essas aprendizagens, especialmente para os professores indígenas que atendem aos anos iniciais para as crianças de suas escolas, no processo de alfabetização e numeramento, considerando as demandas do ensino que valorize a língua do povo, monolíngue, bilíngue ou multilíngue. A PROPOSTA DE FORMAÇÃO PARA O POLO CUIABÁ Em Cuiabá a formação foi diretamente com os professores indígenas dos cinco povos envolvidos que se encontraram num mesmo lugar para participar de uma formação para a alfabetização com professoras especialistas na didática pós-construtivista criada o Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia da Pesquisa e Ação. Para tal, pauta sua proposta pós-construtivista em estudiosos fundamentais para a compreensão do complexo processo de ensinar e aprender, como Piaget, Vygotski, Wallon, Gérard Vergnaud, Sara Pain, todos com os quais Esther Pillar Grossi dialoga para estabelecer as teorias que fundamentam a didática da alfabetização por ela criada, cujos conceitos da Antropologia, Psicanálise, Medicina, Pedagogia e Psicologia da Inteligência se articulam para subsidiar a formação de professoras e professores alfabetizadores. A formação, na perspectiva de Grossi (2008), precisa: [...] desenvolver bases conceituais sólidas [i], pois deve agregar saberes e fazeres com um refinamento conceitual consistente, uma vez que, não há ação sem uma teoria. Tendo por pressuposto teórico essa não fragmentação dos processos de aprendizagens na docência, para a formação foi elaborado pelo Geempa, conjuntamente com a equipe local, um Caderno de Atividades com ênfase na realidade dos grupos étnicos. Ao considerar o sujeito aprendente na sua integralidade com as suas diferentes dimensões, a proposta de ensino pósconstrutivista tem por finalidade romper com uma série de pré-conceitos arraigados no meio escolar que batem de frente com uma das constatações mais revolucionárias da atualidade: a de que todos podem aprender. (TUBOITI; LAURENDON, 2015, p.18) O texto orientador das atividades pautou uma temática relevante a todos os povos: a morte. A temática era trazida por um mito sobre a Morte de um dos povos envolvidos no Projeto e na dinâmica da formação pôde-se pontuar as dimensões simbólicas e suas diferentes formas e significações presentes em cada cultura de forma única, ao mesmo tempo em que todos lidam com temáticas comuns a todo humano, de alguma forma particular. Essa temática evidenciou possibilidades de conexão com os demais povos do mundo. A partir do Mito, enquanto gênero textual foi criado diversas situações de leitura e escrita por meio de jogos, na qual os professores puderam jogar os jogos didáticos construídos para a proposta, aprender sobre o que se ensina e o que se aprende a partir de cada situação e tirar das experiências aprendizagens significativas para o trabalho em sala de aulas com os alunos indígenas. APRENDER E ENSINAR QUE TODOS PODEM APRENDER NA ESCOLA Pensar uma formação para diferentes etnias foi um desafio, principalmente para que eles pudessem demandar os seus anseios, enquanto projeto formativo que consideram ser mais relevante para o seu processo de desenvolvimento profissional. Nesse sentido, o diagnóstico inicial foi organizado de modo a compreender a realidade local e as necessidades em torno das turmas dos professores e da escola na aldeia. De acordo com Zabala: [...] os docentes, independente do nível em que trabalhem, são profissionais que devem diagnosticar o contexto do seu trabalho, tomar decisões, atuar e avaliar a pertinência das atuações, a fim de reconduzi-las no sentido adequado. (ZABALLA, 1998, p.10). Analisamos que muitos professores buscavam conhecimentos sobre as questões referentes às aprendizagens das crianças e sobre as práticas de como alfabetizar os meninos e meninas, já demonstrando as lacunas da formação inicial, conforme relatos dos professores orientadores, no qual

solicitavam formação para atuação nos anos iniciais, estudar sobre os teóricos da aprendizagem das crianças, sobre a expectativa do curso e suas necessidades formativas. A maior dificuldade é nas séries iniciais [...] temos que ter o conhecimento de metodologia de alfabetização para poder ensinar nossos alunos a ler, escrever, aprender a compreender o que está sendo passado para eles. (Paresi). Ampliar o conhecimento dos professores que requer muita habilidade para o ensino das crianças. O estudo dos teóricos que escreveram sobre o processo de ensino aprendizagem para as crianças. (Umutina) A formação dos professores indígenas no Projeto Ação Saberes Indígenas na Escola teve início em fevereiro de 2017, onde ficou definido que a metodologia utilizada pelo Geempa, calcada no pósconstrutivismo, ou seja, O sujeito constrói o conhecimento na interação com a realidade tendo como mediação o outro. (GROSSI, 2007, p. 15-16). A proposta didática do Geempa em sala de aula está organizada de modo a considerar: Aulaentrevista, Formação dos grupos áulicos, Aula cultural, Material didático, Jogos pedagógicos e Lanche Pedagógico. Na primeira formação realizada em maio de 2017, as professoras formadoras do Geempa ensinaram aos professores indígenas a realizar a aula-entrevista e a importância de ter esse encontro a dois, antes do início do período letivo, pois a mesma apoia o planejamento das aulas. Assim, os professores vivenciaram um momento em que a formadora entrevistou uma criança indígena de cinco anos, enquanto uma formadora realizava a entrevista a outra ia escrevendo no quadro como a menina registrava sua percepção da escrita, assim, os dados criança de 5 anos subsidiou de forma concreta aquilo que havia sido trabalhado no curso, mostrando a indissociabilidade entre teoria e prática. Os professores tiveram a oportunidade de realizar a aula-entrevista em dois momentos, inicialmente com os alunos de uma turma de 1º ano do ensino fundamental da Escola Estadual Deputado Emanuel Pinheiro do município de Várzea Grande-MT. Assim, puderam ver e analisar em quais níveis da psicogênese os alunos estavam. A aula-entrevista é importante, pois além de ser um momento de troca entre professor e aluno, há também a seleção de quatro palavras a serem escritas. O que se pede para ser escrito consta de uma palavra dissílaba, outra trissílaba, outra polissílaba, outra monossílaba e uma frase (GROSSI, 2013, p. 25). Após as aulas-entrevistas, são organizados os gráficos de escada com os nomes de todos os alunos e sua classificação conforme os níveis de aprendizagens: 1º degrau: Pré-silábicos 1, 2º degra : Présilábicos 2; 3º degrau: Silábicos; 4º degrau : Alfabéticos e 5º degrau: Alfabetizados (GROSSI, 2010). Ao final do encontro os professores puderam ir para as aldeias e realizar as aulas-entrevistas, esse momento foi uma oportunidade utilizada pelos professores indígenas para sistematizarem os dados referentes aos níveis da aprendizagem de seus alunos, de modo a compreender onde o seu aluno se encontrava naquele momento para buscar consolidar uma prática que pudesse leva-lo até o último nível da aprendizagem que é estar alfabetizado plenamente. Conforme relato sobre o curso um professor enfatiza que o mesmo [...] nos ensinou a fazer um diagnóstico do aluno a partir de uma aula entrevista e assim direcionarmos as atividades específicas pro aluno. Sobre a aula entrevista outro professor destaque que: O que eu mais gostei mesmo foi da aula entrevista, porque através disso eu vou saber se o meu aluno é PS1, PS2, silábico ou alfabético ou alfabetizado, porque antes da formação eu não sabia que existia esse tipo de entrevista. Mas agora eu sei eu vou usar essa metodologia com meus alunos. (B.P.K.) Outro momento da metodologia é a realização e constituição da turma por meio de grupos áulicos, onde os alunos compõem grupos, geralmente de quatro pessoas, para esta composição dos grupos é feita eleição no qual os alunos votam e elegem seguindo então a premissa com quem eu quero aprender, com quem eu quero ensinar, e com quem eu quero trocar, cada item deste, vale uma determinada pontuação que é disposta em uma tabela, isto é, um material elaborado pelo Geempa, para visualização, dos alunos de sua pontuação. Logo, quem recebe mais votos, são os alunos que inicialmente serão os líderes, posteriormente, cada líder convida um aluno para integrar o seu grupo, e assim sucessivamente. O último integrante de cada

grupo escolhe em qual grupo deseja integrar-se. Esse grupo permanece junto durante um período de tempo e depois há uma nova votação e a constituição de novos grupos áulicos de aprendizagens. A constituição de grupos áulicos foi vivenciada nas formações dos professores, em cada encontro procedia-se o processo de eleição para composição dos grupos áulicos com os professores-cursistas. Tais grupos se mantinham todos os dias no mesmo lugar e com os mesmos integrantes. A grande aplicação didática concreta do Pós-construtivismo é agregar ao processo de aprendizagem que leva em conta os objetos de conhecimentos, três grupos diferentes de pessoas: Os que sabem mais, os que sabem mais ou menos e os que sabem menos do que cada aprendente sabe sobre o Campo Conceitual em questão, em cada momento. (GROSSI, 2017, p.33). A metodologia do Geempa também é calcada principalmente nos jogos didáticos que possibilitem as crianças pensarem sobre os processos da escrita e da leitura. Este momento foi muito produtivo, pois através dos materiais didáticos, os jogos foram apresentados e jogados, buscando a reflexão dos educadores. Outro diferencial por meio do qual é constituída a metodologia geempiana é o lanche pedagógico, momento também de aprendizagem, de espera e do viver coletivo. Isso também como proposta didática, foi vivenciado dentro do curso. Por fim, a aula cultural, que diz respeito à atividade cultural, que para o Geempa é necessária e relevante para o desenvolvimento do aluno, buscando a arte como promovedora de aprendizagens. Na formação houve momentos dos professores indígenas vivenciaram a aula cultural, apreciando o ensaio de um grupo de danças tradicionais de Mato Grosso. De acordo com Esther Pillar Grossi, em uma das formações, um professor que não gosta de Arte é um pobre professor. Ao final, de cada encontro foram realizadas as avaliações pelas formadoras do Geempa, que constituía em escrever o que aprenderam durante o curso e posteriormente, em roda, cada um lia sobre os resultados obtidos na formação e o que puderam aprender naquele encontro específico. APRENDER E ENSINAR COM AÇÕES PRÁTICAS EM SALA DE AULA O projeto Ação Saberes Indígenas na Escola da UFMT possibilitou a formação contínua de professores indígenas, de 11 povos de Mato Grosso, tendo como foco principal o fortalecimento teóricometodológico dos processos de aprendizagens da criança, e principalmente contribuiu para um novo conceito de letramento bi/multilíngue que busca garantir que o aluno aprenda em sua trajetória escolar na educação intercultural. Conforme dados abaixo, observarmos os impactos produzidos na formação dos professores cursistas: Quanto ao uso de materiais didáticos, a e metodologia de alfabetização utilizada pelo Geempa deu uma reviravolta no modo de concepção de alfabetização. (Professor Bororo) A formação está ajudando muito o professor a conhecer o aluno e o professor a escolher o material adequado para cada aluno, conforme seu nível (professora Paresi) Inicialmente observamos que os termos que permeiam o campo da psicogênese na língua escrita, não eram termos que faziam parte dos diálogos dos professores indígenas quando abordavam sobre o processo de alfabetização, remetendo aos seus alunos como aqueles que não sabiam ler ou escrever. Ao final do curso, concluiu-se que muitos professores conseguiram se apropriar dos termos, bem como dos conceitos que permeiam quando nos referimos que o aluno se encontra em um determinado nível da escrita. Esses conhecimentos são fundamentais para uma prática pedagógica com qualidade, pois ao identificar o nível que o aluno está, é possível prever possibilidades de reorientá-lo no processo educativo, de modo que seja resguardado o direito de todos aprenderem, conforme afirma uma professora: [...] os alunos cresceram em relação ao aprendizado. A comunidade percebeu que mudou muito depois que teve esse curso dos saberes indígenas (professora Paresi). Neste processo formativo cerca de 60 professores indígenas de diversas aldeias e localidades do estado de Mato Grosso, puderam se qualificar profissionalmente. Os relatos dos professores indicam uma relação de aprendizagem ao longo do desenvolvimento das ações:

Não tinha conhecimento necessário para identificar o nível de concepção em que se encontra o sujeito. No estudo da alfabetização, sendo estas uma das maiores dificuldades que é alfabetizar. (professora Bororo). Uma formação ótima, para quem está iniciando a alfabetização, eu mesmo sou uma dessas. Parece ser fácil alfabetizar uma criança, mas vejo que com essa formação fiquei sabendo de informações que nem pensava que tinha que ter para elaborar um plano de aula. São etapas que devemos fazer para poder conhecer a criança e poder fazer ela aprender, conforme o seu nível de aprendizagem. (professora Bororo) A formação na metodologia do Geempa possibilitou a apropriação e aprofundamento da teoria da psicogênese da língua escrita e a identificação dos níveis psicolinguísticos. Assim, houve o aprofundamento de saberes a respeito da didática do nível pré- silábico 1, pré-silábico 2, silábico, alfabético e alfabetizado. Para a professora da etnia Paresi sobre a formação, destaca: Acredito que os saberes indígenas foi fundamental para a formação minha como professora, pois saberei identificar os níveis que meus alunos estão rumo à alfabetização. [...] (professora Paresi) O aprofundamento teórico daquilo que é inerente aos saberes de um professor alfabetizador, possibilitou a inovação de práticas metodológicas e as novas formas de ensinar e aprender, contribuindo para o fortalecimento do linguístico e epistêmico da escola na aldeia. Sobre a formação, um professor destaque que: Foi de suma importância porque esta formação contribuirá e nos fará refletir e repensar para mudar a metodologia do ensinar a alfabetizar na minha escola. Atualmente nas escolas indígenas nós professores temos muitas dificuldades na alfabetização, porque é raro nos cursos de formação ter uma área dessa natureza que é a metodologia de alfabetização. Para mim, foi um curso inédito. (S.A.A.) O método pós-construtivista proporcionou novas formas de lidar com os processos da aprendizagem e de como a criança aprende. O Geempa trouxe a perspectiva que é possível ensinar a todos os alunos, porém para que isso possa ocorrer é necessário se apropriar de uma teoria consistente, bem como, que é necessário desejar aprender quer seja os alunos em suas aldeias, quer seja os professores nos cursos de formação. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Ação Saberes Indígenas na Escola da UFMT atendeu às demandas formativas requeridas inicialmente pelos professores indígenas numa perspectiva bilíngue, multilíngue, interdisciplinar e intercultural, buscando a superação das fragilidades pedagógicas apresentadas, e buscando dentro de um escopo teórico-metodológico provocar os professores indígenas acerca da compreensão de como ensinar as crianças na aldeia e possibilitar que todos aprendam o processo de escrita alfabética, e consequentemente possam se apropriar da leitura e da escrita como possibilidade de empoderamento social dentro da sociedade não indígena. Compreender a dinâmica envolvendo a didática pós-construtivista empregada pelo Geempa, foi um dos desafios aos professores indígenas, pois é uma proposta que demanda tempo para a apropriação dos conceitos. Assim, aprendendo mais sobre a didática pós-construtivista os professores puderam retornar para suas escolas nas aldeias com um aprofundamento teórico-metodológico para exercer em cada contexto experiências exitosas com as práticas da leitura e com a escrita. REFERÊNCIAS GROSSI, Esther Pillar. Aula-entrevista: caracterização do processo rumo à escrita e à leitura. 2 ed. Porto Alegre: GEEMPA, 2013. GROSSI, Esther Pillar. Que letra é essa? Do gozo da ignorância ao prazer de aprender. Rio Grande do Sul: Geempa, 2010. TUBOITI, Nair Cristina da Silva; LAURENDON, Candy Marques. Ensino-aprendizagem de professores a partir de uma formação continuada pós-construtivista a fim de alfabetizar 100% dos alunos. In: XII Congresso Nacional de Educação EDUCERE. Curitiba, PUC, 2015. ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

[i] http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2304&