A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS RESIDENTES EM ABRIGOS



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A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS RESIDENTES EM ABRIGOS TORRES, Diana de Farias Dianafarias_83@hotmail.com Faculdade das Américas Resumo: Através de estudos bibliográficos busca-se neste artigo compreender como se dá a educação de crianças residentes em abrigos, quais as dificuldades e desafios no presente para que recebam uma educação de qualidade, e, além disso, tratar sobre as medidas socioeducativas presentes no acolhimento às crianças institucionalizadas, caracterizando o abrigo como espaço socioeducativo facilitador de aprendizagem. Busca-se também desconstruir os estereótipos criados devido a um processo histórico no qual crianças e adolescentes que residem em abrigos são marginalizados pela sociedade. Após os estudos bibliográficos, conclui-se que as práticas de acolhimento às crianças e adolescentes abrigados sofreram transformações positivas ao longo da história devido à substituição do antigo Código de Menores pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e também, devido à mudança da legislação que traz um novo conceito de criança para a sociedade, reconhecendo-as como sujeitos sociais e de direitos. Mesmo assim notou-se que, mesmo em 24 anos de Estatuto Da Criança e Adolescente ainda há uma grande dificuldade dos Abrigos em mudar as práticas do atendimento asilar do passado. Chegou-se à conclusão de que, para que se tenha um atendimento que abranja todas as necessidades das crianças e adolescentes, em uma perspectiva de cidadania e de uma educação de qualidade que promova o desenvolvimento humano e autonomia, é necessário investir em políticas voltadas para a formação dos profissionais das equipes de abrigos. Palavras chave: Educação, crianças, abrigos e institucionalização. 1. Introdução: No processo histórico da Educação Infantil observa-se que durante muito tempo o ensino para crianças pequenas era visto como uma forma de educação assistencialista, pois o atendimento para essas crianças se dava por uma necessidade de mães que precisavam trabalhar e não tinham com quem deixar seus filhos. Esses filhos de mães trabalhadoras, de classes menos favorecidas, eram atendidos em creches e pré-escolas, que tinham somente a preocupação ao que se referia à alimentação, higiene e segurança física. A partir da Constituição de 1988 a educação infantil é vista como necessária e de direito da criança, além de ser um dever do Estado. A criança passa a ser vista como um ser social e de direitos. As creches e pré-escolas são integradas ao sistema de ensino, e nas políticas educacionais vão perdendo a visão assistencialista, e ganhando uma perspectiva pedagógica.

artigo 29: Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional lei nº 9394/96 em seu A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Hoje em dia a educação de crianças se dá não apenas em espaços escolares, há também outros ambientes coletivos como, por exemplo, as ONGs, abrigos e outras instituições que recebem crianças e adolescentes de zero até 18 anos de idade que vivenciaram situações diversas, como abandono, violência doméstica, orfandade, entre outras. Para Martins: Estas crianças residentes em abrigos, antes sem amparo legal para frequentarem a referida creche, por se destinar somente a filhos de mães trabalhadoras de classes menos favorecidas, por direito, passaram a frequentá-la, oportunizando, sobremaneira, uma maior convivência comunitária a todas as crianças de diferentes contextos sociais e arranjos familiares. (MARTINS. 2007, p.16) No Brasil, o processo histórico de atendimento às crianças e adolescentes em situações de abandono vem passando por mudanças, saindo do domínio das Igrejas, passando por profissionais filantrópicos e hoje como dever do Estado. Este artigo abordará a questão da educação de crianças residentes em abrigos 1, que chegaram por circunstâncias diversas que levam a uma situação de risco e vulnerabilidade social. Conforme prescrito no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), na impossibilidade da criança ser criada e educada no seio de sua família, como medida de proteção, a criança é encaminhada às instituições de abrigo, cujo atendimento, de acordo com o artigo 92, Inciso III do mesmo documento, precisa ser personalizado e em pequenos grupos. Segundo Rizzini e Rizzini, o atendimento destas crianças em abrigos é inspirado em princípios que caracterizam a vida familiar (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.80), o que se constitui uma pratica socioeducativa, pois favorece a reintegração das crianças à sociedade, promove o exercício da cidadania, a partir do qual a criança está exercendo seu direito de convivência familiar e comunitária. 1 O abrigo é uma medida de atendimento institucional de caráter provisório e excepcional. (ECA, art. 101, parágrafo único). 2

A educação desses meninos e meninas institucionalizados deve levar em conta a concepção de criança como um ser social e sujeito de direitos. Segundo a Constituição Federal de 1988 no seu artigo 227, inciso IV do capítulo 3: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Também devem ser seguidas as concepções de cuidar e educar segundo as leis que norteiam a educação de uma forma que proporcionem a reintegração destas crianças na sociedade e que ajudem na promoção do seu desenvolvimento integral. Segundo a legislação específica de assistência social, o abrigo é uma instituição social de caráter provisório, constituído pelo sistema casas-lares, que admite crianças de zero a 18 anos de idade, encaminhadas pelos Conselhos Tutelares, Vara da Infância e Juventude, SOS Criança e Centro de Abrigamento e Reencontro CEAR. (MARTINS, 2007, pag.87). Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), as entidades institucionais devem conservar os vínculos da criança com seus pais ou parentes e até mesmos vizinhos, pessoas com quem criaram vínculos afetivos, promover a reintegração familiar e promover participação na vida da comunidade local, além de desenvolver atividades mistas que facilitem a igualdade de possibilidades entre as crianças do abrigo. Estas crianças que chegam aos abrigos carregam com elas um olhar de uma sociedade que exclui, pois há um mito devido a um processo histórico de que as crianças que residem em abrigos são crianças infratoras. Para Maria Martins (2007, p.18) Criar um ambiente voltado ao bem estar da criança para que ela se sinta incluída e não marginalizada implica-se no seu reconhecimento como sujeito de direitos. Sendo assim, busca-se, também, desconstruir esta visão estereotipada destas crianças que tiveram os seus direitos violados. Esse artigo, mediante levantamento bibliográfico, tem o propósito de discutir a importância das medidas socioeducativas existentes na educação das crianças residentes em abrigos, desconstruir a visão estereotipada de que crianças residentes em abrigos são infratoras, e defender que são sujeitos de direitos que precisam de uma educação de qualidade e, por fim, caracterizar o abrigo como espaço socioeducativo que reintegra a criança para a sociedade e que possibilita a reconstrução da sua identidade. No Brasil ainda é uma realidade lamentável o abandono de crianças. No entanto, apesar da situação de abandono, essas crianças são sujeitos de direitos e devem ser 3

reconhecidas como tal, mesmo vivendo em abrigos têm o direito à educação, à convivência familiar e comunitária. As crianças residentes em abrigos, apesar de estarem afastadas de suas famílias, estão ligadas a elas afetivamente. A família, além de proteger a criança, tem uma função social e segundo o Projeto Fortalecendo as Bases de Apoio Familiares e Comunitárias para Crianças e Adolescentes (Trata-se de um projeto elaborado em parceria entre o CIESP, Instituto PROMUND em convênio com a PUC/RJ). Uma das funções mais importantes da família é a socialização. É na vida cotidiana familiar que os filhos vão recebendo os primeiros ensinamentos e vão internalizando os valores dos demais membros. É por isso que se diz que a família reproduz os valores culturais, porque os ensinamentos são transmitidos de uma geração para outra. (BRASIL, 2003, p.44) O abrigo não tem a função de substituir a família sanguínea da criança, no entanto, proporciona às crianças o direito de convivência familiar, pois é lá que se tomam providências para que a criança retorne para sua família ou conheça uma família nova, e também convivência comunitária conforme trata o Estatuto da Criança e Adolescente (1990), que prevê o fim do isolamento, presente na institucionalização em décadas anteriores (Rizzini & Rizzini, 2004; Silva, 2004). O abrigo passa a ser um espaço socializador e um ambiente facilitador de aprendizagem, no qual a criança vive experiências significativas para o desenvolvimento de suas potencialidades. Sendo assim, os abrigos não diferem de instituições de educação infantil, pois atendem às crianças de acordo com a legislação brasileira, na perspectiva dos direitos sociais das crianças, ou seja, reconhecendo a criança como um ser social e de direitos, educando-as para a convivência em sociedade e para exercício da cidadania, promovendo o seu desenvolvimento integral. Para Rizzini e Rizzini, proteger as crianças e adolescentes, cujos direitos estejam ameaçados, de forma que os mesmos possam desfrutar do direito de viver junto da sua família e da comunidade é um grande desafio (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.9). Há também o direito destas crianças a uma educação de qualidade, que para Maria Martins (2007) pode ser desenvolvida nos abrigos, em uma prática educativa favorável ao estabelecimento de inter-relações da criança com a comunidade, em uma educação voltada para o exercício da emancipação. No entanto, a autoras apontam a falta de cumprimento e de criação de políticas públicas que facilitem a estas crianças exercer cidadania e apontam caminhos para melhorias. 4

Para esta reflexão foram feitas pesquisas pela internet, para levantar artigos científicos e vídeos, além de livros que trazem a discussões das autoras Irene Rizzini e Irma Rizzini e de Maria Aparecida Camarano Martins. Na obra a Institucionalização de Crianças no Brasil: percurso histórico e desafio do presente, as autoras Irene Rizzini e Irma Rizzini, que são pesquisadoras conhecidas nacionalmente e internacionalmente nos estudos sobre a criança brasileira, nos trazem a reflexão e o conhecimento sobre o percurso histórico da institucionalização do Brasil, apontando as dificuldades e melhorias destas crianças que residem em abrigos e que sonham ter a proteção e o amor de uma família. Maria Aparecida Camarano Martins, em sua dissertação: Os relacionamentos constituídos no trabalho pedagógico da educação infantil envolvendo crianças abrigadas: Uma análise em busca do sentido da qualidade para se formar mestre em educação, nos traz a discussão na perspectiva da qualidade do trabalho pedagógico na educação infantil envolvendo crianças residentes em abrigos. As palavras-chave utilizadas para as pesquisas foram palavras ligadas ao título deste artigo: Educação, crianças, abrigos e institucionalização. As palavras-chave foram escolhidas por haver uma diversidade considerável de literatura que discuta o tema. O critério de escolha dos livros foi feita a leitura dos sumários e da apresentação e, também, inicialmente, de alguns capítulos disponíveis pela internet, localizados pelo site do Google acadêmico com as palavras-chave principais institucionalização e criança. Para a escolha dos artigos foi utilizado o mesmo critério de leitura dos resumos e verificação das palavras-chave, e a escolha dos vídeos foi feita através do tema abordado e do resumo. 2. Processo Histórico da Institucionalização: Na década de 1980 e no período em que houve a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que substituiu o antigo Código de Menores (1927 2 ), começava a haver mudanças em relação à concepção do menor que vivia em situação irregular em instituições, estas mudanças começaram a acontecer devido a movimentos sociais e ao início de estudos que investigavam as consequências da institucionalização no desenvolvimento das crianças e adolescentes. 2 Código de Menores foi sancionado em 1927 e reformulado em 1979, segundo Rizzini e Rizzini (2004) as leis transferiam da família para os representantes dos poderes públicos o poder de decidir sobre os chamados menores. 5

Antes do Estatuto da Criança e do Adolescente os órgãos que recebiam menores abandonados e menores em situação irregular eram instituições fechadas que atendiam com regras parecidas com as de asilo. Estas instituições, conhecidas como internatos de menores e orfanatos, que, em vez de proteger as crianças, as afastavam da sociedade, implicaram na segregação desses menores que eram vistos como perturbadores e delinquentes, pois para a sociedade todas as crianças e adolescentes que eram internados tinham problemas com a lei. Então, a partir da inclusão dos direitos das crianças e adolescentes que foi inspirado nas diretrizes da Constituição de 1988, representado pelo ECA, estas instituições que acolhem crianças recebem o nome de abrigos, pois têm a missão de acolher as crianças e adolescentes preservando os seus direitos conforme prescrito na lei. Com isso, o abrigo que tem a finalidade de acolher, proteger e preparar a criança para a cidadania tem também o desafio de mudar toda a política de atendimento de exclusão e privação de liberdade, para um atendimento personalizado voltado para os interesses das crianças, promovendo a relação com família, sociedade e combatendo a discriminação. Para Martins: Este processo de institucionalização pelo abrigamento e a implementação dos serviços oferecidos em parceria com diferentes órgãos sociais voltados para o acolhimento das crianças que se encontram em situação de vulnerabilidade social, supostamente não diferem do funcionamento das instituições, creches, asilos e orfanatos que funcionaram precariamente ao longo da história. (MARTINS, 2007, p.30) Segundo as autoras Rizzini e Rizzini (2004) houve resistências para mudanças das políticas de atendimentos dos antigos orfanatos e ainda existem muitas instituições que pouco se distinguem das instituições anteriores, no entanto, é necessário o cumprimento e criação de políticas que garantam e protejam com maior força as crianças e seus direitos. 3. Nos dias de hoje: Segundo o Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes em Serviço de Acolhimento, que foi realizado em 2010, sendo uma iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, havia 36929 crianças e adolescentes em atendimento institucional. Segundo o Censo SUAS 2012 o número de crianças e adolescentes atendidos é de 34940 mil em 3077 unidades de acolhimento institucional divididos em 1459 6

municípios brasileiros. O mesmo documento diz que 44,1 % dos serviços institucionais não têm uma equipe técnica completa, o que implica na qualidade do serviço e o desenvolvimento de ações efetivas que favoreçam o retorno à convivência familiar. (Censo SUAS 2012) O atendimento para crianças e adolescentes é feito de forma Casa Lar, que é um acolhimento de forma residencial no qual atua uma pessoa ou um casal como educadores, pai ou mãe social, que tem suas atribuições regulamentadas na lei 7.644 de 18 de dezembro de 1987. Eles são residentes e cuidam do grupo de crianças e/ ou adolescentes de até 10 pessoas, ou prestam atendimento em uma unidade institucional em que podem ser atendidas até 20 crianças e/ ou adolescentes. Nos dois casos o atendimento é inspirado na família, o que torna o abrigo um espaço de caráter educativo, pois possibilita o desenvolvimento das crianças por meio de aprendizagens e vivências familiares. E tanto na Casa Lar como em unidades institucionais, as regras e a gestão devem ser construídas de forma participativa e coletiva, a fim de assegurar a autonomia das crianças e adolescentes e preservar sua integridade. Mesmo que o acolhimento em abrigos seja de caráter provisório e excepcional, para muitas crianças este atendimento acaba sendo prolongado por virtude de muitos fatores como vimos acima, um deles é a falta de ações concretas que possibilitem retorno à família, o que Silva apud Martins assinala: A ausência de políticas públicas de apoio às famílias; inexistência de profissionais capacitados para realizar intervenções no ambiente familiar dos abrigados, promovendo a reinserção deles; a existência de crianças e adolescentes colocados em abrigos fora de seus municípios o que dificulta o contato físico com a família de origem; a utilização indiscriminada de medida de abrigamento pelo conselheiros tutelares antes de terem sido analisadas as demais opções viáveis para evitar a institucionalização de crianças e adolescentes. (SILVA apud MARTINS,2004, p.32). Como vimos nos números na pesquisa Censo 2012, existem muitas crianças e adolescentes vivendo em abrigos, os motivos são diversos que podem ser por não possuírem vínculos familiares, ou porque tiveram os seus direitos violados, ou porque foram abandonados, ou porque são entregues aos abrigos por suas famílias porque vivem em situação de pobreza, ou por terem sofrido violência e abuso sexual, o que exige um atendimento personalizado e humano. Nos casos em que as crianças passam mais tempo nos abrigos, devem ser tomadas providências para que esta experiência seja a mais adequada possível e atenda suas necessidades, não só as necessidades básicas de higiene, saúde e alimentação, mas também voltadas para a formação física e mental da criança. 7

A instituição deve promover atividades que propiciem o desenvolvimento integral da criança, pensando nos seus direitos conforme prescrito no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 já mencionados neste artigo, direitos sociais que estão colocados com uma perspectiva de cidadania, em uma política de atendimento voltada para individualização do sujeito, e para suas necessidades igualitárias. Em um artigo escrito pelo Centro de Apoio Operacional as Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude do Estado de Minas Gerais, apontando políticas de abrigo diz que: Permanências mais prolongadas requerem um projeto de vida de longo prazo com enfoques diferenciados na: autoestima; resiliência; autonomia; cidadania; superação das experiências negativas da vida (MINAS GERAIS, s/d, p.9). Pensando em autonomia e cidadania e nos direitos sociais da criança devem-se propor atividades coeducacionais que promovam o acesso à cultura, lazer, educação, profissionalização, em um trabalho coletivo envolvendo a comunidade, pois, quando a criança que completa os 18 anos de idade, que não retornou para a sua família de origem e também não foi colocada em uma família nova, tem que deixar o abrigo, esses indivíduos devem ter condições de viver em sociedade, com dignidade e autonomia, por isso, é importante que essas crianças e adolescentes sejam preparados para o desligamento, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 92. Lembrando que em todas as ações voltadas para o atendimento institucional devem-se levar em conta as vozes das crianças e de suas famílias, pois o Abrigo é uma medida de atendimento excepcional e provisória, mas, dependendo de qual foi o motivo para a criança ser levada até lá, talvez seja melhor que ali receba os cuidados necessários para o seu desenvolvimento. 4. Considerações Finais: Após os estudos bibliográficos concluiu-se que as práticas de atendimento às crianças e adolescentes abrigados sofreram transformações positivas ao longo da história, devido, à substituição do antigo Código de Menores pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e também com uma nova perspectiva da legislação para as crianças, como sujeitos sociais e de direitos. O abrigo passa a apoiar as crianças não só nas necessidades físicas, de higiene e de alimentação, mas também passa a ter uma preocupação no que se refere ao seu 8

desenvolvimento social, emocional e educacional, voltado a uma visão de cidadania, e assumindo-se como um ambiente socioeducativo. Notou-se que mesmo com 24 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente, há dificuldades dos Abrigos em mudar as práticas de atendimento do passado, porém, observouse que há também uma defasagem no que diz respeito à profissionalização desse atendimento. Para que se tenha um atendimento que abranja todas as necessidades da criança em uma perspectiva de cidadania, é necessário investir em políticas voltadas para a formação dos profissionais dos abrigos, para que se tenham intervenções necessárias para fortalecer o desenvolvimento das crianças abrigadas, tal como foi exigida formação superior para os profissionais de educação infantil. Além disto, os responsáveis pelo Abrigo devem cultivar um trabalho junto com a família, sociedade, Estado e Municípios, além de Conselhos Tutelares e Varas da Infância e da Juventude para que se façam valer os direitos das crianças e adolescentes que estão em situação de risco e vulnerabilidade social, criar projetos que os incluam em convivência familiar e comunitária, protegendo-os do preconceito e da discriminação e criar relações com a família na perspectiva de que retornem à convivência familiar ou que sejam incluídos em famílias novas, e, para os casos em que não são possíveis estes retornos, pensarem políticas educacionais voltadas à emancipação desses indivíduos que estão com o seu processo de desenvolvimento defasado devido à situação de risco. Mas, principalmente respeitar estes meninos e meninas que tiveram seus direitos violados e que, mesmo assim, têm um sonho em comum de serem criados em famílias que cuidem deles e lhes deem educação e amor. 9

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