O CONTEXTO SOCIAL E MUSICAL DE RIBEIRÃO PRETO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX: MODIFICAÇÕES, CONTRADIÇÕES E AMBIGÜIDADES 1



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O CONTEXTO SOCIAL E MUSICAL DE RIBEIRÃO PRETO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX: MODIFICAÇÕES, CONTRADIÇÕES E AMBIGÜIDADES 1 THE SOCIAL AND MUSICAL CONTEXT OF RIBEIRÃO PRETO IN FIRST DECADES OF THE TWENTIETH CENTURY: CHANGES, CONTRADICTIONS AND AMBIGUITIES. Mestranda no Instituto de Artes da UNESP São Paulo 1 Trabalho apresentado no V Fórum de Debates Perspectivas Interdisciplinares nas Artes e nas Humanidades da Universidade São Marcos, 2007.

Resumo Este trabalho pretende explorar as modificações ocorridas no contexto social e musical da cidade de Ribeirão Preto (SP) durante seu processo de modernização nas primeiras décadas do século XX. O período que abrange a gestão do prefeito Joaquim Macedo Bittencourt (1911-1920) foi marcante para a instalação da cultura da Belle Époque, quando observamos a ocorrência concomitante de bandas militares, dos grupos de música sinfônica e das jazz bands, no mesmo espaço social. A partir de então, analisamos as contradições sociais e as ambigüidades contidas na produção musical como importante fator para se compreender as particularidades do desenvolvimento musical desta cidade, que resultou na formação das sociedades sinfônicas e na fundação da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto. Palavras-chave: Ribeirão Preto, educação musical, sociedades sinfônicas. Abstract This article seeks to explore the changes in the social and musical context of the city of Ribeirão Preto (SP) during its process of modernization in the early decades of the twentieth century. The period that covers the management of Mayor Joaquim Macedo Bittencourt (1911-1920) was notable for the installation of the culture of the Belle Époque, when we observe the simultaneous occurrence of military bands, groups of symphonic music and jazz bands in the same social space. Since then, we analyze the social contradictions and ambiguities contained in the musical production as an important factor to understand the details of the musical development of this city, which resulted in the formation of symphonic societies and the foundation of the Symphonic Orchestra of Ribeirão Preto. Key words: Ribeirão Preto; music education; symphonic societies. 2

Introdução Como reflexo das transformações científicas, tecnológicas e culturais que ocorreram desde o final do século XIX em países como Inglaterra e França, o Brasil procurou alinhar-se aos modelos de modernidade européia, com a modificação das estruturas administrativas de alguns dos principais municípios do país, especialmente do Rio de Janeiro. Estes municípios, na sua maioria, já vivenciavam o progresso trazido pelo desenvolvimento da economia cafeeira através dos trilhos das estradas de ferro, construídas para o escoamento da produção e pela influência de sua recém estabelecida aristocracia, que mantinha os domínios da vida social, intelectual e cultural. Diante do ideal de Belle Époque, o Brasil adotou um modelo urbanístico inspirado na remodelação de Paris (1880) e a cidade de Ribeirão Preto passou por este período durante a administração de Joaquim Macedo Bittencourt (1911-1920). O trabalho de PAZZIANI evidencia estas transformações e nos dá parâmetros para o entendimento das circunstâncias em que elas estavam submetidas, com a instalação de rede de esgoto, iluminação elétrica, remodelação do traçado das ruas e a mudança cultural, exemplificada pela inauguração de rinks de patinação, cinemas e teatros e modificações nos usos e costumes, mudanças que fizeram de Ribeirão Preto cidade conhecida como Petit Paris. Considerando a questão da produção musical nesta cultura como importante referencia no contexto vivenciado pelos grupos musicais deste período, e a conseqüente formação das sociedades sinfônicas que, por sua vez, destinavam-se a cuidar de um repertório que estivesse de acordo com ideais aristocráticos, pretendemos com este trabalho analisar quais foram as modificações ocorridas e suas contradições e ambigüidades, para entender a necessidade da prática da música sinfônica num cenário em que, ao mesmo tempo, conviviam bandas advindas dos costumes da imigração italiana e as jazz bands, cópias do formato americano para repertórios populares do período da primeira guerra mundial. Sobre o contexto social, econômico, político e cultural de Ribeirão Preto no período proposto, obtivemos informações nos trabalhos de SILVA, GUMIERO e TUON que garantem o entendimento destas transformações. As questões sobre a inserção da Belle Époque no Brasil são encontradas em VELLOSO e SEVCENKO e 3

são importantes para a investigação destes ideais na cidade, como participante de um processo que se realizou nos grandes centros. Na questão da produção musical, encontramos referencia nos jornais da época e nos programas de concerto das sociedades sinfônicas, dos memorialistas CIONE, PRATES e STRAMBI que informam a existência dos conjuntos musicais que se apresentavam nas praças públicas, confeitarias, teatros, cassinos e outros ambientes e ANDRADE, que oferece conhecimento das sociedades sinfônicas da cidade de São Paulo. Para a conclusão, a análise dos dados é feita de acordo com o levantamento do repertório executado em paralelo às características de cada formação musical, definindo as funções de cada um deles dentro da sua realidade cultural. Este processo resulta num maior entendimento sobre os acontecimentos históricos, no resgate da história da música regional e a relevância das modificações, contradições e ambigüidades da produção musical da sociedade local. Objetivos Investigar o contexto social e musical de Ribeirão Preto (SP) durante o processo de modernização nas primeiras décadas do século XX. Analisar as mudanças e contradições na vida social e na produção musical reveladas com o estabelecimento da cultura da Belle Époque nesta cidade. Ambiente social e musical em Ribeirão Preto Na procura das condições materiais, culturais, psicológicas e morais que envolvem a cidade de Ribeirão Preto no início do século XX, nos deparamos com informações que demonstram o acelerado crescimento da cidade, que acontecia desde o final do século anterior, devido às atividades da economia cafeeira em expansão em nosso país. Com a inauguração da Companhia das Estradas de Ferro Mogiana, que tinha como missão o escoamento da produção das fazendas da região, abriu-se caminho para a chegada de mais imigrantes na cidade, que até então havia sido povoada por mineiros e escravos. Com a abolição, vinham para trabalhar na lavoura grande número de 4

italianos e espanhóis e posteriormente, em menor escala, pessoas de outras nacionalidades que deixaram as marcas de suas culturas ao se integrarem na vida e nos anseios da população. Os músicos residentes na cidade iam para as fazendas em dias de festa. Alguns deles eram de bandas militares, mas grande parte deles possuía outra profissão para seu sustento. São dos memorialistas PRATES e CIONE os relatos existentes a respeito das bandas desta época. Eles afirmam que a primeira banda foi organizada por Pedro Xavier de Paula em 1887 e que a segunda foi fundada em 1894 por José Munhai com imigrantes italianos. Até o presente para esta pesquisa, apenas fotos de álbuns como a do Sr. Aluísio da Cruz Prates, conhecido músico militar em Ribeirão Preto e do músico Manoel da Silva (?-1968), servem de documentação, limitando-se a descrever as características visuais das bandas, pois ainda não foi possível identificar todas elas ou o tipo de repertório utilizado. Outras apresentações musicais e artísticas aconteciam no Teatro Carlos Gomes. Inaugurado em 15 de novembro de 1897 com a ópera O Guaraní de Antônio Carlos Gomes, este teatro foi construído e projetado pela Companhia Ramos de Azevedo com a promoção dos coronéis das fazendas da região. Nele estreavam companhias de óperas vindas da Europa, que posteriormente se apresentavam no Rio de Janeiro e São Paulo. O teatro Carlos Gomes foi lugar de bailes, apresentações teatrais, exposições artísticas, festas e banquetes até a década de 1930 quando, com a inauguração do imponente Teatro Pedro II e a crise da economia cafeeira, entrou em declínio até sua demolição em 1944. Entre 1911 e 1920, na gestão do prefeito Joaquim Macedo Bittencourt, Ribeirão Preto passou por grandes e significativas mudanças em seu espaço físico. A ocupação crescente e desordenada de pessoas modificava o traçado da cidade e trazia grandes problemas de ordem higiênica e sanitária. Todos os projetos para melhorar as condições sociais foram colocados em prática neste período: Na administração de Ribeirão Preto (1911-1920), o médico baiano Joaquim Macedo Bittencourt (1862-1927) implementou na cidade um projeto de intervenções urbanas de caráter parcial, mas integrado num conjunto sistêmico de outros projetos com 5

origens nas décadas de 1880 e 1890, momento em que se definia o traçado da cidade. Com a introdução de novos elementos trazidos pela elite cafeeira, como as primeiras redes de água (1898), luz (1899) e esgotos (1900), o Cassino Eldorado (1894), o Teatro Carlos Gomes (1897), além da santa Casa, do hospital do Isolamento e do Ginásio do estado instituições sociais criadas e geridas pela coronelada formavase o cenário em que Bittencourt atuava como prefeito. (PAZZIANI, 2004, p.64) Através da construção de obras públicas e da melhoria dos serviços urbanos que se encenava a tão desejada Belle Époque. Ribeirão Preto era considerado grande centro urbano com um comércio completo e que supre a vida social com todas as exigências do viver moderno (BRASIL MAGAZINE, 1911, p.30). Bares, vários teatros, restaurantes e cinemas eram lugares de produção musical, realizadas em grande parte pela população imigrante e migrante, que vivia à parte nos bairros mais isolados do centro da cidade. O repertório era de chansons francesas, canções napolitanas e tangos argentinos, dependendo do lugar e das pessoas que o estavam freqüentando. As Jazz Bands também apareceram com as primeiras gravações do Jazz americano em 1917 e animavam as noites principalmente nos lugares de entretenimentos noturnos como os cassinos. Qualquer conjunto musical que então tivesse uma bateria e alguns instrumentos de sopro eram chamados de Jazz Bands. Elas colocaram novos ritmos à disposição para se ouvir e dançar: o samba, o jazz, o bolero e a rumba. Em 1924 é inaugurada em Ribeirão Preto a primeira rádio do interior do Brasil e para suas atividades foram formados mais orquestras e conjuntos, modificando a produção musical que passa a ser direcionada também para a prática de composições locais e regionais. Nesta mesma época surgem as primeiras sociedades sinfônicas, com o objetivo de manter conjuntos orquestrais para concertos constantes do repertório erudito: a Sociedade de Concertos Symphonicos de Ribeirão Preto (1923), a Sociedade Cultura Artística de Ribeirão Preto (1937) e a Sociedade Musical de Ribeirão Preto (1938), 6

seguindo a tendência das formações das sociedades sinfônicas de outros grandes centros brasileiros como no caso de São Paulo, citado por ANDRADE: a Sociedade de Concertos Synphonicos de São Paulo, a Sociedade Synphonica de São Paulo e a Sociedade Cultura Artística de São Paulo. Os documentos mais antigos sobre as bandas que tocavam em praças públicas são encontrados no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto e datam de 1933, ano em que foi firmado contrato da prefeitura de Ribeirão Preto com a Banda Giácomo Puccini, dirigida pelo maestro Ignazio Stábile, para retretas semanais em três diferentes praças da cidade. A Banda, que deveria contar com no mínimo 20 músicos, comunicava um dia antes o repertório a ser executado. Caso houvesse alteração, a prefeitura deveria ser previamente comunicada para que se verificasse sua razão. Esta Banda que mantinha com recursos próprios uma escola de música para 23 crianças carentes, participou das retretas promovidas pela prefeitura até 1937. A partir deste ano, passaria a se apresentar a Banda Independente, mas não consta documentação sobre ela. Conclusões Com a imigração, principalmente italiana, firmaram-se novos costumes que integraram as vivências da população local, as retretas das bandas de música, militares ou de coreto, participavam de todos os atos sociais e era uma das poucas oportunidades que a população tinha de ouvir qualquer tipo de música instrumental. Por isto mesmo, o repertório utilizado é o que podemos chamar de repertório oficial com hinos, música erudita e popular, marchas e dobrados (marcha militar de andamento rápido). A imigração, juntamente com outros fatores de desenvolvimento econômico, como a chegada da estrada de ferro, provocou sérios problemas sociais, devido ao grande crescimento populacional. A necessidade de modernização aconteceu concomitantemente aos ideais que caracterizavam a Europa na final do século XIX. As contradições sociais são percebidas no mesmo momento em que estes ideais liberais e positivistas se chocam com a mentalidade escravista dos fazendeiros e com a economia de Ribeirão Preto que dependia do meio rural, mas também necessitava acompanhar a evolução do mundo moderno. 7

Por isto, com a instalação da cultura da Belle Époque na cidade de Ribeirão Preto no início do século XX, podemos concluir que este cenário trouxe novos lugares de convívio social e para a produção musical: teatros, confeitarias, cinemas, cassinos, etc. Repertórios eram executados a fim de se alinhar com os novos pensamentos e costumes. Chansons francesas, canções napolitanas e tangos argentinos faziam parte do mesmo espaço social, juntamente com as bandas que não deixaram de existir e passaram a integrar as características desta nova realidade. A ambigüidade se mostra principalmente nas formações das Jazz Bands no período da Primeira Guerra Mundial. É fato que Bandas de Jazz tocam Jazz com instrumental básico de bateria, baixo e guitarra. Mas, na época, qualquer conjunto de bateria e instrumentos de sopro (basicamente vindos das bandas) era chamado de Jazz Band e o seu repertório de sambas, choros e maxixes e alguns tipos de Jazz, era tocado de acordo com o lugar em que se estabeleciam para trabalhar. No caso de Ribeirão Preto, casas noturnas e cassinos. Mesmo com as grandes produções operísticas apresentadas no Teatro Carlos Gomes, havia a necessidade da prática da música sinfônica dentro do momento cultural em que se vivia. As sociedades sinfônicas surgiram para esta conveniência, promoveram e fortaleceram o repertório erudito, mas com formações às vezes amadoras, onde partituras eram adaptadas para o conjunto existente e o piano supria os instrumentos que faltavam. Muitas destas sociedades se desfizeram e outras surgiram na mesma intenção. A única que conseguiu se manter é a Sociedade Musical de Ribeirão Preto (1938), que até hoje administra a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto. O aparecimento do rádio como meio de comunicação ampliou ainda mais o campo de atuação dos músicos, que formavam seus conjuntos para participar da programação da emissora. Com isso, novos músicos eram atraídos para a cidade e a população passou a conhecer além do repertório local, composições regionais. As bandas sobreviveram a todo este processo, trabalhando num ambiente saudosista para a manutenção das tradições do século XIX e com o custeio total da prefeitura. Muitos de seus músicos, como verificamos nas fotografias, foram os que integraram as Jazz Bands, conjuntos e orquestras. Dentro das limitações documentais, mas de acordo com o contexto analisado, o conhecimento destas informações mostram as modificações, contradições e 8

ambigüidades, com subsídios para o entendimento da história social e musical de Ribeirão Preto. Desta forma, temos a consciência dos fatos históricos determinantes nesta cultura para compreender seu desenvolvimento e as questões que envolvem sua produção musical. Fontes Arquivo Histórico da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto Referências bibliográficas ANDRADE, Mário de. Música Doce Música. São Paulo, Martins, 1963.. Música e Jornalismo: Diário de São Paulo. São Paulo, Hucitec: Edusp, 1993. CIONE, Rubem. História de Ribeirão Preto. IMAG, Matão, 1987. GUMIERO, Elaine Aparecida. Ribeirão Preto e o desenvolvimento do seu comércio: 1890 1937. Dissertação (Mestrado) Faculdade de História, Direito e Serviço Social, UNESP,Franca, 2000. PAZIANI, Rodrigo Ribeiro. Construindo a Petit Paris: Joaquim Macedo Bittencourt e a Belle Époque em Ribeirão Preto (1911-1920). Dissertação (Doutorado) Faculdade de História, Direito e Serviço Social, UNESP, Franca, 2004. PRATES, Prisco Cruz. Ribeirão Preto de Outrora. Ribeirão Preto: Ed. Bandeirante, 4ª edição, 1975. SEVCENKO, Nicolau. A Literatura como Missão. Ed. Brasiliense, São Paulo, 1995. SILVA, Benedita Luiza da. O Rei da Noite na Eldorado Paulista: François Cassoulet e os entretenimentos noturnos em Ribeirão Preto (1880 1930.) Dissertação (Mestrado) Faculdade de História, Direito e Serviço Social, UNESP, Franca, 2000 STRAMBI, Miriam. 50 anos de Orquestra Sinfônica em Ribeirão Preto. Ribeirão Preto: Legis Summa, 1989. 9

TUON, Liamar Izilda. O cotidiano cultural em Ribeirão Preto (1880-1920). Dissertação (Mestrado) Faculdade de História, Direito e Serviço Social, UNESP, Franca, 1997. VELLOSO, Mônica Pimenta. As tradições Populares na Belle Époque Carioca. Rio de Janeiro, FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1988. Documentação Álbum de Família pertencente a Sra. Maria de Lourdes da Silva Laguna Fotos de Bandas Militares pertencentes ao Sr. Aluísio da Cruz Prates Revista Brazil Magazine. Arquivo Público e Municipal de Ribeirão Preto. Localização: Pasta Revistas, 1911. 10