Página364 Resenha COMO ANDA SALVADOR E SUA REGIÃO METROPOLITANA 1 Andréa Araújo de Jesus 2 1 CARVALHO, Inaiá M. M de; PEREIRA, Gilberto C. (Orgs). Como anda Salvador e sua região metropolitana. 2. ed. Salvador, BA: Edufba, 2008. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/1724/1/como%20anda%20salvador_ri.pdf 2 Professora do Curso de Turismo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social da Universidade Católica do Salvador UCSAL. E-mail: andreaaraujo02@yahoo.com.br
Página365 Como Anda Salvador e sua Região Metropolitana é um livro composto por um conjunto de nove artigos, organizados por Inaiá Maria Moreira de Carvalho e Gilberto Corso Pereira, lançado em 2006 e reeditado em 2008 pela Editora da Universidade Federal da Bahia, com 228 páginas. O livro é um dos resultados do projeto de pesquisa Metrópoles, Desigualdades Sócioespaciais e Governança em Salvador (integrado ao Observatório das Metrópoles), vinculado ao Centro de Recursos Humanos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da UFBA. A proposta deste livro consiste numa atualização sobre os problemas sóciourbanos de Salvador e da sua Região Metropolitana, constituindo assim um aprofundamento teórico acerca do tema que trata também de refletir sobre suas perspectivas de equacionamento e solução. Este conjunto de estudos sobre a nossa região é de tal relevância que Ana Fernandes e Paulo Fábio Dantas Neto, que assinam a introdução do livro, afirmam que depois dele, saberemos mais sobre nós mesmos. Interessante salientar que esta proposta é apresentada ao leitor de forma interdisciplinar, exposta de maneira que consegue servir de base teórica para um amplo público interessado na compreensão da dinâmica sócio espacial da Cidade de Salvador e sua Região Metropolitana. O primeiro artigo A Economia de Salvador e a Formação de sua Região Metropolitana, de Paulo Henrique de Almeida, aborda a evolução da economia da cidade de meados do século XX ao início dos anos 2000, tentando compreender quais as causas que levaram a consolidar-se numa metrópole com baixo índice de crescimento e recordista brasileira de desemprego. A pauta de exportação na Bahia se destacava com o café, o fumo e o cacau, produtos que sofriam crises cíclicas e flutuações de mercado. Segundo o autor o cacau ainda se manteve forte no mercado, mas não pôde acelerar o crescimento urbano industrial na Bahia. Após um período de estagnação entre os anos 1920 e 1940, ocorreu um período chamado de Nova Indústria (1950 a 1980) que teve como eventos econômicos mais importantes a implantação da Petrobrás, do Centro
Página366 Industrial de Aratu (CIA) em 1967 e do Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC), implantado entre 1972 e 1978. Na década de 1990 o CIA era caracterizado pela imprensa baiana como um cemitério de empresas e o Polo Petroquímico, apesar de ter modificado a participação da indústria no PIB estadual da Bahia que saltou de 12,0%, em 1960, para 31,6%, em 1980, e 38,1%, em 1990, segundo o autor não foi capaz de apresentar os efeitos multiplicadores e de aglomeração sobre o investimento, a renda e o emprego, incluindo a multiplicação de pequenas empresas. O segundo artigo Condições Demográficas, de Cláudia Monteiro Fernandes, apresenta Salvador como a terceira cidade mais populosa do país que comanda a sexta região metropolitana brasileira, em termos demográficos. Revela as caraterísticas do processo de periferização da sua região metropolitana, destacando o crescimento de municípios como Lauro de Freitas; destaca a falta de pulverização da população em cidades do estado consideradas médias, o que densifica a cidade de Salvador. Aborda questões referentes à caraterísticas da população e das famílias da cidade que apresenta uma redução da taxa de natalidade, aumento da participação de pessoas com mais de 70 anos na população, concentração de pessoas economicamente ativas residindo na cidade e aumento do número de mulheres responsáveis economicamente por famílias. Inaiá Maria Moreira de Carvalho e Gilberto Corso Pereira apresentam o terceiro artigo deste livro, intitulado As Cidades de Salvador, trazendo uma discussão sobre as diferenças econômicas, étnicas, sociais ou culturais que constituem uma das marcas das cidades contemporâneas. Segundo os autores, a segregação vem sendo objeto de preocupação de cientistas sociais e urbanistas desde a primeira metade do século XX, pois, as transformações econômicas e sociais dos últimos anos têm agravado a sua intensidade e perversão. Neste estudo, os autores apresentam como ocorreu a apropriação social do espaço em Salvador revelando que este processo se deu através de um modelo excludente em que o poder público serviu ao capital imobiliário desde a época em que transferiu sua propriedade para (algumas poucas) mãos privadas, através da Lei da Reforma Urbana, em 1968. O trabalho também apresenta uma análise detalhada do espaço na RMS sobre a ocupação da população economicamente ativa da RMS (agrupada em categorias) e a distribuição dessas categorias no espaço da
Página367 metrópole, utilizada pelo Observatório das Metrópoles, que permite uma análise profunda das principais transformações mais atuais na cidade. Trabalho, renda e pobreza na região metropolitana de Salvador é o quarto capítulo deste livro, apresentado também por Inaiá Maria Moreira de Carvalho. Segundo a autora, este estudo aborda as condições de trabalho e renda que prevalecem em Salvador e sua RM, considerando tanto a trajetória e especificidades locais como o impacto das transformações econômicas e sociais recentes sobre esse tipo de região. Desta forma, a autora segue uma narrativa que avalia tanto como as metrópoles têm concentrado as atividades mais dinâmicas - o poder e a riqueza - como também, como a globalização tem contribuído para revitalizar o seu papel e o seu crescimento, transformando-as em sítios estratégicos para a economia mundializada. Finalmente, destaca um espaço especial para Salvador e sua RM no que se refere à sua economia produtiva e mercado de trabalho, seu histórico e situação atual, prestando atenção especial às desigualdades intrametropolitanas. O quinto capítulo do livro, Habitação e infraestrutura urbana em Salvador e região metropolitana de Gilberto Corso Pereira, trata sobre o quadro de extrema desigualdade social e concentração de renda que o processo histórico de crescimento das cidades brasileiras costuma resultar, especialmente no que se refere ao cenário urbano de segregação espacial, utilizando a cidade de Salvador e sua RM como seu objeto de estudo. Apresenta os contrastes entre o que se pode considerar cidade formal, regulada pelo mercado imobiliário, caracterizada por áreas com boa oferta de infraestrutura e normalmente atendendo a legislação urbanística, e pela cidade informal, caracterizada pelo autor como área de implantação de loteamentos irregulares e clandestinos, bem como invasões de áreas públicas e privadas ocupadas pela população de baixa renda, em decorrência da impossibilidade de acesso ao mercado imobiliário. Discute também a dificuldade em se ter em Salvador (como em toda metrópole) um controle e ordenamento do uso e ocupação do solo e as dificuldades para assegurar a prestação de serviços públicos a um conjunto considerável de seus habitantes mais pobres, através de politicas habitacionais de interesse social. Finaliza a
Página368 sua narrativa apresentando as principais tendências no que se refere à urbanização da cidade. O sexto capítulo, Condições de vida, violências e extermínio, de Jairnilson Silva Paim, refere-se ao que Salvador traz na epidemia da violência que se constitui como marcas da sua história na constituição do seu espaço urbano. Partindo do pressuposto de que o capitalismo da nova ordem produz iniquidades sociais que se expressam em cada território que integra a cidade, o autor analisa a distribuição dos homicídios no espaço urbano de Salvador, discutindo os significados sociais deste tipo de violência. Segundo o autor, desta forma, as condições de vida, enquanto acumulações sociais podem contribuir para a explicação da distribuição desigual das mortes violentas no espaço urbano. A hipótese motivadora da pesquisa foi baseada na possibilidade de existência de práticas de extermínio contando ou não com a participação da polícia. Não consegue chegar a uma conclusão, no que se refere à indicação de bairros violentos, como sugere a mídia e o senso comum, nem concluir que a pobreza, em si, gere violência. No entanto, através dos resultados produzidos, pode-se admitir que as populações residentes nas áreas mais pobres de Salvador são as maiores vítimas das violências letais. Os espaços públicos da Salvador contemporânea, constitui-se no sétimo capítulo do livro, apresentado por Angelo Serpa. Num cenário de tendências das políticas de requalificação urbana apresentarem-se como seletivas e segregacionistas, aborda as questões relativas à gestão dos espaços públicos da cidade de Salvador, evidenciando as estratégias diferenciadas do poder público com relação a estes espaços. Como centralidade para a sua análise, o autor ressalta a valorização de noções de desenvolvimento e de cidades sustentáveis, que se apoiam na concepção de que a melhoria da qualidade de vida urbana valoriza a imagem e a atratividade das cidades. Baseia a sua discussão no entendimento que as áreas verdes e públicas servem a esse fim, bem como na constatação da evolução sócioeconômica do Brasil que resultou em meados dos anos 1990 nas maiores aglomerações urbanas do país, e num aumento expressivo das desigualdades entre ricos e pobres no Brasil. Apresenta na sua visão o espaço urbano como espaço de expressão das sociabilidades urbanas e sim revelada,
Página369 por vezes, como uma justaposição de territórios privatizados, onde não há nem encontros nem um espaço compartilhado por seres humanos iguais em sua diferença, mas, sobretudo, um espaço dividido entre os diferentes grupos de usuários. O oitavo capítulo, Metropolização e turismo no Litoral Norte de Salvador: de um deserto a um território de enclaves, elaborado por Sylvio Bandeira de Mello e Silva, Barbara-Christine Nentwig Silva e Silvana Sá de Carvalho, analisa as transformações recentes e em curso no litoral ao Norte de Salvador, provocadas pela rápida expansão das atividades turísticas, discutindo suas características, seus problemas e suas perspectivas no contexto metropolitano. Os autores baseiam-se em Christaller tendo o turismo como força contrária que tende a valorizar áreas periféricas, ou seja, áreas distantes das grandes aglomerações (metrópoles) e bastante atraentes quanto às condições naturais e culturais, num processo oposto ao ocorrido durante a globalização. Apresentam as mudanças recentes de Salvador e do litoral norte que hoje se apresenta praticamente como um continuum axial urbano entre Salvador e Itacimirim, com densidades diferenciadas. Analisam as causas da metropolização turística do litoral norte de Salvador, neste caso tendo sido fortemente atrelado ao processo de metropolização provocado pelo setor industrial (Centro Industrial de Aratu e Polo Petroquímico de Camaçari) e ressaltam o planejamento urbano participativo como alternativa para reverter a opção preferencial pela produção de um território predominantemente de enclaves de luxo na região. O nono artigo, Cooperação e coordenação na região metropolitana de Salvador: o contexto institucional, de Celina Souza, discute como Salvador, como a maioria das RMS brasileiras, ainda não conta com mecanismos capazes de incorporar formas cooperativas e/ou mecanismos de coordenação para a formulação e a gestão de políticas públicas com recorte metropolitano, gerando um vazio institucional no que se refere à governança metropolitana. Chama a atenção para o que a autora denomina como constrangimentos de ordem tributária e institucional, que bloqueiam as possibilidades de criação de mecanismos cooperativos e de coordenação dos territórios metropolitanos, analisando estes constrangimentos à luz do referencial teórico neoinstitucionalista sobre as condições de cooperação nas ações coletivas e de
Página370 coordenação inter e intragovernamental no âmbito da cidade, que, na ausência de mecanismos de cooperação e de coordenação gera, como consequência, um vazio institucional de gestão, de governança e de formulação de políticas públicas metropolitanas. Considera-se que a relevância desta obra está centrada no fato de que contribui com o conhecimento específico sobre a cidade de Salvador na produção do seu espaço urbano, tanto fazendo um resgate histórico como também oferecendo informações atualizadas, numa perspectiva que nos auxilia na compreensão das singularidades deste processo, no que se refere especialmente as caraterísticas excludentes e segregadoras na formação do espaço urbano da cidade e sua região metropolitana. A sua leitura oferece também um forte conteúdo crítico sobre como organização do território tem sido conduzida pelo poder público, atendendo especialmente ao mercado do capital e a um grupo de pessoas. Cronologia do Processo Editorial Recebido em: 02. set. 2016 Aprovação Final: 12. nov. 2016 Referência (NBR 6023/2002) CARVALHO, Inaiá M. M de; PEREIRA, Gilberto C. (Orgs). Como anda Salvador e sua região metropolitana. Resenha de: JESUS, Andréa Araújo de. Turismo: Estudos & Práticas (RTEP/UERN), Mossoró/RN, vol. 5 n. 2, p. 364-370, jul./dez. 2016.