LIÇÕES DE PEDIATRIA VOL. I GUIOMAR OLIVEIRA JORGE SARAIVA. Versão integral disponível em digitalis.uc.pt COORDENAÇÃO

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Transcrição:

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA COIMBRA UNIVERSITY PRESS VOL. I LIÇÕES DE PEDIATRIA GUIOMAR OLIVEIRA JORGE SARAIVA COORDENAÇÃO

Capítulo 9. Neonatologia 9 José Carlos Peixoto e Carla Pinto DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1300-0_9

CAPÍTULO 9. NEONATOLOGIA 117 9.1. DEFINIÇÕES, CONCEITOS E FISIOLOGIA FETAL 9.1.1 Contexto e descrição do tema Neonatologia é a subespecialidade da Pediatria que se ocupa das crianças desde o nascimento até aos 28 dias de vida. Perinatologia é o ramo da Medicina que trata dos fetos desde a conceção, especialmente desde que são potencialmente viáveis, até à alta do recém-nascido da Maternidade. O seu objetivo principal é promover a segurança no parto e a qualidade no nascimento; ambas dependentes do sucesso da vigilância da gravidez, da antecipação do melhor local, momento e condições para o parto assim como a qualidade da reanimação disponivel. A perinatologia promove a partilha assistencial, a articulação indispensável entre a Neonatologia e a Medicina materno fetal, a cooperação multidisciplinar e a comunicação entre Obstetras e Neonatologistas. Idade de gestação (IG) é a duração da gravidez medida desde o primeiro dia do último ciclo menstrual. Quando completa (40 semanas) dura cerca de 280 dias. A idade embrionária avalia- -se desde a fertilização, dura cerca de 266 dias, menos duas semanas que a IG. Período pré embrionário corresponde às primeiras duas semanas após fertilização. É um período de abundante divisão celular, diferenciação, formação das estruturas que vão garantir a implantação às paredes uterinas, a circulação e diferenciação fetal. Ao quarto dia após a fertilização a mórula aproxima-se da parte média superior do útero onde se vai iniciar a implantação. Ao quinto dia após a fertilização forma-se o blastocisto constituído por uma parede externa (trofoblasto) responsável pelo desenvolvimento da placenta e membranas amnióticas e pela parte interna (embrioblasto) que originará o cordão umbilical e o feto. Ao sexto dia após a fertilização o trofoblasto invade o endométrio e subdivide- -se em duas paredes: uma penetra o miométrio contactando as artérias uterinas e origina as artérias espirais uteroplacentares; a outra designada sinciotrofoblasto irá revestir todas as vilosidades provenientes do feto. Entre estas duas paredes ficará o espaço inter-vilositário, rede vascular de muito baixa resistência que irá ser responsável por todas as trocas entre a circulação embrio/feto- -placentar/materna (figuras 1 e 2). Neste período o contacto com a circulação materna ainda não existe sendo relativamente resistente à ação dos teratogéneos. Período embrionário é a fase crítica do desenvolvimento humano, inicia-se à segunda e termina na oitava semana após a fertilização. É muito vulnerável à acção de várias agressões, com risco acrescido de malformações. Nestas oito semanas desenvolvem-se todos os órgãos e principais sistemas do feto. Nesta fase o saco vitelino é a principal fonte de nutrientes, mas o cordão umbilical continua a desenvolver-se e a estabelecer a circulação fetal e o desenvolvimento embrionário dos órgãos e sistemas fetais. O desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) é o primeiro a ser iniciado, por volta dos 18 dias após a fertilização, mas é o último a completar a sua maturação terminando muito para além do nascimento. O coração começa a ter batimentos aos 22 dias após fertilização e é o primeiro a ficar completamente funcional. A circulação feto-placentar está completa à

118 JOSÉ CARLOS PEIXOTO E CARLA PINTO Figura 1. Desenvolvimento embrionário. Adaptado de: HumanEmbryogenesis.svg https://en.wikipedia.org/wiki/file:humanembryogenesis.svg quinta semana após fertilização. Nesta altura as vilosidades estão constituídas, a grande maioria submersas no espaço inter-vilositário e algumas delas atingindo o trofoblasto extravilositário. Até aqui o saco vitelino substituiu a função da placenta no fornecimento dos principais nutrientes ao feto. As duas circulações nunca se misturam. O sinciciotrofoblasto, parede fetal do trofoblasto, é um epitélio especializado que cobre toda a árvore das vilosidades, atingindo uma área de 12 a 14 m 2 no final da gestação. É responsável pelo transporte de gases, nutrientes e produtos residuais, pela síntese de peptídeos, glicogénio, esteróides, e hormonas que regulam as funções da placenta e dos sistemas fetais e maternos (figura 2). Período fetal inicia-se na oitava semana após a fertilização e termina no final da gestação. Depois de um período em que predominaram a hiperplasia e a organogénese, segue-se uma fase de crescimento linear na estatura, crescimento logarítmico no peso e maturação de todos os órgãos e sistemas. A formação de urina inicia- -se entre a nona e a décima segunda semana

CAPÍTULO 9. NEONATOLOGIA 119 Figura 2. Placenta. Adaptado de: https://en.wikipedia.org/wiki/file:2910_the_placenta-02.jpg mas a nefrogénese só está completa cerca das 35 semanas de gestação. A urina fetal passa a ser o constituinte principal do líquido amniótico (LA). O débito urinário aumenta de 12 para 28 ml/hora entre as 32 e as 38 semanas de IG. O líquido pulmonar fetal (LPF) é também um constituinte do LA podendo corresponder a cerca de um terço do seu volume. O feto deglute cerca de um litro de LA por dia e cerca de 170 ml de LPF. A síntese do LPF é ativa, processa-se a nível alveolar, é dependente dos canais de cloro e tem uma composição diferente do LA. No primeiro trimestre a osmolaridade do LPF é semelhante à dos sangues materno e fetal quando o papel das membranas é predominante. Entretanto essa osmolaridade vai diminuindo à medida que a reabsorção tubular de sódio aumenta. Metade do LPF é deglutida e a outra é eliminada para a cavidade amniótica. As funções protetoras do LA são bem conhecidas, evitam traumatismos e deformações do feto. Atualmente conhecem- -se também algumas funções nutritivas, sendo responsável por 10 a 15% dos nutrientes para o feto. Oligoâmnios é a designação usada quando o volume de LA está reduzido, podendo ser provocado por insuficiência placentar habitualmente associado a restrição do crescimento, alteração da função renal do feto com oligúria ou rotura de membranas com perda de LA. As consequências poderão ser graves como hipoplasia pulmonar secundária, defeitos posturais e riscos de deformações. Polidrâmnios será o excesso de volume