PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NA ESCOLA SANTA TEREZINHA (GUIRATINGA/MT 1971 1998) ARAÚJO, Vanuzia dos Santos/UFMT/IE/PPGE/CAPES/vanuziagga@yahoo.com.br Resumo: O estudo está centrado na Pré-escola e na primeira série da Escola Santa Terezinha - Guiratinga/MT. Optou-se pela metodologia de fundo histórico, baseada na análise de fontes documentais e na história oral de vida de alfabetizadoras. O objetivo foi o de reconstituir parte da cultura escolar e da história da alfabetização, por meio da análise das fontes encontradas (diários de classe, documentos, cadernos, fotos e trajetória de oito profissionais que deram sua contribuição nessa instituição, no período de 1971 a 1998). A delimitação temporal levou em conta o ano de 1971, período em que foi implantada a Lei 5.692 e o ano de 1998 (época da implantação do CBA no Mato Grosso). Tornou-se possível conhecer, por meio da análise das fontes, como a escola procedia no ensino da alfabetização. As práticas de ensino da leitura e da escrita na pré-escola, registradas nas fontes documentais, demonstraram que o início do processo educativo era mais voltado para o desenvolvimento da interação social e coordenação motora do aluno, por meio de atividades lúdicas que propiciavam a apropriação dos conteúdos pelas crianças, tais como, fichas de leitura e jogos de leitura. A partir da década de 1980, o Pré foi dividido em duas etapas, iniciando o ensino pela introdução de letras, sílabas, palavras e, em seguida, frases. As alfabetizadoras utilizavam a cópia nas aulas como estratégia de treino e fixação da leitura e da escrita e o ditado para avaliação da aprendizagem. Na primeira série o ensino dava ênfase a textos com sílabas complexas e exercícios ortográficos. O método de alfabetização mais utilizado nas atividades foi o silábico. Palavras-chave: Práticas pedagógicas - Alfabetização - Cultura escolar. Apresentação da pesquisa A atual investigação está centrada na Pré-escola e na primeira série da Escola Santa Terezinha -Guiratinga/MT. Para a pesquisa, optou-se pela metodologia de fundo histórico, que se vale dos estudos da História Cultural 1 (CHARTIER, 2002; CERTEAU, 2007), e da Educação (notadamente, da alfabetização 2 ), baseada na análise de fontes documentais e na história oral (MEIHY, 1996; THOMPSON, 1992) de vida de alfabetizadoras. O objetivo foi o de reconstituir parte da cultura escolar e da história da alfabetização, por meio da análise das fontes encontradas (diários de classe, documentos, cadernos, fotos e trajetória de oito profissionais que deram sua contribuição nessa instituição, no período de 1971 a 1998). A delimitação temporal levou em conta o ano de 1971, período em que foi implantada a Lei 5.692 e o ano de 1998 (época da implantação do Ciclo Básico no Mato Grosso). Tornou- 1 Para compreender as práticas de ensino exercidas no passado por essa instituição, utilizo os conceitos de representação, práticas, apropriação, estratégias e táticas. 2 Utilizo os estudos da alfabetização de Soares (1985, 2003, 2004, 2006); Ferreiro e Teberoski (1999); Smolka (1987); Cagliari (1998, 2007); e Geraldi (2006).
se possível conhecer, por meio da análise das fontes, como a escola procedia no ensino da alfabetização. Outro autor importante é Dominique Julia, uma vez que, o foco da pesquisa está voltado para a prática escolar - cultura escolar desempenhada no emaranhado de regras que determinam informações a ensinar e procedimentos a exercer, como união de práticas que provocam a difusão de conhecimentos e a inculcação de comportamentos permeados por normas e desígnios que conduzem a escola, a formação docente e os conteúdos do ensino (JULIA, 2001, p. 10/1). Para verificar esses pressupostos da história cultural no entrecruzamento de fontes documentais, me reportei a Mortatti (2000, p. 21) na tentativa de compreender o processo de tratamento dos documentos o conceito de configuração textual 3, no conhecimento do passado e compreensão da diversidade histórica; ou seja, de possível investigação relativamente ao ensino da leitura e escrita na fase inicial de escolarização de crianças, inserindo-o na problemática relativa às pesquisas em Ciências Humanas, neste final de século. Dialogo, ainda, com outros autores que fundamentam a pesquisa histórica, suas fontes e seus procedimentos, tais como, Le Goff (2003); Nunes (1996); Luporini (2005); Faria Filho e Galvão (2001); Vidal (2005) e com autores da Educação, como Soares (1985, 2003, 2006); Amâncio (2000), Cardoso e Amâncio (2005). Diante da problematização e do embasamento teórico, o estudo da cultura escolar da Escola Santa Terezinha foi enfatizado, na tentativa de compreender o contexto histórico do ensino da alfabetização pelos sujeitos que vivenciaram este período, tendo em vista as normatizações propostas por parte do poder público e as apropriações representadas na prática por meio das estratégias e táticas utilizadas no cotidiano da sala de aula da pré-escola e na 1ª série no período de 1971 a 1998. As fontes documentais foram buscadas na Casa das Filhas de Maria Auxiliadora, localizada dentro da instituição 4 ; no arquivo da escola; e na diocese 5 de Guiratinga. Posteriormente à classificação e seleção das fontes documentais, a busca foi direcionada para 3 Conforme Mortatti (2000, p. 29), durante a sua pesquisa, os documentos foram classificados sob critérios que se ajustavam ao estudo do objeto, dos quais utilizo neste estudo como direção na análise, que se relaciona ao conteúdo, finalidade e forma de veiculação, sendo eles: Tematizações (artigos, conferências, relatos de experiência livros teóricos e de divulgação, teses acadêmicas, prefácios e instruções de cartilha e livros de leitura); Normatizações (legislação de ensino - leis, decretos, regulamentos, portarias, programas e similares); e Concretizações (cartilhas e livros de leitura, guias do professor, memórias, relatos de experiências e material produzido por professores/as e alunos no decorrer das atividades didático-pedagógicas). 4 Foram encontradas fotografias da instituição e cadernos de crônicas das Filhas de Maria Auxiliadora. 5 Na instituição, me cederam três Cartas Pastorais da região e da diocese, cujas informações foram pertinentes para esclarecimentos do contexto da pesquisa.
as alfabetizadoras, cujos nomes estavam mencionados nessas fontes, das quais corroboraram com informações orais e recursos utilizados no período para construção e interpretação dessas representações e práticas exercidas no contexto dessa escola. O entrecruzamento de informações das fontes documentais e das entrevistas orais, aliado à leitura pertinente ao estudo, tem ajudado no processo de análise, a esclarecer elementos de como alfabetizavam a infância dessa região. Portanto, algumas considerações já podem ser destacadas de como a escola procedia no ensino da alfabetização. Uma análise preliminar De oito alfabetizadoras entrevistadas, sete afirmaram que se profissionalizaram no Normal e/ou Magistério na própria instituição, iniciando a carreira durante ou, imediatamente, após o término da formação. Nome Ir. Maria Auxiliadora Proença Berenice Barbosa Lima Telma Auxiliadora de Moraes Ribeiro Marilu Aparecida Silva Dias Neurelaine Fonseca de Paiva Adriana Rodrigues Pacheco Vieira Quadro 1 Início da carreira, formação inicial e tempo de carreira das alfabetizadoras enquanto profissionais da Escola Santa Terezinha na pré-escola e na primeira série Ano de Nascimento Ano em que se alfabetizou Início da Carreira na Instituição Formação Inicial Carreira no Jardim de Infância e/ou Pré Tempo de atuação no Jardim de Infância e/ou Pré 1940 1947 1971 Magistério X Aproximadamente 20 anos 1944 * 1985 Curso Normal 1955 1962 1983 Técnico em Contabilidade Carreira na primeira série do primário Tempo de atuação na primeira série do primário - - - - X 2 anos - - X 31 anos 1962 1970 1982 Magistério X 15 anos 6 X 2 anos 1963 1970 1992 Magistério X 9 anos - - 1964 1970 1992 Magistério X 7 anos X 1 ano * Foi alfabetizada pelo pai em casa na fazenda e, após realizar uma avaliação numa escola, entrou direto na terceira série por ter atendido os pré-requisitos exigidos na época. 6 São 27 anos de profissão, sendo 15 anos dedicados ao ensino da pré-escola; 7 anos como coordenadora da pré-escola; e 2 anos como alfabetizadora da primeira série.
Karen Brito de Arruda Silvânia Cristina Oliveira 1964 1972 1987 Magistério - - X 1969 1977 1989 Magistério - - X 20 anos Os livros utilizados pelas alfabetizadoras em suas práticas denotam as maneiras de fazer dessa cultura de alfabetização exercida para a infância na etapa do Pré-escolar, sendo eles: a coleção O positivo e Brilho e Alegria na Pré-escola. Os livros abordam uma prática que se inicia com a coordenação motora e a sociabilidade da criança, seguida de atividades que propiciam a alfabetização com a introdução de sílabas, palavras e frases. Aliadas às propostas destacadas do livro, as alfabetizadoras utilizavam outras atividades mimeografas coladas no caderno de classe ou de tarefa para casa, tais como, a cópia como estratégia de treino e fixação da leitura e da escrita, o ditado para avaliação da aprendizagem e a junção sílabas para a formação de palavras. Na primeira série o ensino dava ênfase à leitura das lições nas cartilhas, sendo elas consideradas importantes para avaliar a aprendizagem no processo de aquisição da alfabetização. Quadro 2 Cartilhas usadas na alfabetização e para alfabetizar Nome Cartilhas usadas na própria alfabetização Cartilhas usadas para alfabetizar Ir. Maria Auxiliadora Não se lembra Não se lembra Proença Berenice Barbosa Lima Não se lembra A cartilha mágica (Lena Maria Ferreira Gonçalves) Telma Auxiliadora de Moraes Ribeiro Cartas ABC e uma cartilha que não se lembra Vamos Estudar (Theobaldo M. dos Santos); Eu gosto de ler e escrever (Célia Passos & Zeneide Silva); A cartilha mágica (Lena Maria Ferreira Gonçalves); D olim Marote ABC (João Teodoro D olim Marote); Alegria de Saber (Lucina Maria Marinho Passos); Integrando o aprender (Maria Eugênia & Luiz Cavalcante). Marilu Aparecida Silva Não se lembra Não se lembra Dias Neurelaine Fonseca de Paiva Caminho Suave (Branca Alves de Lima) -
Adriana Rodrigues Pacheco Vieira Caminho Suave (Branca Alves de Lima) Alegria de Saber (Lucina Maria Marinho Passos) Karen Brito de Arruda Caminho Suave (Branca Alves de Lima) Alegria de Saber (Lucina Maria Marinho Passos) Silvânia Cristina Oliveira Ada e Edu (Rosa Maria Jorge Persona et ali) A cartilha mágica (Lena Maria Ferreira Gonçalves) O destaque para as cartilhas utilizadas na alfabetização vincula-se ao fato de que as alfabetizadoras Marilu, Adriana e Karen tiveram as suas formações realizadas na escola, desde a pré-escola até o Magistério, de forma que demonstra a utilização desses recursos didáticos na década de 70 pela instituição. Nas atividades da 1ª série, as alfabetizadoras ressaltaram a utilização de textos com sílabas complexas, exercícios ortográficos, separação de sílabas, ditado e cópia. Portanto, o método de ensino utilizado nas atividades, tanto nas atividades da pré-escola e da primeira série presentes nos cadernos de classe, registros dos diários de classe, depoimentos das alfabetizadoras e livros didáticos era o silábico. Concluindo A pesquisa se encontra em processo final da análise, cujos dados das fontes documentais e entrevistas orais têm demonstrado serem pertinentes para desvelar a cultura escolar de alfabetização da Escola Santa Terezinha no período de 1971 a 1998. Palavras-chave: Práticas pedagógicas - Alfabetização - Cultura escolar Referências: CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & Lingüística. 10. ed. São Paulo: Scipione, 2007.. Alfabetizando sem o ba-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p. 91-106 e 259-272. CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. 2 ed. Portugal: DIFEL- Difusão Editorial S.A, 2002. DIÁRIOS DE CLASSE DA PRÉ-ESCOLA. Escola Santa Terezinha. 1978 1994. DIÁRIOS DE CLASSE DA PRIMEIRA SÉRIE. Escola Santa Terezinha. 1974 1994. FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Trad. Diana Myriam Lichtenstein, Liana Di Marcio e Mário Corso. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. GERALDI, João Wanderlei (org.). O texto na sala de aula. 4. ed. São Paulo: Ática, 2006. JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista Brasileira de História da Educação. Jan./Jun., Nº.1. 2001. Editora Autores Associados. Campinas-SP. p. 9-42. KRAMER, Sônia. A política do pré-escolar no Brasil: A arte do disfarce. São Paulo: Cortez, 1992. (março de 2006). Campinas: ALB; São Paulo: Global Editora, 2006, p. 39-44. KUHLMANN Jr, Moysés. A Educação Infantil no século XX. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara (Orgs.). Histórias e Memórias da educação no Brasil. Vol. III: Século XX. Petrópolis: Vozes, 2005, p.182-194.
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