Página1 Curso/Disciplina: Direito Constitucional Aula: Controle de Constitucionalidade: Teoria geral 10 Professor (a): Marcelo Tavares Monitor (a): Luis Renato Ribeiro Pereira de Almeida Aula 10 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: TEORIA GERAL (continuação) 6. Tipologia dos sistemas de controle Os sistemas de controle podem ser classificados quanto ao: a) Objeto: controle por ação ou por omissão. Se o sistema de controle existe para analisar atos produzidos pelo Poder Público, trata-se de sistema por ação (ex.: ADI), que pressupõe um ato produzido. Se, por outro lado, o sistema de controle é imaginado para atuar sobre casos de omissão, trata-se de um sistema de omissão (ex.: ADO), ou seja, pressupõe a ausência de um ato que deveria ser produzido. b) Momento da apreciação: controle preventivo ou repressivo (ou sucessivo). Se a apreciação ocorreu antes do aperfeiçoamento do ato normativo, quando ainda se tratava de um projeto, o controle será preventivo; se feito após a edição do ato normativo, o controle será repressivo ou sucessivo. c) Natureza do órgão: controle político ou judicial. Se o órgão integra o Poder Judiciário, trata-se controle judicial; se não integra, o controle será classificado como político. d) Número de órgãos: controle difuso ou concentrado. O controle será concentrado quando a competência é dada a um único órgão; será classificado como difuso quando a competência é dada a vários órgãos.
Página2 e) Modo de manifestação: controle incidental ou principal. Se a manifestação se dará apenas na conclusão, ou seja, na parte dispositiva da decisão, o controle será principal; se a inconstitucionalidade é decidida na fundamentação, o controle é feito pela via incidental. f) Modo de provocação: controle pela via de exceção (defesa) ou pela via de ação direta. Se a provocação é feita na defesa de um determinado direito, como uma exceção processual, o controle é feito pela via de exceção (defesa); se há um pedido de declaração da inconstitucionalidade, o controle é exercido pela via de ação direta, em que a declaração de inconstitucionalidade é o objeto do pedido. g) Finalidade: controle subjetivo (concreto) ou objetivo (abstrato). Se a finalidade for resolver um caso concreto, o controle será subjetivo; se, porém, a finalidade for a análise da norma em tese no ordenamento jurídico, o controle será abstrato ou objetivo. É possível construir sistemas de controle através da combinação dessas características, de modo que nem todo controle concentrado, por exemplo, será necessariamente abstrato. Na ação direta de inconstitucionalidade interventiva (representação de inconstitucionalidade interventiva art. 34, VII c/c 36, III, CRFB/88), por exemplo, somente um órgão poderá desempenhar o controle (STF), portanto o controle é concentrado. No entanto, não se trata de um controle feito em tese, pois há um situação fática em que um Estado da Federação viola princípio constitucional sensível, autorizando a propositura da representação de inconstitucionalidade interventiva pelo Procurador-Geral da República para a decretação da intervenção federal. Logo, há uma finalidade concreta. 7. Evolução do controle de constitucionalidade no Brasil e tipologia adotada. A Constituição de 1824 não previa um sistema de controle de constitucionalidade. Cabia ao Senado o papel de guardião da Constituição, mas não havia um aparelhamento normativo para que exercesse essa atribuição. O controle de constitucionalidade foi estabelecido na Constituição de 1891 (primeira Constituição republicana), que adotou o sistema americano de controle difuso, feito no caso concreto por qualquer juízo ou Tribunal. A Constituição de 1934 fez referência pela primeira vez à representação de inconstitucionalidade interventiva, porém o objeto do controle não era o ato que feria o princípio constitucional sensível, mas o próprio decreto de intervenção.
Página3 Nesse mesmo contexto, foi entregue ao Senado a tarefa de suspender a execução da norma declarada inconstitucional, conferindo efeito erga omnes às decisões do Supremo. Essa mesma atribuição consta no art. 52, X, da CRFB/88. Durante a Constituição de 1937 não houve um exercício efetivo do controle de constitucionalidade. Com a Constituição de 1946, após a Segunda Guerra Mundial, houve o restabelecimento da democracia e o crescimento do sistema de controle de constitucionalidade. A representação de inconstitucionalidade interventiva passa a ter o formato atual, ou seja, antecedente a uma requisição de intervenção federal. Sob a égide da Constituição de 1946 foi aprovada a EC 16/65, que estabeleceu a representação de inconstitucionalidade (e que mais tarde se tornou a ADI nos moldes em que é conhecida hoje). O PGR tinha legitimidade exclusiva para propor a representação. A Constituição de 1967 não trouxe alteração no sistema, e a EC 1/69 enfraqueceu o sistema de controle de constitucionalidade. A Constituição de 1988 criou a ADI e a ADO, e alargou a legitimidade ativa para a propositura da ADI; a EC 3/93 criou a ADC; A Lei 9.868/99 e a Lei 9.882/99 regulamentaram o procedimento das ações diretas; a EC 45/04 trouxe a Súmula Vinculante, ampliou o rol de legitimados da ADC e criou a repercussão geral. No Brasil, quanto à tipologia há duas regras báscias: Controle judicial e repressivo: invalidação pelo Poder Judiciário de uma norma já em vigor, a partir de ações judiciais. Controle político e preventivo: veto jurídico do Presidente a projeto de lei; análise da validade dos projetos de lei na CCJ. Há, ainda, duas exceções a essas regras: Controle judicial e preventivo: hipótese de mandado de segurança impetrado por parlamentar, quando desrespeitada uma norma constitucional do devido processo legislativo. Se a violação for meramente regimental, não há que se falar na possibilidade de impetração do mandado de segurança. No caso de projeto de lei, é possível a impugnação por MS quando houver vício formal; e no caso da proposta de emenda, quando houver vício formal ou material, no caso de violação de cláusula pétrea. Por força da redação do art. 60, 4.º, a invalidade poderia ser analisada desde o momento em que uma proposta fosse tendenciosa a abolir cláusula pétrea. Tal previsão não é feita em relação ao projeto de lei, logo este somente pode ser objeto de controle judicial preventivo se houver vício formal. Art. 60. 4.º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes;
Página4 IV - os direitos e garantias individuais. Controle político e repressivo (art. 49, V, CRFB/88): o Congresso Nacional pode determinar a sustação de uma lei delegada já publicada que tenha extrapolado o ato da delegação por ele concedida através de resolução. Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: V sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. 8. Modelos de decisão no controle de constitucionalidade. a) Declaração de inconstitucionalidade com pronúncia total ou parcial de nulidade. Trata-se do modelo padrão, em que uma lei (ou parte dela) é declarada inconstitucional e, portanto, nula. Em razão da adoção da escola americana, o ato inconstitucional é nulo, e a declaração de inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc (retroage até o momento da edição da norma). b) Declaração de inconstitucionalidade com pronúncia parcial de nulidade sem redução de texto. Não há formalmente a nulidade do dispositivo, o que ocorre é a afirmação do STF de que a norma é inconstitucional se aplicada de determinada forma. Ex.: Lei editada para ser aplicada aos fatos A e B. O STF verifica que a norma é inconstitucional se aplicada ao fato B, mas é constitucional se aplicada ao fato A. Se a lei for declarada nula com redução de texto, a decisão será mais grave do que o necessário, pois a lei é constitucional se aplicada a um grupo. Com isso, o STF declara a lei parcialmente nula isto é, inconstitucional quando aplicada ao fato B, mas constitucional se aplicada ao fato A. c) Interpretação conforme a Constituição. Esse modelo se aproxima da declaração de inconstitucionalidade com pronúncia de nulidade sem redução de texto. O STF não faz diferença entre os dois. Há, no entanto, uma sutil diferença feita pela doutrina: no caso da declaração sem redução de texto, a inconstitucionalidade está na aplicação da norma a um determinado grupo ou fato; na interpretação conforme a Constituição, a inconstitucionalidade está em determinada interpretação que se dá ao ato normativo. O STF verifica que a lei, diante de várias possibilidades de interpretação, é inconstitucional se aplicada de acordo com uma (ou algumas) delas, mas constitucional se interpretado de outra forma.
Página5 O STF define como a lei deve ser interpretada para ser considerada constitucional. A questão não está no âmbito da aplicação, mas sim na forma de interpretar a lei para se chegar à conclusão de que é constitucional. d) Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Preocupado com a gravidade das possíveis consequências da decisão, mas não podendo deixar de se manifestar sobre a incompatibilidade de um ato normativo em face da norma constitucional, o Tribunal aponta que a norma é inconstitucional, mas por questões sociais ou econômicas deixa de pronunciar a nulidade pois, embora inconstitucional, as consequências da nulidade seriam piores. Disso pode surgir o apelo ao legislador, o ofício enviado pelo Supremo ao Congresso Nacional, para que abra a discussão política, a fim de que a norma seja revogada ou alterada para tornar adequado o tratamento do instituto em relação à Constituição. Ex.: o STF primeiramente declarou a constitucionalidade do art. 20, 3.º, da Lei 8.742/93 (Lei orgânica da assistência social) no julgamento da ADI 1.232. Em 2014, o STF reapreciou a questão no julgamento de uma reclamação e declarou a inconstitucionalidade da norma sem pronúncia de nulidade. Assim, apesar de o critério da renda inferior a ¼ do salário mínimo estar em desacordo com a Constituição, seria mais grave a hipótese de não existir critério algum, pois prejudicaria aqueles que precisam receber o benefício. e) Declaração de que a lei ainda é constitucional. O STF afirma que a lei ainda é constitucional, mas caminha para a inconstitucionalidade. Ex.: norma do CPP que confere legitimidade ao MP para representar os interesses da vítima hipossuficiente de um crime em uma ação civil ex delicto. A CRFB, contudo, estabeleceu a Defensoria Pública como órgão de representação dos hipossuficientes. Ao analisar a questão, o STF verificou que em muitos Estados da Federação a Defensoria Pública não estava devidamente estruturada, portanto a norma deveria ainda ser considerada constitucional, em virtude dessa deficiência nas unidades da Federação. f) Declaração de inconstitucionalidade com pronúncia de nulidade com produção de efeitos. Em regra, a decisão que declara a inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc, sendo o ato nulo desde o início, sem que tenha produzido qualquer efeito jurídico. Contudo, em determinados casos, não é socialmente adequado dar efeito retroativo à declaração de inconstitucionalidade. O STF, então, modula os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não permitindo a retroatividade integral.
Página6 O STF pode admitir uma retroação parcial; definir que a declaração de inconstitucionalidade tem efeito ex nunc (a partir da publicação da decisão); ou fixar um marco temporal futuro a partir do qual a lei passará a ser considerada inconstitucional. A lei 9.868 prevê essa técnica de decisão no art. 27, e exige que a modulação seja feita pelo voto de 8 ministros. Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. O STF admite a modulação de efeitos inclusive no controle difuso. g) Declaração de inconstitucionalidade com pronúncia de nulidade com impedimento do efeito repristinatório. Por meio dessa técnica de decisão, o STF impede a retomada automática de vigência de uma norma revogada quando a norma revogadora é declarada inconstitucional. Ex.: Lei A é revogada pela Lei B, que posteriormente é objeto de controle e declarada inconstitucional. Por força do efeito repristinatório, a declaração de inconstitucionalidade da Lei B, com efeito ex tunc, faz com que a Lei A volte a vigorar. Este efeito se opera de forma tácita, automática, implícita, independentemente de manifestação expressa do STF nesse sentido. Se a Lei B é inválida desde o início, então a rigor não houve revogação válida da Lei A, e o efeito natural é que esta volte a ter vigência (efeito repristinatório). Neste caso, existem 2 normas sucessivas, 1 revogação e 1 declaração de inconstitucionalidade. A partir do modelo de decisão em comento, o STF afasta o efeito repristinatório, isto é, impede que se opere a retomada automática de vigência da Lei A. Assim, além de declarar a invalidade da Lei B, o STF verifica que a Lei A não deve retomar sua vigência, e declara expressamente a impossibilidade de incidência do efeito repristinatório. Se o STF silenciar, ocorrerá o efeito repristinatório. O efeito repristinatório, no entanto, não se confunde com a repristinação, na medida em que esta somente ocorre se expressa, não ocorrendo tacitamente. Na repristinação, a norma revogadada (ex.: Lei A) volta a ter vigência em razão da revogação da norma revogadora (Lei B) por uma terceira norma (Lei C), que, além disso, expressamente prevê o retorno da vigência da primeira (Lei A). Com isso, na repristinação existem 3 normas sucessivas e 2 revogações.