Desenvolvimento de programa de análise de frequência e posição de famílias de descontinuidades para engenharia de rochas Luiz Antonio Urtiga e Silva Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil luiz.silva@usp.br Arthur Endlein Correia Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil ginaldo@usp.br Pedro Refinetti Martins Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil ginaldo@usp.br Ginaldo Ademar da Cruz Campanha Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil ginaldo@usp.br RESUMO: Desenvolveram-se rotinas computacionais para análise de descontinuidades, a partir de formulações teóricas existentes na bibliografia especializada, de modo a preencher uma lacuna existente nos pacotes computacionais comerciais disponíveis atualmente. As rotinas foram elaboradas na linguagem de programação Python, para a caracterização da frequência de descontinuidades em três dimensões e sua aplicação no sistema comum de visualização, o Rock Quality Designation (RQD). Utilizou-se conjuntos de dados pré-estabelecidos, com diferentes tipos de distribuição e dispersão, para testar as rotinas desenvolvidas. Estes testes mostraram o desempenho correto das rotinas, destacando-se a forte influência da correção direcional de frequências na distribuição dos dados. PALAVRAS-CHAVE: Descontinuidades, Frequência, RQD. 1 INTRODUÇÃO Descontinuidade é um termo utilizado em geotecnia para referir-se, de forma genérica, a estruturas planares. O termo não faz distinção à natureza ou processo genético da feição, apesar destes frequentemente controlarem as características das descontinuidades. Fisicamente, descontinuidades representam quebras no meio rochoso contínuo, cuja resistência à tração é nula ou negligenciável. Em função disso, descontinuidades tem enorme influência nas características mecânicas e hidráulicas dos maciços rochosos. Dessa forma, a análise de descontinuidades e suas respectivas características é uma etapa fundamental para projetos de engenharia de rochas. Descontinuidades não ocorrem com orientações absolutamente aleatórias: por motivos mecânicos, elas ocorrem com algum grau de agrupamento, ao redor de orientações preferenciais associadas aos mecanismos de formação. Um conjunto de descontinuidades paralelas ou subparalelas é denominado de família (Hudson & Harrison, 1997). 2 MÉTODO 2.1 Representação vetorial de atitudes estruturais O sistema usado normalmente para a representação de planos e linhas em geologia estrutural, baseado no azimute do rumo e no mergulho, apesar de ser mais prático para a obtenção e visualização dos dados, não é o mais adequado em termos e de geometria analítica e de programação (Millman, 2008). Para tanto, a transformação das atitudes em vetores unitários é a melhor solução. A orientação de um vetor unitário pode ser definida pelos seus cossenos diretores l, m, n, que correspondem aos cossenos dos ângulos que os vetor faz respectivamento com os eixos
de referência x,y,z, conforme ilustrado na Figura 1. varredura (linha de scan) ou de uma sondagem, dividindo-se o número de estruturas medidas (N) pelo comprimento da linha (L). (3) Numericamente a frequência é o inverso do espaçamento médio (E) entre as descontinuidades. (4) 2.3 Distribuição espacial das frequências Figura 1. Descrição do sistema adotado de representação vetorial de dados estruturais. (modificado de University of Alberta 2011) A figura 1 mostra as relações entre a atitude de uma linha, representada pela sua direção ou trend (T) e seu caimento ou plunge (P), e os cossenos diretores l, m, n, do vetor unitário equivalente (Campanha & Quintanilha, 1996). A relação entre esses valores é dada por: Conhecendo a orientação média e a frequência (medida em campo) de uma família de descontinuidades, é possível criar um modelo simples de distribuições das frequências em 3D. Um ponto importante a se destacar é que a frequência (e posteriormente o RQD), no caso de descontinuidades, é uma característica direcional que depende do ângulo entre a linha de busca (ou scan) e as descontinuidades, como mostrado na figura 2. (1) Uma descontinuidade, no entanto, não é uma linha, e sim um plano. Neste caso, para utilizar as equações acima com relação ao pólo de um plano, é necessário determinar a atitude da reta normal a esse plano. Considerando um plano com rumo do mergulho dir e mergulho dip, sua normal tem trend T e plunge P segundo: 2.2 Frequência de descontinuidades (2) Define-se a frequência, simbolizada aqui por λ, como o número de descontinuidades por unidade de comprimento. No campo pode ser obtida através do levantamento de uma linha de Figura 2. Relações entre direção de uma linha de scan e o espaçamento de sua frequência aparente; ER espaçamento real, EA - espaçamento aparente; lembrando que a frequência é o inverso do espaçamento. Se tivermos duas famílias de descontinuidades, suas frequências numa certa direção S podem ser somadas, utilizando o cosseno do ângulo entre elas e sua linha de busca, resultando na relação linear: (5) Para n famílias de descontinuidades (Hudson e Priest, 1983):
(6) Lançando-se essas somatórias de frequências das várias famílias em todas as direções no espaço, por exemplo, através de projeção estereográfica, obtêm-se um modelo de distribuição das frequências em 3D. 2.4 Rock Quality Designation (RQD) A utilização de uma linha de scan para a adequação de um maciço rochoso, como é costumeiro nas sondagens em geologia de engenharia, restringe qualquer medida espacial à utilização do comprimento como peça central. Desta maneira o Rock Quality Designation (RQD), como definido por Deere et al, 1967, utiliza para a identificação da qualidade de um maciço sua continuidade linear. Seu valor é calculado pela somatória de todos os fragmentos retirados da linha de scan com comprimento superior a 0,1m (x), em relação ao comprimento total da linha de scan L e posteriormente expresso em porcentagem, resultando: (7) (9) Sabendo que a frequência é uma relação entre o número de descontinuidades e o comprimento total, como mostrado na equação (3), temos portanto a relação desejada: (10) Modificando para uma distribuição exponencial negativa e resolvendo a integral, tem-se o resultado final: 2.6 RQD otimizado (11) O método tradicional de RQD tem grandes problemas de sensibilidade. Rochas com espaçamento médio entre 0 e 0,3m correspondem a mais de 95% da distribuição dos valores de RQD, como mostrado na figura 3. Logo, qualquer valor superior a uma média 0,3m aparece como RQD ótimo, mesmo com uma diferença visível na qualidade dos maciços. 2.5 Relação entre RQD e frequência Considerando a equação de RQD, é possivel ver que seu resultado final será consequência da distribuição das frequências de descontinuidades na direção da linha de scan utilizada, dessa maneira é possivel gerar valores teóricos de RQD com base em sua relação com a frequência. Segundo Priest e Hudson 1976, a somatória dos comprimentos maiores que 0,1m (x) pode ser modificada para a integral de todos os valores de espaçamento entre 0,1m e o comprimento da linha de scan L, com base no número de fraturas N, como apresentado na equação 8. (8) Substituindo em (7) temos o cálculo do RQD teórico ou RQD*: Figura 3. Destribuição do RQD em relação ao espaçamento médio de descontinuidades. (modificado de Priest e Hudson 1976) A melhor maneira de visualizar essas diferenças entre os maciços, segundo Harrison 1999, seria escalar o valor do RQD com relação a seus valores extremos, ou seja: (12)
Onde RQD min e RQD max são o menor e o maior valor de RQD encontrado no espaço. Utilizando e substituindo a equação 11 sobre esses limites, vemos que esse valor pode ser obtido através de: (13) Onde t é o valor limiar que maximiza a sensibilidade para sua distribuição, que pode ser resolvido através de sua derivada, resultando para uma distribuição expoencial negativa o valor utilizado de: 3 DESENVOLVIMENTO (14) O código foi feito utilizando a linguagem de programação Python, (Python Software Foundation, 2010), por esta ser gratuita, multiplataforma e de fácil compreensão. Utilizou-se a versão 2.7 da linguagem, por esta ser a mais bem distribuída na atualidade. Utilizou-se também as bibliotecas NumPy 1.6.1 (Oliphant T.E., 2007) e Matplotlib 1.3.1 (Hunter J.D. 2007), além do ambiente de desenvolvimento integrado IDLE, para simplificar o processo de busca por erros. Por fim, para observação e facilidade de entrada e processamento de dados, as rotinas desenvolvidas foram adicionadas ao programa OpenStereo (Grohmann et al, 2011). A rotina executa inicialmente a transformação dos dados estruturais (rumo, mergulho, em graus) em cossenos diretores, e ao final dos cálculos retorna o resultado no formato rumo, mergulho em graus. Optou-se por este método pois o OpenStereo faz as plotagens da interface gráfica com dados no formato utilizado em geologia estrutural. O próximo passo é a geração de uma rede de contagem uniformemente distribuida dentro da área do estereograma. Isso foi realizado utilizando o sistema de malha de contagem e isolinhas presente no OpenStereo em sua configuração padrão, de 721 pontos. Em sequência, o programa calcula a interseção entre a orientação de todas as famílias de descontinuidades e as linhas de medida da malha de contagem. Com essas medidas é possível calcular a maior interferência entre os dados, dando assim a maior frequência possível para essa direção. Com os valores de frequência, são calculados os valores de RQD* e RQD para cada ponto da rede de contagem, e por fim os resultados são apresentados na forma de mapas individuais de isolinhas em projeções estereográficas. 4 RESULTADO A saída do programa são estereogramas de igual área mostrando em isolinhas a distribuição em três dimensões das três características observadas. As figuras 4, 5, 6 e 7 demonstram os arquivos de saída das rotinas elaboradas para diferentes entradas, utilizadas para teste. A simples visualização dos dados demonstra diferenças entre seus sistemas de exibição. Os dados de frequência, por serem lineares e contínuos, se apresentam de maneira mais suave, enquanto os dados de RQD, por terem outra distribuição, se apresentam de maneira mais setorizada, com uma menor definição dos resultados. Outro ponto a ser ressaltado é a diferença encontrada entre os dados de RQD* e RQD otimizado. Em dados de grande frequência, como nas imagens 4 e 6, não é observada uma diferença significativa, sendo apenas visível uma melhor definição quanto aos piores valores. Já em dados de pequena frequência, como nas imagens 5 e 7, é visível uma grande melhora na sensibilibadade, obtendo-se uma melhor discretização dos resultados. A comparação entre as imagens 4 e 5 demonstra que, apesar das grandes diferenças do RQD*, as medidas de frequência e de RQD otimizado são basicamente idênticas em forma, ainda que apresentam grande diferença em valores, indicando que dentro de uma mesma geometria, os resultados são iguais, idependente da escala utilizada.
Figura 4. Resultado do mapeamento de frequências de duas famílias com atitudes 045/45 e 135/45, com frequências de 5 fraturas/m. O primeiro estereograma trata a frequência, o segundo o RQD* e o terceiro o RQD otimizado. Figura 5. Resultado do mapeamento de frequências de duas famílias com atitudes 045/45 e 135/45, com frequências de 1 fratura/m. O primeiro estereograma trata a frequência, o segundo o RQD* e o terceiro o RQD otimizado.
Figura 6. Resultado do mapeamento de frequências de duas famílias com atitudes 045/45, com frequência de 1 fratura/m, e 135/45,com frequência de 5 fraturas/m. O primeiro estereograma trata a frequência, o segundo o RQD* e o terceiro o RQD otimizado. Figura 7. Resultado do mapeamento de frequências de duas famílias com atitudes 045/60 e 135/30, com frequências de 1 fratura/m. O primeiro estereograma trata a frequência, o segundo o RQD* e o terceiro o RQD otimizado.
5 CONCLUSÕES O objetivo principal desse trabalho era a criação de uma ferramenta de fácil utilização para a análise de descontinuidades. As rotinas desenvolvidas objetivaram, portanto, equilibrar uma resposta automática com a personalização dos resultados. As funções escolhidas foram suficientes, mas um programa nunca está completo, a quantidade de outras funções que poderiam ser adicionadas as já existentes, e de pequenos ajustes que poderiam ser feitos é ilimitada. Os resultados obtidos se mostram compatíveis em comparação com o esperado em resultados adquiridos pelos métodos convencionais de observação, mas diferem em ter replicabilidade e, tendo uma origem estatística, conseguirem identificar padrões que o olho humano não é capaz de perceber. Ao mesmo tempo, o conhecimento geológico continua indispensável para um melhor resultado, sendo responsável pela escolha dos métodos a serem utilizados. Millman, J., Vaught, T., 2008. The State of SciPy. In: 7th Annual Python in Science Conference Oliphant, T.E. (2007). Python for Scientific Computing, Computing In Science & Engineering, IEEE Computer Soc., Vol 9, p. 10-20. Priest, S.D. & Hudson, J.A. 1976. Estimation of discontinuity spacing and trace length using scan line surveys. International Journal Rock Mechanics, Mining Sciences and Geomechanics,Vol. 18, p. 183-197. Python Software Foundation 2010. Python, version 2.7: programming language software. Reston, Virginia, Zope Corporation. University of Alberta. 2011. Orientation data analysis. http://courses.eas.ualberta.ca/eas421/lecturepages/orie ntation.html. Acessado em 14 jul 2012. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Campanha, G. A. C., & Quintanilha, J. A.. 1996. Análise Estatística de Dados Estruturais; Estatística de Dados Direcionais Tridimensionais, In: Carneiro, Celso Dal Re (editor) Projeção estereográfica para análise de estruturas, UNICAMP / CPRM / IPT, São Paulo, pp. 51-58 Deere, D.U., Hendron, A.J., Jr., Patton, F.D., and Cording, E.J., (1967), Design of Surface and Near- Surface Construction In: Fairhurst C. (editor) Failure and Breakage of Rock, Soc. of Min. Eng., AIME, New York, NY, USA, pp. 237-302. Grohmann, C.H., Campanha, G.A.C. and Soares Junior, A.V., 2011. OpenStereo: um programa Livre e multiplataforma para análise de dados estruturais. In: XIII Simpósio Nacional de Estudos Tectônicos. Harrison, J.P. (1999) Selection of the threshold value in RQD assessment. International Journal of Rock Mechanics and Mining Sciences, 36(5), 673-685. Hudson, J.A.; Harrison, J.P. 1997. Engineering Rock Mechanics: An Introduction to the Principles. Elsevier Science, London, 456 pp. Hudson, J.A.; Priest, S.D. (1983) Discontinuity frequency in rock masses. International Journal of Rock Mechanics and Mining Sciences & Geomechanics Abstracts, 20(2), 73-89. Hunter, J.D. (2007). Matplotlib: A 2D graphics environment, Computing In Science & Engineering, IEEE Computer Soc., Vol 9, p. 90-95.