Aplicações de Combinatória e Geometria na Teoria dos Números



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Transcrição:

Aplicações de Combinatória e Geometria na Teoria dos Números Nesse artigo vamos discutir algumas abordagens diferentes na Teoria dos Números, no sentido de envolverem também outras grandes áreas, como a Combinatória e a Geometria e, por que não, uma mistura dos dois. 1. Mas o que é Teoria dos Números? A Teoria dos Números, falando de modo bastante simplificado, trata dos números inteiros e racionais. Por que há tanto trabalho com números inteiros? Vamos ver o que acontece com as operações com inteiros. Ao somarmos dois inteiros, obtemos um inteiro. Ao subtrairmos, também. Ao multiplicarmos também. Até aí, nenhum problema. Mas e se quisermos dividir dois números inteiros? É inteiro ou não é? A resposta não é sim, nem não: é depende. Por exemplo, 4 dividido por 2 dá inteiro, mas 5 dividido por 3 não. Assim, uma das missões da Teoria dos Números é dizer quando uma expressão representa um número inteiro ou não. E quando envolvemos operações um pouco mais complicadas como a radiciação, o problema fica cada vez mais complicado. Por exemplo, o problema de saber para que inteiros x, y, n positivos o número n x n + y n (o Teorema de Fermat) é inteiro demorou mais de 300 anos para ser resolvido e utiliza matemática extremamente avançada! A base dos inteiros são os números primos, de modo que, para a Teoria dos Números, quanto mais soubermos dele, melhor. Os primos são os números que admitem exatamente dois divisores positivos: 1 e ele mesmo. Note que, com essa definição, 1 não é primo, pois admite somente um divisor. 2. Um toque de Combinatória A Combinatória, por outro lado, quer saber da existência de coisas e, se possível, quer saber quantas delas existem. Na Combinatória, utilizamos, por exemplo, idéias da Teoria dos Conjuntos e fazemos contagens. A primeira idéia combinatória que vamos explorar é a idéia de que os únicos conjuntos em que sempre podemos colocar um elemento a mais são os infinitos. 2.1. Uma das primeiras demonstrações da Matemática Você já deve saber que existem infinitos primos. Mas você sabe por quê? A primeira demonstração conhecida desse fato vem da Antiguidade, e foi feita por Euclides. Teorema 2.1. Existem infinitos primos. Suponha o contrário, ou seja, que a quantidade de primos é finita. Seja P = {p 1, p 2,..., p n } o conjunto de todos os primos. Agora, considere o sucessor do produto desses primos, ou seja, N = p 1 p 2... p n + 1 Todo inteiro é produto de primos, e N não é exceção. Mas nenhum dos primos p i pode dividir N, porque N excede um múltiplo de p i em 1. Assim N tem um divisor primo que não está em P, o que não é possível, porque P é o conjunto de todos os primos. Isso é uma contradição, e portanto a quantidade de primos não pode ser finita, isto é, é infinita. 2.2. Mais alguns conceitos da Teoria dos Números e uma idéia da Combinatória Antes de continuar, vamos definir alguns conceitos importantíssimos da Teoria dos Números.

Definição 2.1. Dois números são primos entre si quando não têm fator primo em comum. Definição 2.2. Seja m um inteiro positivo maior do que 1. Dois números a e b são congruentes módulo m quando deixam o mesmo resto na divisão euclidiana (aquela que, bem, deixa restos) por m. Simbolizamos isso por a b (mód. m) Agora, uma idéia bastante simples, mas extremamente útil. Princípio da Casa dos Pombos. Se há n + 1 pombos para serem colocados em n casas, haverá uma casa com pelo menos dois pombos. De forma ainda um pouco mais intuitiva: Princípio da Casa dos Pombos (intuitivo). Se há muitos pombos para poucas casas, alguma casa vai ter muitos pombos. E se há poucos pombos para muitas casas, haverá uma (ou até muitas!) casa(s) vazia(s). Utilizaremos essa idéia simples. Exemplo 2.1. Existe um inteiro positivo d tal que 3 d 1 (mód. 2006) Em palavras: alguma potência de 3 (3 0 = 1 não vale!) deixa resto 1 na divisão por 2006. Resolução Considere os restos das divisões por 2006 de 3, 3 2, 3 3, 3 4,... Há 2006 possíveis restos (0, 1, 2,..., 2005) e infinitas potências de 3. Então duas potências de 3, digamos, 3 k e 3 l, k > l, deixam o mesmo resto da divisão por 2006. Isto quer dizer que 3 k 3 l = 3 l (3 k l 1) é múltiplo de 2006. Como 2006 não tem fator 3, na verdade 3 k l 1 é múltiplo de 2006 e, portanto, 3 k l deixa resto 1 na divisão por 2006, de modo que podemos tomar d = k l. Isso fica um pouco mais curto se utilizarmos a notação de congruência: Resolução (o retorno) Considere os números 3, 3 2, 3 3,... (mód. 2006) Como há 2006 possíveis restos na divisão por 2006, existem duas potências de 3, digamos 3 k e 3 l,k > l, que deixam o mesmo resto na divisão por 2006. Então e podemos tomar d = k l 3 k 3 l (mód. 2006) ( ) 3 k l 1 (mód. 2006) Observação importante: A passagem ( ) que acabamos de fazer só pode ser feita quando o que cortamos (no caso, 3 l ) e o número no módulo (2006) são primos entre si. O último exemplo pode ser generalizado:

Lema 2.1. Se a e m são primos entre si, existe um inteiro positivo d tal que a d 1 (mód. m) Em palavras: alguma potência de a (a 0 = 1 não vale!) deixa resto 1 na divisão por m. A demonstração desse lema fica a cargo do leitor. Isso prova também que Lema 2.2. Se a e m são primos entre si, existe um inteiro b, chamado inverso de a mód m tal que ab 1 (mód. m) Seja d tal que a d 1 (mód. m). Então b = a d 1. O próximo problema é de um teste de seleção para a equipe da Romênia da IMO e explora as idéias acima como um todo. Exemplo 2.2. (Teste de Seleção para a Equipe Romena da IMO 1997) Seja a > 1 um inteiro. Prove que o conjunto {a 2 + a 1; a 3 + a 2 1;... ; a n+1 + a n 1;...} admite um subconjunto infinito tal que quaisquer dois de seus elementos são primos entre si. Resolução A idéia é tomar um subconjunto B com a propriedade desejada e colocar mais um elemento. Se provarmos que conseguimos sempre colocar mais um elemento em B provamos a existência de um subconjunto infinito: basta seguir colocando elementos! Comece com B = {a 2 + a 1}. A cada etapa, seja P o produto de todos os elementos de B. Então vamos procurar n tal que a n+1 + a n 1 e P são primos entre si. Para isso, primeiro note que a e P são primos entre si, pois P é o produto de sucessores de múltiplos de a. Cada um desses sucessores não tem fator primo em comum com a e não vai ser multiplicando eles que vai aparecer algum fator comum. Assim, como a e P são primos entre si, existe d tal que a d 1 a d+1 + a d 1 a 1 + 1 1 a (mód. P ) (mód. P ). Logo (você sabia que podemos substituir assim? É por isso que o símbolo de congruência é tão parecido com o igual!) Assim, se a d+1 + a d 1 e P têm algum fator primo em comum, então esse fator deve estar em a. Mas sabemos que a e P não têm fator comum, logo a d+1 +a d 1 e P são primos entre si e, portanto, a d+1 +a d 1 e qualquer elemento de B são primos entre si. Ou seja, podemos colocar a d+1 + a d 1 em B, e acabou. 2.3. Contar para provar! Lembra que provamos que, dados inteiros a e m primos entre si, existe um inteiro positivo d tal que a d 1 (mód. m)? Na verdade, é possível encontrar uma fórmula para d. Faremos isso para m primo. E faremos isso com uma contagem! Faremos um exemplo numérico para facilitar.

Exemplo 2.3. Vamos mostrar que 5 7 5 combinatorialmente. Resolução (mód. 7). Podemos passar o 1 para o outro lado e fatorar, mas vamos pensar Suponha que temos linha e pedras de 5 tipos diferentes (que simplesmente numeraremos 1 a 5) para colocar na linha, formando um colar. No fio cabem exatamente 7 pedras. Quantos colares podemos formar? Note que o colar não muda se o girarmos. Primeiro, imagine a linha do colar antes de amarrá-lo. Há 5 escolhas para cada uma das 7 pedras a serem colocadas, de modo que há 5 7 maneiras de escolhermos as pedras para serem colocadas na linha. Agora, ao fecharmos o colar, podemos girá-lo de 7 maneiras. Note, então, que outras escolhas de pedras podem formar o mesmo colar: Assim, devemos dividir 5 7 por... 7? Mas aí não vai dar inteiro! O que acontece é que os 5 colares com todas as pedras do mesmo tipo são formados pela mesma escolha de pedras. Logo, na verdade devemos separar essas 5 escolhas primeiro e depois somar o que sobrou dividido por 7, de modo que o total de colares é 5 + 57 5 7. Para isso ser inteiro, 5 7 5 tem que ser múltiplo de 7, ou seja, 5 7 5 (mód. 7). Você pode provar de modo completamente análogo o pequeno teorema de Fermat: Teorema 2.2. Seja p primo e a inteiro. Então a p a (mód. p) ou, equivalementemente, a p a é múltiplo de p. 2.4. Mais casa dos pombos e primos como somas de dois quadrados Muitos dos fatos mais interessantes da Teoria dos Números podem ser obtidos utilizando o princípio da casa dos pombos.

Lema 2.3. Sejam m e n inteiros positivos primos entre si e sejam a e b inteiros positivos tais que ab > n. Então existe x {1, 2,..., a 1} e y {1, 2,..., b 1} tais que mx ±y (mód. n) Considere as ab expressões da forma mx + y m 1 + 1 m 1 + 2 m 1 + 3 m 1 + b m 2 + 1 m 2 + 2 m 2 + 3 m 2 + b m 3 + 1 m 3 + 2 m 3 + 3 m 3 + b......... m a + 1 m a + 2 m a + 3 m a + b Como ab > n, existem duas expressões que deixam o mesmo resto na divisão por n, digamos mx 1 + y 1 e mx 2 + y 2, com x 1 > x 2. Assim, mx 1 + y 1 mx 2 + y 2 (mód. n) m(x 1 x 2 ) y 2 y 1 (mód. n) Note que y 1 y 2 pois senão x 1 = x 2. Assim, sendo x = x 1 x 2 e y = y 1 y 2, temos 0 < x a 1 e 0 < y b 1 e mx ±y (mód. n) Vamos mostrar mais uma aplicação de Combinatória, agora com contagem. Lema 2.4. Se p = 4k + 1 é primo, existe x tal que x 2 1 (mód. p). Vamos repartir o conjunto {1, 2,..., p 1} em conjuntos da forma C a = {a, p a, a, p a}, em que a é o inverso de a mód p. Note que C 1 = {1, p 1}, pois o inverso de 1 mód p é 1. Além desse conjunto, como p 1 = 4k é múltiplo de 4, deve haver mais um conjunto C m com 2 elementos. Isso ocorre quando m p m (mód. p) m 2 mm 1 (mód. p). Note que não pode ocorrer m p m (mód. p) nem m m (mód. p). Agora, vamos provar um dos teoremas mais belos da Teoria dos Números. Teorema 2.3. Todo primo da forma p = 4k + 1 pode ser escrito como soma de dois quadrados. Sejam m tal que m 2 1 (mód. p) (ele existe pelo lema anterior) e g o menor inteiro maior que p. Assim p < g 2, e pelo primeiro lema desta seção, existem inteiros x {1, 2,..., g 1} e y {1, 2,..., g 1} tais que mx ±y (mód. p) = m 2 x 2 y 2 (mód. p) x 2 + y 2 0 (mód. p) Assim, x 2 + y 2 é múltiplo de p e, como 0 < x, y < g, 0 < x 2 < p e 0 < y 2 < p, 0 < x 2 + y 2 < 2p. Mas o único múltiplo de p entre 0 e 2p é p, ou seja, p = x 2 + y 2 pode ser escrito como soma de dois quadrados. 2.5. A seqüência de Fibonacci e um pouco de Combinatória Uma das seqüências de números inteiros mais interessantes da Matemática é a de Fibonacci: 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, 377,...

Descobriu o padrão? Sim, é isso mesmo! Cada termo é a soma dos dois anteriores. Ou mais formalmente, F 0 = 0, F 1 = 1 e, para n 0, F n+2 = F n+1 + F n. A verdade é que o (n + 1)-ésimo termo da seqüência de Fibonacci é igual ao número de maneiras de preenchermos uma caixa 2 n com dominós. Com efeito, há F 2 = 1 maneira de preenchermos a caixa 2 1 e F 3 = 2 maneiras de preenchermos a caixa 2 2. Além disso, o número de maneiras de preenchermos a caixa 2 (n + 2) é igual ao número de maneiras de preenchermos a caixa 2 (n + 1) (se o seu último dominó está de pé) mais o número de maneiras de preenchermos a caixa 2 n (se o seus dois últimos dominós estão deitados). Uma identidade interessante que prova, entre outros fatos legais, que mdc(f m, F n ) = F mdc(m,n), é F m+n+1 = F m+1 F n+1 + F m F n ( ) Uma demonstração bem rápida utiliza uma das técnicas mais poderosas da Combinatória: a contagem dupla. Vamos contar duas vezes o número de maneiras de preenchermos uma caixa 2 (m + n) com dominós. A primeira a gente acabou de fazer: é F m+n. A segunda é mais interessante: trace uma reta dividindo a caixa em duas caixas, uma 2 m e outra 2 n. Tal reta pode atravessar um par de dominós deitados ou não. Vamos contar nos dois casos. Logo ( ) está provado. 3. Geometria Como você pode ver, aplicações de Combinatória à Teoria dos Números são bastante freqüentes e, depois de ver alguns exemplo, até naturais. Mas e a Geometria. O que o estudo das figuras tem a ver com números inteiros? Uma das figuras mais simples da Geometria é o quadrado. Sabemos que a área de um quadrado de lado l é l 2. Será que é daí que vem o nome quadrado perfeito? 3.1. Mais uma identidade com Fibonacci: recortando quadrados de um retângulo Outra identidade interessante com números de Fibonacci é F n+1 F n = F 2 n + F 2 n 1 + + F 2 2 + F 2 1

Você consegue enxergá-la na figura a seguir, em que fizemos n = 6?? F 2 5 F 2 6 F 2 3 F 2 4 F 2 2 F 2 1 Essa idéia pode ser generalizada para resolver os seguintes problemas, que caíram no Torneio das Cidades: Exercícios 01. (Torneio das Cidades) Na lousa estão escritos os números inteiros positivos x e y, x < y. Maria escreve em seu caderno o quadrado x 2 do menor deles, apaga a lousa e escreve os números x e y x. Ela repete o procedimento acima (escreve quadrado do menor, apaga a lousa, escreve o menor e a diferença na lousa) até que um dos números seja zero. Qual é a soma dos números escritos no caderno de Maria? 02. (Torneio das Cidades) Na lousa estão escritos os números inteiros positivos x, y e z. João escolhe dois dos números, escreve o produto deles em seu caderno e apaga o número que sobrou, substituindo-o pelo antecessor. Ele repete o procedimento acima até que um dos números seja zero. Qual é a soma dos números escritos no caderno de João? 3.2. O Problema 6 da IMO 2001: como obter uma fatoração inacreditável com Geometria Problema 6, IMO 2001. Sejam a, b, c, d inteiros com a > b > c > d > 0. Considere que ac + bd = (b + d + a c)(b + d a + c). Prove que ab + cd não é um número primo. Resolução Primeiro, vamos abrir a equação dada. Obtemos a 2 ac + c 2 = b 2 + bd + d 2. E é aí que entra a Geometria. 3.3. Geometria? Onde? Alguns fatos da Geometria É que triângulos com lados a, c e a 2 ac + c 2 têm um ângulo de 60. E o mais interessante, triângulos com lados b, d e b 2 + bd + d 2 têm um ângulo de 120. Não vamos provar isso aqui, mas adiantamos que isso vem da lei dos co-senos.

E, do fato que a 2 ac + c 2 = b 2 + bd + d 2 podemos construir dois triângulos com um lado comum: 3.4. Quadriláteros inscritíveis Quando a soma de dois ângulos opostos de um quadrilátero é 180, ele é inscritível, ou seja, existe um círculo que passa pelos seus quatro vértices (e isso não acontece com qualquer quadrilátero!). Em quadriláteros inscritíveis, vale o teorema de Ptolomeu (que também deixaremos sem demonstração): Teorema 3.1. Em todo quadrilátero inscritível ABCD, AC BD = AB CD + AD BC Para você se situar: AC e BD são diagonais; AB e CD são um par de lados opostos; AD e BC são o outro par de lados opostos. Vamos aplicar esse teorema! No nosso quadrilátero, xy = ab + cd. Opa! Apareceu ab + cd! Com algumas contas envolvendo (novamente) a lei dos co-senos, obtemos y 2 = (ab + cd)(ac + bd) ad + bc

Assim, como x 2 y 2 = (ab + cd) 2, e obtemos a nossa incrível fatoração! (a 2 ac + c 2 )(ab + cd)(ac + bd) ad + bc = (ab + cd) 2 (a 2 ac + c 2 )(ac + bd) = (ab + cd)(ad + bc) Agora, suponha que ab + cd é primo. Então, como (a d)(b c) < 0 ac + bd < ab + cd (verifique!), ac + bd não pode ter fator comum com ab + cd (que seria o próprio). Então ad + bc é múltiplo de ac + bd, o que implica ad + bc ac + bd, o que é falso porque na verdade ad + bc < ac + bd (verifique!). Logo ab + cd não pode ser primo.